Penumbras e sutilezas do silêncio

Gilberto de Assis Barbosa dos Santos*

          Por que silenciar, quando o que mais queremos é falar, talvez berrar, gritar, enfim, verbalizar o que vai n’alma? Talvez por que o nosso interlocutor não quer nos ouvir, não deseja escutar o som que estamos emitindo? Pode ser qualquer coisa, até porque não temos como dar conta sobre o que vai no íntimo de alguém e como este se predispõe a nos dar voz. Aliás, o processo de escuta e acolhimento, provavelmente seja uma das tarefas mais urgentes a serem realizadas neste momento complexo pelo qual passa a humanidade.

          Se escutar e acolher, até mesmo o som que vem d’alma, está difícil, o que dirá então da afeição. Todos desejam ser afetados pelos afetos, ser compreendidos em suas escolhas, encontrados por corações alheios que nos querem bem, independentemente de quem sejamos ou almejamos ser. Talvez, por conta dessas complexidades, é que os caminhos a serem percorridos a partir de hoje seja o mutismo, a cegueira, motivada por se dizer o que está vendo. Entretanto, o “não” deixará de ser um simples “não”, passando a ser absorvido como ofensa. Então não diga, mesmo que enxerga, seguindo em frente com o silêncio verbal, mas com grande sonoridade n’alma e no coração.

          Mas o que fazer diante dum quadro grotesco como que se nota no presente, gerando penumbras e suas fantasmagorias? Creio, meu caro leitor, que a escrita, mesmo sendo um ato solitário, pois quem se atreve a rascunhar algo deve ter em mente haver a necessidade de se inventar um contraponto, para que o dito, não morra na própria confecção da palavra soprada e tornada signo por intermédio do escrevinhador. Como seria a construção desse “outro” do próprio “eu” enunciador, uma espécie de leitor anônimo ou até imaginário? Claro que a arquitetura desse “outro” “eu” existente fora do texto, teria ou tem, não sei ao certo, o escopo de movimentar as narrativas, dando vida ao que se pretende externalizar no aqui e agora do enredo, mesmo que seja confeccionado de forma sintética. Eis o devir do dever da escrita. Então vamos a ela, eu aqui e tu aí do outro lado da narrativa.

          Passei a vida sonhando com o amor e em ser escritor. Até que rimou o verbo com o adjetivo. Observe, caro leitor, que uso a primeira pessoa. Quem sabe um dia não escrevo uma crônica tratando de todas as pessoas gramaticais. Mas enquanto isso não acontece, permaneço nessa construção textual de agora nesse contexto gramatical. Hoje, tendo no pretérito uma significativa experiência, o que sobrou para empurrar o meu veículo chamado vida em direção ao futuro? Outra mania desse que vos escreve, gentil leitor, perguntar, bem ao estilo das crianças desejosas em saber tudo sobre todas as coisas, para ojeriza dos desavisados pais. Mas vá lá, deixemos as conjecturas pueris para outro momento e retornemos aqui para essa escrita, cujo objetivo é tentar entender algumas coisinhas desse presente e, para isso, o expediente é uma questão que parece ser simples, mas, ao que tudo indica, se complexifica na medida em que a narrativa caminha. Desta forma, como é que fica amor não vivido, o sonho de usar a escrita para me comunicar com o mundo?

          Creio que as duas coisas sejam possíveis num futuro não muito distante, mas o tempo tanto faz, né! Sonhar ainda é de graça, portanto, podemos grassar pelo mundo nossos desejos de existir num Planeta em que o afeto e sua meta não serão corrompidos pelo dinheiro – essa mercadoria que compra outra mercadoria. É preciso abrir espaço aqui para esclarecer que esse processo é tão pernóstico que transformou um verbo como o “amor” em produto de mil faces. Haja espelho para que cada um de nós nos vejamos nesse circuito mercadológico. “Quer um amor? Compre!”. “Mas não é puro sentimento esse tal verbo”, me perguntou um “eu” incrédulo, diante da insensatez daqueles que nunca souberam amar.

          Outro leitor atento às minhas linhas, deve estar se perguntando por que, em pleno século vinte e um, insisto tanto em abordar o amor e o sonho quando tudo é para ontem, portanto, sem tempo para sonhar e amar. Responderia que, ao olharmos para o passado da humanidade, verificaríamos que somente o amor ou quase isso e a nossa capacidade de sonhar é que nos trouxeram até aqui. Por isso, vicejar com o amor universal pode ser uma utopia, mas deixará de sê-lo ao começarmos a praticar aquilo que acreditamos ser possível: idealizarmos e continuarmos a acreditar no amor particular como um trampolim para o universal. Aqui me parece que Platão, bem que poderia deixar a sua antiga Grécia e dar umas palavrinhas com a humanidade. É preciso ter claro que para ele, existem dois mundos: o das ideias, onde tudo seria perfeito e o mundo da matéria, que seria uma fotocópia do ideal, contudo imperfeito.

          Poderia concluir tratando do significado de penumbra, isto é, sobre uma condição de quase escuridão, mas acredito que essa situação já está contida no corpus dessa pequena enunciação, cujo objetivo foi tão somente te informar, meu amigo leitor, que sem acalentarmos um mundo melhor, nada será possível, a não ser que cada um de nós façamos a nossa parte e nunca descaracterizemos o afeto em busca de recursos para além do que precisamos para nos reproduzirmos enquanto seres biológicos, Lógico que tudo isso, no momento, é uma utopia, pois cada um só existe naquilo que pensa, sonha, almeja e constrói. Mas aí já não é com este que vos escreve, mas com cada um que constrói suas existências. Restando a mim, apenas seguir em frente, às vezes mudo, outras tantas com vozes que, muitas vezes vão se silenciando, na medida em que mais ouvidos se tornam moucos e outros tantos se fazem de mercadores, como se diz o adagio popular. Enquanto uns armazenam penumbras em suas existências, há outros que levam clareza e leveza por onde passam. Sendo assim, a escolha é de cada um de nós. É sempre importante frisar que as minhas sempre enfocam as luzes que estão nos céus a milhares de anos e as que emergem do interior do ser.

*Gilberto de Assis Barbosa dos Santos. Licenciado, bacharel e mestre em Ciências Sociais pela FCL [Faculdade de Ciências e Letras] campus da UNESP [Universidade Estadual Paulista] em Araraquara. Professor de Ciências Sociais na Secretaria da Educação do Estado de São Paulo. Membro-fundador da APL [Academia Penapolense de Letras] e editor do site www.criticapontual.com.br – E-mail: gilcriticapontual@gmail.com.

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *