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Márcio terminou de preparar o jantar, deixando tudo dentro do forno para ser servido apenas quando Angélica estivesse concluído o seu banho e ele o seu. A arquiteta berrou do banheiro: “- Não sei qual delas usar?”. O jornalista, sentado em seu sofá preferido, respondeu: “- Aquela que sua alma indicar. O mais importante é que ficarás bela em qualquer um dos deles. Não vou dizer qual eu acho melhor. Eu já escolhi os que aí estão”.
Passou cerca de quinze minutos e anfitrião cobra agilidade da empresária. “- Vamos! Eu também quero me banhar antes do jantar. Se demorar muito, tudo estará frio, tendo que requentar, perdendo o sabor original”.
Angélica deixa finalmente o banheiro. Para ele, a sua musa esmeraldina estava divina. Ali entendeu o que Amadeu via em Tarsila: a alma que se expressa através do corpo material. “- Estou bonita?”, lhe perguntou Angélica. Ela estava com um vestido salmão, cuja saia ficava pouco acima do joelho e aberto na parte de cima, precisando de um complemento e o escolhido por ele foi uma camiseta branca que se adaptava perfeitamente ao corpo. O sutiã se ajustava aos seios, sem lhe marcar, de modo que quem visse, poderia imaginá-la sem a peça, contudo, estava ali protegendo Angélica das transparências da luz. A calcinha também aderiu ao corpo, como um short modelador, sem indicar o tamanho e formato.
– Divina! Escolhi bem?
– Posso lhe ser sincera?
– Não só pode como deve! Você não gostou né? Ainda bem que é para deixar aqui em casa.
– Adorei. Já até pensei em usá-lo em outros eventos. Meu neguinho tem bom gosto. Agora vai lá, tome seu banho, enquanto eu arrumo a mesa para jantarmos.
O repórter tomou banho. Pensou em fazer a barba, mas percebeu o quanto ela gostava de seu rosto daquela forma. Usou uma colônia bem sóbria. Nada chamativa, mas apenas algo que somente se a mulher estivesse bem próxima sentiria o aroma. No vestir-se procurou não ser nada exagerado e nem ensebado. Refletiu, decidindo por um jeans, um tênis no estilo sapato marrom e uma camiseta com tons em verde claro. Saiu do banheiro e ficou observando enquanto Angélica terminava de arrumar tudo.
Quando ela se vira e se depara com ele a olhando. “- Meu deus do céu! Que transformação foi essa? Achei que ia vê-lo vestido como um jornalista ensebado, cansado do ofício, mas viciado no desejo de compartilhar informações com seus leitores. Contudo, o que vejo é um outro ser. Não vou nem perguntar nada. Apenas curtir, apreciar”, exclamou a arquiteta.
– Fico feliz que tenha gostado. É desta forma que pretendo estar sempre quanto sairmos e estar, primeiramente com uma aliança na mão direta e depois na esquerda.
Angélica vai lentamente até Márcio, se dependura no pescoço dele e olhando firme para ele diz: “- Obrigado por não desistir de nós dois! Hoje de manhã naquele escritório, quando você apareceu eu havia perdido a vontade de tudo. Queria sumir no mundo, como aquele personagem do filme Paris Texas. Te amo meu preto maravilhoso!”
“- Tive uma manhã de cão! Assim que cheguei me deitei naquele sofá e queria que o mundo parasse para eu descer. Do jeito que você me falou, eu senti que era o fim. Que havíamos desistido daquilo que nos trouxe até aqui. Cada um com a sua dose de contribuição. Tentei dormir, depois desistir, mas não conseguia. Cheguei a me dividir em três e deixei a trindade me disputar. Eu faria o que o vencedor determinasse”, explicou Márcio puxando a arquiteta para o sofá.
– E se a parte que decidisse por me deixar lá sofrendo naquele escritório de arquitetura, vencesse. O que você faria.
– Aí é que está! Elas decidiram em não entrar em disputa. A razão indicava um caminho, a emoção o mesmo trajeto. A alma apontava para a mesma direção.e A palavra lute completava dizendo para não desistir. Então eu só tinha uma coisa a fazer. Te buscar pata almoçar, mas aí você aparece com aquele jeitão inquisidor, querendo me intimidar como naquele domingo em que esteve aqui pela primeira. Não segurei a onda. Achei que estava lhe incomodando com algo que tinha ficado definido pela manhã.
Angélica olhou para Márcio recordando aquela manhã, começou a rir. “- Amor, você estava completamente desprotegido. Teu corpo parecia que ia virar pedra ou desmontar. Desde que te conheço, nunca te vi daquele jeito, sem conseguir se controlar e sua gagueira te atacou”.
– É! Fiquei atônito, catatônico, com medo de levar outra porrada!
– Você bem que merecia, mas eu estava pegando fogo por dentro. Quando me deu de presente a chave do apartamento, no mesmo saquinho que eu lhe dei minha calcinha aquele dia, compreendi muita coisa, inclusive o amor de Amadeu por Tarsila e o dela por ele.
Entreolharam-se, se beijando em seguida, indo em direção à mesa posta pela arquiteta. Jantaram em plena harmonia, conversaram muito sobre aqueles momentos, sem uma palavra sobre a noite anterior. Foi como se os dois entendessem que não podia trazer certos acontecimentos que deveriam ficar lá na própria ação, pois se os arrastassem para o presente poderiam viver em constantes reações. O casal tinha claro que muita coisa precisava ser organizada, mas sem precisar ficar dizendo, apenas fazendo.
Angélica falava das roupas e perguntava a todo momento a mesma coisa. O que havia dado em Márcio para compra-la para ela. “- Bom! Como pedi para você deixar umas roupas suas aqui, pois desejo que passe umas noites comigo neste espaço, como fiquei várias vezes em sua casa, achei que seria legal eu comprar algumas peças. Mas parece uma coisa de doido. Eu acabei discutindo com uma senhora lá na loja”.
– Que loja?
– Não vai começar né!
– Está bem! Eu sei que foi onde a Fê trabalha. Mas o que aconteceu?
– Uma senhora achou estranho eu estar comprando roupas femininas. E veio tirar satisfação. Fui direto. Falei que era para usar com o marido dela a noite. Só que eu estava em dúvida. Não sabia se ia comer o rabo dele primeiro ou se ele é quem me daria o cu.
Ao ouvir isso, Angélica quase que engasga e soltou aquela gargalhada. “-Queria estar lá para ver a cara dela. E depois?”
– Ela saiu me xingando e foi reclamar com Fê. Levou outra pancada. “A Fê disse: ‘Meu amigo não gosta que fiquem bisbilhotando a vida dele. Se ele quer comprar roupa para a esposa, tem todo o direito de o fazê-lo”.
– Neguinho, tu não achas que está com muita lambança com essa Fê?
– Não! Mil vezes não! Não é o seu ciúme que vai estragar o eu sinto por você. Ela é minha amiga como eu sou amigo dela e nós nos adoramos, mas entre ela e uma arquiteta que atravessa o estado para me achar, a galega dos olhos esmeraldinos vencerá sempre.
– Amor eu prometo me controlar.
– Dona Keka! Não prometa. Faça. Por exemplo, eu parei de prometer te amar. Encontrei algo mais sereno: entre prometer e fazer, fiquei com o segundo, de modo que não preciso lhe assegura que vou te amar. Eu simplesmente te amo do jeito que você é!
Angélica saiu de seu lugar se dirigindo ao assento onde Márcio estava, alisou seu rosto e sem dizer nada, beijou-o com ternura. Ele lhe pergunta se gostou da comida. “- Claro. Mas eu ainda preciso cozinhar para você. Quando vinha para cá estada toda encabulada com isso”.
Enquanto ela se dirigia a sala, tentando levá-lo, ele se recusou, tirando a mesa, levando tudo para a cozinha. Ao voltar para junto de Angelica, a arquiteta estava passando pelos discos e encontrou um que a fez recordar quando descobriu que Márcio tinha desaparecido. A letra fazia alusão sobre o sumiço de uma pessoa e a que a amava sentiu uma total escuridão.
– Coloque esse disco para nós dois. Eu ouvi hoje de manhã e senti a escuridão bater em meu peito quando entendi que, se eu não te buscasse, como fez comigo lá no Pontal, você não viria pelas próprias vontades. Aceitando a dica do amado, a empresária colocou a música e o tirou para dançar num simples bailado, mas repleto de subjetividades e belezas que somente quem conheceu e compreendeu o amor pode compartilhar.
Ambos se deixaram levar pela melodia que marcava o compasso das batidas do coração de Márcio e Angélica que não respiravam, mas suspiravam um pelo outro. Quando o repórter começou a sentir um calor diferenciado entre as pernas, se afastou da empresária que ficou sem entender, mas optou por não dizer nada. A noite estava apenas começando e ela dormiria com ele, então não havia necessidade alguma de acelerar as coisas.
Naquela noite ele era o anfitrião, então nada melhor do que ser o condutor. Teria apenas que deixar ser levada pelos seus objetivos. “- Venha aqui! Vou te contar o projeto que criei, inclusive para incluir seu irmão e fazer algo que sempre almejei”. Angélica, se sentou diante dele, na mesinha de centro para quebrar o tom formal que ele desejava dar a conversa. Mas a posição era incômoda, a forçando sentar no chão, o que fez com um prazer enorme.
– Quero achar os textos que seu irmão disse que escrevia e colocava no meio dos livros. Segundo ele, as obras desapareceram, então os escritos estão sumidos.
– Não estão não! Estão lá no apartamento dele. Quando acabei com aquele depósito horroroso que meus pais mantinham, eu pedi para levar tudo para o prédio dele. Mas o que pretende fazer?
– Criar uma editora e o primeiro livro a ser lançado conterá os textos do seu irmão, através do que ele está chamando de Crônicas de uma lagartixa. Vive dizendo que a terapeuta dele come insetos, então só pode ser uma lagartixa, eu acho! Conversarei com Roberto para me auxiliar e, quem sabe, arrumar uma secretária.
– Que não seja a Fernanda! Não quero ela trabalhando muito perto de você. Vai que ela sente o desejo de te experimentar. Melhor nem tentar.
Márcio faz aquela cara de quem finge que não entendeu a observação dela, optando por lhe explicar porque escolheu a criação da editora. “- Entendo que escrever é selecionar fragmentos em meio às miríades de eventos e fenômenos sociais. Em minha opinião, as poéticas, até quando enfocam tristeza, são belas e o ato da enunciação é isso, tornar belo e sublime aqueles fragmentos que parecem terríveis”, poetizou o jornalista, sentenciando: “- Eu sei que as pessoas não comem palavras, verbos, rimas, porém, tudo isso preenche a alma de esperança. Está e a minha utopia romântica. Não acho que poder, ou estar no topo da pirâmide social, possa alimentar as pessoas tão bem quanto um clássico, como Ilíada e Odisseia”.
Angélica se mostra encantada com a erudição do jornalista ensebado de fundo de redação. Ele continua a lhe explicar o seu programa: “- Por enquanto, é só tratar do registro da empresa, editar os textos dele em formato de livro. Se ele não quiser usar o nome, podemos bolar um pseudônimo. Depois ver uma gráfica para imprimir os livros, vendê-los a partir de um site da editora. A gráfica eu acho que dá para usar a do jornal”, explicou o futuro editor.
– Os serviços de nossas empresas são concentrados numa que meu pai montou para não necessitar usar algo externo ao grupo. Se você quiser podemos fazer lá.
– Também não vou precisar inicialmente de espaço físico, pois é possível fazer tudo daqui do meu apartamento e enviar pela internet para ser impresso. O que você acha?
– Se é o que você realmente quer e te faz feliz. Coloque em prática. Minha objeção eu já disse e agora sabendo que a empresa vai funcionar aqui. Não quero a Fê aqui dentro com você sozinho todos os dias nem que a vaca tussa!
– Está bem! Já falou pela segunda vez. Não vou me esquecer do recado. Mas quanto a editora, tenho mais ou menos as coisas organizadas aqui e amanhã falarei com o Roberto. Queria oferecer mais a ele, mas é o que dá para o momento. Se a editora fluir, quem sabe não o tiro daquele jornal.
– Amor! Lembra-se do cargo de diretor de comunicação que eu te falei que era para você?
– Sei! Mas você inventou aquilo lá só para afastar a Fê naquele dia em que fomos à loja em que ela trabalha.
– Existe sim! Eu falei para ela, na tentativa de que te convencesse a assumir o cargo, mas não ia adiantar nada. Te conhece bem e sabe que é desperdício de tempo tentar te convencer a fazer algo que está ossificado dentro de ti. Então, fale com Roberto. Se ele souber inglês ou estiver disposto a aprender rapidamente, quem sabe não fica com o cargo. Mas só vou resolver isso depois que voltar da Alemanha. Quero terminar tudo com Rosângela e começar uma vida nova com meu neguinho.
Quando Márcio ia dizer mais alguma coisa, a arquiteta se antecipou, sem saber o que era. “ – Para a Fê eu não tenho nada! Quero distância dela e principalmente que tenha de você”, disse a arquiteta que teve a resposta logo em seguida. “- Não ia pedir nada, muito menos para a Fernanda. Fazer isso seria colocar um fim à nossa amizade. Só queria te agradecer por esse presente que daremos ao Roberto, que eu o amo como meu irmão”.
Angélica começou a rir e do nada, destampou a chorar. Márcio quis saber o motivo das lágrimas. “- Não é nada amor. Só me lembrei de uma coisa que me falaram e eu acabei de ver isso confirmado”, explicou a arquiteta. “- E pelo visto não vai me falar nada”, perguntou o futuro editor.
– Digamos que quero guardá-lo como um segredo entre eu, o meu coração, a minha mente e a pessoa que me falou.
“- Está certo então”, disse o anfitrião que se levantou pedindo para a empresária fazer uma seleção para aquela noite, enquanto ele deixava tudo em ordem na cozinha. “- Não quero deixar tudo para lavar amanhã. Ainda mais que vou conversar com o Roberto pela manhã e à tarde providenciar o passaporte que tua mãe acelerou. Achei estranha aquela conversa dela com um funcionário da repartição”.
– Nem me pergunte porque eu não sei de nada.
Enquanto Márcio tentava organizar tudo na cozinha, Angélica ia a loucura tentando organizar minimamente as músicas que poderiam ouvir naquela noite. “- Amor que coisa horrível, isso de pôr um disco, tirá-lo e colocar outro. Não era mais fácil fazer tudo isso pelo computador?”
– O tesão está justamente em fazer isso. Eu e o Roberto passávamos horas fazendo isso quando dividimos a república. Ficávamos bebendo e ouvindo um e depois outro. Mesmo tendo o computador para organizar tudo, era delicioso escutar o chiado que vinha do bolachão.
– Tudo bem! Mas não estou afim de fazer isso hoje. Quero organizar uma playlist e ficar te curtindo enquanto as músicas são executadas. Fazer desse jeito aqui é cortar o tesão.
“- Está certo. Deixe eu terminar aqui. Vou conectar as caixas de som no computador e você escolhe naquele canal de música”, informou o jornalista.
Angélica não quis esperar nada. Já foi lá na cozinha e como que mandando: “-Deixa que eu termino aqui. Vai lá logo arrumar aquela porra. Estou vendo que amanhecerá e eu não dancei nadinha contigo”.
Márcio olhou firme para ele, falando: “-Sente-se lá e me espere. Já estou indo”. Não restou à dona do olhar esmeraldino se não obedecer ao seu futuro Rei de Ébano e voltar à sala, ficando lá emburrada, como uma adolescente que os pais não deixam sair com a turma para a balada.
Queria mexer no celular do jornalista. Procurou pela sala, como não encontrou foi até a cozinha e achou que estava no bolso dele. E nada. Ficou intrigada. “- Onde está o seu celular?”.
– Joguei fora. Para que eu precisaria de celular agora a noite. Não combinamos de ficar juntos, curtindo a companhia um do outro? Então esquece essa merda.
– É que queria ver umas músicas?
– Eu sei bem o que a madame queria vasculhar.
– Cruzes amor! Fazes um péssimo juízo de sua amada!
– Eu só quero tê-la comigo aqui e nada lá fora vai nos atrapalhar. Sem celular. Agora deixe de me atrapalhar e me espere. Já estou indo!
Não havia remédio. Era esperar o “doutor paciência”, como ela o descreu para a sua mãe quando falava do amor que lhe tinha. “- É o que precisa para te colocar na Terra e deixar de ser tal alvoroçada”, disse Eleanora. Ficou sentada um tempo, depois se levantou e foi até a janela e ao olhar para a rua, se lembrou da manhã do domingo em que chegou toda altiva no prédio, saindo com a cabeça toda bagunçada.
Márcio chegou à sala e vendo a cena, lhe perguntou se era verdade que naquele domingo em que se conheceram, ela passou o resto do dia só falando nele. “- Como você sabe? Se falei foi por pura raiva, indignação.”
– Mas alguém leu diferente e sentiu ali que havia mais de raiva, ira, mas uma querência diferenciada, pois quando não gostamos de uma coisa, nem podemos pensar nela, quanto mais falar dela.
Angélica veio em direção a ele, toda leve dizendo: “- Se notaram eu não sei, só sei que desde aquele dia um certo neguinho não saiu mais do meu pensamento até que desceu para o coração, se espalhando por todo o meu corpo. Te amo meu preto lindo”, completou a empresária.
– Deixe eu montar logo essa coisa, do contrário, alguém enfartará de tanta impaciência.
Quando Márcio agachou para fazer as últimas conexões, Angélica deu um empurrãozinho no ombro do repórter que perdeu o equilíbrio, indo ao solo, mas quando pensava que sentiria o chã, já tinha a arquiteta em cima dele, o beijando de todas as formas.
Enquanto se beijavam, ela sentiu que algo em Márcio começava a dar sinal de vida. “- O que é isso, seu moço? Basta um beijinho à toa, para o senhor ficar todo saidinho? Por favor, não apague a lanterna que irá clarear meus caminhos daqui para frente”. Depois dela o sentir, ficou curtindo a pulsação que vinha do pênis do amado, enquanto a respiração dele ficava ofegante e o corpo se incendiando e o dela em brasa.
“- Não tenho pressa de nada, pois não será só a primeira vez para você. Também será para mim”, disse o repórter fixando seu olhar no dela.
– Não vem me dizer que você é virgem?
– Sou virgem contigo! Eu nunca transei com você e posso lhe dizer que estou tão nervoso quanto tu. Sei que pode não ser perfeito na primeira vez, mas quero que seja bom para nós dois e que, sobretudo, tenhas múltiplos orgasmos. Então não pode ser só o atrito, meu pau entrando feito um louco alucinado na sua vagina. O sexo é uma relação de troca em que os dois precisam estar envolvidos desde a alma, do contrário, estaremos desperdiçando importante energia criativa.
“- Confesso que não entendi”, disse Angélica saindo de cima dele e vendo o efeito que provocou nele.
– Em linhas gerais, quando nos relacionamos sexualmente tem duas forças se interagindo e que precisam estar na mesma sintonia. Do contrário, alguém estará sugando alguém e o sentido dos dois corpos movidos pelas respectivas almas, se perde e aquilo que poderia ser prazeroso acaba se tornando frustrante. Por isso que sempre te disse, o sexo não vem em primeiro lugar na minha concepção. Antes dos corpos se encontrarem no bale sexual, é preciso mais coisas que creio estamos construindo.
– Quer dizer que se você não estiver profundamente envolvido com a pessoa, não vai rolar? Que é capaz até de você não funcionar?
– Posso até funcionar, pode até rolar uma trepada, mas a sensação de vazio depois será muito maior do se eu estivesse me masturbado.
Angélica se sentou encostando no sofá, enquanto o jornalista terminava de ajeitar as caixas de som para ela finalizar a seleção de músicas para aquela noite. Assim que concluiu, lhe perguntou se queria cerveja, vinho ou uísque. Por ter ficado pasma com a explicação dele, pediu um uísque. “- Muito bem! Uísque para dois! Já saindo!”
Quando retornou, dos autofalantes saia uma música francesa. Angélica pegou o copo da mão dele e virou tudo de uma vez na boca. “- Cuidado! Você não está acostumada querida!” Assim que terminou, pediu outra dose e já foi falando: “- Então aquela história de dormir bunda com bunda que Fernanda falou é verdade. Você já dormiu na casa dela, mas não rolou nada e aí ela viu que tu era carola”.
– Por que tanto espanto? Acho isso perfeitamente normal. Não é porque sou homem que tenho que ficar dando em cima das mulheres, as enxergando com gigantes bucetas. Antes do corpo, há uma alma pedindo passagem. Prefiro, primeiro, encontrá-la e depois o corpo. Sei que para muitos isso não conta, já que preferem falar da quantidade do que da qualidade. A primeira é fácil atingir, a segunda é mais complicada porque diz respeito a você e não ao outro. Não posso querer qualidade no outro se eu não ofereço a minha. Meus amigos sabem que não sou de ficar falando de minha intimidade.
– Realmente! Você é de outro planeta, mas eu sei bem o que um olhar que ninguém vê pode fazer com uma mulher desavisada, principalmente aquelas que chegam cheias de si e saem sem numa roupa quando falam contigo. Você não coloca a mão, mas as vê de uma forma tão enigmática que é impossível não ficar toda molhada.
– Eu olho normal, mas contigo foi diferente. Teu corpo queimou minhas retinas, ficando alojado na minha mente. Foi como se eu tivesse te visto a partir da alma. Eu bati o olho, enxerguei sua roupa intima, seu corpo por baixo daquela roupa toda. É como se eu tivesse visto a bela pessoa que tu és por baixo daquele corpo e que, para não apanhar, gosta de chegar batendo.
– É meu amor! Você resistiu bem. Segurou a onda e me deixou peladinha diante do seu coração. E eu não tive saídas. Tentei achar as roupas, mas você as escondeu muito bem. Posso te pedir uma coisa amor?
– Pode!
– Não deixe eu encontrá-las, por que está uma delícia ficar peladinha para você. Se for para me cobrir, que seja com seu amor e seus beijos. Amor, quero me enlouquecer em seus braços. Será que é possível? Eu só fiz loucuras até agora para te ter.
– Só esqueceu de fazer o simples: me ouvir, como está fazendo agora. Me pedia para eu te deixar me amar, mas você mesma não parava para sentir esse amor. Era só medo, criava fantasmas. Eu sei que também vivia assim, mas a porrada que sua mãe me deu e a chuva daquela noite, me fizeram entender que não podia fugir pela segunda vez e dum amor belo, lindo, que não me pedia nada: apenas que o amasse como ele é.
Antes que pudesse falar mais alguma coisa, Angélica já estava no pescoço de Márcio cobrindo-o de beijo. “- Amor! Obrigado por não desistir do nosso amor, mesmo eu complicando tudo com as minhas infantilidades e ciumeiras bestas. Mas, tudo me queimava. Aliás, ainda me incendeia, mas ainda bem que o meu bombeiro lindo sempre estará ao meu lado para controlar as chamas deixando pegar fogo somente em algumas partes”.
– Hoje quando não consegui me controlar ao te ver no seu prédio, entendi que não conseguiria andar mais. Mas se me recusasse, entenderia, seguindo em frente, conforme falei para sua mãe, mas você pode ter certeza que eu tentaria voar, mas estaria apenas com uma asa. Então, teria que andar lentamente pela terra.
– E agora?
– Agora estou aqui contigo e não te deixo mais. Só se quiseres ir embora. Então é só abrir aquela porta e partir.
– Até parece que eu quero ir a algum lugar sem você.
Os dois se olharam carinhosamente e desta vez foi Márcio quem escolheu as músicas. A primeira foi uma interpretação em inglês em que a letra começava dizendo que não se podia ler o futuro, mas que era enorme o desejo de continuar abraçando apertado o grande amor. Desta vez quem traduziu foi Angélica. A canção sendo executada e a arquiteta cantando para o jornalista, o tirou para dançar.
Tomaram a garrafa toda de uísque, sem que sentisse um leve torpor se quer, mas quando a arquiteta se levantou, viu tudo rodando e acabou sendo amparada por Márcio. “- Ah! Amor! Estraguei tudo! Fiquei bêbada”.
Márcio caiu na gargalhada dizendo: “- Você está linda! Para o que vamos fazer hoje, desse jeito você está ótima”.
– E o que vamos fazer?
– Primeiro! Vou preparar um chá para ti. Depois te dar um banho e te colocar na cama. Em seguida, também me higienizarei e depois dormir contigo, do jeito que queríamos.
Márcio fez tudo o que tinha combinado. Só não contava que a arquiteta fosse passar mal, vomitando antes mesmo de chegar ao banheiro para tomar banho. Depois de dar banho na empresária, deu lhe um chá bem amargo que ela fez careta enquanto bebia. Colocou-a nua em baixo dos lençóis e foi limpar a sujeita que ela fez da sala até o banheiro.