Sobras de um amor

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         Márcio, a exemplo de Amadeu, já estava fazendo todos os dias a mesma coisa automaticamente. Pegou sua garrafa de conhaque, sentou-se à mesa e encheu o copo e, de uma golada só, sorveu todo o líquido fazendo aquela careta de quem está chupando limão. Sentiu que a bebida fazia com que o retesamento de seus músculos fossem se soltando. “Acho que vou tomar outra! E com muita intensidade”, pensou o repórter despejando novamente o conhaque no copo.

– Não beba tudo, doutor! Guarde um pouco para esse cristão aqui que está com as tripas secas e a goela precisando ser acariciada por esse precioso conhaque! Agora, se não quiser deixar nada, tudo bem, quem sabe você não encontre o seu grande amor no fundo dessa garrafa!

Ao ouvir essa voz conhecida, Márcio olhou direto para o relógio no alto atrás do balcão. Somente após conferir o aparelho, é que olhou para o local de onde vinha a voz e confirmou o dono dela: Amadeu!

– O dia nem terminou e o moço já está bebendo deste jeito? Na madrugada verá sapo com cabeça de gente, contudo é você quem estará devorando mosquitos. É preciso cuidado com essas coisas amagas essa hora da tarde.

– O que está fazendo aqui a essa hora, Amadeu?

– Escuta aqui! Por ventura você é meu patrão? Minha nega? Minha namorada? Pelo que sei, ainda não autorizei você a mandar em mim! Então eu vou e venho para onde quero e não tenho que lhe dar satisfação! Nem para as minhas roupas intimas eu dou satisfação quando elas ficam sujas por eu não segurar as necessidades fisiológicas.

– Calma lá, meu rapaz! Eu só perguntei, porque você só aparece aqui de noite!

– E você acha que eu só existo de noite, feito vaga-lume?

– É! Pelo jeito hoje vai ser impossível conversar com você. Sua acidez está pior do que nos dias anteriores.

– Mas afinal o que o moço faz aqui? Que eu saiba não mora por essas bandas. Será que o jornalismo está em baixa, e isso o fez vir aqui caçar lingeries? Olha se quiser tem um monte espalhados por aí. Eu posso te ajudar a aprisionar alguns. A grande questão é que eles não aparecem de dia, como o tal do lobisomem que uns dizem que existe. Eu nunca topei com um. Já trombei com muita coisa esquisita, mas com um bicho peludo desses, nunca.

– Deixa de dizer bobagens. Eu estou indo para casa e acabei parando aqui, para dar um tempo para a cabeça, quando você me apareceu. Ainda estou esperando aquela conversa séria.

– Está certo! Estou lhe devendo esse diálogo. E já que estamos aqui, falemos sobre o que mais lhe interessa nessa tal reportagem. Mas não quero foto, detesto aparecer. Não preciso que ninguém saiba quem eu sou. E também não quero o meu nome nessa porra de matéria. Se aparecer eu vou processá-lo. Pode ser assim?

– Pode! Eu invento um nome no momento em que estiver redigindo, explicando que os nomes foram trocados a pedido do entrevistado.

– Primeiro, me dá um gole desse negócio aí para eu criar coragem.

– Ué, fiquei sabendo que você não aceita que lhe paguem bebida!

– Claro que não aceito, mas essa eu estou pedindo. Então vale!

– Está certo! Rodolfo traga um copo aqui para o Amadeu.

O garçom trouxe o que foi solicitado, mas também uma garrafa de uísque, pois sabia que aquela conversa ia longe e o conhaque seria todo tomado e a dupla pediria outra garrafa. Como Amadeu adora aquele destilado, então já completara o pedido, para poupar trabalho.

Amadeu perguntou o que Márcio queria saber exatamente. Não fazia ideia porque o repórter vivia a lhe perseguir como as aquelas calcinhas atomizadas e reluzentes.

O jornalista estava interessado em saber da história com a vendedora de livros. Acreditava que ali estava a chave para entender as alucinações do seu entrevistado. Um beberrão inveterado. Depois que fez a pergunta, Amadeu olhou para o lado de fora do bar e perguntou ao repórter se ele estava vendo uma mulher passando na calçada.

– Não! Não tem ninguém passado lá, apenas o sol que está começando a encerrar o seu expediente.

– Tem sim. Ela está de preto! Olhe novamente, ela passa lentamente e está me acenando.

– Já lhe disse! Não tem ninguém, nem de preto nem de cor nenhuma.

– Bom. Se ela não está de preto, então deve estar de branco. Ela e a sua parceira parecem que vão disputar uma partida de xadrez e só desta vez as peças pretas começarão a jogar e, acredite se quiser, doutor, elas vão dar xeque-mate no meu coração. Acho que não vou suportar. Será que posso derrubar meu rei ou oferecer a elas o empate? O que o senhor acha?

– Já lhe disse que não tem ninguém! Que saco! Vamos a sua história.

Amadeu olhou assustado para o repórter, se levantou pegou a garrafa de uísque e disse para ele: não vou falar nada! Você quando bebe fica violento. É capaz até de esquecer o que eu disse, como aqueles maridos que chegam em casa com a cabeça cheia de cachaça e desconta as suas frustrações humanas na pele da esposa e no dia seguinte diz que não se lembra de nada, mas claro que dentro de sua memória está registrada o motivo da surra que deu na esposa. Tchau! Até outro dia!

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