Gilberto Barbosa dos Santos
Quando se pensa no futuro, não se pode decretar que este seja o amanhã, pois ele pode ser hoje, portanto, quem espera para daqui a pouco ver as coisas acontecerem em suas existências perderá o que se chama o carro da vitória. O vir a ser do homem pode ser edificado agora, contudo, o importante para o já é definir quais ferramentas podem ser usadas na construção dessa existência vindoura. Todos dirão: educação! Como se esta fosse a parte que comungará com o todo e as questões sociais, econômicas e psíquicas serão solucionadas num passe de mágica. Todavia, a pergunta que eu faço é: qual educação? A grita é geral e muitos dizem que deve ser assim, outros afirmam que ela precisa ser mais inclusiva e menos excludente e para tanto criam metodologias e mais tratados disso e daquilo, mas ao que tudo indica, a situação permanece a mesma. Então o que fazer?
Parece-me que, para o momento, o que a sociedade e suas corporações procuram são pessoas que saibam trabalhar em equipe, equacionar problemas e não criá-los, sejam versados no relacionamentos humanos e, quiçá o pleonasmo, mais humanizados. Desta forma, onde encontrar esse profissional? Nas escolas, Universidades e escolas técnicas? Não! Esses locais são utilizados para formatar o sujeito com capacidades múltiplas, pois a empatia iniciada através da imputação de valores éticos e morais deve ser iniciada em outro lugar: no interior dos lares. Meus leitores dirão que sou um tanto quanto utópico, porque as famílias estão esfaceladas e carcomidas de dentro para fora por questões alusivas ao seu externo, isto é, vindas de fora das residências.
Não existe bula familiar que aponte as contraindicações de tais medicamentos, contudo, conforme já venho aventando há tempos, é possível projetarmos melhores pessoas para o futuro. Lembro-me dos tempos em que morei em Araraquara para fazer meus estudos em Ciências Sociais e Letras. Sempre que caminhava pelas ruas arborizadas passava defronte a um prédio em que havia na sua entrada uma frase que era mais ou menos assim: “se educares a criança, jamais precisará punir o homem!” Bela observação, contudo, o que vinha à minha mente era a seguinte interpelação: “como fazer isso?” Hoje sou educador – ou pelos menos me considero um professor que busca diariamente, quiçá as dificuldades que enfrento no meu cotidiano profissional, exercer dignamente o seu ofício – e entendo que o trabalho deve ser realizado e os alunos precisam enxergar suas existências para além do eterno agora dentro da escola e a ideia de que o amanhã fica com o amanhã e o passado deva ir para o museu. É interessante notar que muitos querem cursos rápidos para que esses adolescentes e jovens ingressem o mais breve possível no mercado de trabalho, entretanto, há aproximadamente 14 milhões de desempregados no Brasil. Será que todos terão trabalho com carteira assinada no amanhã dessa pátria senzaleira?
Quando se estuda o sistema capitalista e o seu funcionamento, deparar-se-á com a observação, segundo a qual, esse regime econômico é muito novo, se for levado em conta os tempos de duração do Império Romano e o Feudalismo, esse modo de produção [terminologia marxiana] tem muito a evoluir ainda e desafios pela frente, como a redução da miséria, da fome e a queda nos níveis de desigualdades sociais. Agora é preciso se atentar para seus processos transformadores, como por exemplo, a chamada Revolução 4.0. Essas mudanças são irreversíveis, ou seja, não é possível voltar antes do advento da impressora 3D, da robótica, da mecatrônica e da nanotecnologia. Sendo assim, o desafio é preparar essas crianças, adolescentes e jovens para esse novo alvorecer do mundo capitalista. Depois da II Guerra Mundial muitas coisas mudaram por completo a vida dos sujeitos sociais. Alterações que melhoraram consideravelmente o viver no orbe terrestre e outras, danificaram o existir humano, pelo menos é o que alguns acham, o que permite ao cientista social compreender as consequências dessas anomias, conforme explica o sociólogo francês, Emile Durkheim (1858-1917).
Se o capitalismo vai perdurar por muito tempo ainda, resta aos homens, sejam eles públicos [políticos] ou privados [o singelo trabalhador], encontrarem saídas para as problemáticas em torno desigualdades sociais provocadas pelo avanço tecnológico e o acúmulo de riqueza por poucos indivíduos, enquanto a maioria vegeta, passando necessidades mais básicas, como cama e um lugar para se proteger das intempéries climáticas. Na busca por soluções, os indivíduos já encontraram diversas saídas que acabaram desaguando no oceano do egoísmo, do oportunismo, da arrogância e da ganância, de modo que todo o esforço anterior fosse lançado ao mar sem bote salva-vidas, como dizia sempre o professor e sociólogo Octavio Ianni (1926-2004) durante as aulas de seu curso Teorias da globalização realizado em 1994 no IFCH (Instituto de Filosofia e Ciências Humanas) na UNICAMP (Universidade Estadual de Campinas). Parece-me que esse desafio não é apenas do homem, chamado de simples, isto é, aquele que não dispõe de conhecimentos – diploma -, mas também e sobretudo para os profissionais – como este que vos escreve caros leitores. Deve-se pensar uma saída plausível para todos esses males causados pelo desenvolvimento tecnológico associado à acumulação de bens de capitais nas mãos de poucos homens, organizações, empresas multinacionais e outros conglomerados industrias.
Então, qual é a alternativa mais sensata neste momento em que a Revolução 4.0 dissolve milhares de postos de trabalho pelo mundo? A volta ao tradicionalismo e a defensa desenfreada de valores que não cabem mais na atualidade da sociedade pós-moderna em que, além do tempo que é líquido, as relações também se liquefazem no novo alvorecer, conforme nos lembra o sociólogo polonês Zygmunt Bauman (1925-2017) em sua obra Vida líquida. Se as relações sociais, sentimentais, psicológicas se desfazem no dia seguinte, como é possível educar as crianças baseadas em situações que poderão não existir mais quando forem adultas? Responder essa interpelação não me parece ser tão complexo assim, pois respeito ao próximo não tem nada a ver com revoluções tecnológicas, já que o humano jamais será substituído por uma máquina. Há muitas pessoas que acreditam que somente processos e robôs podem fazer a coisa funcionar, esquecendo-se de que por detrás de robôs e processos, existem seres humanos que os comandam e que precisam ser respeitados em suas humanidades singulares. Mas será que os donos dos capitais, sejam eles financeiros ou simbólicos entendem isso?
Enfim, aqueles que acreditavam que o capitalismo globalizado iria acabar com o trabalho, me parece, se equivocaram. Porém, o desafio agora é pensar a sociedade do pós-trabalho, ou melhor, aquele universo sem os empregos tradicionais que até então existiam. Creio que a busca por esses tempos pode explicar por que os indivíduos, de um modo geral, estão com tanta ojeriza da democracia. O que há de errado com esse modelo de sistema político, em que o povo escolhe diretamente seus governantes? Será que o medo de o vir a ser incerto amedronta tanto assim? Por que a busca pelo passado tem tanta importância? Por que não focar no amanhã que está por vir a ser construído? Pode ser que no ontem está a segurança que o amanhã nunca dará, já que o futuro nunca virá, pois como dizia Immanuel Kant (1724-1804), o homem nunca será e viverá eternamente na expectativa do vir a ser.
Gilberto Barbosa dos Santos, Sociólogo político, editor do site www.criticapontual.com.br, autor do livro O sentido da República em Esaú e Jacó, de Machado de Assis; professor no ensino médio em Penápolis; pesquisador do Grupo de Pensamento Conservador – UNESP – Araraquara e membro do Conselho Editorial e Científico da revista LEVS (Laboratório de Estudos da Violência e Segurança) – UNESP – Marília; escreve às quintas-feiras neste espaço: e-mail: gildassociais@bol.com.br ;gilcriticapontual@gmail.com. www.criticapontual.com.br.