13.

Na manhã de terça-feira, a chuva parecia não dar trégua e vários pontos da cidade, de acordo com as primeiras notícias, estavam alagados e muitos dos moradores precisaram fazer longos percursos, buscar rotas alternativas, para chegar ao trabalho. Na residência de Adélia e Romualdo, mais afastada da área centra do município, todos sabiam dos transtornos, por isso já conheciam caminhos que levavam Ricardo, Débora e o pai para os respectivos empregos.

Pai e filho, antes de sair de casa, avisaram nas empresas que chegariam mais tarde. Débora teria que falar com Angélica, mas esta não atendia as ligações. De qualquer forma, passaram o itinerário, inclusive para Esdras chegar ao supermercado. Judith foi convencida a ficar no imóvel com a futura sogra do filho, momento alvissareiro para encurtar os laços de afinidades que não eram eletivas, mas provocadas pelos sentimentos que uniam a futura arquiteta e o gerente da mais nova filial da família de Márcio.

No escritório de arquitetura, a secretária de Angélica tinha muito trabalho. Precisava finalizar tudo até o final de semana para que na seguinte, o editor iniciasse os preparativos para a inauguração da editora. A intenção do futuro livreiro, conforme a empresária segredara para a amiga, era deixar todo o trabalho de elaboração da propaganda nas mãos de Ricardo. Além dos livros que ele teria que produzir as capas.

“- Não diga nada a ele ainda. Marzinho deve procurá-lo até na quinta-feira. É um trabalho grande”, informou Angélica toda feliz por saber que o marido estaria se realizando com a criação da editora. “- E as obras onde funcionará a editora? Ficou sob sua responsabilidade, querida”, acrescentou a empresária num dado momento do almoço realizado no dia anterior.

“- Creio que até o domingo, esteja tudo pronto para que vocês conferir”, informou Débora.

Na casa onde Judith ficou, tudo era prosa entre a dupla de mulheres. As duas senhoras, bem esclarecidas, conversaram sobre racismo, luta para que os filhos deixassem os degraus de baixo da sociedade. “- Adélia. Ainda vai levar tempo para que nossos filhos não sejam avaliados pela tonalidade da pele, entretanto, eu sempre os estimulei a não baixarem a cabeça e serem justos com todos, independentemente da cor da pele de seu agressor”, afirmou a mãe de Esdras.

– Judith, fiquei imensamente feliz em ver minha filha se relacionando com Esdras, mas, mais ainda porque Márcio, a partir do que lhe falou a esposa, viu que estava errada a conduta de Esdras e todos vocês se esforçaram para que a coisa acontecesse do jeito que entendemos ser o correto.

– Não podemos esperar que as outras pessoas digam que assim ou de outra forma seja a correta. Temos que analisar nossas condutas a partir do momento que se estivermos no lugar do outro, como gastaria que nos tratassem.

– Débora é osso duro de roer, mas se Esdras a ama, vão longe, contudo, se achar que é um passatempo, ela tornará a convivência com seu filho, um tormento para ele. Espero que tu entendas, minha amiga.

– Compreendo e, na condição de mãe, te digo que é preciso ser assim. Não se pode sair por aí se aproveitando da filha dos outros. Por outro lado, acho a Fernanda completamente desmiolada, nas não aceitará cabresto do Ricardo.

– Esse foi fisgado pelo alçapão, justamente porque achou que ela seria presa fácil, caindo na conversa mole dele. Num domingo à tarde, uns amigos dele vieram aqui. Fizeram um churrasco, ficando de conversa e Romualdo participou percebendo quando os colegas começaram a tirar o sarro porque ele não conseguia ir além dos beijos e abraços com a namorada.

Judith começou a rir, pois sabia o que Fê significava para o filho. Diante dos olhares da mãe de Esdras, Adélia lhe perguntou sobre o relacionamento de Fernanda com Márcio.

– Eu acho estranho. Ela o chama de “meu Marzinho”, como se fosse namorado, marido, algo assim. Eles nunca tiveram nada mesmo? Pode me dizer se rolou alguma coisa entre eles. Ficará entre nós duas. Estou te perguntando porque Ricardo tem um ciúme mortal de Márcio.

Antes de responder, Judith dá uma gargalhada e depois procura responder de uma maneira bem clara. “- Acho que tem uma coisa que todos que perguntam sobre isso, não perceberam: Márcio e Fernanda não combinam como homem e mulher. É só olhar para os dois. Depois é só conversar com eles e saber como se conheceram. São amigos há mais de cinco anos e ela me disse uma vez em casa que ela e Marzinho não funcionam como casal. Falta para meu filho, como foi mesmo que ela me disse, “pegada”. Fernanda o acha muito certinho”, explicou a hóspede.

“- O Ricardo é o oposto dele”, informou Adélia

– Quando ela vivia às turras com Angélica, lhe falou que não estragaria a amizade linda que os dois tem por conta de uma transa tonta, só para dizer para as colegas que dormiu com o meu filho. Tenho certeza de que Marzinho pensa da mesma forma.

– Desculpe-me por te perguntar, pois sei o tamanho do sentimento que Ricardo tem por aquela desmiolada que não tem papas na língua e é muito franca com todos, inclusive com o próprio noivo como ela disse ontem à noite.

Entre uma conversa e outra, as duas senhoras ficaram a manhã toda arrumando tudo o que havia ficado desorganizado do churrasco da noite anterior e preparando o almoço. Romualdo, Ricardo e Débora sempre se alimentavam em casa. Era um hábito que o pai sempre fez questão de manter para que pudessem compartilhar as experiências. No jantar a coisa era mais complicada, pois os dois filhos estudavam no período noturno e isso dificultava as coisas.

Ao contrário que aconteceu na residência de Débora e Ricardo, no apartamento tudo foi despertado lentamente, bem no ritmo de Márcio. Os primeiros a se levantarem foi Leônidas e Mariana que desejavam estar logo no supermercado, mas não sabiam como deixar o apartamento. O imóvel era como uma caixa-forte, cujas chaves estavam com os moradores. “- Se eu conheço bem meu irmão, até ele perceber que o dia começou, os ponteiros do relógio, indicam que está chegando o período da tarde”, disse Léo à esposa.

Dentro do quarto do casal, Angélica já acostumada com o jeito modorrento do marido despertar para a vida, o empurrava de um lado até que se irritasse e deixasse a cama, seguindo para o chuveiro como um zumbi. “- Está chovendo, deixa eu ficar aqui com o seu corpo quentinho, minha paixão”, pediu o editor à sua esposa.

– Até que eu gostaria, amor, mas tenho reunião daqui a pouco nas empresas e a tarde tenho terapia e quero o senhor me esperando na antessala. Agora vamos logo que já escutei as vozes de seu irmão e de Mariana. Quero tomar café com eles.

– Está bem! Mas que coisa! Não se pode mais dormir nessa casa.

“- Pode, mas só a noite e eu quero mais do que estar contigo nessa cama. Agora vamos”, ordenou a esposa.

Feito um autômato, Márcio chegou ao chuveiro, sendo logo abraçado pela esposa lhe deu um longo beijo. “- Agora sim. Fiquei desperto com o corpo inteiro”, disse o editor para sacanear a esposa que respondeu: “-Essa parte de baixo, pode guardá-la, temos visita na sala e não quero que saibam que somos loucos um pelo outro. Apenas que nos amamos muito. Ontem o dia foi ótimo, então hoje aguardemos pela noite”.

Quando o casal deixa o quarto prontos para o dia, Leônidas e Mariana estranharam o jeito que os dois estavam vestidos: “- Marzinho onde estão aquelas camisas que tu gostavas de usar? E as calças que tinhas desde quando foi para a universidade”, perguntou o supermercadista.

Meio que tentando ficar séria, Angélica, rindo respondeu: “- Joguei tudo fora. Como você bem disse, meu caro Léo, roupas do passado. Agora meu marido está no presente e se vestirá do jeito que a esposa dele gosta”.

Os três deram risadas, enquanto o editor ficava de cara fechada. “- Angélica! Pelas roupas que eu vi em seu guarda-roupas ontem, tu está se vestindo muito simples. O que aconteceu”, lhe inquiriu a cunhada.

– Acho legal tu perguntar aí para o Marzinho. Se eu me vestir com transparências ou usar peças que deixam meus atributos corporais muito à mostra, é briga na certa. Então combinamos: eu concordo com algumas coisas e ele com outras.

Todos deixaram o apartamento em direção à Confeitaria da República. Quando o quarteto entra no estabelecimento, se deparam com o gerente no caixa e a atendente do salão. Angélica, enquanto os outros três se dirigem à mesma mesa que sempre foi utilizada por ela e pelo marido, foi até o caixa conversar com o gerente para saber o motivo da ausência da funcionária.

“- Pedro, onde está Jordana”, perguntou Angélica.

– Dona Angélica, com essa chuva toda que desaba sobre a cidade, uma parede da casa dela desabou, matando os pais enquanto dormiam. Ela nos ligou desesperada e não consegui acionar a servidora que estava de folga, pois está ilhada do outro lado da cidade, então, ficarei aqui o dia todo.

– Quero o endereço dela. Mandarei uma equipe lá para dar toda a assistência necessária. Reconstruiremos a casa para ela e arcaremos com os custos fúnebres que os familiares terão. Dê-lhe quinze dias de licença remunerada e contrate outra servidora que possa começar amanhã.  Pode fechar a confeitaria e anexar na porta que o motivo é luto.

Ao se sentar ao lado do esposo, este lhe perguntou se havia algo errado. Num relato breve, Angélica informou o ocorrido e as providencias que seriam tomadas. “- Não posso mudar o ocorrido, mas penso que seja possível amortizar as consequências e eu ainda briguei com ela. Mas isso está no passado. Agora precisamos resolver tudo para atingirmos nossos objetivos no amanhã”.

Mariana olhava para a cunhada e entendia porque ela e Marzinho se davam muito bem. Embora ela fosse branca e ele preto. Angélica rica e Márcio desejoso de viver na simplicidade como se fosse um monge franciscano. “São idênticos no coração e no ciúme”, pensou a esposa de Leônidas.

Foi justamente o irmão do editor quem tocou no assunto da aquisição do terreno. “- Meu marido pode até não querer participar do empreendimento porque não sabe nada de supermercados e investimentos, mas compraremos o terreno e será anexado aos ativos das empresas de vocês e um crédito que nós poderemos dispor depois que tudo estiver bem organizado e o supermercado inaugurado”, explicou a empresária informando que Roberto estava organizando a abertura de uma empresa que administraria os recursos do casal.

“- Por que tudo isso”, inquiriu o editor.

– Não foi você mesmo quem disse para o teu pai naquela chamada de vídeo que desejava construir algo a partir do nosso casamento? A tua editora já está me devendo 50% do dinheiro que colocarei na aquisição desse terreno e tu que não trabalha direito lá para ver se a coisa não sapecará para o seu lado, meu amado.

Assim que a esposa terminou suas observações, todos caíram na gargalhada, exceto o marido que foi reprendido pela cunhada. “- Desfaz essa cara amarrada, homem de deus! Tua mulher não te deu nada, apenas está seguindo do seu lado na construção dos seus sonhos. Tu falas do noivo de Fernanda, mas pelo que eu observei, agora estais agindo como ele”.

– Desculpe-me. É que fui pego de surpresa, só isso!

“- Todos somos surpreendidos sempre”, seu tolo, exclamou a empresária. “- Como acha que fiquei quando fui atropelada pelo seu coração? Você fugiu quando descobriu que me amava e eu tive que te achar no Pontal”, finalizou Angélica apertando a mão do esposo, lhe lançando um beijo que foi levado pelo vento e o perfume que o corpo dela exalava naquela manhã chuvosa.

Ao olhar para a esposa, Márcio lhe abre um sorriso, apresentando todo o brilho de uma constelação construída pelo universo para que o marido presenteasse a amada. A alma e o coração da empresária sentiram a energia que emanava daquela observação e da luz emitida pelo amor que o editor lhe devotava.

Terminaram o café e Angélica foi com Márcio até o apartamento onde ele ficaria trabalhando nos preparativos de lançamento da editora e ela às empresas onde teria um encontro com o irmão, Roberto e os diretores. Deviam traçar um plano para substituir os três executivos que foram dispensados, bem como as duas funcionárias que perderam seus postos por conta do racismo.

Somente quando estava sentada à mesa de reuniões é que a empresária foi olhar o celular e percebeu que tinha várias ligações de Débora. “- Alô! Aconteceu alguma coisa menina? Tem várias ligações suas aqui no meu telefone”, disse a arquiteta.

– Eu havia ligado para dizer que chegaria atrasada na agência por conta das fortes chuvas.

– Menina! Não precisava fazer isso. Esqueceu-se que é minha sócia?

– Não! Mas as suas outras sócias não sabem disso e achei que poderia ter problema. Mas já estou aqui finalizando o projeto da editora do Marzinho. Acho que até domingo tudo ficará pronto e a semana que vem vocês podem começar a organizar a inauguração.

– Obrigado Débora. Depois pensarei em como te remunerar por esse projeto.

– Só de confiar em meu trabalho para esse projeto do seu marido, já me sinto realizada. Márcio é exigente, metódico, então, não posso falhar.

– Tudo bem Débora. Deixe-me voltar aqui. A tarde estarei aí no escritório e quero te convidar para um final de tarde só com as mulheres. Já somos três, contigo e Fernando, formaremos o quinteto que sairá sem seus namorados e maridos.

Márcio chegou ao seu apartamento transformado em escritório, meia hora antes de Tarsila, mas já tinha material para ele analisar, pois a sócia havia compartilhado mais da metade do livro que vinha traduzindo e o romance que Alice havia enviado e queria uma resposta se poderia ser publicado ou não. A primeira edição do “Crônicas de uma lagartixa” também estava em fase de finalização e em seguida, Amadeu daria o sinal verde à publicação.

Abriu o arquivo contendo o texto de Alice e começou a ler se desligando completamente do presente porque passou a reviver aqueles anos do ensino médio em que ele e a futura romancista eram vistos em todos os lugares da escola, exceto em sala de aulas ou nos banheiros, mas no segundo colegial, a amiga deu um jeito de estar na mesma sala que ele.

Quando começaram a sair, se ele chegava antes, podia ter certeza que a amiga logo apareceria. Era como se cada usasse o outro para se esconder do mundo e, dividir com o parceiro suas utopias. Ficavam nas festas, nas danceterias como se o universo não existisse. Não se socializavam com ninguém. Alice gostava do jeito que ele se vestia, de modo muito simples, sem precisar chamar a atenção, sendo muito discreto em tudo o que fazia.

No romance, a autora contava, de forma alegórica e pessoas gramaticais distintas que os melhores momentos da amizade entre os dois foi quando ele, depois de uma briga ferrenha com o pai, passou uns dias na residência dela sobre o pretexto de intensificarem os estudos. Os pais eram permissivos, e desconfiavam que a filha não tinha apreço por homens, então, ficar com Marzinho em casa poderia aliviar a barra com os pais que acreditavam que ele era seu namorado.

“- Elias, ele é preto! Já imaginou se esses dois acabam apaixonados ou ela engravida”, perguntou Tânia.

“- Prefiro ver minha filha namorando um preto do que estar com uma mulher e isso tudo são arroubos de adolescência. Daqui a pouco cada um vai para um canto. Se bem que esse moleque me parece ser meio afeminado. Tem uns trejeitos que não me parecem ser de homem”, afirmou o pai de Alice.

O que o casal não sabia é que a conversa foi ouvida por Márcio. Ele compreendeu que era bem-vindo naquela casa e que os pais de Alice só concordavam com ele estar ali para esconder uma possível homossexualidade da filha.

Naquela noite, quando os dois se dirigiam a uma lanchonete da cidade, de mãos dadas, ele contou o que tinha escutado e foi neste momento que Alice lhe confessou que gostava de mulheres ao invés de homens. “- Então você estava me usando para se proteger dos seus pais”, afirmou o então estudante secundarista.

A amiga se irritou com a afirmação, completando lhe disse: “- Você também me usou para esconder sua homossexualidade. Ou acha que não sei que gosta de homens, assim como eu de mulheres”.

– Em absoluto. Você está errada Alice. Eu gosto de mulheres, a diferença é que não fico babando em cima delas e não desejo ficar com uma para ficar dizendo àqueles imbecis dos colegas que eu sou pegador. Quero estar com uma pessoa que, antes de mexer com a minha cabeça de baixo, se encaixe perfeitamente dentro da minha cabeça de cima e preencha o vazio do meu coração”.

– Com certeza Marzinho eu não sou essa mulher. Desculpe-me. Se quiser ir embora, não farei objeção alguma.

– Viemos juntos e voltaremos da mesma forma. Amanhã depois da escola se não quiser mais que eu fique em sua casa, retornarei à minha. Acho que o clima pesado com Rogério já passou e minha mãe pode me ajudar nessa mediação.

Já de volta à residência de Alice, o casal conversava e Márcio lhe disse que não deixaria de ser amigo dela em hipótese alguma. “- Eu gosto da pessoa que tu és Alice. Não te vejo na condição de mulher ou a partir de sua genitália. Nunca pensei em ser seu namorado”.

– Quer dizer que seremos amigos parra sempre?

– Se o tempo quiser, o destino desejar, as estrelas e o universo conspirarem, tu estarás sempre dentro do meu coração.

Essa conversa constava no romance, porém, com as personagens tendo outros nomes. Somente o editor e a autora sabiam de quem se tratava. Márcio voltou à terra quando ouviu Tarsila lhe perguntando se gostou do que leu.

– Sim. A história é muito boa.

“- Márcio! Eu li o romance inteiro e é muito bom mesmo, mas até que ponto tudo isso é ficção e ou realidade”, perguntou a cunhada.

Para evitar revolver o passado e também que alguma coisa lhe escapasse do domínio, o editor disse que o real era a autora ter transformado 5% da realidade entre os dois para construir a enunciação. “- E o que seria esse percentual”, inquiriu Tarsila.

– A nossa amizade e o fato de termos estudado na mesma sala no segundo ano do ensino médio. O resto é tudo fruto da criação literária de Alice.

“- Está certo então. Vamos publicá-la e se Angélica voltar a insistir na não publicação, pode deixar que eu seguro a onda”, informou a sócia.

– Não há necessidade disso, Tarsila. Eu não me envolvo com as questões das empresas dela, justamente para não vir dar palpites em meu trabalho. Essa foi uma das razões que me levaram a não aceitar cargo nenhum nas Organizações Oliveira.

Tanto Tarsila quanto Márcio continuaram em suas atividades, pois sabiam que tinham muito o que fazer. A sócia lhe explicou que até o final de semana teria muita coisa pronta. “- Acho que podemos providenciar a confecção das capas dos livros do Amadeu e da Alice e também sobre o livro daquele escritor francês dedicado ao hábito da leitura. Quem você está pensando em chamar para fazer o trabalho”, perguntou a cunhada.

– Desde o meu casamento estou pensando em pedir para o Ricardo fazer esse trampo. Depois pensei em desistir, por conta das doideiras dele em relação à minha amizade com Fernanda, mas vou pedir para ele fazer.

– Márcio! Não quero me meter na sua vida pessoal, pois sei que nunca faria isso comigo, mas observe qual seria o seu comportamento se Angélica tivesse uma amizade com um homem tão íntima quanto a sua com Fernanda? Estou lhe perguntando porque, pelo pouco que te conheço e o que te vi fazendo na mansão no domingo, acho que tu ficaria tão atento quanto Ricardo e por mais que eles falassem que não, meu cunhado, ficaria de ouvido ligado.

Márcio olhou para Tarsila e começou a rir. “- Obrigado pela observação, Tarsila. Eu sei onde queres chegar. Parece-me que quer me fazer entender que pediria para ela se afastar da pessoa ou de qualquer outra”.

– Exato! Cuidado para não exigir dos outros aquilo que você não pode fazer. Angélica tem um ciúme maior do que a muralha da China. Ricardo também. Então procure não ficar muito tempo sozinho com Fernanda. Agora ela tem alguém que cuidará dela. Poupe brigas desnecessárias e evite ficar sozinho com outras mulheres. Eu sei o que tem nesse romance e se Angélica lê-lo como eu fiz, é encrenca na certa.

– Obrigado Tarsila. Não havia visto a coisa por esse prisma.

– Não machucamos as pessoas que amamos por queremos, mas às vezes, uma coisa à toa pode colocar fim a um relacionamento belo como é o seu e de Angélica. Não a deixe ficar insegura contigo. Ela fica cega só de pensar que outra mulher pode passar a mão em ti e sei que tu és do mesmo jeito.

– Por que está me dizendo isso?

– Eu, sinceramente não gostaria que ficasse sozinho com essa Alice. Ela vira contudo para tentar te reconquistar. Está tudo aí no livro e mulher quando quer, sabe infernizar a vida de um homem e eu não desejo que aconteça isso contigo pelo carinho, respeito e admiração que tenho por ti.

– Mas não vai rolar nada.

– Se Alice perceber que estando perto de ti, desestabilizará Angélica, ela o fará. Você pode não ter mudado nada desde a adolescência, mas ela sim e percebeu o quanto tu era especial naquela época e quererá resgatar aquilo tudo que não viveram, nem mesmo em sonho.

– É por isso que falou que segurará a ideia da publicação do livro?

– Sim. O romance é ótimo e ninguém precisará saber que foi baseado em fatos reais, pelo menos nas primeiras 50 páginas. O restante são hipóteses que ela constrói, caso os dois tivessem assumido um relacionamento naquele momento turbulento da vida de vocês. No final ela diz que a escolha é sempre a do leitor.

Assim que Tarsila terminou de falar, Angélica entra no apartamento com os olhos mais brilhantes do que todas as estrelas do céu, convidando o marido para almoçar com ela. “- Amor, achei que só íamos nos ver a noite em casa”, afirmou o editor que recebeu o troco da esposa. “- Eu também achei, mas meu coração quis mudar o roteiro e meu estômago determinou que qualquer coisa que eu fosse almoçar, teria que fazer em sua companhia”.

Márcio pensou e quando ia dizer algo, a empresária completou: “- Amadeu está lá no carro esperando a esposa dele. Então, você é todo meu hoje. Depois tenho terapia e quero que venha comigo”.

Tarsila olhou para Márcio deu risada, fazendo um movimento sutil com a mão sendo colocada na cabeça para que o cunhado entendesse o que tinham acabado de conversar. “- Está bem. Mesmo tendo muito trabalho ainda por fazer, estarei lá contigo”.

A sócia do editor pegou a bolsa, o computador e as chaves do carro se despedindo do cunhado, informando que continuaria o trabalho em casa e no dia seguinte na parte da manhã fechariam mais algumas coisas sobre o texto que ela vinha traduzindo, o livro de crônicas e poesias escritos pelo marido e o romance que Alice enviou.

– Vocês vão publicar mesmo o livro dela?

Quando Márcio e Tarsila confirmaram, Angélica foi categórica. “- Ela que chegue perto de você. Eu que vejo os dois sozinhos. Eu arrebento a cara dela e a faço comer página por página do romance que escreveu para tentar de reconquistar. O tempo dela já passou. O Marzinho que essa Alice conheceu não existe mais, apenas o editor”, informou a empresária.

Não deu nem tempo de o editor tentar falar alguma coisa porque Angélica sentenciou: “- Tarsila você cuida desse romance. Não quero meu marido revolvendo o passado que essa mulher, que pensa ser escritora, resolveu dar vida num romance. Se não for assim, Márcio, você terá que escolher: ou essa Alice e o livro dela, ou o nosso casamento”.

Ao dizer isso, Angélica olha para o notebook de Márcio e percebe que existe um texto aberto no equipamento. Ela se volta para o marido e como que ordenando “- Se aquilo for o que estou pensando, pode deletar agora ou almoçará aquele computador”.

Tarsila percebeu que coisa podia ficar séria, explicou que eles estavam repassando alguns pontos. “- Bom! A partir de hoje não existe mais isso”, disse a empresária, caminhando em direção à porta. “- Pode deixar. Assumirei a publicação inteira, Angélica. Agora quer se acalmar, por favor”, perguntou a cunhada.

Já com a mão na maçaneta, a empresária sentenciou: “- Deixe uma mulher da vida pretérita do meu irmão aparecer, e rodeá-lo como essa Alice está fazendo com Marzinho. Eu aposto que tu não ficarias assim toda prosa e tranquila”, ao dizer isso à cunhada, Angélica praticamente berra com o marido: “- Estou te esperando no carro e não quero ouvir um nada sobre essa sua amiga dos tempos da adolescência. Já chega conviver todos os dias com Fernanda e saber que ela te chama de ‘meu Marzinho’ e sabia primeiro do que eu o seu apelido de infância”.

A cunhada esperou a empresaria sair para completar o que tinha dito ao seu sócio. “- Não te falei. Ela não se segura e dou razões a ela, pois se acontecesse a mesma coisa com Amadeu, eu quebraria a sirigaita na porrada. Poupe o coração dessa mulher que te ama tanto, meu amigo”.

Márcio abraçou Tarsila e entendeu todo o recado. Os dois pegaram o elevador e quando chegaram no térreo, encontraram Amadeu rindo. “- Meu amigo mosquito, o que fizestes para a minha irmã estar com o pavio do ciúme aceso”.

“- Tentar contemporizar tudo, meu amigo poeta”, explicou o editor.

“- Te disse uma vez e torno a te pedir, meu querido: dê paz ao coração dela. Ele foi muito maltratado durante esses 30 anos dela. Agora sinto que ela está no paraíso, mas ainda tem umas trovoadas provocadas pelo ciúme”, afirmou o escritor.

– Grato meu amigo. Pode deixar.

Assim que Márcio entra no carro, Angélica está com a cabeça sobre o volante e com evidentes sinais de que chorou e, com as mãos trêmulas, abraçou o marido, desabafando desabafou pedindo mil desculpas. “- Eu tento me controlar, mas não consigo amor. Tenho medo de que me tirem você. Fico toda encucada, achando que essa Alice pode ser melhor do que eu para ti”.

A cena toda é vista por Tarsila e Amadeu. Ainda dentro do automóvel da empresária, Márcio olhou serenamente para Angélica. “- Calma! Eu não vou a lugar nenhum sem ti e o seu amor. Não existe Alice ou qualquer outra mulher que posso me dar o que recebo do teu coração, querida”.

Do lado de fora do carro, Amadeu e Tarsila deixam os dois e se dirigem ao veículo da tradutora que se deslocam à mansão. Enquanto guiava, a motorista entendeu que a jornada de Márcio com a cunhada não seria fácil, pois enquanto as situações que motivavam os ciúmes do editor eram reais, o da cunhada se transformavam em fantasmas.

Angélica permanece abraçada ao marido, tentando se acalmar, enquanto o esposo pensava na conversa que teve com a sócia momentos antes dela chegar. “- Vamos almoçar, sem pressa e depois iremos à terapia. Em seguida, decidiremos como ficará o resto da tarde”.

Antes que a empresária pudesse ligar o automóvel, o marido pega-lhe a mão e segurando-a disse a observando bem dentro dos olhos. “- Não te deixarei cair, minha princesa. Não tenho um palácio para te dar, apenas o meu coração e ele, tenho certeza, é todo seu”.

Angélica ligou o carro e deixaram o local em busca de um restaurante para almoçaram. “- Vamos em um local diferente para nós dois. Você escolhe amor”, disse Márcio. “- Posso optar mesmo? Você não vai chiar”, perguntou a esposa.

O espaço ficava numa travessa, com pequena movimentação e foi escolhido pelo proprietário justamente para acolher aqueles que não querem se destacar. Assim que entraram, se acomodaram e a arquiteta optou por ficar do lado do marido. Aos poucos, Márcio foi sentido que ela se harmonizava.

O atendente chegou e apresentou o cardápio de chás. Antes que o editor falasse alguma coisa, Angélica disse que seria interessante tomarem um chá verde gelado enquanto escolhiam o que almoçariam. Para não destoar um do outro, o casal optou por salada de broto de feijão e bambu. Pediram também nhoque de batata doce e bolinho de arroz integral. De sobremesa panqueca de banana com aveia.

Tudo foi servido sem muita pressa. Para que o esposo pudesse sentir o gosto de cada prato, foi pedido para vir um de cada vez. O casal ficou quase duas horas no restaurante, deixando o local quando faltava pouco mais de meia-hora para a consulta de Angélica. “- Amor! Pedi uma sessão especial hoje. Acho que vai levar pelo menos duas ou três horas. Tudo bem para ti”, perguntou a esposa.

– Estou aqui contigo e isso é o mais importante. Assim que terminar verificaremos o que faremos. Só quero passar numa livraria antes. Não trouxe nenhum livro comigo e não gosto de ficar lá moscando. Pode ser?

– Sim. Mas não demore. Pegue logo o primeiro que vir pela frente.

Já estavam diante da loja, Márcio desceu rápido, entrando e saindo com a mesma velocidade com que ingressou na livraria. Havia comprado um romance italiano cuja narrativa se passava na Itália fascista. No consultório, o editor ficou empolgado com a enunciação, enquanto a esposa conversava com a psicóloga.

“- Como está hoje”, perguntou a terapeuta.

– Discuti com meu marido antes do almoço por conta dos ciúmes que sinto dele. Agora apareceu uma conhecida dele dos tempos de adolescente e eu fico toda insegura achando que ele poderá optar por ela e me deixar.

– Ele falou dela para você?

– Sim! Bem como não haver a menor chance de ficar com ela. Foram só amigos. Porém, fico aqui criando coisas achando que ela pode ter surgindo tentando recuperar um amor que não se consumou lá atrás.

A terapeuta que só observava, perguntou: “- E daí”.

– Eu quero confiar no que ele me falou, mas tem uma voz aqui dentro da cabeça que fica me dizendo que é só retórica e que um dia, uma hora quando eles estiverem sozinhos, acabarão na cama.

– E se isso acontecer?

– Eu mato os dois!

– E terá chance de fazer isso?

Depois dessa pergunta, Angélica ficou em silêncio para em seguida falar sem parar. “- O meu marido foi a primeira pessoa que não precisei usar meus cartões bancários, meus bens para tê-lo comigo. Ele até relutou, sumiu, fugiu e eu tive que ir atrás dele. Só voltou depois que declarei o meu amor por ele. Falou que tinha desaparecido para tentar me esquecer. No caminho que fizemos do Pontal até aqui, brigamos bastante, mas finalmente nos acertamos. Desde então não passamos um dia sem o outro. Ah! Teve um momento que eu terminei com ele e aí bebeu todas, indo parar na UTI. O pessoal achava que ele tentou se matar. Mas apenas queria me esquecer. Desejava acordar no dia seguinte sem me ter no coração e no pensamento”.

– Até que ponto ele se parece com seu pai?

– Em nada! Meu pai era violento, agressivo, mandão, me violentou várias vezes. Tudo isso me deixou sem chão. Márcio é totalmente contrário a isso. Tem paciência comigo, conversa até de mais, chegando às vezes me importunar, mas é o jeito dele. Vive me dizendo que nunca me deixará cair. Ele é especial. Tem lá suas esquisitices, metódico, não gosta de sair da rotina. É por isso que amo esse homem. Ele é o que se pode dizer, meu prego na vida. Faz minha terra parar de girar de forma desgovernada.

– Como teve início esse amor?

– Tudo começou quando fui manda-lo parar com uma reportagem sobre o meu irmão e ele se recusou a fazer isso. Eu o ofendi, achando que se dobraria ao que eu havia determinado, mas a reação foi instantânea com ele mandando eu enfiar no rabo todo o meu egoísmo e prepotência. No dia seguinte fui à empresa onde ele trabalhava e exigi a retratação ou a demissão dele. Mas, mesmo assim, não mudou absolutamente nada. No dia anterior, passei a tarde tentando arrumar um jeito de ferrar com a vida dele. Descobri que tinha um problema que guardava a sete chaves e pretendia usá-lo no momento oportuno.

A terapeuta fez menção para ela continuar. “- Mudei de estratégia, mas ele continuou irredutível, contudo por conta da história que pretendia escrever, topou fazer o que eu tinha lhe pedido e iria pagar pelo trabalho. Fui observando o jeito dele que era totalmente diferente de todos os homens e mulheres que eu conhecia. Quando eu tentava me aproximar, ele se afastava e tudo era motivo para eu esbofeteá-lo, só que ele não revidava. Quando terminou o serviço que havia lhe solicitado, que era me ajudar a trazer meu irmão de volta, ele tentou desaparecer, pois vivia dizendo que no dia seguinte seguiria o caminho dele, mas toda vez que dizia isso, eu sentia um vazio enorme aqui dentro.

– E ele nunca foi embora?

– No dia que meu pai faleceu, levou meu irmão até o hospital e naquela confusão toda, desapareceu sem deixar nenhuma pista. A única coisa que dava para saber é se movimentasse a conta bancária, mas o fez naquela manhã mesmo. Não levou nem bagagem. Eu era casada com uma professora da universidade, mas ela tinha ido para a Alemanha por conta dumas pesquisas que pretendia realizar lá. De modo que, com o desaparecimento de Márcio, meu irmão sedado no hospital e minha mãe chorando a morte do meu pai, fiquei sem chão e o pensamento só indicando o homem que é meu marido hoje. Depois que consegui organizar tudo, conversei com a minha mãe que me ajudou a enxergar que eu o queria mais do que como amigo.

– E como fez para localizá-lo.

– Eu sabia que não evaporaria assim. Alguém sabia onde Márcio estava ou como entrar em contato com ele. Márcio tinha dois amigos: Fernanda e Roberto. A primeira eu só conheci depois e ainda hoje sou cismada com ela, mesmo ela sendo minha secretária. Fiz de tudo para arrancar do Roberto a informação, mas ele não sabia mesmo. A única coisa que tinha era o número de um celular que lhe pertencia e emprestou para o meu marido, mas era para nunca usá-lo, pois Márcio quem sempre entraria em contato. Contudo, Roberto naquela manhã ligou para o amigo, levando uma bronca, desligando em seguida, mas eu tomei o telefone e anotei o número. Consegui instalar um rastreador no aparelho e descobri onde ele se escondia. Fui até a cidade, porém se recusou a voltar comigo. Só aceitou quando falei que o amava e finalmente me disse que desapareceu para tentar me esquecer.

– Você acha que o homem que foge de tudo e de todos só com a roupa do corpo para te esquecer e hoje está casado contigo, vai te trocar por outra? Terminou nosso horário e pense bastante nisso. Amanhã nos falamos novamente. Tenha uma ótima tarde, dona Angélica.

Ao sair da sala da terapeuta, Márcio estava esperando a esposa e foi notado pela psicóloga. O olhar foi captado por Angélica que ficou em silêncio, mas mentalmente disse para si mesma que no dia seguinte, Márcio não ficaria lá a esperando. Como não tinha certeza se o marido tinha correspondido a observação foi sondá-lo. “- O que achou de minha terapeuta”, inquiriu a esposa. “- Não sei! Não a notei, pois tinha algo melhor para reparar: em minha belíssima esposa”.

– Ela te viu.

– Eu sei!

– Cachorro. Filho de uma puta e como me disse não reparou nela. Márcio, eu te odeio. Como pode fazer isso comigo?

– Afinal de contas, viemos aqui para fazer o quê?

– Para eu tentar me entender com os meus ciúmes, mas se meu marido fica de paquera com a minha terapeuta, aí não tem jeito mesmo.

Márcio caiu na gargalhada, perguntando logo em seguida como foi a conversa. “- Eu contei como te conheci e descobri quando estava apaixonada por ti e você fugiu porque percebeu que me queria mais do que como amiga. Também falei que tu foi parar na UTI quando eu terminei contigo. Aí ela me perguntou se esse homem que quase morre de tanto beber para me esquecer, iria me trocar por outra”.

– Ah sim. Entendo!

– Você entende o quê, seu paquerador barato. Amanhã tu não ficas na antessala me esperando. Sei lá, me espere em qualquer lugar.

– Cruzes! Agora que eu estava pensando em me consultar com ela?

– Nem vem com essa história.

O esposo pegou a mão esquerda da esposa e apontou o dedo em que a aliança se encontrava, inquirindo porque aquela algema de dedos estava ali. Disse saber porque a dele permanecia onde estava, mesmo depois de muitas brigas e discussões. “- Eu sou mesmo a pessoa que desejava ter como marido”, perguntou Márcio.

Angélica respondeu com outra pergunta: “- O que tens em mente para agora a tarde”.

– A rigor eu deveria estar trabalhando, mas estou aqui com a minha esposa que tem ciúmes até da roupa que veste. Mas se tu quiseres, podemos voltar para a sua torre e ficarmos lá sem fazer absolutamente nada. Não posso cuidar do romance de Alice, mas tem outras coisas para fazer.

– Nem me fale nesse nome. O recado já foi dado. Mas por outro lado, tenho que passar no escritório. Também fiquei de sair com as meninas no final do dia e não quero mancar com elas. Então vamos lá comigo na agência. Enquanto eu converso com Débora para saber como estão os projetos, tu espera.

Assim que chegou na empresa de arquitetura, Angélica entra em sua sala com a secretária-sócia, enquanto o marido aguardava sentando na antessala. Depois de quase uma hora dentro da sala de Angélica, as duas saem e encontram Márcio todo prosa com uma mulher que poderia estar na faixa etária da arquiteta. A esposa já olhou para o marido querendo dizer que a conversa com ele seria diferente.

– Dona Ângela, a senhora pode falar com ela. É a arquiteta e essa aqui é a sua secretária. Tenho certeza de que as duas conseguirão executar perfeitamente o trabalho que a senhora precisa.

– Obrigado senhor Márcio, mas vamos deixar a senhora de lado. Esse pronome de tratamento pode me deixar com mais idade do que eu realmente tenho.

Ângela dá uma piscadela para o editor que tenta disfarçar, mas não foi possível. Sendo assim, sabia que a tarde prometia mais discussões com a esposa que entrou para a sua sala conversando com a cliente.

– Muito atencioso esse seu funcionário, dona Angélica. Bem prestativo. Seria bom se todas empresas tivessem servidores com essa desenvoltura, mesmo sendo pretos. Ele é casado com a sua secretária? Se for, ela é uma moça de sorte.

– Nem uma coisa nem outra.

– Como assim?

– Ele não é meu funcionário e nem casado com a secretária que também é minha sócia. Ele é meu marido e eu agradeço pelas suas observações que demonstram que realmente sou uma mulher de muita sorte. Márcio realmente não é só meu esposo, mas meu amigo e o homem que faz o meu mundo ser sereno.

Ângela ficou sem chão ao saber que tinha cantado o marido da arquiteta que deveria realizar o projeto que tanto desejava em sua casa. Ela havia sido muito bem recomendada. O trabalho é de qualidade e o escritório um dos melhores do Brasil.

Enquanto Angélica conversava com Ângela dentro do escritório, na antessala Márcio dialogava com Débora sobre Ricardo e nos trabalhos que passaria para ele fazer. Isso seria feito no final de semana. “- E a ciumeira dele com relação à minha pessoa”, perguntou o editor.

– Márcio! Não vai passar nunca. Bom! Pelo menos até Fernanda não parar de dizer que você é o Marzinho dela, mas sinceramente, eu acho que tu devias se preocupar é com o de sua mulher. Do jeito que vi dona Ângela te olhando e depois te deu uma piscadinha, assim que ela deixar a sala, se prepara que sua esposa vai te pegar pelo colarinho, ainda mais porque deu trela para a cliente.

– Então será a terceira vez hoje. Ela implicou com a minha amiga que publicará um romance pela minha editora. Depois encanou com a terapeuta dela. Então, a situação pode ainda piorar mais daqui a pouco.

O editor permaneceu sentado na poltrona conversando descontraidamente com a futura cunhada, inclusive propondo para ela que futuramente poderia publicar um livro com os trabalhos dela.  A porta da sala de Angélica se abriu e o marido continuou onde estava, enquanto a arquiteta dizia a cliente que na sexta-feira pela manhã já haveria desenvolvido um pré-projeto sobre o que lhe havia solicitado.

Ao ficar em pé para se despedir de Ângela, ela deu uma observada no editor como quem avalia os atributos físicos dele, dizendo internamente para si. “Onde ela conseguiu arrumar um homem desses. Nunca o vi aqui pela nossa cidade e nem nas festas da alta roda”.

Sem perceber, Márcio levou um beliscão e um dito entre os dois: “-Se você olha para a bunda dela, te jogo daqui de cima”, disse Angélica de forma exasperada, puxando-o para dentro de sua sala. “- Vem comigo. O teu está guardado aqui dentro”, ordenou a esposa.

Assim que a porta se fechou atrás dele, a esposa partiu para a briga. “- Precisava ser gentil com a mulher? Você tinha que dar em cima dela? E por que ela te deu uma piscadela? Marcaram algum encontro? Ande! Diga logo”, cobrou a arquiteta.

– Do que está falando Angélica? Está ficando doida? Eu só fui atencioso com ela, enquanto você conversava com Débora e eu aproveitei para falar um pouco de minha editora. De repente ela é uma leitora em potencial.

– Eu sei muito bem o que ela quer ler. Te cantou na cara dura aqui dentro. Se ela fez isso foi porque deu trela para ela. Realmente não posso confiar em você. Um vacilo meu e tu sai por aí dando espaços para essas cadelas.

Márcio que escutava tudo em silêncio, só lhe disse que estava indo para casa, pois a esposa estava cheia de trabalho e depois sairia com as meninas para dar um role. “- Pode ir, mas não precisa voltar para casa. Aproveita e fica com essa puta com quem estava de prosa e come ela no seu apartamento e depois se joga lá de cima com ela. Adeus. Some daqui e da minha vida, seu filho de uma puta do caralho. Traidor maldito”.

O editor tentou contemporizar, mas compreendeu que quanto mais falasse só tenderia a piorar a situação. Ao sair conversou rapidamente com Débora para ficar atento e qualquer coisa ligasse para ele. “- O que foi Márcio? Escutei ela gritando contigo e te xingando”.

– Ela acha que eu marquei encontro com essa doida que saiu daqui. Não dá! Sei que quanto mais eu falar, pior ficará a situação. Estou indo ao meu apartamento. Tenho umas coisas para resolver da editora.  Tente segurá-la aí até passar esse surto dela.

O editor deixou o prédio, se dirigindo a pé até o seu escritório que ficava pelo menos uma hora do trabalho de Angélica. Quando chegou no prédio, começavam a cair os primeiros pingos de chuva. Ao olhar a rua para atravessá-la viu o carro de Angélica parado. No trajeto que fez entre as duas empresas, Márcio ficou pensando na esposa e na sua espiral de ciúme. Ela metia os pés pelas mãos e depois se arrependia, pois compreendia que tinha exagerado.

Ao entrar no apartamento encontrou a esposa sentada no sofá e já foi perguntando porque ele havia demorado. “- Eu voltei caminhando do seu escritório até aqui. Precisaba pensar, respirar e tentar entender tudo isso”.

– Estava pensando em me deixar para correr atrás daquela puta que foi em meu escritório hoje com a desculpa para eu fazer um projeto para a casa dela e te cantar. Não foi isso?

– Pensei muitas coisas, entre elas, a de mensurar o amor que eu lhe tenho, pois por mais que te digo que sou apaixonado por ti, parece que não acredita. Está deixando seus fantasmas e inseguranças tomarem conta de todo o seu ser. Mas nada disso me afastará de ti, a não ser que não me queiras mais caminhando contigo até o fim da eternidade.

– Débora acabou comigo lá no escritório. Me disse que eu preciso ter equilíbrio, senão vou acabar te jogando nos braços da primeira mulher que aparecer. Disse que você foi cavalheiro com aquela mulher porque é de sua natureza e não tinha nada a ver eu ficar achando que tu estavas cantando ela.

– Está vendo como tudo não passa de desespero seu.

– Me disse que a Ângela deve ter te cantado porque percebeu os seus olhares em minha direção. Aí eu me lembrei daquela garçonete que te cantou para fazer eu abrir os olhos para o homem encantador que caminhava comigo.

Enquanto o marido a observava em silêncio, Angélica se levanta e o abraça numa forma de lhe pedir proteção. “- Ainda não sei lidar com isso tudo direito. Tenha paciência comigo amor, por favor”.

– Venha! Vamos para casa. Ainda temos um tempinho antes de você se encontrar com as meninas.

O casal deixa o apartamento de mãos dadas e seguem em silêncio até o veículo de Angélica que, ao entrar no carro, beija carinhosamente o marido em forma de pedir desculpas pelas chatices dela naquela tarde. Quando chegaram ao apartamento, já estavam esperando Roberto, Danisa, Leônidas, Mariana e Fernanda. O descanso ia esperar.

Enquanto todos subiam e aguardavam Angélica se arrumar, a empresária ligou para Débora pedindo a ela que a esperasse, pois dentro de uns 20 minutos passaria no escritório para pegá-la para se divertirem naquele finam de tarde começo de noite.

As quatro mulheres partiram em direção ao escritório da arquiteta e de lá tomariam rumo incerto. Márcio, Leônidas e Roberto saíram no automóvel do supermercadista e já tinham o destino traçado. O editor sugeriu uma lanchonete do lado oposto à lagoa onde ficava o clube projetado por Angélica. Segundo ele, o local era ideal, pois não era frequentado por ninguém ligado ao mundo empresarial ou das categorias sociais que costumavam se chamar de classe média e classe média alta.

O trio se acomodou e Roberto perguntou ao amigo se não haveria problemas com a mulher. “- Angélica é uma excelente pessoa, mas tem um gênio do cão. Se cismar de que há alguma coisa errada, revirará essa cidade atrás de ti”, disse o diretor de comunicação das Organizações Oliveira.

– Meu amigo, pode ficar tranquilo. Hoje ela não vai me procurar, portanto, não nos achará. Saiu com a sua esposa, com Mariana, Fernanda e Débora. Coisas delas. Mas é sempre bom ficar de sobreaviso. Nunca se sabe né!

O irmão ficou surpreso quando, ao sugerir a todos desligarem os celulares e desta forma elas não ligariam e nem os localizaria, Márcio afirmou que no seu aparelho havia um dispositivo que, mesmo desligado, ela o localizaria. “- Como é que é Marzinho? A tua mulher colocou um chip no teu rabo e sabe até quando tu vais cagar”.

Todos riram, inclusive o próprio editor que acrescentou: “- Como você acha que ela me localizou no Pontal? Fez esse “amigo da onça” aí me ligar e depois pegou o número do celular que era dele, me grampeando. Ela sabia até o hotel em que eu estava hospedado”.

– Meu querido irmão, estás fodido com a sua dinamite dos olhos esverdeados. Se bem depois que eu tive que te tirar de cima do Tales e a cara dele ficar toda ferrada por conta dos seus ciúmes, eu não sei quem é mais amalucado pelo outro.

O garçom chegou e todos fizeram seus pedidos e o editor quis tomar, com a anuência dos amigos, um uísque para abrir a noite que parecia ser de liberdade e conversas agradáveis. Fazia muito tempo que não ficava assim com o irmão e o amigo. Desde que Angélica entrou na vida dele, nunca mais teve um dia sequer sem sentir o perfume dela no seu cangote.

Assim que chegou com os pedidos, o barman entregou um bilhete para Márcio indicando quem tinha enviado. Os dois ficaram curiosos, mas o editor tentou disfarçar e deixar para ler depois, mas diante da insistência da dupla de amigos afirmou quem tinha enviado o papel e olharam para a mesa que estava a uns vinte metros da que o trio estava. Haviam quatro mulheres sentadas, entre elas, Ângela.

Ao abrir o pedaço de papel viu o que estava escrito e tentou colocar no bolso, mas foi Leônidas, o mais atirado, quem o estimulou a falar e antes mesmo que o irmão inventasse uma história, tirou de sua mão o pedaço de papel em que estava escrito: “Adorei te conhecer. Uma pena que já és comprometido, mas se quiser podemos ignorar essa aliança em sua mão esquerda. A”.

“- Quem é A, meu irmão? Meu deus do céu! Andas arrasando corações por aí, Marzinho”, inquiriu o irmão.

– Me devolve isso aqui. Se cair nas mãos de Angélica, terei aborrecimentos por várias semanas. Minha mulher é osso duro de roer e é capaz de encontrar essa outra doida aí e dar-lhe uma surra. Esquece.

Ao devolver o bilhete, Léo olhou para o irmão e para o Roberto que responde logo em seguida. “- Ele era cusão mesmo nos tempos de universidade. Fazia até massagens nas amigas, mas não comia nenhuma. Vivia me dizendo que não as vias pela genitália, mas apenas como pessoas”, explicou o diretor das empresas de Angélica gargalhando em seguida.

– Marzinho! Você não responderá o bilhete? Vai deixá-la sem resposta? Isso só serve para atiçar a curiosidade dela. Chame-as para sentar conosco. Nossas esposas não aparecerão aqui, pois ficarão ocupadas até umas horas e enquanto isso podemos ter uma ótima conversa com elas.

Roberto só ouvia e como conhecia bem o amigo, dificilmente cederia aos besteiróis de Leônidas e se este fizesse algum movimento neste sentido, os dois poderiam brigar sério. Pediram a segunda rodada e continuaram conversando sobre tudo e nada, falaram do supermercado e da possibilidade de comprarem o terreno e o valor entraria como débito na contabilidade da empresa e o crédito iria para Marzinho e a esposa.

Sem que os dois notassem, Márcio já tinha observado as quatro mulheres que estavam na mesa e conversavam animadamente e Ângela não tirava os olhos dele, enquanto as outras ficavam se revezando sobre Leônidas e Roberto. O que o editor temia aconteceu quando entrou no prédio uma loira quase da mesma altura de sua mulher e o reconheceu de imediato, fazendo a maior festa.

“- Meu deus do céu! Se eu tivesse marcado algo não daria tão certo. O que fazes aqui, meu Marzinho querido”, perguntou Alice com um sorriso enorme no rosto e os olhos brilhando pela surpresa que o destino, segundo ela, proporcionou aos dois. Depois de todo o festejo, ela cumprimentou Léo, mas não de forma efusiva e foi apresentado a Roberto, amigo de Márcio desde os tempos da universidade.

– Espere aqui querido. Estou com aquelas amigas ali. Vou lá dar um alô para elas e já volto. Quero saber o que achou do meu romance. Você leu com certeza. Quero publicá-lo em sua editora e ser uma das primeiras escritoras de seu selo.

Enquanto a amiga falava, Márcio olhou para a mesa que ela havia apontado e percebeu o tamanho do problema. “- Roberto! Ela é amiga daquela doida que mandou o bilhete. O que eu faço”, perguntou o editor. “- Finge demência e relaxe. Estou aqui contigo e seu irmão também. Se bem que ele quer ver o circo pegar fogo e eu não sei se conseguirei apagar, caso Angélica apareça por aqui”, explicou o diretor.

Quando havia passado cinco minutos, Alice já de pé chamou o garçom e, sem pedir permissão para o amigo, solicitou que a mesa em que ela estava se juntasse à que estava o trio. “-Temos muito o que conversar e minhas amigas vão gostar deles”.

Para delírio de Leônidas e completo silêncio do editor, as mesas foram acopladas e as cinco se sentaram com os três. Lógico que a conversa foi dominada por Alice que falava da coincidência de encontrar Marzinho e o irmão dele ali. Como ela ainda não havia reparado na mão do amigo, Ângela pediu para prestar atenção no detalhe, lhe dizendo baixinho no ouvido, enquanto as outras dialogavam descontraidamente com o trio. “- Alice. O seu amigo é casado com a arquiteta que me recomendaram para fazer o projeto de reforma da chácara onde vou morar”.

– Fiquei sabendo agora que meu Marzinho se casou. Espero que ela seja a mulher que sempre imaginou encontrar. Uma pena que eu cheguei atrasada, e já o encontro com uma algema de dedo.

Todos riram e Márcio entendeu que a melhor coisa era não alongar o assunto, pois sabia que a ideia de Ângela era saber mais sobre a relação dele com Angélica. “- Como ela é, Marzinho”, perguntou Alice, mas antes mesmo dele responder, foi a cliente da arquiteta quem falou: “- Pela cara que fez quando me viu conversando com o marido aí, não é dada a amizade com mulheres que conversam descontraidamente com macho dela”.

“- Por que me mandou o bilhete, sabendo que sou casado e em sua opinião minha esposa é um trator e tem ciúmes para além da conta”, perguntou o editor a Ângela que, antes de responder foi zoada pela amiga e futura escritora. “- Você é mais rápida que eu pensei. Antes mesmo deu chegar já estava tentando atravessar o caminho e conquistar a cabeça de baixo aqui do meu amigo”.

– Eu não sabia que ele era o dono da editora que você falou tanto nos últimos dias, inclusive o motivo de se mudar da capital para cá, Alice.

“- Mas eu não sabia que ele estava casado. Claro, discreto como sempre foi. Ninguém saberia nada, exceto se vasculhasse muito a vida dele. Você não muda mesmo hein meu Marzinho”, disse Alice, de forma encantada por tê-lo reencontrado.

Para quebrar o gelo e mudar o rumo da conversa, Leônidas disse que eles saíram para conversar sobre o supermercado que haviam acabado de comprar na cidade e transformá-lo na primeira filial da empresa da família deles ali no município. “- Ótimo. Se eu não fazer sucesso com o romance, o Marzinho me arruma um emprego no supermercado. Quero ser gerente, hein meu amigo”.

Roberto sabia que a situação poderia fugir do controle, pois além de Ângela que olhava diferente para o amigo, uma das mulheres que estava ali também não parava de observá-lo. Podia não ser nada, mas no futuro traria confusão, pois as mulheres curtiam esse lado recluso de Márcio, de não falar nada para ninguém sobre a sua vida íntima. Telma cochichou com Alice e ambas foram ao banheiro, enquanto o garçom deixava sobre a mesa cervejas, chopes e picanha na brasa, conforme pediu Leônidas.

Assim que voltaram, Telma, mais solta, quis saber qual era o conteúdo do romance que Alice pretendia publicar na editora de Márcio. Ele falou em linhas gerais sobre o conteúdo, como somente Márcio sabia do real ficcionalizado pela enunciação da amiga de adolescência, ninguém fez a devida associação entre os dois e o fato dela estar tentada a resgatar aquela história e se relacionar com o companheiro dos tempos de colégio.

“- Será publicado né Marzinho”, perguntou Alice.

– Sim, mas não ficará sob a minha responsabilidade. Todas as obras de autoria feminina ficarão com a minha sócia e uma das tradutoras da editora. Ela é formada em Letras e verterá para a nossa língua os textos escritos em alemão. Achei melhor deixar essa parte com ela e eu ficarei com as enunciações em francês e italiano.

“- Posso saber por que isso, meu amigo”, inqueriu a futura escritora.

– Por uma razão muito simples: nada melhor do que uma mulher para analisar a escrita de outra mulher. Não que um homem não possa fazer isso, mas entendemos que esse posicionamento é o melhor para o selo que já começa com essa novidade, inclusive também com série de obras destinada ao público afro-brasileiro. Talvez não dê tempo de lançar nenhum livro nessa primeira leva, mas com certeza os próximos lançamentos teremos pelo menos uma obra com essa temática.

Telma havia ficado mais interessado ainda em Márcio em virtude de sua erudição e a aliança no dedo era mero detalhe, porém, ela não conhecia a esposa do editor. Para tentar criar uma certa intimidade com ele, tanto ela quanto Ângela desejaram saber o motivo do apelido dele, tendo em vista que o nome era Márcio.

Roberto percebeu o desconforto que o amigo estava ficando, pois era muito reservado e a chegada de Alice o forçava a dizer mais do que gostaria, justamente porque não desejava abrir precedentes para aquelas mulheres ficarem o assediando. Era briga na certa com Angélica e mais uma semana de quebra-paus que acabaria recaindo nas empresas e ele, juntamente com Amadeu, teria que filtrar tudo enquanto a irmã queria comprar uns raios para atingir aquela mulherada toda.

Foi Leônidas que salvou o irmão, mudando de assunto e enfatizando a comida, do barzinho, da cidade. Falou inclusive que estava pensando em se mudar para lá, contudo, sua esposa era terminantemente contra. Anita, a outra mulher que, contrária das amigas, tinha o cabelo castanho e a pele mais acobreada quis saber onde estava a mulher dele.

– Está junto da esposa do meu irmão e da esposa do nosso amigo aqui. Elas foram comprar algumas coisas e nós paramos aqui para comermos e colocar a conversa de homem em dia.

“- E para variar o assunto era mulher”, apostou Ângela.

“- Não”, afirmou o editor. “- Por que vocês acham que quando nós homens, nos reunimos, o assunto é sobre mulheres? Eu não vou perguntar para o meu irmão nada sobre a esposa dele e nem ele sobre a minha e isso se estende ao meu amigo e sócio Roberto”, explicou Márcio.

Com aqueles argumentos, o editor desmontou a conversa daquelas mulheres que se sentaram com eles de forma atrevida. “- Sem querer ser chata, mas porque não respondeu ao bilhete que te mandei? Será que além de casado, tu és casto”, inquiriu Ângela colocando a mão sobre a de Márcio. Neste exato momento, Angélica entrou no estabelecimento e só não foi para cima de Ângela porque foi contida pelas quatro mulheres que estavam com ela, principalmente Fernanda e Beatriz.

Mas quando Angélica, completamente alterada chegou perto de Márcio, lhe sentou a mão na cara. “- Não posso te deixar um minuto se quer, que já começa a se assanhar com essas putas. Eu sabia que aquela conversa em meu escritório era só fachada. Os dois estavam marcando encontro e usaram Roberto e Leônidas como desculpas”.

Calmamente, o editor olhou para Ângela e lhe disse. “- Não respondi ao seu bilhete porque essa mulher aqui me ama muito e eu a ela e não há espaço para mais ninguém em minha vida”.

Todas as mulheres já estavam de pé e os homens também e Roberto tentando controlar a situação para que não fugisse do controle. “- Angélica, porque você não se acalme e nos deixe explicar. Primeiro, Marzinho não tem culpa alguma e nenhum de nós aqui. Saímos para bater papo e falarmos do supermercado”, explicou o diretor das Organizações Oliveira.

– Quanto ele está te pagando para mentir para o meu coração, hein Roberto?

– Angélica, você sabe muito bem que seu marido é o meu melhor amigo, meu irmão e eu jamais compactuaria com qualquer patifaria dele para contigo. Então o que estou lhe dizendo é a pura verdade.

Ao ouvir isso, Angélica partiu para cima do marido e a coisa ia ficar pior quando Fernanda deu um basta na confusão. “- Se o meu Marzinho cometeu algum erro contigo Angélica, é em casa que devem conversar e não aqui no meio de gente estranha”.

“- Estranha não, minha cara. Conheço o Marzinho desde a adolescência e a editora dele publicará o meu primeiro romance”, disse Alice. No meio daquela balburdia toda, só restou Alice e Ângela. A primeira tentou conversar ainda, mas foi contida pela amiga que a levou embora.

Márcio tranquilamente esperou tudo se acalmar. Solicitou a conta, pediu desculpas par Mariana, Danisa, Débora. Fernanda já sabia dos ataques de ciúmes de Angélica e entendia muito bem como ela se comportava. A arquiteta tremia de raiva e tentou ainda agredir o marido, mas foi contida.

“- Vamos para casa. Lá conversaremos. Chega de escândalos”, disse Márcio.

Leônidas foi em seu carro e Mariana no banco do carona. Atrás estavam Márcio e Fernanda que tentava o tranquilizar, pois sabia que o amigo podia explodir a qualquer momento. No veículo de Angélica, Roberto foi dirigindo, Danisa no banco do carona e no assento traseiro a empresária que chorava, se perguntando porque o marido fez aquilo com ela. Débora tentava acalmá-la informando ter certeza absoluta que Márcio não tinha provocado aquela situação. “- Em casa vocês conversam com mais calma e tudo ficará esclarecido”, disse a secretária.

Roberto levou Débora até a casa dela e de lá foram para o apartamento da presidente das Organizações Oliveira. Desceram e o motorista juntamente com a sua esposa se dirigiu ao seu carro e Angélica pegou o volante do seu automóvel, abrindo a porta do estacionamento para que Leônidas pegasse o seu veículo. Todos se despediram e Márcio sabia que aquela noite a coisa ia ser complicada.