Sobras de um amor… parte II

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Como Angélica demorou a voltar, Márcio acabou cochilando na mesma poltrona em que estava sentando no outro dia pela manhã esperando para o café da manhã com Angélica. Novamente teve pesadelos com a mulher que estava de lingerie vermelha querendo enforcá-lo. Não conseguia identificar o rosto da pessoa que o perseguia, o chamando de assassino de casamentos, mas que aprenderia a lição. Quando a mulher sem rosto, colocou o sutiã em torno do pescoço de seu, Márcio começou a gritar e a pessoa enfiava calcinhas em sua boca, fazendo com que se sentisse sufocado.

Acordou gritando para que não o matasse e sentindo alguém o cutucando e o chamando. “- Senhor Márcio! Acorde! Sou eu Angélica! O que está acontecendo?”

O repórter olhou assustado para a arquiteta, pediu desculpas e se ajustou no sofá para conversar com a irmã de Amadeu. Diria que não tinha intenção alguma de ficar ali naquela noite e nem nos outros dias. Ela que procurasse um profissional para cuidar da cabeça do irmão e da dela também.

– Dona Angélica. O nosso trato era apenas de trazer o seu irmão de volta. Descobrir quem era a mulher misteriosa. Tudo isso eu fiz. Abandonei a ideia de escrever a matéria. Não vou publicar uma linha sequer. E conforme já havia lhe dito, amanhã vou ao jornal encerrar minhas atividades nesta cidade dos infernos. Percebi que não vou ter paz. Não sei ao certo quem sabe do ocorrido comigo antes deu vir para cá. Então, deixou de ser um local seguro para eu viver.

– O senhor acha que mudando de cidade, feito “um porra-loca” errante sem destino, conseguirá fugir do seu passado? Para onde for, irá contigo, a não ser que o enfrente. Não há outra saída. Fique e lute contra ele. A traição já aconteceu, o senhor assinou o seu atestado de homem fracassado e sabe que foi usado apenas para atingir a honra de uma família hipócrita.

– Ah é! Por que a senhora também não enfrenta o seu e sua família de miseráveis? Falar para o outro, colocar o dedo na ferida alheia é fácil. Quero ver é arrancar a casca do próprio machucado e sentir a origem dele martelando seu coração. Faça isso pela senhora e pelo seu irmão e deixe que do meu passado e do meu futuro cuido eu.

– Será mesmo que tem condições de cuidar do seu futuro? O que espera achar no fundo de cada garrafa consumida? Será que foi somente o Amadeu que foi resgatado ou também um jornalista medíocre que estava entre a sarjeta e o depósito de lixo do jornal? Por que o passado lhe assombra tanto? Eu sei muito bem que minha família não é das melhores. Temos dinheiro, mas nos falta o essencial: o amor que não recebemos, pois haviam apenas ordens expressas todas as manhãs: faça isso, faça aquilo e por mais que sejamos livres para ir e vir, estamos profundamente marcados pelo sobrenome e pelo saldo de nossas contas bancárias.

Márcio olhou para a arquiteta e percebeu que seus olhos começavam a adquirir outras tonalidades. Mas não deu a menor importância para isso. Levantou-se dizendo que iria embora. Desejava dormir em sua casa. No seu apartamento, mesmo cheirando a restos de vômito, era o local em que se sentia seguro.

– Senhor Márcio, por que não quer dormir aqui em meu apartamento? Por ventura tem medo de mulher? Já que disse que se sente seguro na sua caixa de vômitos. Já lhe disse, não tenho o menor interesse em homens, muito menos em você: um fraco que a primeira vez que reagiu fez a pior merda da sua vida e vive fugindo dela como o diabo corre da cruz.

– Acho que a madame deve sentir um tesão danado quando me insulta. Aposto que está toda molhada dentro dessa calcinha, esperando ser seduzida, mas se depender de minha pessoa, toda essa umidade pode ficar mais seca do que o Saara. Posso ser tudo o que a senhora disse, mas não sou vocacionado a ser capacho de ninguém, muito menos duma dondoca histérica, como vós-me-cê!

Márcio enfatizou bem a última palavra, evidenciando se tratar de algo bem antigo, coisa dos tempos da Casa-grande e Senzala. Como o jornalista já estava de pé indicando que iria embora, arquiteta fez a mesma coisa. Ficando no mesmo patamar de altura do repórter, já que não estava usando saltos. Ao ficar cara a cara com ele, lhe desferiu novamente um tapa em seu rosto.

– Pode ficar tranquila, dona Angélica. Não revidarei, colocando o chicote em minhas mãos. Sei que se fizer isso, mesmo estando coberto de razões, sempre serei o vilão por ter lhe devolvido a agressão dentro do seu apartamento. Será que pode me liberar? Não há espaço para a minha cor, minha alma e pessoa aqui dentro deste apartamento, intoxicado de ressentimentos, orgulho e presunção. Quando Amadeu acordar amanhã, lhe diga que dou um jeito de entrar em contato com ele.

– O senhor sabe o caminho da saída. É por ali.

Márcio se dirigiu ao elevador e quando este parou no andar em que estava, entrou e apertou o botão do térreo. Ao chegar ao seu destino, percebeu que não dava para sair, sem que Angélica liberasse a porta. Ficou furioso porque teria que subir e solicitar a arquiteta que destravasse a porta. Estava pensando nisso quando escutou uma voz lhe dizendo.

“- Não adianta fazer cara de emburrado, de nervoso, irado. E se chutar alguma coisa aí, eu chamo a polícia e digo que você invadiu o espaço. Agora quer parar de criancice e vir para cá!? O quarto de hospedes está pronto para você dormir.

Achando que estava sozinho, Márcio se dirigiu ao elevador xingando tudo e todos, inclusive a própria arquiteta. “Mulher do caralho. Acho que é falta de rola. Aquela sua esposa-macho não deu conta do recado e agora fica me azucrinando. Acho que é por isso que essa desgraçada fica me insultando. Talvez pense que quero comê-la. Deus me livre! Nem que fosse a última mulher da terra. Só deu olhar, está dando esse trabalho, imagina se eu colocar a mão”.

Márcio falou alto como quem precisasse escutar a própria voz em forma de conselho, contudo, foi surpreendido por um som que saia por algum buraco no elevador. Primeiro foi uma sonora gargalhada. Depois um aviso. “- Senhor Márcio, sabia que é um perigo pensar em voz alta. Então antes que chegue aqui no meu apartamento, preciso que saiba que, embora seja um homem elegante, que sabe se vestir quando quer, ainda sou casada e não abri concorrência para quem quer que seja, homem ou mulher. Prefiro usar mil vibradores do que pensar em tê-lo no meio de minhas pernas. Agora entre”.

Quando a porta do elevador se abriu, Márcio foi surpreendido com Angélica ainda rindo. “- Por que a senhora está rindo? Por ventura está escrito na minha cara palhaço ou estou usando roupas coloridas?”

Angélica tentou ficar séria, mas não conseguiu, contudo lhe disse:

– Sabia que falar sozinho é muleta de tímidos. O senhor poderia ter me dito tudo isso enquanto esteve aqui. E mais: não existe a menor chances deu vir a me interessar pelo senhor, justamente por conta disso. É muito ajustado para o meu gosto. É tímido de mais. Gosta de tirar a roupa das mulheres apenas com o olhar, mas fica só na promessa. Não avança o sinal, não toma as rédeas em suas mãos. Não as toma para si. Está sempre reprimindo o seu tesão. Tem um fogo entre as pernas, mas vive jogando água gelada para ver se fica tudo em cinzas.

Ainda rindo, Angélica falou: “- Vá lá para o quarto de hóspedes. Tranque a porta por dentro. Vai que eu resolva entrar e te comer! Ah! E por favor, se for se masturbar, não suje o lençol. Amanhã não tem lavanderia e se ficar manchas amareladas nele, como vou explicá-las ao pessoal que higieniza minhas roupas?”.

Márcio estava uma brasa, uma verdadeira pilha. Apenas perguntou onde ficava o quarto e a arquiteta indicou o compartimento ao lado do dela, onde ele a tinha visto só de camisolão. “- Ah tem um banheiro dentro do quarto e um frigobar. Só que sem bebida alcóolica. Apenas água, caso queira beber. Boa noite!”

Como sabia que Angélica ainda estava no local onde a tinha deixado, antes de fechar a porta, Márcio fez sinal com o dedo em riste. A arquiteta viu e deu risadas, mandando ele enfiar aquilo no próprio rabo. O repórter passou a chave na porta e quando se dirigia até a cama, ouviu barulho de gente batendo. “- O que a madame quer? Minha rola eu sei que não é!”

– Só para te avisar. Se quiser tomar banho, dentro do banheiro tem toalhas e você pode dormir pelado mesmo. Acho que não se importará em ficar com a mesma roupa íntima já curtida do dia.

“Caralho! Essa filha de uma puta não perde tempo em me zoar”, pensou o jornalista se dirigindo ao banheiro. Após se higienizar. Achou uma escova dental intacta dentro da embalagem, a utilizando na limpeza bucal. Ajustou o celular para despertá-lo às 6h. Queria sair dali o mais rápido possível. Ficaria esperando sentado no sofá até que Angélica despertasse. Usaria a desculpa que precisaria trocar de roupa para ir à sua casa e colocar seu plano em ação. Desejava estar fora daquela cidade em 72h no máximo. Ficou pensando nessa e em outras coisas, inclusive no jeito mandão de Angélica e acabou adormecendo.

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