Intolerâncias e outras intransigências

Gilberto Barbosa dos Santos

 

A quem de fato a verdade pertence? Quem está com a razão? As respostas a essas duas interpelações, normalmente passam pelo que o indivíduo, que se propõe a se enveredar pelos caminhos que o impelem a tal empreitada, é em sua essência, levando-o ao que disse Sócrates, exímio pensador da antiga Grécia, “conheça-te a ti mesmo”! Essa tarefa parece árdua quando o sujeito social é incapaz de distinguir os sentimentos das emoções – assunto mais para o ramo da Psicologia do que para um cientista social, entretanto, no presente muito do comportamento social do homem está atrelado ao que lhe vai à mente e na psique – que me corrijam os amigos psicólogos!

Mas deixarei o mundo mental do ente para aqueles que se ocupam desse ofício e me deterei no ser sociável e seus níveis de intolerâncias e intransigências. Uma questão emblemática me faz diariamente percorrer vários pontos de minha formação acadêmica lá na década de 90 do século XX – e não faz tanto tempo assim, pois muitos daqueles que participaram comigo do movimento estudantil da época estiveram na proa da política nacional ou ainda permanecem, alguns com acusações tramitando nos principais Tribunais de Justiça do país. Sobre isso, é preciso observar que as divergências não se encontravam e não permanecem no campo ideológico, mas, ao que tudo indica, está no âmbito ético e moral, no entanto, deixo essa pendenga para outro momento.

Contudo, mesmo não me enveredando por esse campo repleto de complexidades, não há como deixar a temática ideológica de lado, já que a mesma é um dos focos das intolerâncias e outras intransigências na contemporaneidade. É muito comum eu me deparar com alguns interlocutores tentando auscultar um posicionamento política. Parece-me que essa busca objetiva me definir e, em seguida, me desqualificar através de um simplório balizamento ideológico. Lógico que sempre há um lado e, eu, na condição de ser social, os tenho, mas com certeza, este não coaduna com condutas antiéticas e imorais defendidas por mercadorias políticas interessadas em se encastelarem no poder, seja onde ele estiver: no Estado, em instituições públicas ou privadas. Os artifícios usados para atingir tais fins são os mais baixos e vis. Portanto, creio ser impossível me bandear para esses lados.

Neste sentido, entendo que a intolerância humana não se encontra apenas no campo ideológico-político, mas em outras esferas da existência social, como por exemplo, na vida religiosa. Nesta esfera, residem as maiores atrocidades cometidas em vários cantos do orbe terrestre, já que o homem tem por hábito classificar, rotular – como se o seu semelhante fosse um produto que merecesse uma chancela disso e daquilo. Porém, aqui todos são entes morais e éticos e não definem o seu semelhante pela sua colocação no campo religioso, todavia, nos bastidores, esfola, denigre, ofende, imputa-lhe diversas adjetivações negativas justamente porque o “outro” não lhe comunga os seus preceitos recheados de princípios antiéticos e imorais. Mas ai, dependendo da posição que o agente da adjetivação negativa se encontra, o quase dito, sussurrado, passa a ter força e tornar-se verdade, não importando se a palavra soprada nas caladas, nos bastidores, norteada por soslaios acusatórios, vai ou não prejudicar o ser a quem as classificações negativas são direcionadas. O que importa é sempre a mesma coisa: “você pertence a tal família, renomada de determinada paragem, merece toda a minha confiança!”.

Todavia, para não perder o foco das minhas enunciações e, abandonando a ideia duma suposta narrativa de uma primeira pessoa do singular, me enveredo por uma área mais ampla, principalmente quando sou informado de que a intolerância religiosa, algo que deveria ter ficado lá no passado do Brasil, ainda campeia as paragens brasileiras nessas primeiras décadas do Terceiro Milênio. Primeiramente, o sujeito que se crê religioso e que professa uma doutrina, deveria compreender que o país, por ter em sua base escudada em três matrizes étnicas, se tornou uma Nação sincrética que agregou elementos das três religiões que fundamentam a existência desta Nação. Desta forma, antes de emitir qualquer opinião sobre a crença alheia, é preciso compreender a diversidade cultural do país em que reside. Por exemplo, o que os elementos africanos, que foram desterrados como mercadorias que deveriam ser exploradas à exaustão física, deixaram para a formação histórica do Brasil? Para que saber, quando é mais fácil, vilipendiar, classificar, adjetivar como algo negativo. Contudo, tal comportamento pode estar pautado na pura falta de informação e na inabilidade de transformar informação em conhecimento, colocando em prática uma observação significativa dos tempos da Revolução Francesa: “não concordo com o que dizes, mas defenderei eternamente o direito de dizeres”. Transportando essa máxima para o denso campo religioso, é preciso compreender que todos, independentemente do que pensa o seu semelhante, tem o direito de acreditar ou não naquilo que melhor lhe aprouver, no entanto, se registra sempre o contrário.

Se antes, a intransigência e suas intolerâncias eram encontradas no campo ideológico-político-econômico – um dos exemplos são os regimes totalitários que grassou o planeta nas primeiras décadas do século XX – daí o trabalho de pensador alemão Karl Mannheim (1893-1947) –, agora a intolerância avança para outros gramados e, quando se pensa na Europa, a xenofobia, o medo, a bandeira do atroz nacionalismo – tentando-se apagar o colonialismo praticado a exaustão no século XIX – tomam conta das ruas, dos palácios, das manifestações e o Brasil, mesmo que de forma lenta e muito timidamente começa a abraçar coisas semelhantes, conforme se pode observar na solicitação de medidas arbitrarias, típicas dos regimes de exceções ou quando a sociedade política produziu personalidades como o populista ex-presidente Getúlio Vargas (1882-1954), de acordo com a trilogia da vida desse gaúcho criador do Estado Novo, escrita pelo jornalista Lira Neto.

Ao analisar meticulosamente o Zeitgeist [espírito da época] que gerou Vargas e sua existência política, é possível encontrar lampejos de ontem nos desejos dos cidadãos de hoje, todavia, como afirmava Karl Marx (1818-1883), a história se repete, uma vez como farsa e outra como tragédia. Se na era varguista tudo foi uma farsa populista para o patriarca se mantivesse no poder durante muito tempo, no presente tais atitudes de uma massa amorfa, despolitizada e sem cidadania, poderá vir a se tornar uma enorme tragédia para a nossa frágil democracia. Mas ainda há esperança no existir político de uma Nação e ela pode ser coroada em Outubro deste ano quando os brasileiros forem convocados a escolherem seus representantes nos Legislativos e Executivos estaduais e federal do Brasil. Que a intolerância e a intransigência não sejam a tônica das relações eleitorais.

 

Gilberto Barbosa dos Santos, Sociólogo político, editor do site www.criticapontual.com.br, autor do livro O sentido da República em Esaú e Jacó, de Machado de Assis; professor do ensino superior e médio em Penápolis; pesquisador do Grupo de Pensamento Conservador – UNESP – Araraquara e membro do Conselho Editorial e Científico da revista LEVS (Laboratório de Estudos da Violência e Segurança) – UNESP – Marília; escreve às quintas-feiras neste espaço: e-mail:gildassociais@bol.com.br; gilcriticapontual@gmail.com. www.criticapontual.com.br.

 

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