Gilberto Barbosa dos Santos

Em qualquer canto que se movimente dentro desse país, é possível ler, ou melhor, encontrar as promessas de um Brasil diferente do que os brasileiros costumam olhar no seu cotidiano. Todavia, resta saber como as promessas pretéritas não se transforaram em coisas e situações concretas na atualidade. Parece-me que as respostas que todos buscam, uns de maneira mais enfática e outros desejosos de que os governantes, políticos e outras lideranças façam aquilo que é tarefa de cada cidadão. Se esses que aguardam milagres vindos das categorias sociais satanizadas pelos eleitores tentassem agir ao invés de apenas vociferar reclamações, talvez aí sim, a coisa poderia ser diferente. Entretanto, se esse é o atual quadro nacional, entendo que não há razões para eu continuar cosendo meus olhares a partir desse ponto.

Todavia, como ando meio teimoso ultimamente, pretendo levar adiante minhas análises objetivando encontrar um ponto seguro nesse oceano chamado Brasil para ancorar minha barcaça designada como esperança e a partir daí, tentar deslindar uma rota que me permita, pelo menos, imaginar uma Nação totalmente diferente desta que aí está. Será que alcançarei meu escopo no final dessa viagem textual? Confesso-te meu caro leitor que a tarefa é árdua, até porque para se construir, mesmo que do ponto de vista ficcional, um amanhã em que o Sol brilhe sem precisar ser forçado a fazer isso, exige-se não apenas uma compreensão correta e coerente do passado, mas vontade para se colocar o dedo na ferida. Desta forma, entendo que não se apaga o feito e o dito pode até ser distorcido para caber no presente de um governante que sonha, a todo momento, em se tornar um autocrata que beneficiará seus familiares e amigos, acreditando que o público se confunde com o privado e os incautos aplaudirão, usando sempre como referência um pretérito não muito distante em que essa mesma jornada, por intermédio do público desejado como particular lançou num lamaçal as boas intenções outrora pensadas quando o país era administrado com mão de ferro por setores da sociedade que se acreditavam acima do bem e do mal, até porque tinham realizado a República, sem no entanto terem expurgado os resquícios de uma velha ordem estamental que permanece ditando as regras dos relacionamentos sociais, inclusive no campo das relações étnico-raciais.

Para não agastar aquele que me acompanhou até aqui, prometo mudar a rota da minha embarcação que pode ser entendida como crítica ou não, mas qual direção tomar quando o desejo é trabalhar para que uma nova concepção de país seja elaborada no aqui e no agora não só desta escrita, mas também no agir profissional, seja no campo pedagógico, jurídico, da saúde ou econômico, sempre objetivando edificar uma sociedade em que as desigualdades sociais não sejam tão gritantes como as que se tem no momento e as crianças e adolescentes de hoje possam olhar com firmeza para um futuro que almejam construir usando as ferramentas que dispõem no momento. Mas por que será que é tão complicado deixar o âmbito onírico adentrando na esfera da existência concreta? De tanto perguntar, acredito que um dia conseguirei encontrar as respostas, ou até mesmo produzi-las, levando em conta que em toda interrogação esteja contida a resposta ou quase isso. Se isso for verídico, então fica fácil analisar os motivos que levam os sujeitos a empreenderem jornadas pelo mundo da leitura. Uma criança que será um adulto leitor só o será se for estimulada para além dos muros escolares. No interior das instituições de ensino, há todo um trabalho, um esforço pedagógico para que esse processo se dê, mas fora dos limites físicos das unidades educacionais, aquilo que é realizado dentro dos prédios acaba sendo referenciado, por exemplo, nos lares brasileiros?

Muitos que me leem podem dizer que se em muitos lares espalhados pelo país falta o básico, isto é, uma simples refeição contendo arroz, feijão, carnes, legumes e verduras, como então imaginar que uma criança que leu um romance infanto-juvenil na escola que frequenta o fará isso em casa quando o estômago grita por uma colherada de farinha de mandioca com açúcar? Segue-se a esta pergunta outra: por que isso ainda acontece quando se sabe que a Nação produz alimentos em abundância? O motivo para tal descalabro estaria no fato de haver entre nós, brasileiros, uma das maiores concentrações de renda do planeta? Aquele que pensa que a última inquirição pode ser devaneio deste que vos escreve, meus caros leitores, deveria tentar viver, mesmo que seja sozinho, com pouco mais de R$ 1 mil por mês. Se isso é um exercício de faquires, imagina então uma família formada por quatro pessoas, acrescentando despesas com moradias e transportes. Mas, por outro lado, para que o meu leitor não diga que meus textos estão muito à esquerda do que pensa o famoso cidadão de bem, como se deixar o seu semelhante padecer de fome o tornasse um ser melhor do que os demais, o gabaritasse para receber tal adjetivação. Todavia, vá lá e pensemos que essa outorga tenha fundamento em ações que visem a melhoria da qualidade de vida da maioria dos brasileiros, pergunto-vos, quais comportamentos podem ser classificados como tal a ponto de tal predicativo tenha fulcro?

Posto isso retorno ao título nessa abordagem de hoje: o real condiz com o imaginado? Ou melhor: o concretizado tem a ver com o planejado pela categoria de políticos que vive sempre apelando para o titã da mitologia grega, Prometeu? Claro que a resposta pode ser um amontoado de justificativas, enquanto a maior parte dos recursos oriundo dos cofres públicos é embolsada de forma privada pela camarilha que adora se locupletar com o dinheiro alheio, principalmente aquele aferido dos impostos, taxas e tributos pagos diariamente por aqueles que de fato fazem esse país funcionar. Entretanto, para haver uma dança, conforme nos diz a célebre personagem Dona Cláudia, do romance Esaú e Jacó, do escritor brasileiro Joaquim Maria Machado de Assis (1839-1908), é preciso que se forme uma dupla, do contrário, dança-se sozinho permanecendo com o bolso vazio ou obrigado a comer o pão que o diabo amassou, como se diz na expressão popular. Neste sentido, resta, meus caros leitores, sabermos quem são os dois parceiros de dança. Na enunciação machadiana, um dos dançarinos é o sujeito disposto a ser corrompido e o outro nem precisa dizer, é o que almeja corromper. Desta forma, está formada a parceria que bailará a noite inteira enquanto os festejos são levados a cabo e, do lado de fora do salão, milhões morrem de fome a espera de migalhas que podem cair da mesa dos poderosos plutocratas que sugam a saúde do Estado, permanecendo agarrados às paredes dos castelos que outro dia foram medievais. Aqueles que desejarem compreender essas abordagens, leiam o capítulo IV do romance Memórias póstumas de Brás Cubas, além de analisar de maneira fecunda como o Brasil chegou até aqui e não adianta dizerem que não tem tempo para fazê-lo, quando se sabe que se gasta tempo suficiente para espalhar notícias falsas e em conversas de qualidades duvidosas com pessoas que compartilham das mesmas ideias. Enfim, entre o pensado e o realizado há o homem que se esconde no direito de se abster quando ele foi escolhido para ser representante dos seus eleitores. Um exemplo desta abordagem é um deputado estadual eleito para a Assembleia paulista com a segunda maior votação que vociferou palavrórios denegrindo as mulheres.

Gilberto Barbosa dos Santos, Sociólogo político, editor do site www.criticapontual.com.br, autor do livro O sentido da República em Esaú e Jacó, de Machado de Assis; professor no ensino médio em Penápolis; pesquisador do Grupo de Pensamento Conservador – UNESP – Araraquara e membro do Conselho Editorial e Científico da revista LEVS (Laboratório de Estudos da Violência e Segurança) – UNESP – Marília; escreve às quintas-feiras neste espaço: e-mail:   gilcriticapontual@gmail.com, d.gilberto20@yahoo.com,   www.criticapontual.com.br.