Gilberto Barbosa dos Santos
Por que é tão difícil mudar o quadro social brasileiro? Interpelando de uma outra forma: como é possível, em pleno século XXI, o Brasil ser uma das nações campeãs da desigualdade social? Parece-me, meus caros leitores, que essas perguntas são conhecidas de vocês e há muito tempo, todavia, não encontrei respostas que dessem conta de indicar uma saída para minorar a problemática. Creio que isso ocorra por conta do processo de formação deste país, desde os idos coloniais agravados por uma prática estamental que o advento da República, naquela madrugada de sábado, 15 de novembro de 1889, não conseguiu eliminar, mesmo sabendo que um dos motores da queda da Monarquia tenha sido a questão envolvendo o fim da escravidão, promulgada 18 meses antes. Caso a temática esteja agastando vocês que me acompanham semanalmente aqui, então comecem a analisar os motivos que levam o racismo estrutural a se ossificar anos após anos, quiçá uma legislação que tipifica o crime como sendo imprescritível e inafiançável – até onde eu compreendo – em sua fase policial. Portanto, o sujeito que se acha mais humano que seu semelhante de pele escura, deve ficar trancafiado até que seja lhe aplicada uma sentença judicial.
Mas vá lá, meus caros, imaginemos, eu e vocês, quantos cidadãos já cumpriram pena pela prática de racismo aqui no país? Quando alguém denuncia, vem logo um interlocutor dizer-lhe que tudo não passa de reclamação, choramingo e de vitimismo do denunciante. Essa é a escuta aqui e alhures, todavia, por mais que as pessoas dizem que não é bem assim, uma miríade de sujeitos sociais sabe que é desta forma que a banda toca, para usar uma expressão do jargão popular. Entendo que para que a situação seja modificada, não basta boas intenções, é preciso ação mais do que a simples reação de inconformismo, pois quando uma vítima de racismo reage, é provável que vá ouvir que está sendo ingrata ou que está se comportando como os seus algozes esperavam. Desta forma, entendo que o mover-se deve vir acompanhado de procedimentos legais, conforme a legislação faculta a qualquer brasileiro, inclusive a própria Constituição Federal prevê: igualdade entre todos! Entretanto, por que se aplicar uma sentença prévia a quem nem se quer conhece, mas apenas pelo que se vê ou se pensa crer? Novamente uma outra interpelação que pode trazer esclarecimentos a todos que leem as linhas acima e pretendem dar continuidade ao que se seguirá.
Sei que muitos podem dizer que sua ação é diferente, no entanto, se é assim, por que o racismo perdura no país? Por que um cidadão que tem comportamento nitidamente preconceituoso foi eleito para o cargo máximo da Nação? Como podes ver, meu caro leitor que permanece comigo até essas linhas, hoje estou interpelativo, pois não consigo entender os motivos que levam um indivíduo individualizado, que se arroga ser do bem, cristão, desclassificar, satanizar o “outro” por pensar diferente, por ter a tonalidade da pele mais escura, ou simplesmente por ser diferente, contudo, não deixa de vivenciar o que as leis sociais determinam, porém, mesmo assim é vilipendiado em seu pertencimento étnico. Claro que, como todos são cônscios, essa desclassificação do preto enquanto um ser humano, despojado de toda a sua humanidade, transformado em coisa, data do Período Colonial que, nem Monarquia e República foram capazes de eliminar do ethos que constitui o ser que se pensa brasileiro. Mas se, nem Império e o novo regime foram capazes de extinguir essa adjetivação perversa que recai sobre os descendentes de escravos, como será possível a esta Nação diminuir a níveis aceitáveis a sua gigantesca desigualdade social? A culpa é de quem? Sei que muitos, na tentativa de não se comprometer com a problemática, até culpam o próprio preto pelas suas mazelas e infortúnios sociais. Mas será que o descendente de escravo é o responsável pelo nível de miséria em que se encontra, ou ela é fruto da miséria humana daquele que se acha melhor do que o preto e, quando está na posição de fazer diferente, sempre preterirá o descendente de africano? Pensemos, eu e vocês, meus caros leitores!
É fato, e não apenas letra fria deste que dialoga semanalmente com vocês, de que para ser ouvido, portanto, conquistar o seu lugar de fala, o elemento africano precisa passar pelo crivo do branco. Se recorrerem ao livro Casa-grande & Senzala, do sociólogo Gilberto Freyre (1900-1987) entenderão como são caracterizados os sujeitos pertencentes às três etnias formadoras do Brasil. Vou mais além e recomendo-vos, meus caros o livro O povo brasileiro: a formação e o sentido do Brasil, do antropólogo Darcy Ribeiro (1922-1997), mais especificamente o capítulo Moinhos de gastar gente. Creio que muito se fala disso e daquilo, todavia, poucos que dizem algo, principalmente no sentido de negar o racismo, sustentando um discurso escudado por uma abjeta democracia racial, amplamente difundida durante o período ditatorial (1964-1988) objetivando mascarar o problema crônico do racismo dentro dos mais de oito milhões de quilômetros que delimitam o espaço geográfico do Brasil. Posto isto, acredito não ser possível construir uma sociedade democrática, enquanto o preconceito étnico e racial persistirem entre os sujeitos sociais que compõem essa Nação.
Sei que muitos dos que chegaram até esse ponto de minha enunciação, acreditam que, do ponto de vista legal e da legislação, tudo existe em pé de igualdade para todos, contudo, sabe-se que existe um país na forma da lei, mesmo que seja como aquele código de 1832 que combatia o tráfico negreiro e em virtude disso ficou conhecido como “lei para inglês ver”, e outro totalmente diferente, no qual, as populações oriundas do escravismo e da exploração indígena, são jogadas nos porões da sociedade, nas encostas dos morros, nas palafitas, nos bairros periféricos das cidades, principalmente as de médio porte. Ainda assim, diante das constatações, há aqueles que tendem a culpar o próprio descendente de escravo pela sua desgraça social. Mas vá lá, meu caro leitor, responda-me qual é a qualidade da educação pública oferecida a ele, preto? Qual saúde? E olha que ele paga os mesmos tributos, principalmente aqueles que são cobrados quando este compra alimentos para si e seus familiares! Ainda assim, o discurso, segundo o qual tudo não passa de reclamação sem fundamento, ecoa a partir de muitas residências e sistemas de compadrio que marcaram profundamente o jeito de ser e estar do Brasil nestas primeiras décadas do século XXI, ou seja, uma ordem estamental dentro do próprio sistema global de mercadorias.
Tendo essas observações como premissa, pergunto-vos meus caros leitores – espero tê-los aqui comigo nesses momentos finais de minha reflexão -, por que o jovem quer distância da política? Creio que se faz necessária uma análise com mais acuidade sobre essa questão, começando pelo papel que o Estado desempenha na vida deles. Para que serve mesmo esse grande Leviatã abstrato e arrecadador? Será possível o seu funcionamento sem as assombrações advindas de uma plutocracia que, desde a formação do Estado brasileiro a partir da chegada da Família Real em 1808, se enriquece às custas dos pagadores de tributos? Por fim: por que a máquina pública, ou seja, a burocracia vende tão bem a ilusão de um futuro seguro, sem precisar passar pelo crivo criterioso de produtividade? Creio que é necessário compreender que sem uma burocracia vocacionada, como afirmava o pensador alemão Max Weber (1864-1920), será inútil qualquer esforço no sentido de eliminar a ordem estamental e escravagista das cercanias e dos hábitos dos brasileiros.
Gilberto Barbosa dos Santos, Sociólogo político, editor do site www.criticapontual.com.br, autor do livro O sentido da República em Esaú e Jacó, de Machado de Assis; professor no ensino médio em Penápolis; pesquisador do Grupo de Pensamento Conservador – UNESP – Araraquara e membro do Conselho Editorial e Científico da revista LEVS (Laboratório de Estudos da Violência e Segurança) – UNESP – Marília; escreve às quintas-feiras neste espaço: e-mail: gilcriticapontual@gmail.com. www.criticapontual.com.br.