Onomatopeia da liberdade

Gilberto de Assis Barbosa dos Santos

Almejamos tanto a liberdade, pensamos tanto nela que, quando finalmente ela bate em nossa porta, nos ofertando múltiplos universos e possibilidades, o que fazemos? Mergulhamos nela ou fechamos a passagem e voltamos para o aconchego do nosso lar que, mesmo meio obscuro, cheio de trevas, é bem melhor do que as incertezas que a liberdade, ou melhor, a condição de ser livre, nos oferta?

As perguntas que inaugura essa enunciação são um tanto quanto longevas, todavia, respondê-las pode ser bem mais simples, já que é só dizer, meu caro leitor, que optou por cerrar a porta e dar um até logo à liberdade. Mas, ao adotar tal postura, tem-se a certeza de que o ontem se faz presente na aparente segurança que tanto nos oprime. Entretanto, fico cá com algumas admoestações, sendo que a primeira delas diz respeito ao medo que, na chave do pensador dinamarquês Sören Kierkegaard, é fruto do próprio medo, fazendo com que o ser humano tenha medo de ter medo, por isso portador de fobofobia. Sendo assim, o que amedronta não é mais a opressão proporcionada por um estado de coisas, como a vida tradicionalista, porém, o fato de se mover a própria vida como o dial de um aparelho de rádio buscando a melhor estação para se conectar naquele singular momento.

Essa possibilidade pode, no início, dar um tesão danado, para no instante seguinte, acabrunhar, nos acovardando, nos forçando a ficar com as sombras conhecidas. Elas provocam medo, insegurança, porém, quando ameaçam nos engolir, é só, de tempos em tempos, acender a luz. Por que essa ação ocorre esparsamente? Simplesmente porque aquele que não está acostumado com a liberdade que a razão proporcionaria, a luz pode incomodar. Então é possível, às vezes, ficar-se na penumbra, contemplando aquela iluminação que passou, sendo, portanto, pretérita.

Quem chegou comigo até aqui, há de convir que, até mesmo para ser livre é preciso haver antes um processo de aprendizado. O universo é grande, por isso, impossível de se esconder nos cantos da vida, nos crepúsculos pretéritos. Ao colocarmos todos os móveis da vida no centro do cômodo, que bem pode ser o coração, todos nós verificaremos as traças que as nossas existências acumularam durante vários anos e até décadas de pura lamentação. Contudo, não basta enxergar, é preciso se reconhecer como autores daqueles lodos e lamaçais em que se tornou o imóvel como um todo, para não dizer, residência. É a nossa casa em que residimos e, se não tivermos a coragem de derrubar as paredes que nos oprime cotidianamente, não seremos capazes de se apropriar de fato e de direito da liberdade que almejamos. Mas, de qual liberdade está-se falando ou almejando? A de ir e vir, garantida pelos direitos civis? Ou a de pensar com as próprias pernas? Vocês, meus caros leitores, devem ter notado que dei “pernas” para o pensamento e isso é proposital, já que se o pensar não se tornar ação, de nada serviu passar horas conjecturando sobre isso e aquilo. Refletir é movimento imerso no oceano da ação e o universo é vastíssimo. Quando se age a partir do pensado, é possível atingir resultados diferentes daqueles fazeres impulsivamente.

Para não vos agastar em demasia, eu vos diria, meus caros leitores, que a tão acalantada liberdade não é uma concessão do sistema, da estrutura social por intermédio de seus mecanismos legais, leis e outras hermenêuticas, além dos tradicionalismos medievalistas. Tudo isso pode ser alterado no instante seguinte àquele em que esses preceitos foram estabelecidos como normas. Ser livre é algo bem mais simples. Talvez por isso, complexo, já que é uma conquista que nos chega a partir de nosso interior, muitas vezes, nos encontra no silêncio do cotidiano e na rotina das vivências e na onomatopeia do relógio. Que sejamos livres para desejarmos a tão sonhada liberdade, educando nossas ações diárias para que as atitudes possam ser universalizadas e todos consigam construir uma sociedade de providências sociais e não pessoais. Desta forma, cuidarmos do emocional para que não se torne trágico.  

Gilberto de Assis Barbosa dos Santos, licenciado, bacharel e mestre em Ciências Sociais, editor do site www.criticapontual.com.br, autor do livro O sentido da República em Esaú e Jacó, de Machado de Assis. Professor no ensino médio em Penápolis. e-mail:   gilcriticapontual@gmail.comd.gilberto20@yahoo.comwww.criticapontual.com

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