Reflexos da política e do politicar

Gilberto Barbosa dos Santos

 

Quando os docentes, das chamadas ciências humanas, interpelam os estudantes sobre o universo da política, ouvem em uníssono uma resposta negativa, ou seja, que os alunos, sejam eles do ensino médio ou superior e também aqueles que frequentam as séries da segunda etapa do ensino fundamental, não gostam de política. Mas por que será que isso se repete ano após ano e a situação nacional perdura, isto é, a mesma casta de representantes do povo ansiosa para fazer dos cofres públicos suas quintas – para quem não sabe quintas aqui é sinônimo de propriedades [Quinta da Boa Vista – usada como residência pela família imperial brasileira desde a Proclamação da Independência (1822) até o fim Monarquia (1889)] – particulares?

Parece-me que o passo inicial a ser dado em direção a uma resposta mais ou menos palatável e que possa trazer esclarecimento aos estudantes, sem, no entanto, pregar ideologização, sobretudo àquela que tem como tendência fazer com que o interlocutor tome posição sem conhecer o outro lado da problematização. Acho que aqui muitos dos meus pares, principalmente os envolvidos em processos dogmáticos, torcerão seus narizes, como se diz no jargão popular, entretanto, creio que se lerem as linhas que se seguirão a esses dois parágrafos iniciais, terão condições de estabelecer parâmetros para se posicionarem ou até mesmo continuarem na toada ideologizante em que se encontram, mas ai é como dizia o iluminista enciclopedista francês, Jean le Rond D’Alembert (1717-1783), “não concordo com o que dizes, contudo, defenderei eternamente o direito de dizeres”.

Pois bem, feitas a interpelação inicial e em seguida uma ressalva, passarei ao que interessa no momento, no qual, o Brasil, conforme já externei aqui em outra ocasião, está numa espécie de vacância governamental, a começar pela capital candango. Sem querer ser enfadonho, recuperarei, de forma sintética, o que penso a respeito. Ocupando o Planalto Central temos um presidente respaldado por lei – quiçá a grita de que está por intermédio de um golpe, coisa que não ocorreu, mesmo porque as instituições não deixaram de funcionar [Executivo, Judiciário e Legislativo], continuando na mesma toada. Entretanto se o chefe do Executivo tem guarida na lei, o mesmo não se pode dizer quando se refere à população que lhe dá altos índices de impopularidade, porém, a vida segue e ele cooptando o Congresso, já que a Constituição Federal dá um imenso poder ao legislativo, vai tentando empurrar goela abaixo do brasileiro as mirabolantes reformas disto e daquilo e quando o povo acordar, já não poderá se aposentar, mesmo tendo contribuído de forma compulsória, isto é, sem se quer opinar se aceita ou não as condições, qual seja, a de pagar e quem sabe nunca reaver o que pago mensalmente.

Posto isso, retorno ao escopo principal das linhas que se seguirão: o de tentar compreender porque o cidadão tem tanta aversão à política, porém, quando é chamado a escolher seus representantes mantém-se o mesmo diapasão que é o de deixar o mesmo raposário administrando as “galinhas que põem ovos de ouro” para, em seguida, ficar mais 48 meses lamentando isso e aquilo, vaticinando sempre que político não presta e todos são iguais. Porém, me parece que se buscar sair desse localismo e opinião baseada no senso comum cotidiano, verificará que a situação se mantém a mesma em virtude do sujeito social querer a mesma coisa do ser em que se vota: benefícios pessoais, através duma relação de troca nefasta para a democracia e para a solidificação da cidadania, pois ao barganhar o voto-consciência com um pequeno favor, a exemplo do que acontecia no período coronelístico, permite que aquele que barganha tenha o direito de fazer o que bem entende quando se apossar do poder. Aqui nesse ponto, alguns dirão que as leis podem fazer as correções, mas outros vaticinarão que a letra fria da lei poderá – e quase sempre o é – ser esquentada pendendo para o lado da troca mercadológica – o famoso dinheiro que poderá provocar mudanças extraordinárias na vida política duma Nação, duma paróquia que terá um arauto verborrágico escudado por suas pinoquices e uma corte amorfa acostumada a ser aquela arraia miúda, de que fala Machado de Assis, a espera das migalhas que caem do alto do trono.

Diante do exposto até o momento, como esclarecer aquele aluno que detesta política, justamente por conta dessas tratativas de bastidores que removem até a mais pesada lei, beneficiando sempre os mesmos sujeitos acostumados a fazer dos cofres públicos as bolsas dependuradas nos mancebos de suas quintas? Creio que o papel do docente é permanecer com a sua tentativa de explicar que o que o estudante não gosta é da politicalha, pois política se faz sempre, inclusive o ato de se posicionar contrario a política é um ato político, visando um fim, qual seja: o de não se imiscuir com a patuleia que bajula líderes messiânicos e populistas como se fossem títeres desprovidos de sentidos e valores éticos e morais, já que o mais importante é dizer que está-se sentado no alto do trono a jogar beijos, lantejoulas e serpentinas aos eleitores acostumados ao pão e circo romano. Como dizia Machado, foi-se Roma, ficou o circo, o pão e uma corte amorfa e ávida pelos beijos e frangos que caem do topo da coroa, conforme apontei no artigo científico Monarquia e República nas crônicas machadianas publicado pela revista Composição – da UFMS (Universidade Federal do Mato Grosso do Sul).

Parece-me que o mais significativo – com consequências positivas para a sociedade vindoura, na qual o indivíduo tornar-se-á de fato um sujeito histórico e não apenas massa de manobra, seja ela da direita ou duma esquerda com forte viés à direita e de cunho autoritário – é indicar as pegadas a serem seguidas, inclusive, apontando a diferença existente entre utopia e ideologia. Pessoas doutrinadas em determinados credos partidários e ilusórios tendem a não querer ouvir o outro lado, por considerar a sua visão de mundo a mais correta e capaz de levar os pobres, ou como queiram alguns, a classe baixa ou, para se pensar na dicotômica definição marxianana o proletariado, ao paraíso e a burguesia a danação do inferno a exemplo de Fausto, sem, no entanto, especificar o que seria esse mundo edênico. Nesta peculiaridade, se observa palavras de ordem semelhante aos brados entoados por soldados ocupados em idolatrar líderes messiânicos, populistas e salvadores da pátria. Os “outros” são fascistas, autoritários, conservadores, reacionários, enquanto “nós” somos democráticos, modernos e os verdadeiros detentores das chaves que abrirão as portas do paraíso para o trabalhador.

Enfim, ao que tudo indica, uma educação política isenta dos  achismos e malabarismos ideológicos deve ter como pressuposto não o lado que é melhor, mas sim proporcionar ao educando a possibilidade de refletir sobre as coisas e o universo da política e isso somente será possível quando o educador conhecer bem a temática e não apenas alguns episódios aos quais se apega como exemplos únicos e universais. Quando se chega a esse ponto, não faz mais ciência e sim profissão de fé, como diz certa vez o professor de Filosofia Política, com quem tive o prazer de estudar nos tempos de IFCH (UNICAMP), Fausto Castilho. Portanto, acredito que Mikhail Aleksandrovitch Bakunin (1814-1876), tinha razão ao dizer que quem fala em revolução, mas não torna a sua existência um ato revolucionário, tem na boca um cadáver. E hoje temos muitos sujeitos adversos ao capitalismo, mas que gostam das benesses que ele pode proporcionar.

 

Gilberto Barbosa dos Santos, sociólogo, professor no ensino superior e médio em Penápolis. Pesquisador do Grupo Pensamento Conservador – UNESP e membro do Conselho Editorial e Científico da revista LEVS-UNESP. Escreve às quintas-feiras neste espaço: www.criticapontual.com.br. E-mail: gilbertobarsantos@bol.com.br, gilcriticapontual@gmail.com, e social@criticapontual.com.br.

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