Democracia é imprensa, leitores e livros livres

Gilberto Barbosa dos Santos

 

O diplomata e tradutor parnasiano Ruy Barbosa de Oliveira (1849-1923) disse certa vez que um país se faz com homens e livros. Este preceito ainda é válido nesse momento em que a sociedade brasileira está em plena terceira década do Terceiro Milênio. Eu acrescento a ele a observação do escritor francês Marcel Proust (1871-1922), segundo a qual, os livros abrem portas que, sem a leitura dos mesmos, permaneceriam fechadas. O somatório dos dois pontos me auxilia a pensar a guerra que vem sendo travada no Brasil contra o conhecimento. Ninguém atinge esse nível por osmose, mas sim a partir de muita informação sobre o presente e o passado, para, em seguida fazer as devidas análises e formar sua visão de mundo, levando em conta por exemplo as teses defendidas pelo filósofo alemão Georg Wilhelm Friedrich Hegel (1770-1831) e sua dialética no que diz respeito à tese, a antítese e a síntese.

A tese pode ser compreendida com o fato em si e não o ouvir dizer escudado pelo senso comum. No presente, o que está acontecendo de fato em nosso país? Uma pandemia que já eliminou mais de 500 mil vidas. Não adianta as autoridades palacianas rugirem feito leões, pois estão presas nas malhas da própria ignorância acrescida pela dos bajuladores que desejam a todo momento um lugar ao sol, contudo, sem ter o devido conhecimento para isso e, quando são possuidores, decidem jogar tudo na latrina por uma miríade de situações que não me atentarei a elas, pois não é esse o meu objetivo nas linhas que se seguem, já que meu escopo aqui é tentar entender porque há uma violência simbólica contra o mundo do conhecimento, dos livros, da mídia e da imprensa em geral. Numa sociedade que se quer madura e desejosa de ingressar nos chamados universos civilizatórios como referência o pensador Norbert Elias (1897-1990) em vários de seus escritores, entre eles A sociedade dos indivíduos (Rio de Janeiro: Zahar, 1994), não há espaço para governantes e seus asseclas que atacam sistematicamente os veículos de comunicação como jornais, revistas e emissoras de televisão justamente porque não os bajulam e defenestram a ideia de divulgar informações errôneas para deixar a população no escuro, principalmente nesse momento crítico em que um vírus ameaça a comunidade global.

Há cerca de um quarto de século, isto é, 25 anos, escrevi aqui nessas páginas um texto em que explicava o trabalho de um intelectual. O objetivo era esclarecer os meus leitores diante de tanta fanfarronice que vinham sendo ditas na época e, lamentavelmente, permanecem até o momento, contra os profissionais que pensam essa sociedade e também o Brasil. Qual diagnóstico que se faz quando um presidente descumpre as regras determinadas pelas autoridades sanitárias? Qual é o objetivo de um líder que leva a sua comunidade ao universo de Tânatos? Olhem, meus caros leitores, que é preciso partir sempre da pergunta, como é feito no âmbito da Filosofia em que o mais importante é a pergunta, pois nela está contida todo o sentido do ser que interpela e onde supostamente pretende chegar com tal questionamento. Desta forma, a resposta não pode ser dada a partir de desejos e paixonites, mas sim de um quantum significativo de razão. Posto isto, recorro ao texto da diretora do Instituto Gerar de Psicanálise, Vera Iaconelli, publicado na edição da última terça-feira. 22 de junho, do jornal Folha de S. Paulo. Sob a rubrica de Impunidade e paranoia se cruzam e iluminam cena grotesca de Bolsonaro, ela faz diversas considerações que considero importantes para ajudar na reflexão deste país que emergiu das urnas em 2018, me fazendo recorrer ao refrão de uma música do final dos anos 80 em que o vocalista bradava uma pergunta: “que país é este”.

A autora faz duas observações sobre o comportamento agressivo do chefe do Executivo Nacional, não só para com a mídia que não o bajula e o endeusa, mas também com seu séquito. Eu me deterei apenas num deles, que entendo ser significativo para as minhas pretensões aqui, isto é, de enfatizar que num país democrático o sujeito pode discordar do que está sendo propalado, mas jamais se pode defender a asfixia de quem fala, independentemente do lugar que este interlocutor ocupa na sociedade. Para se chegar a essa observância, se fazem necessárias muitas leituras sejam elas de que lado for, de direita, de esquerda ou de centro, como gostam de preconizar líderes populistas que adoram classificar, adjetivar o outro numa tentativa de o compreender e, ao mesmo tempo silenciá-lo e isso não é atributo da direita como muitos imaginam. A psicanalista diz que um dos elementos “para o descontrole presidencial é, novamente, a paranoia, o medo de receber de volta todo o ódio, violência e destruição que acumulou em sua trajetória. Mecanismo tão bem exemplificado entre as figuras autoritárias da história mundial. Acontece que neste final de semana todas as capitais brasileiras deram notícias de que os dias de impunidade presidencial correm um sério risco de acabar. E de que meio milhão de mortes, dentre as quais centenas de milhares que poderiam ter sido evitadas, devem voltar para assombrá-lo. Se depender da maioria do povo brasileiro, Bolsonaro ainda vai gritar muito”.

O que se pode aferir deste pequeno excerto? Que o conteúdo do texto é farisaico? Que não condiz com a realidade? É pura verossimilhança de quem o escreveu? Parece-me que qualquer resposta às minhas interpelações neste começo de parágrafo requer do meu leitor um pequeno retorno à recente história deste país, começando pelos mais de 20 anos em que o Brasil foi governado pela truculência dos coturnos, período em que a democracia foi asfixiada pelos tanques e pelo poder bélico. Isso é fato e não aleivosias, portanto, pode estar aí o apreço que muitos têm pelo estrangulamento da democracia que temos, isto é, a que surgiu com a Constituição Federal de 1988, mesmo sendo mais delegativa do que participativa. Muitos podem dizer que ela é pífia, mas é a que temos e pode ser melhorada, desde que os princípios que a norteiam sejam respeitados, como as cláusulas pétreas e a divisão dos três poderes como nos explica Montesquieu (1869-1755) em seu O espirito das leis (São Paulo: Difel, 1962). Assim como os livros de literatura devem sempre ser lidos, a Carta Magna também, para que o cidadão com cidadania não aplauda líderes que desejam se vender como novidade, contudo, esconde debaixo do coberto político ligações com tudo aquilo que a sociedade deseja ver banida, conforme José Martiniano de Alencar (1829-1877) externou em seu livro Carta de Erasmo ao Imperador (Rio de Janeiro: ABL, 2009).

Na ausência de livros, imprensa sendo estrangulada por autocratas e sua corte de alienados, é fácil achar que a mentira pode se tornar verdade, já que os veículos de comunicações que podem levar o indivíduo a questionar o que está sendo passado como verídico quando não é, são violentamente agredidos pelas autoridades palacianas. Sendo assim, quando me deparo com atitudes como essas, reporto ao escritor russo Fiódor Dostoiévski (1821-1881), segundo o qual, o homem é incapaz de tolerar a liberdade e está disposto a trocá-la pelo líder que lhe garanta pão e segurança. E isso acontece porque liberdade não pode ser ofertada como uma mercadoria, mas precisa ser conquistada e só se chega a ela com conhecimento e não com verborragias palanqueiras, demagógicas de toda estirpe. Como dizia o ator Charles Chaplin (1889-1977), o poder nunca será de autocratas, mas do povo que vai as ruas exigir respeito à democracia e às famílias dos mais de 500 mil mortos nesta pandemia.

 

Gilberto Barbosa dos Santos, Sociólogo político, editor do site www.criticapontual.com.br, autor do livro O sentido da República em Esaú e Jacó, de Machado de Assis; professor no ensino médio em Penápolis; pesquisador do Grupo de Pensamento Conservador – UNESP – Araraquara e membro do Conselho Editorial e Científico da revista LEVS (Laboratório de Estudos da Violência e Segurança) – UNESP – Marília; escreve às quintas-feiras neste espaço: e-mail:   gilcriticapontual@gmail.com, d.gilberto20@yahoo.com,   www.criticapontual.com.br.

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