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Terminaram o cerimonial de união entre Amadeu e Tarsila, como o casal tinha sonhado desde que se conheceram. Sem publicidade, sem alvoroço, estardalhaço, afinal o amor só interessava aos dois, então para que chamar pessoas que não tinham nada a ver com a dupla. “- Perda de tempo”, disse o poeta à sua amada quando se encontraram na Alemanha, decidindo morar juntos desde aquele instante.
Márcio e Angélica se despediram dos dois e Tarsila puxou a orelha da empresária. “- Lembre-se do que te falei. Pode passar o tempo que for, a tempestade que enfrentarem, nunca deixe a mão dele escapar da sua. Olha só o presente que vocês dois me trouxeram. Vamos trabalhar juntos para que a harmonia vença sempre”.
– Obrigado cunhada. Está todo mundo me falando para fazer esse homem feliz, mas até agora eu só fiz ele passar nervoso e com meus ciúmes desenfreados o tenho afastado de meu coração.
Amadeu deu uma dura no amigo. “- Meu caro repórter. Ainda tenho lampejos de noites terríveis e chuvosas, nas quais os raios que entrava pela janela do meu apartamento, me deixavam com a minha Rainha do Ébano. Como eu gostaria que ela estivesse ali, porém eu não sabia onde poderia encontrá-la. Mas agora ela está aqui e você, precisa ir longe para encontrar a sua Rainha Branca?
– Não Amadeu! Mas ela é osso duro de roer.
– Essas é que são boas. Ou achas que a minha Tarsilinha é flor que cheire? Mas o aroma e o amor dela compensam qualquer rusga. Agora somem daqui. Os dois têm uma vida para organizar no Brasil e a minha esposa precisa começar a trabalhar, senão sua editora fecha antes mesmo de entrar em funcionamento.
Angélica e Márcio deixaram o apartamento do Rei Branco e da Rainha Preta quando a tarde começava a sua jornada em direção à morada noturna e os dois, que se prometiam formar um novo casal, andaram um pouco e depois pediram um transporte, sem antes se lembrarem do episódio do dia anterior.
Foi Márcio quem puxou o assunto de voltarem ao Brasil. “- Será que dá tempo de comprarmos bilhetes para amanhã, amor”, pergunta o jornalista. “- Falarei com o pessoal da empresa e quem sabe conseguimos duas passagens para amanhã. Não tem muito sentido ficarmos aqui na Alemanha quando temos uma união a ser organizada para nós dois”.
O transporte chegou e ambos ficaram uma distância considerável um do outro, enquanto a arquiteta falava com um dos seus diretores em Berlim. Antes de o veículo parar defronte ao apartamento dela, o funcionário retornou à ligação, dizendo que estava tudo certo. O voo deles sairia às 10h do dia seguinte.
Deixam o automóvel e praticamente correm para dentro do imóvel. Fecham a porta e antes de se atracarem, é Márcio quem deseja ter uma conversa franca com a irmã de Amadeu, mas é ela quem começa.
– Amor! Ao ver meu irmão feliz com a mulher que ele escolheu para ser sua esposa, eu percebi muita coisa, principalmente quando abri o jogo para Tarsila sobre nós dois. O nosso percurso foi rápido demais, enquanto o deles durou cinco anos para se concretizar. Eu não quero e não preciso esperar todo esse tempo para que alguém venha me resgatar, devolvendo o meu amor a você. Marzinho, tu mesmo és testemunha de tudo o que fiz, algumas coisas certas, outras erradas ou motivadas pelo desespero e medo de ficar sem ti.
– Angélica. Nós dois precisamos aprender muito um com o outro se quisermos fazer esse amor dar certo. Você deve entender que não estou contigo por conta do sexo, mas porque quero acordar todos os dias do seu lado. As mulheres entram em TPM, menstruam, bem como há dias em que não têm a mesma disposição que nós para o sexo, então, quando isso acontecer, sairei procurando outras pelas ruas da cidade? Vou arrumar uma amante? Quero estar contigo todos os dias porque te amo todos a cada movimento dos ponteiros do relógio.
– Mas e se eu…
– Esse é o devir de nós dois… se isso… se aquilo… porque não vivemos o aqui e o agora? Lógico que além de te amar, tenho um enorme tesão por ti, mas não é atravessando alguns pontos que precisam estar claros para você que vamos encontrar a nossa satisfação sexual. Ela precisa existir na mesma medida para nós dois, do contrário, será um lance vampiresco: um sugando o outro.
– Não quero ter medo quando estiver contigo em nossa intimidade. Preciso deixar as coisas fluírem naturalmente, mas só de pensar que não conseguirei chegar até o fim e que há outras mulheres que te acham um homem sensacional, eu perco o limite entre o racional e o passional.
– Por que não deixas o amor, a paixão, o respeito, o companheirismo e amizade nos conduzir? Não preciso e nem vou dizer a ninguém quando e como foi a nossa noite de núpcias. Ela pode acontecer hoje, pode ter acontecido naquela manhã no meu apartamento, ou quando estivermos dentro da banheira se curtindo. Também pode acontecer quando eu fizer massagem em ti ou nos masturbando mutuamente. Lembre-se somos virgens um do outro.
Ao dizer isso, o jornalista abraçou a arquiteta, a conduzindo ao quarto dela e se jogaram na cama, sem dizer uma palavra para o outro. Apenas curtindo a temperatura e os batimentos cardíacos até Angélica lhe perguntar: “-Tem certeza que te faço feliz? Ou só está me dizendo isso para que eu não fique encabulada? Afinal nos últimos dois meses o que fiz foi só meter os pés pela mão”.
Márcio ficou em silêncio por um bom tempo e, antes de ser cobrado novamente, pergunta a futura noiva. “- Quantas vezes se apaixonou por alguém como agora?”
– Eu achava que amava a Rosângela, mas aí apareceu você, me provando completamente o contrário e aqui na Alemanha ela me jogou umas verdades na cara que me fizeram refletir sobre o que eu lhe sentia. Creio que existíamos uma para outra com objetivos específicos e agora chegou ao fim. Mas posso lhe afianças: você é o meu primeiro amor. Aquele sentimento de querer estar perto, pensar a todo momento na outra pessoa, mas não em querer agradá-la, mas estar com ela, mão com mão, pele com pele, olho no olho, coração tão acelerado quanto o dela, enfim descobrimos as coisas juntos. E você?
– Assim como você, tive outros amores, inclusive estive prestes a me casar, mas numa certa manhã dominical, eis que aparece na porta do meu apartamento uma trintona, mandona, que começou a me tirar completamente de órbita e eu não parei mais de pensar nela. Era uma coisa de louco. Onde eu ia, lá estava ela dentro do meu pensamento, mas teve um dia que senti o seu perfume, mas não vinha do seu corpo, mas do seu ser. Aí não teve jeito, foi amor ao primeiro cheiro. E a cada loucura sua eu ficava mais doido de raiva e mais apaixonado. Queria entender o que ia em sua alma, em sua cabeça e como você é deliciosamente linda.
Márcio fez uma carícia na bunda da amada, convidando-a para tomarem banho e já arrumarem a bagagem para não precisarem fazer nada apressado no dia seguinte. “-Depois pretendo te dar um presente. Claro se a minha adorável arquiteta, que está planejando construir uma casa dentro do meu coração, aceitar”.
“- Eu pensei que ela já estava pronta e era só entrar”, disse Angélica.
– Meu desejo para contigo não é ter prédio suntuoso, mas uma singela casa com fortes alicerces e começamos a construí-los agora. Nada de alvoroços e ansiedades. Quero te amar e não te exibir como troféu, como já te disse outras vezes. Eu preciso do seu calor, da sua loucura, do seu amor, enfim da sua paz, mas para que eu tenha tudo isso preciso te dar o mesmo. Não posso querer aquilo que não dou ao outro.
– Eu sei amor e é isso que me deixa vidrada em você. Essa forma simples de ver e viver a vida. Não é o desligamento do mundo, mas escolher entre muitas formas de se existir, a que lhe agrada mais, sem se preocupar com os demais e como encaram suas vidas.
Os dois entraram no chuveiro, se banharam sem pressa, deixando que o mundo lá fora se movimentasse com a velocidade que quisesse. O casal resolveu dar para si um outro tempo, sem a velocidade do universo material, sem a busca desenfreada por coisas. “- Quando estou assim contigo, Marzinho, é como se estivesse encontrado a plenitude. Quando conversei com Tarsila entendi o lance dela com o meu irmão. Quando estão juntos, se fecham e ninguém entra. Espero que conosco aconteça a mesma coisa”.
– Keka! Para que isso seja possível, não se importe tanto com o devir, mas sim com o agora. Assim como Amadeu e Tarsila, também vamos enfrentar o racismo galopante que existe fora dessas paredes e não é só aqui na Alemanha, mas sobretudo no Brasil. E lá aa coisa é pior porque as pessoas fingem que não são preconceituosas, mas nos bastidores te passam a perna. É como disse certa vez um cientista, no Brasil um preto para ser bom, precisa da aprovação de um branco.
– Eu sei disso amor. De certa forma, eu presenciei coisas assim quando estive casada com Rosângela, mas era como se eu não tivesse visto nada, pois sempre me voltava para o meu dinheiro, ao meu mundo. Mas quando vi aqueles policiais te abordando, te agredindo e colocando o revólver na sua cabeça, dizendo que as balas que haviam no tambor é que seriam suas testemunhas, pude notar que a coisa é mais séria e profunda e não é mimimi como dizia a minha ex-esposa.
– Só sabe o que racismo quem sofre, quem recebe cusparada no rosto todos os dias. Você não tomou atitude nenhuma naquele momento, quando podia, mas seria sempre uma intervenção econômica, mas há outras pessoas que não têm a mesma sorte e acabam numa vala comum só porque são pretas. Atira-se primeiro e pergunta depois, isso se o defunto falar e ai, como ele está mudo, planta-se uma arma na mão dele e simula resistência.
– Quando tudo isso vai parar, amor?
– Quando pararem de nos tratar como se fossemos pessoas de segunda classe, terceira, quinta. Te amo não porque és branca e rica. Gostar de ti nessas condições é até covardia, mas o meu sentimento vai além da expressividade material. Quando penso no seu irmão com a Tarsila, vejo duas pessoas e não duas etnias diferentes. Entendo o que teu pai sofreu ao ver a mulher que ele tanto amou ser brutalmente assassinada só porque era preta e o amava.
– Ele não está mais aqui para se defender ou acusar alguém. Eu só sei o mal que ele me fez e ainda não entendo os motivos, mas penso que possa ser relacionado aos traumas, como era todo orgulhoso, não procurou ajuda profissional, optou por desgraçar a vida dos filhos.
– Angélica! Não vou julgar, nem absorver o seu pai, mas vamos superar os seus traumas juntos. E olha, não é só o preto é vítima do racismo, mas também quem o acompanha. Então, no momento correto, tiraremos Amadeu e Tarsila daqui e levá-los de volta ao Brasil. Eles se amam, mas são frágeis diante da maldado que as pessoas carregam dentro do coração.
Saíram do chuveiro e o repórter pediu para a empresária deitar de bruços na cama. “- O que está pensando em fazer, seu mocinho”, pergunta a empresária. “- O que acho que o meu amor precisa nesse momento. Relaxe e sinta os toques e a energia percorrer toda a extensão do seu corpo”.
– Mas o que é?
– Se eu contar deixa de ser presente. Feche os olhos.
Angélica seguiu o recomendado, mas foi ao encontro de cenas que queria e muito apagar de sua memória. O repórter colocou uma música suave. Colocou os dois braços dela ao lado do corpo e começou pelos ombros. Em determinados momentos fazia movimentos mais leves, depois mais fortes, percorria toda as costas dela, até a base da coluna. Subia, descia em movimentos ininterruptos. Depois se concentrou nas nádegas, ficando o mesmo tempo ali e depois coxas, pernas e solas dos pés. A massagem durou meia-hora. Em seguida pediu para ela virar de frente, fazendo movimentos semelhantes, porém, com outro tipo de intensidade. Massageou-a por meia-hora.
– Pronto! Gostou amor?
– Meu deus do céu, mas que coisa maravilhosa.
– Estou aprovado então? Se não der certo a editora, montarei uma casa de massagem.
– Também acho e terá como mensagem: “mulheres, não se preocupem. O massagista é eunuco!”
Ao dizer isso, ela o puxa pelo membro e o derruba na cama, agradecendo a massagem recebida. “- Onde aprendeu a fazer isso, meu amor. Agora vou querer todo dia uma dessas depois do trabalho e antes de sair de casa pela manhã”
– Precisarei consultar a minha agenda, madame. O número de clientes tem crescido assustadoramente. Acho que dá para encaixá-la uma vez por semana.
– Eu quero todo dia e pronto. Está decidido. Agora me diga onde aprendeu a fazer isso?
– Eu assistia vídeos e li livros sobre o assunto e depois comecei a exercitar nas minhas amigas da universidade
– Sabia que tinha mulher na história.
– Mas lógico que tinha e tem. Treinei com elas para te aplicar a melhor, pelo menos eu vejo assim.
– Aplicou também na Fê.
– Sim! Mas eu fechei a casa de massagem. Poderia dar muitos problemas. Minha futura esposa é muito ciumenta. Se ela me visse aplicando massagem em outras mulheres, seria capaz de derrubar o prédio todinho.
– Claro! Quero exclusividade e todos os dias. Obrigado amor.
Márcio ficou feliz em poder dar esse mimo à arquiteta que tanto fez para tê-lo ao seu lado. O casal fitou o relógio, observando que já passavam das dez. “- O que pretende fazer, minha Rainha? Queres ficar aqui ou vamos sair para jantarmos ou coisa parecida”, pergunta o jornalista.
A arquiteta, com a cabeça no colo de Márcio diz não ter a menor intenção de sair. “- Depois de uma massagem dessas, quero apenas um chá com torradas e ficar em seus braços a noite toda. O que encontrarei lá fora, se o melhor está aqui comigo”, indaga a empresária.
– Então vistamos algo e eu preparo esse lanchinho para não dormirmos com a barriga vazia e amanhã cedinho de volta ao Brasil para sequenciar a nossa existência.
“- Amor, o que você tem em mente quando chegarmos lá”, pergunta a arquiteta.
– Devemos estar em casa, ou melhor, em sua Torre pela madrugada de sábado. O nosso pessoal está nos esperando de domingo para segunda. Então temos a manhã de sábado só para nós. Não quero ser apressado, mas bem que poderíamos usá-la para comprar nossas alianças e jantarmos com nossas mães. O que acha?
– Eu só vou colocar uma aliança novamente no dedo se você tiver certeza que é isso que deseja fazer.
– É! Ainda bem que me perguntastes isso, pois eu tenho duas alternativas: ou colocar uma aliança no dedo ou montar uma casa de massagem. A minha primeira cliente disse que eu sou apto para o negócio. Então acho que até amanhã antes de embarcarmos para o Brasil, eu decido.
– Primeiro massagista eunuco do país.
Márcio e Angélica caem na gargalhada, enquanto caminham para a cozinha. O jornalista disse que se alguém lhe perguntasse isso há dois meses relacionando a interpelação a ela, com certeza a resposta seria não. E diria que tem ojeriza daquela ricaça. Mas foram tantas coisas, loucuras, tentativa de tirar a roupa para lhe chamar a atenção, deitar na frente dos carros em plena avenida berlinense. “- Ou eu te detestaria profundamente ou te amaria loucamente. Ainda bem que a segunda foi a vitoriosa e estou imensamente feliz por isso, minha amalucada arquiteta”, disse Márcio, beijando carinhosamente a empresária.
– Quer dizer então que tudo o que eu fiz não te assustou?
– Só gostando muito para fazer escândalo dentro do cinema, jogar chope na minha cara e da Fernanda. Me esmurrar, atravessar o estado. Se isso for fogo de palha, precisarei arrumar milhões de milharais para tirar as palhas das espigas e deixar sempre queimando.
Angélica deixa sua cadeira e vai em direção ao repórter, senta em seu colo e o beija ternamente. “- É que de repente descobri que aquele ser que me desnudou sem colocar a mão, dizendo que estava pouco se lixando para quem eu era e meu dinheiro, me mostrou o caminho que eu tanto procurava e não encontrava”.
Ao terminarem o lanche noturno, Márcio arrumou tudo, mesmo Angélica lhe dizendo que no dia seguinte Tarsila daria uma passada por lá. Ficaria responsável por manter as coisas em ordem. Ela poderia morar ali com Amadeu, mas preferiu continuar no espaço dela. Desejava conquistar tudo junto com o agora marido poeta.
O casal fez a higiene bucal e foram para a cama. Entre tantas coisas que poderiam dizer um para o outro, optaram pelo silêncio. Acreditaram que o momento era para que as almas se encontrassem serenamente depois de tanto tumulto, confusão por medo dos dois. A arquiteta não era de toda culpada por tudo que vivenciaram de ruim até ali, mas sabia que a contribuição maior era dela que amou primeiro e de maneira desesperadamente. Amou-o tanto que conseguiu ultrapassar os limites impostos pelo jornalista a todas mulheres que se aproximavam dele, inclusive Fernanda e Joana. “Ainda bem que nenhuma delas conseguiram alcançar o objetivo”, pensou a alma de Angélica que mandou um correio-elegante ao coração lhe transmitindo essa informação.
Embalados pelo som dos batimentos cardíacos, Márcio e Angélica embarcaram num profundo sono que, se sonharam, não se recordaram, já que despertaram faltando pouco tempo para o check-in no aeroporto. Resolvida toda a parte burocrática, o casal, ainda meio ressabiado por conta da situação vivenciada dentro do táxi, procurou ficar perto um do outro, segurando timidamente as mãos.
Entraram no avião e sabiam que voo era longo. Se acomodaram de tal forma que não se desgrudassem um do outro. A maior parte da viagem foi feita com o casal dormindo, acordando às vezes para ir ao banheiro, ou comer alguma coisa oferecida pelo serviço de bordo, ou dizer que um estava com saudades da boca do outro.
Chegaram ao Brasil por volta da meia-noite, indo direto para o apartamento dela. Quando entraram, Angélica falou alto: “- Que saudades do meu espaço. Minhas coisas, minha casa”. Abraçando o jornalista disse: “- Meu homem, meu namorido, meu sol, minha lua, meu tudo, meu universo, meu oxigênio”.
– Nossa! Tudo seu! Não me sobrou nada?
– Você amor, fica com o meu principal: meu coração, meus olhos, minha alma, minha vida, com tudo o que é meu. Só faço uma exigência, nunca me deixe.
– Olha só! Por que não para de pensar assim e gaste toda a sua energia me amando? Porque farei isso, aliás, já estou fazendo. Agora eu tenho anotado todas as suas cenas de ciúmes. Devolverei todas. Comecei pelo médico. Quererei ver suas agendas e se tiver reunião em que há homens, participarei do evento. Se não puder, fiscalizarei sua roupa. Nada de modelos agarrados, calcinhas marcando a bunda, alças de sutiãs aparecendo, batons chamativos.
– O que mais tem aí na sua lista? Se for assim, começarei a te apresentar a minha e a primeira coisa que exigirei é distancia de Fernanda e pode esquecer essa história de ser padrinho do filho do Roberto. Se não for comigo sendo madrinha, esquece. Depois, a sua editora não publicará escritoras, somente escritores. Eu que saiba que tu andas de conversa com mulheres com a desculpa de que eles publicarão livros contigo. Só sairá de casa comigo e teu escritório será aqui em casa. Se for ao meu escritório, somente quando não tiver mulher lá e a Debora esteja em horário de almoço. Se começar com muita graça com ela, te capo e a demito.
– Nossa Senhora da Proteção dos Maridos Justos! Não terei folga um segundo? Será que não posso nem dar uma espiadinha no que as moças estão fazendo na cozinha?
– Você se lembra daquela música infantil em que o dom ratão caiu na paneja de feijão? Pois é! Espero que nem chegue perto da cozinha e de nenhum rabo de saia, pois saberá o que lhe aguarda, meu neguinho. Eu que te pego olhando para outras como me despiu naquela manhã de domingo.
– Aquilo foi tão impactante assim, amor?
Angélica olha para o jornalista e finalmente compreendeu que ele sabia fazer aquilo e pode muito bem repetir o gesto. Por isso, deve ficar atenta a qualquer movimento dele para com outras mulheres. “- Seu filho de uma puta. Negando que não sabia de olhar algum. Sabe e faz de propósito para deixá-las loucamente doidas pelo seu pinto. Tarsila me disse que eu tenho que ficar em cima, não posso vacilar um segundo”, vocifera a arquiteta.
O jornalista vai em direção a ela dando gargalhadas e ela fica mais doida ainda. “-Neguinho, você que não ainda na linha que o trem vai te pagar e a locomotiva se chama Angélica.
“- Amor, sinceramente eu não sei de que olhar está falando”, tenta se explicar Márcio.
– Agora se faz de desentendido, mas sabe muito bem olhar sem ver, tirar a roupa da mulher sem colocar a mão, fazê-la gozar só com o pensamento e ainda por cima faz uma massagem divina. Acho que tenho razão quanto aos meus ciúmes. Você? Todo tímido? Sei que timidez é essa. Boba da Márcia que perdeu você e ainda ficará um tempão presa e eu aqui subindo nos ventiladores.
– Amor. Já é tarde! Estou afim de tomar um banho e dormir. Quero ir cedinho encomendar as nossas alianças e depois marcar o jantar com dona Judith e dona Eleanora: minha mãe e respectivamente minha sogra.
– Adorei saber que minha mãe será sua sogra.
Entraram no quarto. Se banharam e repetiram o que fizeram na Alemanha na noite anterior. Dormiram embalados pelo som que os corações faziam e o da arquiteta parecia a cada dia mais sereno. Estava para completar dois dias que não brigavam, ou melhor, que ela não tinha ataques de ciúmes.
Acordaram perto das nove horas. Márcio, mais acelerado do que de costume, queria tudo para ontem. “- Calma amor, por que tanta pressa? Temos o dia todo”, disse a arquiteta.
– Não é todo dia que se escolhe alianças para se passar o resto da vida com quem se ama.
– Meu deus do céu, mas que homem mais apaixonado eu arrumei para ficar do meu lado todos os dias daqui até o fim a eternidade.
Quando chegaram na garagem, Angélica viu o carro usado por Rosângela parado ao lado do seu e se virou a cabeça para Márcio que não pensou duas vezes e falou: “-Vende e manda o dinheiro para Tarsila. Garanto que será melhor aplicado lá do que aqui ocupando a vaga na sua garagem. E nem adianta olhar para mim, não vou aprender a dirigir. Se você já faz isso, está de bom tamanho”.
– Faremos isso na semana que vem.
“- Por que faremos”, pergunta o jornalista.
– Por uma simples razão, senhor meu namorado. Não vamos nos casar? Então, as decisões serão conjuntas.
– Até do seu ciúme?
– Aí é individual porque o delito é sempre cometido por você.
Chegaram à joalheria e Angélica pediu para falar em particular com o proprietário no que foi prontamente atendida. Quando ia entrando, a balconista tentou barrar Márcio. “- Qual é o seu nome, minha jovem?”
– Jovana! Por quê?
– Porque se tentar barrar a entrada desse senhor comigo, acho melhor procurar outro emprego. Falarei sobre isso com o seu patrão. Só porque ele é preto, você acha que ele não tem condições de usar essas porcarias que vendem aqui? Vem amor!
A vendedora ficou sem saber onde enfiar a cara. Sabia que a coisa ia ser séria. Não imaginava que a madame tinha alguma coisa com o negão. Na melhor das hipóteses, era o seu segurança.
Dentro da joalheria tiraram as medidas e ambos escolheram o modelo. Queria tudo para segunda-feira. “- Desejamos começar a semana com essas coisas maravilhosas em nossos dedos”, disse a arquiteta. Em seguida entregou as duas outras alianças, pedindo para que o ourives as transformasse num par de brincos que seria comercializado num leilão que seria promovido pelas Organizações Oliveira para arrecadar fundos visando o lançamento de uma fundação, presidida pelo futuro marido dela.
Quando Jovana escutou o nome das empresas, ficou vermelha, tentou se desculpar, mas Angélica só olhou para ela e para o proprietário dizendo: “- O senhor precisa escolher melhor seus funcionários. Dona Jovana aqui tentou barrar a entrada do meu noivo. Da próxima vez, a coisa vai ficar mais séria. Segunda-feira estaremos aqui para apanhar nossas alianças, não é amor”, a arquiteta disse beijando ternamente Márcio e, olhando para a funcionária, lhe perguntando: “- Ele não é lindo?”
Quando Angélica e Márcio saíram, o joalheiro, conhecido pela sua benevolência chamou a atendente em sua sala. “- Você tem duas escolhas: ou vai prestar serviço voluntária na fundação dela para continuar trabalhando aqui comigo ou pode pegar as suas coisas e ir embora. Eu não te pago para ficar achando. Você recebe salário para atender bem os clientes e não classificá-los a partir de sua visão estreita de mundo. A família dessa mulher é praticamente dona de metade dessa cidade e se ela vai casar com preto, branco, amarelo, azul, não importa. É um ser humano que tem o direito de ficar com quem ela quiser. Isso te incomoda ou você queria o negão dela para ti?”
– Senhor Barata, peço mil desculpas, pequei pela força do hábito. Sei que cometi um grave equívoco, mas se perder esse trabalho, como vou auxiliar na manutenção de minha casa.
– Você já sabe o que fazer!
Dentro do carro Angélica falou firme com Márcio. “-Eu sei porque não se importou em entrar comigo. Estava de olho naquela sirigaita. Te conheço neguinho”. O jornalista apenas a fitou, a surpreendendo, já que não mexeu um músculo do rosto e continuou voltado à rua.
– Estou falando que esse filho de uma puta ainda faz eu cometer umas insensatezes.
Ele caiu na gargalhada. Enquanto ela colocava o carro em movimento. O jornalista ligou para Eleanora. “-Alô! Sogra! E dona Judith? Posso falar com ela?”
– Márcio! Por que não deram notícias? Sua mãe está aqui a ponto de me deixar doida. Antes de falar com ela, quero te agradecer pelo que fez pelo meu filho. Eles me mandaram fotos do casamento deles. Eu queria algo diferente, mas se Tarsila o faz feliz, o resto não tem importância.
– Está certo dona Eleanora. Deixe-me dar uma palavrinha ai com dona Judith.
– Seu filho de uma cadela sarnenta! Esqueceu que tem mãe? E como foi lá? Essa galega vai ou não ser minha nora?
– Se eu sobreviver até o casamento, será sim. Eu não posso nem fitar de relance ela ameaçava me destroncar o pescoço.
– Está certo ela. Se olhares para outras mulheres do jeito que teu pai fez comigo, não quero nem pensar o vai lhe acontecer. Eu sei bem como vocês não mexem nenhum músculo do rosto e deixa a mulher nuazinha. Quando vou te ver filho?
– Acho que hoje à noite. A Angélica vai marcar com a mãe dela um jantar para nós quatro.
– Deixa eu falar com ela, filho.
– Olá sogrinha!
– Está cuidando bem do meu Marzinho? Ele te deu trabalho lá na Alemanha? Se ele olhar para outras mulheres como meu marido faz, você estará em sérios apuros, minha filha. Eu já vi ele fazendo isso quando estávamos na fazenda. A empregada estava com a filha quando sua mãe disse que não ia precisar delas.
– Ah é! Então a senhora ficará órfão de filho.
– Não faça isso. Deixe que eu mesmo pego ele aqui.
As duas riram e Angélica pediu para falar com a mãe e combinaram o jantar a noite. Tudo regado a peixe, vinho e cerveja sem álcool. Ficou tudo marcado para às 20h.