Um mito em decadência

Gilberto Barbosa dos Santos

 

Uma das coisas que os alunos do primeiro ano do ensino secundário aprendem, no âmbito da Filosofia, é a ideia de mito e de como eles podem governar o sentido da existência do ser humano. É possível destacar vários mitemas, principalmente no âmbito grego e romano. Do primeiro, evidencia-se o de Prometeu – condenado pelos deuses a ficar acorrentado durante 24 horas, sendo que nas primeiras 12h uma ave de rapina lhe consome o fígado, para na outra metade do tempo, o órgão se regenerar e ser devorado no momento seguinte, formando ai o que se pode consubstanciar num eterno retorno. Tal narrativa permite pensá-lo a partir da perspectiva política brasileira. Do segundo universo, que muito influenciou o Brasil – daí a Língua Portuguesa ser originária do Latim Vulgar – evidencia-se a deusa Minerva – que pertencia ao panteão das artes, da sabedoria e do comércio no mundo romano. A sabedoria, seja em que âmbito for, está longe das paragens brasileiras, principal se for pensada da perspectiva racional no âmbito da política.

Mas antes de prosseguir na minha tentativa de tentar entender como esse país está funcionando diante da queda de um líder populista, cuja vida seria interessante da perspectiva ficcional, todavia, ela é real e ninguém duvida disso, é preciso definir brevemente o que compreendo por mito e observar se essa pequena conceituação se encaixa ou serve para empreender uma microanálise da condenação e prisão – depois de um circo fantasmagórico defendido por muito de seus correligionários. Posto isto, me parece que o mito pode ser definido a partir de sua representação coletiva, passada de geração a geração, cuja enunciação diz respeito a uma visão de mundo específica. Desta forma, é possível apontar tratar-se de um mecanismo que a sociedade criou para explicar-se a partir dos fenômenos que a circunda.

Conforme externei assim, a existência abstrata de um líder sindical que veio do Nordeste, bem que poderia ser o desfecho das personagens do romance Vidas Secas, de Graciliano Ramos (1892-1953) ou que salta aos olhos de quem lê o clássico jorgeamadiano Seara Vermelha [Jorge Amado (1912-2001)]. No entanto, não é um enredo de Carnaval que, se não ainda não o foi, pode ter certeza que ainda será num futuro não muito distante, ainda mais agora que ele será hóspede por 12 anos do sistema carcerário brasileiro – caso os recursos continuem sendo recusados pelas altas cortes nacionais. Bom! Para os meus objetivos aqui neste espaço, pouco importa se ele ficará uma dúzia de anos em cárcere ou sairá antes disso por bom comportamento, conforme prevê a legislação penal da Nação, mas o que interessa para o momento é a decadência vertiginosa de um líder que poderia entrar de forma mais honrosa para a História do Brasil e solidificar a sua famigerada frase “nunca antes na História deste país…”. Entretanto, figurará nos anais da história brasileira como sendo o primeiro ex-presidente da República condenado por crime de corrupção, tráfico de influência, entre outros delitos.

No último sábado (07 de abril), depois da celebração de uma missa em intenção à [alma] de sua esposa, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), gastou 55 minutos para assinar o atestado de óbito de sua vida política. Durante a sua propalada verborragia, disse de tudo um pouco, se vitimou, mostrou-se perseguido da elite, inclusive confessando que andou muito com os engravatados detentores do dinheiro e da vontade de uma plutocracia acostumada, conforme aponta o escritor e político brasileiro, José Martiniano de Alencar (1829-1877), em seu clássico Cartas de Erasmo ao Imperador (http://www.academia.org.br/sites/default/files/publicacoes/arquivos/cartas_de_erasmo_ao_imperador_-_jose_de_alencar.pdf), a se enriquecer as expensas do erário público. Esse processo cultural não é novidade para ninguém. Entretanto, quando assume o poder em 2002, após várias tentativas, o partido do Lula – sim, pois não se sabe ao certo onde começa o PT e termina o Lula, fazendo com que os especialistas e cientistas sociais chamem esse fenômeno de lulopetismo – não rompe com esse circulo vicioso, possibilitando acrescentar a isso outra adjetivação: neopopulismo – muitos de seus asseclas já discutiram muito isso comigo, chegando a vias de romper amizade que mantínhamos de longa data por conta de meu posicionamento no que diz respeito a desenvolver um ponto de vista crítico e desideologizado, portanto, sem paixões sobre tais questões.

A partir dessa perspectiva, é possível fazer a seguinte indagação: não teria sido mais fácil Lula se entregar para a Polícia Federal e deixar que seus advogados usassem os recursos que a legislação lhe faculta para tentar livrá-lo das garras da lei? Em minha opinião, esse seria o caminho mais coerente, entretanto, o líder petista optou por se encarcerar na sede do sindicato que o alçou à vida política, como se aquele prédio fosse um bunker a espera dos seus fieis seguidores para resgatá-lo das malhas da letra fria da lei. Claro que há o outro lado da peleja, isto é, daqueles que pensam diferentemente deste que vos escreve, meus caros leitores! A oposição é saudável quando esta permanece no campo das ideias, porém, todos sabem que as divergências não permanecem no plano ideológico e acabam se transferindo para esfera concreta, personificado no neologismo, “se não compartilha com as minhas ideias, és um incompetente!” Lamentável o político e profissional que pensam e age desta forma, pois empobrece o debate e as esferas em que se encontram, mas ai já não é comigo.

Voltando ao tema em tela que, me parece ser o mais significativo para o momento, qual seja, a decadência de um importante líder latino-americano que se deixou cair pela mais vil das vaidades humanas: a presunção de se estar acima da lei, do bem e do mal, e por se crer, como ele mesmo diz, não mais um ser humano, mas apenas uma ideia personificada num populismo desenfreado e caquético sustentado por asseclas que terão que se reinventar enquanto entidade política, mesmo porque as eleições de outubro estão chegando e ai, como é que fica a peleja político-partidária e, mais ainda, a própria esquerda, fragmentada e órfã de seu Paim, ou melhor, de seu condottiere? E a direita, como é que fica, completaria perguntando meus leitores. As estes eu responde que a direita nunca teve uma cabeça central, mas sempre foi um bunker descentralizado com cada um cuidando do seu feudo, cuja prática a esquerda, principalmente a dogmática, não conseguiu desmontar, deixando-se levar pelas benesses que o alto do trono, para pensar com Machado de Assis (1839-1908), lançava aos que vivem ao rés do chão e também aqueles que existem de forma parecida aos homens que viviam de favor durante o famigerado sistema escravista brasileiro, como por exemplo, Pádua, pai de Capitu, personagem principal do romance Dom Casmurro. Naquela estrutura, este sujeito não era escravo e nem proprietário de mercadorias tão especificas como era o braço africano. Ninguém nega que o chefe máximo do PT, no plano nacional, teve um papel significativo para a redemocratização deste país, e ainda o tem, entretanto, sua contribuição para a vida política brasileira não lhe concedeu permissão para, conforme consta nos autos processuais, se enriquecer a custa do erário público – eis o motivo de sua queda vertiginosa.

 

Gilberto Barbosa dos Santos, Sociólogo político, editor do site www.criticapontual.com.br, autor do livro O sentido da República em Esaú e Jacó, de Machado de Assis; professor do ensino superior e médio em Penápolis; pesquisador do Grupo de Pensamento Conservador – UNESP – Araraquara e membro do Conselho Editorial e Científico da revista LEVS (Laboratório de Estudos da Violência e Segurança) – UNESP – Marília; escreve às quintas-feiras neste espaço: e-mail:gildassociais@bol.com.br; gilcriticapontual@gmail.com. www.criticapontual.com.br.

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