Direita quase virando à esquerda

Gilberto Barbosa dos Santos

 

Bem que estou tentado a escrever sobre as escaramuças, acusações daqui e dali que, há certo tempo, sacodem a capital federal – Brasília [outrora o centro era o Rio de Janeiro e o Palácio do Catete – Getúlio Vargas (1882-1954) que fale sobre as escaramuças palacianas], principalmente agora que o presidente – mesmo que muitos não queiram, ele o é de fato e de direito – Michel Temer entrou na mira da Justiça Federal a partir de delações advindas de várias fontes, todavia, a prudência de cientista social requer, pelo menos eu compreendo assim, certo distanciamento das pendengas para escrever algo com um quantum significativo de isenção – mas isso não me impede de dizer que o atual mandatário nacional não reúne condições de se manter no posto que ocupa por ter sido escolhido democraticamente como vice-presidente na chapa encabeçada pela petista Dilma Rousseff – não foi apenas uma única vez, é preciso ter claro que ele foi reeleito e lá se encontra por conta da legislação. Portanto, quem não gosta da lei, deve muda-la através das urnas escolhendo políticos vocacionados e comprometidos com as causas nacionais.

Feitas as ressalvas, um tanto quanto digressivas para uns e explicativas para outros, cabe agora ingressar na temática da reflexão desta quinta-feira, primeiro dia de inverno de 2017 – a previsão para hoje é duma média em torno dos 21ºs -, e um dia depois do aniversário do escritor brasileiro, Machado de Assis (1839-1908). O título diz respeito às regras de trânsito: em Penápolis ele se encontra caótico e nem um mísero sinal de municipalização – ainda não entendo porque num ontem não muito remoto isso era possível, inclusive os defensores “perseguiam” a administração com essa ideia, mas bastou virarem governo para deixarem de ser Dom Quixotes da medida. Errou quem pensou assim, isto é, que eu iria tratar da problemática envolvendo as ruas, avenidas e cruzamentos da cidade sem um semáforo se quer em vias que indicam congestionamento – talvez isso ocorra porque muitas pessoas gostam de pensar que residem em metrópoles e podem se exibir no caos e suas maravilhosas máquinas de poluir juntamente com seus possantes automóveis. No momento não tenho a menor intenção de me envolver com essas questiúnculas, mas quem sabe num futuro não muito distante.

Se minha catarse hoje não se relaciona com as sarjetas, asfaltos, sinalizações de trânsito e outros faróis, então o que balizará as linhas que se seguem? A interpelação tem fulcro no título que encabeça as enunciações que prosseguirão, portanto, devo respondê-la de forma clara e objetiva para os meus leitores – não sei quantos são, isto é, se muitos ou poucos, mas o certo que os tenho! Se isso é fato, então esses viventes, que me leem semanalmente, merecem textos que preencham suas dúvidas quando a temática diz respeito ao universo da política, mas não essa feita pela pequenez de sujeitos vaidosos, presunçosos que se acham acima do bem e do mal e que tudo de bom que acontece na paróquia é por conta dele e os males, espalhados pela caixa de Pandora, são provocados pelos outros e adversários que outrora lhe foram amigos. Mas até sobre isso eu vou declinar, deixando esse tema para outro momento, pois agora pretendo me imiscuir num assunto tão interessante quanto o da política tupiniquim, já que diz respeito a todos nós: afinal, sou ou não de direita? Faço-me essa pergunta por que, não faz muito tempo, fui chamado de direita por determinados seguidores duma certa forma ideológica de interpretar a sociedade globalizada. Desde então, me coloquei à tarefa de tentar entender o que seria isso, sem, no entanto, virar à esquerda ou à direita depois de descobrir o que seria ser de direita ou quase isso.

Desde então venho navegando por mares bravios tentando achar essa direita e suas ideias, seguindo as pseudopegadas daqueles que sempre apontaram ser este, que vos escreve possuidor de certo viés ideológico direitista e um quantum de liberalismo. Mas, confesso-te caro narratário que cansei de buscar essa tal teoria que escudaria meus ideários enquanto ser humano que almeja viver num mundo melhor, sem corrupção, sem escolhas feitas a partir dos conchavos, pelas definições cujos arautos acham serem as certas, isto é, este é de direita, aquele é de esquerda, aquele outro é de extrema-esquerda, fulano é fascista, beltrano é reacionário e sicrano é conservador, como se a pessoa fosse uma embalagem para usar rótulo. Depois de tanto apontar nas outras pessoas, quem sabe, as características que lhes apetecem, os integrantes desse grupo podem até dizer: “nós somos os detentores da verdade histórica e o que fazemos está conduzindo a classe trabalhadora ao paraíso do consumo”. Será que dizem isso mesmo?  Não sei ao certo, mas uma coisa é real: o sectarismo não parte daqueles que recebem a pecha de direita e neoliberal, mas sim dos que lhes tentam adjetivar. Senão vejamos: numa recente entrevista um ex-secretário do petismo nacional afirma estar “a direita solta, nadando de braçada depois do golpe”. Até ai nada demais, contudo, fica-me uma coisa meio vaga, tendo em vista que este deveria definir muito bem o que seria essa direita, levando em conta que, nos últimos 14 anos, o PT governou o país de mãos dadas com políticos mais associados ao universo do reacionarismo do que propriamente do conservadorismo e de direita.

Para ajudar na reflexão que, eu creio, possa ser feita após o término da leitura deste quase enredo ou libelo, que de satírico não tem nada, deixo aqui duas perguntas formuladas pelo jurista e filósofo italiano, Norberto Bobbio (1909-2004), na obra Direita e esquerda – razões e significados de uma distinção política (Ed. UNESP, 1995 – Tradução Marco Aurélio Nogueira). “Como fazemos para dizer que tal medida governamental não é nem de esquerda nem de direita, se não temos a mínima ideia a respeito do significado dessas duas palavras, ou se consideramos que tinham um significado tempos atrás e hoje não o têm mais? Como fazemos para dizer que as duas palavras perderam o sentido porque um partido que era de direita agora pratica uma política de esquerda, se não continuamos a crer que as duas palavras ainda significam alguma coisa?” (BOBBIO, 1994, p. 13). E agora como é que a pendenga, ou como dizia Glauber Rocha, a peleja entre Deus e o Diabo na Terra do Sol, fica? Ser de direita ou de esquerda? Eis a questão! Na mesma edição em que circulou a entrevista com o petista, o leitor também encontrará o artigo A fogueira das vaidades, escrito pelo intelectual português João Pereira Coutinho, autor da obra As ideias conservadoras explicadas a revolucionários e reacionários (Ed. Três estrelas, 2014). Nele, o cronista recupera o filósofo inglês John Locke (1632-1704) – autor do clássico Segundo tratado sobre o governo civil (Ed. Vozes, 1994) – para quem “não cabe ao Estado legislar sobre a alma dos homens”.

Mas e ai, ser ou não de direita continua sendo a questão principal no meu diálogo de hoje com quem chegou até o final desta minha enunciação? Se desejar um Estado mais racional, portanto burocratizado objetivando sempre a eficiência da máquina pública é ser de direita e liberal, me parece que sou então signatário defensor desse ideologismo. Querer um Estado em que a meritocracia reine em todos os níveis da estrutura administrativa é ser de direita, então o que devo dizer aos meus interlocutores? Desejar um aparelho burocrático enxuto sem os famigerados cargos de compadrio e que gaste apenas o que arrecada, é ser conservador, sendo assim o que me resta? Almejar um Leviatã que esteja a serviço dos pagadores de impostos é ser de direita, então que eu posso fazer? Querer igualdade de condições para todos é ter inclinações neoliberais, sendo assim, meus livros de cabeceiras serão todos aqueles escritos por Milton Friedman.

 

Gilberto Barbosa dos Santos, sociólogo, professor no ensino superior e médio em Penápolis. Pesquisador do Grupo Pensamento Conservador – UNESP e membro do Conselho Editorial e Científico da revista LEVS-UNESP. Escreve às quintas-feiras neste espaço: www.criticapontual.com.br. E-mail: gilbertobarsantos@bol.com.br, gilcriticapontual@gmail.com, e social@criticapontual.com.br.

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