A visão política necessária chegou tarde demais

Marco Aurélio Nogueira

30 Agosto 2016 | 12h42

Foi somente ao final da sessão, quando o relógio marcava 23h, que Dilma Rousseff fez a afirmação que teria dado consistência maior a toda a sua atuação nas intermináveis horas anteriores.

Ao lembrar que maiorias parlamentares são essenciais ao processo de tomada de decisões governamentais, ela acenou para o “centro democrático”, para aquele encontro de águas políticas que ela e seu partido enxergaram predominantemente pela ótica do fisiologismo: busquemos o apoio daqueles que se dispõem a nos apoiar em troca de certos recursos de poder, que temos como distribuir. Fizeram assim maiorias circunstanciais, vazias de compromissos programáticos ou densidade política – maiorias para aprovar propostas tópicas e atender a interesses localizados, não para governar com os olhos no futuro ou na estabilidade governamental. Trata-se, em outras palavras, da tão falada política de alianças, verdadeiro calcanhar de Aquiles do ciclo petista. Ao errar nela, o PT cavou uma trilha que acabou por engoli-lo.

Foi o melhor momento da longa sessão do Senado. Dilma foi vigorosa, ainda que em tom ameaçador e professoral, como se estivesse a dar lições aos senadores. Disse que os futuros governantes viverão dias de inferno se não derem prioridade a uma reforma política que reduza drasticamente a fragmentação partidária e discipline a formação de maiorias parlamentares. Disse também que os defensores da democracia e do bem-estar social precisam se unir e cerrar fileiras em nome do país.

Ou seja, falou aquilo que em 13 anos de governo petista não foi feito e nem pretendido. Dilma, em particular, marcou seus mandatos pela hostilidade à política e aos políticos, contribuindo decisivamente para quebrar qualquer possibilidade de diálogo com as correntes democráticas do centro liberal e da centro-esquerda, sempre tratadas como inimigas principais e expressões desencarnadas do demônio neoliberal. Com isso, criou-se um clima de “hiperpolitização” que praticamente vetou qualquer intento de unidade ou aproximação, sobretudo entre os que pensam de forma diferente. Clima que a bancada de senadores do PT insistiu em alimentar, chegando mesmo ao histrionismo muitas vezes agressivo e autoritário. O debate, indispensável à democracia, foi empurrado para a margem, substituído pelas ofensas e estigmatizações.

Tivesse ela usado os termos daquela resposta, dada às altas horas, para estruturar sua estratégia de defesa, fazendo a devida crítica e autocrítica, e o desfecho de sua história talvez fosse outro. A visão política que lhe teria possibilitado recompor parte de suas bases chegou tarde demais.

 

Disponível no site http://politica.estadao.com.br/blogs/marco-aurelio-nogueira/a-visao-politica-necessaria-chegou-tarde-demais/ (acessado no dia 30/08/2016 às 13h16)

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