Jovens e o mundo da política

Gilberto Barbosa dos Santos

 

Em virtude do assassinato dum homem preto, após ser violentamente espancado num supermercado instalado na capital gaúcha, quereria eu escrever hoje sobre as questões que envolvem aquela arbitrariedade, contudo, entendo que posso deixar esse assunto para uma próxima reflexão. Até porque já venho trabalhando essa temática aqui em outros momentos. Portanto, creio, meus caros leitores, que posso deixá-la para depois. No momento, me ocuparei das questões alusivas ao universo da política, que de uma forma mais ampla, acabarei chegando na problemática africana e escravista do Brasil. Isso acontecerá por conta da forma como o cativeiro foi abolido no país e os pretos escravizados jogados às ruas sem nenhuma espécie oficial de indenização pelos mais de trezentos anos de contribuição compulsória para a geração de rendas na época colonial e depois monárquica. Ou seja, uma decisão política do governo imperial nos anos que antecederam a alforria plena, marcou de forma profunda o destino dos africanos e os grilhões que os mantêm até hoje atrelado ao universo senzaleiro, de violências simbólicas, sevícias físicas e morais. Bom. Se uma decisão política do pretérito brasileiro foi capaz de traçar o futuro dos descendentes de escravos, será que da mesma forma, no presente, uma ação da mesma envergadura mudaria o amanhã desta Nação?

É justamente pensando numa resposta plausível a essa questão que pretendo dialogar com vocês, meus caros interlocutores. O primeiro ponto a ser ressaltado aqui é a presença de jovens no universo da política, pois entendo que sem a participação deles nessa área, as melhorias sonhadas por eles, não avançarão e a sociedade brasileira permanecerá com um olho no futuro e os dois pés no passado, violentando o presente dos pretos e pobres. Todavia, como trazer os adolescentes e os jovens para o campo da política? Entendo que é preciso haver um trabalho, a começar pelos país, indicando que a Política é uma atividade normal de todos os sujeitos sociais, inclusive permeia as relações no interior das famílias, sejam elas construções diferentes do que o patriarcalismo as constitui séculos atrás. Desta forma, não é possível ficar longe dela, nem mesmo aquele que se isola, o misantropo. O ato de se distanciar também é uma ação política, resta saber com qual objetivo. Posto isto, é interessante notar que o ser político, isto é, o homem em si dá sentido à sua existência ao dominar tecnicamente o som e compartilhar esses possíveis significados com seus semelhantes. Ao agir assim, embute em suas ações, conversas sobre o vir a ser do que se propala naquele momento, algo que o situa na construção social duma sociedade repleta de significantes. Todavia, mesmo sabendo que sua interação com o mundo é permeada pelo agir político, o jovem não abraça a Política na sua esfera pública. Por quê? Soma-se a essa interpelação, outras tais como a quantidade daqueles que se dizem de esquerda e não há a mesma proporção quando o lado da balança ideológica é à direita. Por que será que é tão complexo encontrar jovens que se alinham à essa ideologia?

Meus caros leitores, imaginemos que há no Brasil os tais lados da peleja política partidária: de um lado, os defensores da esquerda e do outro, os signatários da direita. Mas o que significa isso num país com fortes marcadores escravagistas, logo racistas? Parece-me ter significância para o meu escopo aqui, entender o afastamento da juventude do mundo partidário, justamente por conta de uma ausência de definição clara sobre o conteúdo dessas duas pontas das disputas eleitorais. Acho interessante aqui recordar um romance que li há algum tempo: Eu vos abraço, milhões. O texto é do escritor gaúcho Moacyr Scliar (1937-2011). A enunciação aborda a vida de um jovem gaúcho, que nos anos 20 do século passado, embalado pelo sonho socialista, cujos ventos sopravam do Leste Europeu, mais especificamente das bandas da URSS (União das Repúblicas Socialistas Soviéticas), chega ao Rio de Janeiro. O enredo enfoca que naquele momento o Cristo Redentor estava sendo construído. Mas o que me chamou mais a atenção na narrativa, que pode ser útil aqui, é a vida da personagem que acaba se tornando, na terceira idade, um ser reacionário. Um percurso interessante: revolucionário na juventude, conservador na fase adulta e reacionário no fim de sua existência.

Mas deixando o universo da ficção, onde o autor pode escrever não o que foi, mas aquilo que gostaria de tivesse ocorrido, conforme informa Aristóteles em seu texto Poéticas – é interessante ressaltar aqui que Umberto Eco (1932-2016), em seu livro Seis passeios pelos bosques da ficção, diz que uma enunciação poética é uma máquina preguiçosa que não pode dizer tudo ao leitor, portanto, este terá que completar o enredo com suas visões de mundo e experiências – e me enveredando pela concretude da existência, será que é possível encontrarmos jovens conservadores? Homens e mulheres que antes de atingirem a maioridade civil, se inclinem pela ideologia de direita? Por que será que é mais fácil encontrar prováveis alinhados ao que poderia ser ideias de esquerda? Vou mais longe nas admoestações, meus caros leitores, o que aconteceu para que antigos eleitores de uma “esquerda” nacional personificada no Partido dos Trabalhadores, dessem uma guinada para o campo da extrema-direita? Essa interpelação tem fundamento, porque não havia naquele momento eleitoral em 2018, 57 milhões de pessoas que entendiam plenamente haver a existência dessa dicotomia: esquerda versus direita. Desta forma, acredito que precisa haver no Brasil uma ampla formação política de nossa juventude para que compreendam em que campo se situam suas demandas e como suas subjetividades podem ser atendidas a partir de um Estado forte, como o brasileiro ou se é necessária uma redução no tamanho deste.

Tendo essa premissa como perspectiva, pode se dizer que se conseguirá reverter o quadro atual da democracia brasileira: na UTI. E tal afirmativa reside no fato de que, até recentemente, um quantum significativo de eleitores acreditava que era preciso fechar o Congresso Nacional e o STF (Supremo Tribunal Federal) sem saber ao certo o que isso significava para a nossa democracia. Claro que, por estarmos numa democracia que, por mais capenga que esteja, é melhor do que qualquer autoritarismo, totalitarismo, autocracia seja ela de um homem ou de um partido, as pessoas devem reivindicar o que almejam, pois, “as instituições podem gerar resultados intoleráveis para alguns e maravilhosos para outros. Além disso, as pessoas têm diferentes apegos normativos: algumas valorizam a liberdade mais do que a ordem, outras estão dispostas a sacrificá-la em troca de trens cumprindo os horários” [Adam Przeworski. Introdução. In Adam Przeworski. Crises da democracia. Trad. Berilo Vargas. Rio de Janeiro: Zahar, 2020, p. 37]. Mas as disputas para que esses interesses sejam atendidos pelo Estado não pode extrapolar o campo das querelas eleitorais. Parece-me que é aqui que reside o desinteresse dos jovens: a descrença que o Estado, o governo federal, estadual ou municipal possa contemplar suas demandas, principalmente aquelas existentes no campo da subjetividade. Sendo assim, quando se aborda as questões alusivas aos campos da direita e da esquerda, qual dessas ideologias está mais apta a se aproximar dos anseios da juventude? Resposta difícil de dar, caso o meu leitor esteja tentando respondê-la a partir de sua visão de mundo, construída durante suas vivências em décadas pretéritas: “no meu tempo era assim!”. Fico por aqui, mas prometo voltar a temática em breve, pois os jovens de hoje, que serão os adultos de amanhã, precisam se envolver no universo da política e alimentar os embates no campo democrático e, quem sabe, fugir daquele fim apresentado pelo escritor gaúcho em sua ficção: idoso reativo.

 

Gilberto Barbosa dos Santos, Sociólogo político, editor do site www.criticapontual.com.br, autor do livro O sentido da República em Esaú e Jacó, de Machado de Assis; professor no ensino médio em Penápolis; pesquisador do Grupo de Pensamento Conservador – UNESP – Araraquara e membro do Conselho Editorial e Científico da revista LEVS (Laboratório de Estudos da Violência e Segurança) – UNESP – Marília; escreve às quintas-feiras neste espaço: e-mail:   gilcriticapontual@gmail.com. www.criticapontual.com.br.

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