Gilberto de Assis Barbosa dos Santos
Quem escreve é, de certa forma, ansioso, entretanto não para ser publicado, mas para externar, através da escrita, aquilo que lhe vai n’alma. Por exemplo, depois de ler um livro enfocando a não monogamia e outros dizeres sobre o amor romântico, fui tentado a minutar algumas linhas. E não é que parecia chover ideias em minha mente, porém o nervosismo de deitá-las no papel não me deixava sereno para dissertá-las.
Como o remédio não é para curar, mas tão somente para se tornar verbo, isto é, “remediar”, então me coloquei a conjugar o tal verbo, todavia, duma maneira que o meu leitor pudesse, num passo de mágica, adentrar em meu cérebro – o considero a porta de entrada de minha alma, enquanto os olhos são as janelas do espírito. Observemos, eu e tu, amigo que me acompanhará nas linhas que se seguem, que possuímos um par de olhos materiais e um terceiro invisível que, por sua vez, só enxerga aquilo que ninguém vê.
Pois bem! Talvez agora eu esteja pronto para rascunhar algo, já que a ansiedade parece ter sido controlada ou, pelo menos, permaneceu aqui do meu lado sem ficar assoprando em meus ouvidos adjetivos disso e daquilo, ou quem sabe, belíssimas melodias ao meu ser que anda desejoso para se manifestar humanamente, pois já passou pelos estágios minerais, vegetais, larvais e animalescos – lógico que há muito de meus contemporâneos que não conseguiram sequer imaginarem-se como homens. Aqui é preciso explicar que utilizo a terminologia “homem” para tratar da espécie bípede que deveria ser portadora de atos racionais, mas enquanto, como dizia o escritor francês Victor Hugo, pessoas estiverem morrendo de fome e mulheres se prostituindo para aplacar o vácuo estomacal e o deserto d’alma, não creio que o caminhar sobre duas pernas diferencie a humanidade do mundo cão, tão celebrado pelo filosofo helenístico Diógenes de Sinope, aquele que foi conselheiro de Alexandre Magno, conhecido como o Grande da Macedônia pretérita.
Estava aqui pensando, ou sendo influenciado pela ansiedade, a dissertar algo sobre a escrita e o escrevinhador a partir da perspectiva freudiana, no entanto, para contrariar – seguindo o exemplo do que fez um colega de classe, há certo tempo, quando instado sobre os motivos que o levaram a fazer tal curso, este respondeu que objetivava contrariar a si mesmo: nada mais filosófico e revolucionário, como diria o pensador russo Bakunin – desdisse à meu estimulador e me calei sobre o pai da psicanálise. Optei por focar em algo mais palpável, talvez menos contraditório e polêmico. Será que pode ser isso? Toda escrita, pelo menos enxergo assim, é um amontoado de fragmentos do que o autor leu nos últimos tempos. Não me perguntem a extensão do tempo, pois nem o relógio o sabe devido ao fato de ser uma máquina que apenas repete as suas oratórias onomatopaicas.
Deixemos, eu e tu, de onomatopeias e outras figuras de linguagem para outro momento e nos concentremos no aqui e agora da existência, pois no instante seguinte já não há mais nada, exceto o excerto do passado aprisionado nas memórias e consciências amedrontadas pelo pretérito e com muito temor dos passos vindouros. Mas qual era mesmo o assunto que trataríamos hoje, meu caro leitor? Acabei me perdendo em meio a tantas conjecturas, todavia, podemos voltar aos fatos no afã de localizar a temática da presente enunciação. Inicialmente pretendia abordar o tema dos amores, aqueles que supostamente são realizados e os outros tantos idealizados, contudo compreendi o vazio desta abordagem, já que quem ama sabe dizer o que é isso e quem nunca amou, apenas idealiza esse sentimento que se tornou verbo na escrita poética. Então, creio que eu e tu podemos deixar essas querelas entre o sim e o não para outra ocasião. Por agora, como no jogo do bicho, vale o escrito, então fica certo o que acabei de grifar a partir duma certa ansiedade. Sendo assim, me deixe voltar aos afazeres domésticos, ou tu, caro leitor, acha que sou endinheirado a ponto de contratar empresas que faxinam casas alheias?
Gostaria muito de faxinar a mente, mas são tantos móveis a serem removidos, transportados daqui para lá e de lá para cá, entre um cômodo existencial e outro abstrato, bem como geladeiras que precisam ser descongeladas e ideias presas em algumas teias de aranhas ultrapassadas, que talvez seja melhor deixar tudo empoeirado, até que seja possível dissertar sobre o pó pousado silenciosamente sobre os livros postos sobre a escrivaninha que a dona ansiedade não me deixa saboreá-los à vontade. Mas vamos lá, contrariando-a, peguemos, eu e tu, um exemplar cada e nos desliguemos da onomatopeia do relógio da casa e do mundo e viajemos pelos verbos que se tornarão versos a partir do nosso terceiro e invisível olhar.
Gilberto de Assis Barbosa dos Santos, licenciado, bacharel e mestre em Ciências Sociais, editor do site www.criticapontual.com.br, autor do livro O sentido da República em Esaú e Jacó, de Machado de Assis. Professor no ensino médio em Penápolis. e-mail: gilcriticapontual@gmail.com, d.gilberto20@yahoo.com. www.criticapontual.com