Gilberto de Assis Barbosa dos Santos
O que dizer deste número, meus caros leitores? Alguns diriam que é propício para se jogar no bicho, uma das formas mais antigas de o brasileiro tentar acertar a vida tirando a sorte grande, mas isso são coisas para os místicos ou coisa que o valha. Em minha singela opinião, pautada em fatos do dia a dia, parafraseando aquele pensador alemão, como é mesmo o nome dele? Sim! Quem respondeu Nietzsche acertou. Pois bem, segundo ele, o poeta só pode escrever sobre aquilo que vivenciou ou até imaginou a partir de coisas concretas que visualizou durante a sua jornada sobre o orbe.
Pois bem! É justamente sobre isso que pretendo usar um pouco do seu precioso tempo para recheá-lo com as linhas que se seguem. O meu escopo aqui é tão somente o de retratar um fato para lá de simples que registrei em algum momento do meu pretérito, mas que bem pode ser presente, pois ao buscar no ontem referências para o aqui e agora, revivo aqueles dias que, se não eram de tempestades, havia um quantum de complexidade, cujos paradoxos iam sendo equacionados na medida em que conseguia contar os passos dados por uma pessoa que, sem saber, fazia as horas parecerem milênios, tamanha beleza empunha às suas passadas que, se eu não estiver errado ao divinizar o pretérito, igualavam o número que consta nessa enunciação.
A primeira vez que a vislumbrei, estava sentada num banco bem próximo à saída do terminal de integração duma cidade que não recordo o nome agora – mas também isso não tem muita importância no agora do enredo. Creio que esperava alguém, mas no âmbito do meu interesse, essa particularidade era a menor, já que não era possuidor da coragem que todos os galanteadores têm ao se aproximar de uma pessoa que os inspiram tanto a ponto de não se preocuparem com um não, já que isso era o certo, então porque não se arriscar e avançar a linha amarela. Para quem não sabe, linha amarela é aquela faixa pintada no piso das estações de metrô para sinalizar que não se pode passar dali. Mas sempre havia aqueles que, desgostosos da vida, sabe-se lá porque razão, desejavam morrer de forma espetacular, culpando o mundo pelas suas tristezas. Entretanto, para não vos agastar com enunciações desse tipo, até porque não se é possível dizer nada e nem emitir um juízo sequer sobre aqueles que atentam contra a própria existência.
Mas deixemos de morte e tratemos da vida e aquela mulher me encantava enquanto aguardava outra pessoa. Presumo que sim, pois ela olhava insistentemente para o celular, portanto, creio que observava as horas ou se havia mensagem dizendo algo sobre o atraso. Todavia, meus caros leitores, eu permanecia ali só observando tudo e mais um pouco. A primeira coisa que notei, foram os pés; minha musa estava descalça com os calcanhares erguidos, estando somente com os dedos apoiados no solo. Fiquei tentando adivinhar onde se encontravam os sapatos: poderiam ter ficado dentro do carro, pois a motorista achava que encontraria a outra pessoa rapidamente. Vejam bem, meus caros amigos leitores, tudo isso se passava dentro da minha cabeça, na minha mente e nada no cérebro.
Dos pés, passei para a vestimenta, mais precisamente para a saia que ela trajava. Do joelho para baixo era dum azul, amarelo, verde, chegado ao branco num psicodelismo alucinante, pois a peça lhe deixava elegantíssima. Desculpem-me, meus caros leitores para os exageros, mas é só isso que consigo enxergar daqui do meu terminal quando vislumbro aquele dia num terminal de integração de ônibus/metrô em que o Sol brincava de esconde-esconde com as nuvens, avisando que em breve despejariam água sobre o interior do orbe.
Depois dum breve interregno em que contemplei o astro-rei, voltei os meus olhos para ela já não tendo mais certeza sobre o que via. A saia já não parecia mais ter as mesmas tonalidades, enfim, quem lá se preocuparia com as cores, quando o mais importante era a beleza que ela encobria para ser descoberta num momento íntimo da alcova. Passando da roupa para as mãos, pude notar que os esmaltes eram de uma tonalidade escura e os dedos portavam quatro anéis. A blusa era estilo top, branca e acobertava coisas que enchiam meu cérebro de ideias tentadoras, me tirando o oxigênio e o restante de sanidade que ainda me mantinha ali, enquanto o corpo era bombardeado por desejos inconfessáveis, para não dizer, inenarráveis.
Meus caros leitores, peço desculpas para lhes perguntar, qual o motivo mesmo desse texto? Como podem ver, já não estou mais no presente e sim naquele passado, porém, é preciso ficar aqui com vocês e dar sequência a essa pequena narrativa, já que o escopo é somente o de preencher esse pequeno espaço existente no tempo que vocês possuem, entre uma atividade e outra, pois ganhar a vida, como se diz no jargão popular, está um tanto quanto complexo. Contudo, penso que o mais importante é daqui para frente, pois o ontem ficou apenas na memória, no entanto, é sempre bom revisitá-lo, mesmo que seja por intermédio duma enunciação como a que proponho neste momento.
Aquela mulher, que estava sentada naquele banco, aguardou exatos vinte e oito minutos a chegada da outra pessoa que, assim que surgiu, pude contar os passos que esta fez em direção a outra. Meus caros amigos leitores, se eu ainda os possuir até esse ponto do meu enredo, a minha musa também deu vinte e oito passos até que os corpos se encontraram num abraço e depois seguiu-se uma cobrança motivada pelo atraso.
“- Estava tudo muito confuso, mas o mais importante é que estou aqui e agora contigo. Quero passar os outros vinte e oito milhões de anos contigo ou até que a eternidade dure”, respondeu a pessoa depois de ser inquirida pela mulher que esperou agonizantes vinte e oito minutos e outros tantos vinte e oito passos para abraçar o corpo desejado.
De mãos dadas, as duas pessoas caminharam em direção ao automóvel e eu fiquei sentado, estático no mesmo lugar, apenas abrindo a minha agenda naquele dia, percebendo que era 28 de um mês entre o fim do ano e o início do outro. E agora enquanto escrevo, olhando para o meu caderno de anotações, percebo que se passaram vinte e oito meses daquela ensolarada tarde dominical que me marcou profundamente, pois não me esqueço daqueles pés, que mesmo a dona estar sentada, mantinha-se apenas na ponta dos dedos, como se estivesse desfilando numa passarela para deleite do meu coração que por sinal, anda saudosista daqueles tempos que são inenarráveis, mesmo que eu tente aqui esboçar essas linhas para atar o ontem ao hoje, bem ao estilo machadiano, não consigo me livrar daqueles vinte e oito passos, minutos e milhões de anos que se arrastarão até a eternidade ou o dia em que a rever em alguma esquina desse mundão desvairado.
Gilberto de Barbosa dos Santos, licenciado, bacharel e mestre em Ciências Sociais, editor do site www.criticapontual.com.br, autor do livro O sentido da República em Esaú e Jacó, de Machado de Assis; professor no ensino médio em Penápolis. E-mail: gilcriticapontual@gmail.com, d.gilberto20@yahoo.com. www.criticapontual.com.br.