Por: Gilberto Barbosa dos Santos!!
Em uma manhã de sábado, dessas em que o comércio local resolve liquidar tudo, de caixas de fósforo até Ferrari, caminhava em direção à região central da cidade observando o sol, que de um lado estava a pino e, de outro, as nuvens negras se armavam para a batalha com o astro rei e, caso vencesse, regaria a existência de seres que já encharcavam suas roupas enquanto disputavam preços irrisórios nas mais diversas lojas da cidade. Enquanto confabulava com os meus botões em busca da culpa por conta da situação climática a que todos se expunham, percebi que estava passando por uma das pontes construída sobre o córrego que corta a cidade ao meio, a exemplo do que faz a saudosa Estada de Ferro. Em uma das margens do referido riacho fica as sede do Legislativo e do Executivo municipal.
Observei que dois homens, sentados sobre a mureta da ponte, conversavam animadamente e o assunto não podia ser outro: futebol e qual time seria o campeão e quem beijaria a latrina da segunda divisão. Ao passar pelos dois, observei que falavam da equipe profissional da cidade e se seria correto ou não a prefeitura ajudar a agremiação. Como não sou ligado a essas coisas, apenas limitei-me a cumprimenta-los, já que os conhecia de outras paragens: ambos frequentavam o bar da NET, tradicional ponto de encontro de trabalhadores autônomos. O homem da esquerda era Zeziana – pintor de paredes que sempre gostava de tomar uns tragos entre uma parede e outra. O da direita ganhava a vida instalando aparelhos de ar condicionado e estava rindo a toa, já que, enquanto São Pedro castigava os viventes com o calor, ele ia ganhando dinheiro para custear a vida e suas rodadas de cervejas no Da NET. Todos o tratavam como Jão do Vento – talvez por conta do ofício de ventilar a vida dos seus fregueses.
Após saudá-los, meio que apressadamente, segui o meu caminho. Pensava em dar uma sapeada no comércio, mas queria fazer isso logo e voltar para a casa, já que o calor fazia inveja ao Saara e as nuvens prometiam coisas fantásticas para a parte da tarde – isso se o astro rei deixasse. Fiz o trajeto de sempre, automaticamente, já que os pés estavam acostumados com aquelas ruas e seus calçamentos, ora bons ora esfarelados e suas caçambas e sacolas de lixo espalhadas pelas guias e sarjetas, atrapalhando os transeuntes que muitas vezes eram obrigados a irem para o meio da rua para não serem atropelados pela sujeitara alheia.
Perambulei de loja em loja e não encontrei nada que me apetecesse ou satisfizesse os reais reis que ainda mantinha no bolso. Limitei-me a adquirir uma camisa que estava em liquidação, mais para não voltar de mãos abanando para casa do que propriamente pela necessidade de ter uma nova vestimenta em meu mirrado guarda-roupas que, de novo só tinha as portas, trocadas em uma oficina que ressuscita móveis condenados pelo tempo e banquete para os cupins. Minha peripulação pelas barracas e lojas espalhadas pelo centro durou pouco mais de meia hora, tamanha a falta de novidade e de dinheiro para comprar aquilo que poderia me fazer feliz, nem que fosse por uma noite apenas.
Feitas as compras, ou melhor, a compra, o momento era para colocar os pés em sentido contrário, como curupira, e retornar. Pensei em fazer um caminho diferente, mas achei que não valeria a pena tal sacrifício, então fiz a mesma rota da ida. Sacola na mão a balançar, pelo menos para dar-me a sensação de consumidor, afinal tinha algo nas mãos para chamar de meu até o raiar de um novo desejo. O trajeto foi realizado da mesma forma, cheio de confabulações sobre isso e aquilo – o conteúdo pode ser considerado inenarrável para o leitor, tamanha inutilidade. Ao passar novamente pela ponte, lá estava os dois parceiros de outrora a conversarem sobre coisas animadoras, ou não, depende do ponto de vista de quem está lendo ou ouvindo os dois falarem de tudo e de nada ao mesmo tempo.
Cumprimentei-os novamente e quando chegava ao final da ponte, Zeziana me chamou, fazendo uma pergunta em seguida:
– Você que entendido das coisas, o que acha dos fatos que vem ruminando pelas ruas da cidade? É um zunzum danado e tá todo mundo dizendo isso e aquilo!
Voltei-me para o lado de onde vinha o som, explicando-me que não poderia opinar sobre nada, mesmo porque não sabia sobre o que os dois tanto falavam. Fui ao centro e ambos conversavam. Volto e eles continuavam o palavrório. Desta vez foi Jão do Vento que me colocou a par da acalorada temática que já tinha ido do futebol à religião e a proliferação de igrejas pelos quatro cantos da cidade, terminando com a política.
– Olha! Tem coisas que prefiro ficar com a boca fechada, mesmo porque, embora não estejamos entre quatro paridades, essas árvores que ladeiam o nosso córrego, têm ouvidos e ai pode soprar minhas opiniões lá pelos lados da prefeitura e ali tem um montão de gente que gosta de uma bajulada. Como não sei fazer isso, então o que eu disser, pode soar como as trovoadas que ameaçam entoar pelo nosso céu ainda hoje!
– O que é isso rapaz! – exclamou o Vento. Não confia na gente? O que disser ficará aqui conosco como segredo de copo! Além do mais, todos podem dizer o que bem entenderem, ninguém é dono da boca, do pensamento e do coração de quem quer que seja… A não ser que esteja comprometido com deus e todo mundo! E acho que esse não é o seu caso. Ou é?
– Tá bom!!! O que vocês querem saber?
Zeziana falou que havia um zunzum na cidade que o prefeito havia perdido o cargo por conta de decisões da Justiça ou coisa parecida e tinha ainda uma tal de inelegibilidade que estava tirando o sono dele e seus secretários. Parecia que ele tinha que devolver um dinheiro da época que ainda não estava na prefeitura.
– Outros chegam a dizer coisas sobre que, se for verdade, a cidade ficaria desgovernada. O que é verdade nisso tudo?, perguntou Vento com ar de desespero, afinal, dava a entender que tinha votado no governante por conta de umas promessas que não sabia explicar, pelo menos era isso que os seus amigos de bar falavam.
Eu mesmo cheguei a inquiri-lo em outra ocasião, mas desconversou, olhando para todos os lados, então resolvi deixar pra lá. Afinal, o voto é secreto e cada um faz dele o que quer, só não vale depois ficar reclamando que a mercadoria adquirida não funcionou a contento, mas sendo um produto específico, só poderia ser devolvido depois de quatro anos.
Em tom professoral, coloquei-me a explicar sobre as duas coisas, sem entrar no conteúdo do que eles achavam ser o motivador da tal da queda do chefe do Executivo por força da lei.
– Em primeiro lugar, o que eu li nos jornais foi de que um promotor, que não qual é o seu nome, pediu a cassação dele, por conta de problemas na prestação de contas de uma gestão anterior apontados pelo Tribunal de Contas. Mas dai dizer que ele vai ser cassado é outra história e depende da Justiça local. Mas imagina que o juiz mande que ele deixe o assento, acho que cabem recursos feitos em São Paulo e Brasília e, conforme eles forem sendo rejeitados ou concedidos liminares, ora ele sai, ora ele fica prefeito e quem perde é a cidade! Mas se a solicitação da Promotoria tiver base e, pelo que eu sei tem fundamento nas leis, ele deve ser sentenciado, mesmo que ele esperneie, a letra fria da lei falará mais alto, todavia, de recurso em recurso, a cidade vai para o buraco, não o negro que consome toda matéria existente ou do dinheiro, mas o da ingovernabilidade.
– Ah! Então quer dizer que não tem nada ainda definitivo e ele continuará mandando na cidade?, perguntou Zeziana entre ar de preocupação, mas já querendo fazer pilheria com o desespero do amigo Vento que sonhou com bons ventos com essa administração, mas que até agora só ouviu palavrórios e outras conversas que a brisa matinal sempre leva embora.
– É! Tem muita água para passar em baixo dessa ponte que estamos em cima, mas uma coisa é certa: com o percentual de votos que ele teve, não poderia ser diferente, já que entre cada 100 eleitores, 65 querem vê-lo fora da vida pública da cidade. Mas vamos aguardar o andar da carruagem e ver se os cavalos conseguem puxá-lo até o final do mandato.
Vento, mais aliviado com a minha informação, mas incomodado com o forte calor que fazia me fez mais uma perguntinha, desta vez sobre o que significava ele estar inelegível, pois a conversa sobre isso corria os quatro cantos da cidade e onde quer que ele fosse instalar um ar condicionado, o assunto era o mesmo.
– Ele está ou não inelegível?
– Está sim! Mas isso não significa que ele tenha que sair do cargo agora! Pela legislação, como houve uma decisão de um órgão colegiado, no caso, a recusa das contas, ele fica impossibilitado de se candidatar à sua própria reeleição ou a qualquer cargo eletivo, como de vereador. Do mais, a vida segue o jogo e como dizia Machado de Assis, isso lá são coisas futuras.
– Mas quando for a época, ele pode recorrer?, perguntou Zeziana.
– Bom! Pode, pode, aliás qualquer político pode recorrer até a última instância, porém, já há casos semelhantes na cidade que os quase candidatos ficaram impedidos de conseguir entoar o canto da sereia para levar os leitores para o fundo do mar da demagogia eleitoral. Desta forma, todos nós temos que esperar o movimento das águas do nosso córrego do Maria Chica.
– Trocando de pato para ganso, o que você do nosso time de futebol?, perguntou-me Vento.
Fui certeiro: “- Não gosto de futebol, então não posso falar sobre isso e nem sobre qualquer outro time, nem da seleção brasileira. Não entendo como um montão de gente é capaz de ficar brigando, discutindo porque tem 22 homens correndo atrás de uma esfera, dentro de um espaço geométrico. Sinceramente, não vejo graça nisso!”
– E as mulheres? Desta você gosta?, questionou Vento.
– Claro, mas conversamos disso em outro momento, tenho que ir para casa. A chuva já está chegando e quando isso acontecer, quero estar sob as minhas teias ou telhados.
Zeziana ainda insistiu com o assunto da política, perguntando minha opinião sobre a qualidade dos representantes do povo na Câmara.
– Como eu sempre digo: não sou representado por eles, já que votam sempre com o prefeito, mesmo a população querendo outra coisa, esses políticos preferem dançar a música entoada pelo chefe do Executivo, mesmo que ela seja executada por instrumentos desafinados, mas dor de barriga não dá uma vez só. Amanhã eles vão precisar de novo do povo e eu espero que as traições não sejam esquecidas, nem mesmo pelas mais lindas promessas, disso e daquilo que intermediou um montão de verbas, repasses de não sei de onde e nem para onde vão. Só sei que a qualidade dos nossos políticos está abaixo de zero e isso é resultado dos desejos do nosso povo.
Despedi-me dos meus dois amigos, prometendo novas conversas sobre tudo e nada, desde que o tudo não envolvesse futebol, política e religião e desde que o nada fosse sobre o buraco negro da situação da cidade. Mas ai é outra história, para o momento, me parece que a conversar sobre as águas do Maria Chica, trouxe clareza para os dois angustiados eleitores do município que, a exemplo de muitos, votam com o coração e não com a razão.
Enquanto me distanciada da dupla fiquei pensando em uma frase que li num jornal que circula pelas quatro bandas do país sobre um escritor brasileiro de grande envergadura. Parece-me que num determinado momento de sua trajetória literária teria dito que “uma pérola vale mais que seixo” e que por conta disso preferiria um “diamante Regente às pirâmides do Egito; o tamanho não vem ao caso; cavalo grande, besta de pau”.