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Quando estava deixando o bar, Rodolfo chamou Márcio, lhe dando um envelope, informando que foi Amadeu quem pediu para que o entregasse. Encolerizado, o jornalista pegou o objeto, o colocando no bolso de traz da calça e retornando ao balcão pediu que lhe dessem a garrafa com o resto do uísque, isso é, 75% do conteúdo estavam intactos. Levaria para casa e consumiria enquanto lia o conteúdo da carta que o seu parceiro de copo lhe deixou.
Olhou para o relógio e não era tarde, aliás, as horas andavam devagar naquela segunda-feira. “Será efeito da bronca homérica que levei?”, pensou Márcio, seguindo rapidamente para sua casa. Teria tempo de sobra para fazer alguma coisa, ou até mesmo nada. Tinha ficado irritado com Amadeu e desanimado com a história que pretendia escrever. “Procuro alguma coisa na tevê, ou posso ligar para o seu editor e quem sabe dar umas voltas para conversarmos mais tranquilos sobre essa segunda-feira do caralho”.
Com esse pensamento e outros tantos que atravessavam sua mente numa enorme velocidade, Márcio chegou ao seu prédio, percebendo que havia um desses carrões chiques parado na porta. Passou por ele, deu uma olhada rapidamente, percebendo que havia uma pessoa ao volante. Não se ocupou com o que viu e seguiu em frente, tirando as chaves do bolso. Quando colocava a mão na maçaneta para introduzir a chave e abrir a porta, sentiu alguém lhe puxar pelo braço. Levou um susto, se voltando rapidamente para os lados de onde veio o puxão.
Já ia xingar, quando viu quem era. A mesma mulher que estivera em seu prédio na noite anterior e na redação do jornal pela manhã.
– Sr. Márcio posso lhe falar um instante?
– Para quê? Já não me fodeu o suficiente hoje de manhã? Quase faz eu e meu amigo perdermos o emprego. Não tenho tempo para gente arrogante e prepotente! Tudo bem que ontem eu lhe faltei com o respeito, mas isso era entre eu e você e não tinha nada a ver com o meu trabalho. Boa noite!
-Peço-te desculpas por aquilo. Eu perdi a cabeça. Estava muito preocupada com a história que o senhor publicou.
– Tá tudo bem! Já pediu desculpas. Agora pode ir embora. Não vai foder mais com o resto do meu dia! Aliás, as mulheres quando querem foder a vida de um homem fazem qualquer coisa, mas comigo não funciona. A senhora, não sei como posso te chamar, pois ontem disse que era Tarsila e hoje aparece com outro nome. Boa noite. Não tenho tempo para a senhora. Por favor não insista. Não vou mais escrever aquela porcaria de história. Vou pesquisar outro tema. Nessa cidade, todos que tem dinheiro pensam que mandam em tudo. Chega!
– O senhor não entende!
– Não entendo mesmo! A única coisa que compreendo é que não se pode mexer com gente endinheirada que a coisa ferra tudo.
– Por favor! Se o senhor me deixar subir e me der um tempinho, pequeno que seja, eu vou lhe explicar tudo. Que garrafa é essa? De onde o senhor a trouxe?
– Peguei no bar em que estava com aquele doido que tentava me contar uma história e aí a senhora apareceu e fodeu contudo. Mas por que está perguntando? Se vou encher a cara ou não, não é problema seu.
– Desculpe-me pela curiosidade. É que uma pessoa muito importante para a minha família só bebe desse uísque e achei que o senhor pudesse ter estado com ela hoje.
– Estive com quem? A senhora quer me fazer o favor de explicar. Que porra é essa? Essa garrafa foi deixada na mesa em que eu estava com uma fonte. Só isso.
Como a mulher não fazia menção de desistir de seu intento, Márcio ficou ali parado com ela a lhe olhar até que encerrou aquele silêncio sepulcral.
– Tá bom! Mas seja breve. Já fodeu com o meu dia e não quero que destrua o resto de noite que eu ainda tenho.
Márcio abriu a porta e foram para o saguão do prédio. Caminharam silenciosamente até o elevador. Entraram no compartimento, sem trocarem uma palavra se quer. Ele olhou para os botões e apertou o relativo ao seu andar. Saíram e o jornalista separou do molho de chaves a que abria seu apartamento. Entraram e o mesmo silêncio sepulcral continuava.
– Por favor se sente! A senhora quer beber algo?
– Não! Obrigado. Prometo ser breve.
– Está certo. Espere-me um segundinho. Vou ao banheiro, tô com a bexiga estourando.
Enquanto Márcio ia com o passo apressado ao banheiro, Angélica olhava a sala como quem inspecionava tudo em busca de algo. Talvez de uma suposta presença feminina naquela casa. Mas só via livros aqui e ali, uma toalha molhada acolá. Uma típica casa de homem solteiro, mas esta sala até que parecia estar um pouco organizada, mas sem vida alguma.
Márcio voltou, se sentando em outra poltrona e já indo direto ao assunto, queria se ver livre logo daquela mulher que, apesar de ter o deixado irritadíssimo desde a parte da manhã, chamava a sua atenção pelo porte físico, alinhamento e com roupas sóbrias, nada chamativas, mas ressaltando suas formas. O que faz o repórter se desligar por segundos, a imaginando nua em sua cama.
“- Vamos lá dona Angélica! Sou todo ouvidos”, disse-lhe de forma bem irônica, olhando para ela com ares de soberba. Coisas de pessoas que se sentem no comando por estarem em seus domínios.