Olhar Crítico

Literatura

Começo meus aforismas dominicais, o primeiro depois do dia dedicado aos professores, pedindo passagem, aos meus leitores, para o escritor russo Fiódor Dostoiévski (1821-1881), autor de celebres observações como a de que o ser humano “é incapaz de tolerar a liberdade e está disposto a trocá-la pelo líder que lhe garanta pão e segurança”, daí a compreensão de a democracia ser, em países como a Rússia e o Brasil, meramente delegativa e não participativa. Interessante notar que os dois países têm uma forte ligação com oligarquias, seja num passado não muito distante, ou no quase presente que tende a se tornar passado a partir de amanhã.

 

Poéticas

Mas por que trazer para os penapolenses as poéticas dum autor que compôs suas enunciações numa Rússia czarista, portanto, anterior ao totalitarismo stalinista que até hoje atrai muitos brasileiros, principalmente os políticos que adoram a democracia até chegarem ao poder e depois querem avidamente transformarem-se em autocratas seja elas personificadas numa pessoa ou partido. O escopo é fazer uma interpelação que consta no romance Memórias do subsolo (Dostoiévski, Fiódor. SP: Editora 34, 2020, p. 18): “Mas, senhores, quem é que pode vangloriar-se das próprias doenças, e ainda procurar causar com elas um efeito?” Diante do questionamento exposto, faço-te, meu caro leitor, uma outra interrogação: de qual doença o poeta russo faz referência? Será que é aquela que afeta o físico ou o “espírito” – não é relacionado ao universo religioso, mas cultural, conforme entende os alemães ao usar a expressão Volksgeist, Zeitgeist.

 

“Doenças”

Qual será o calundu que afeta a categoria política brasileira e, de quebra o eleitorado que sempre aposta suas fichas em representantes que, cedo ou tarde, vai parar no lamaçal da corrupção? O comportamento dessa categoria, entre ano e sai ano, eleição após eleição, continua o mesmo. Muda-se os integrantes, mas a prática permanece, portanto, como é possível compreender a atitude de homens que, durante a campanha para os cargos eletivos chamam para si a adjetivação de honestidade e que tudo será diferente, entretanto, nos bastidores busca se beneficiar de tratativas como as que ficaram expostos após vir à tona o conteúdo das investigações da Operação Raio-X? O que leva um postulante a trocar de camisa partidária, passando de chefe gabinete numa determinada legenda e depois ser candidato a prefeito em outra, completamente oposta? São perguntas que, ao que tudo indica, Dostoiévski formulou em seu conto-romance Memórias do subsolo.

 

Responsabilidade Fiscal

Sempre que vejo um governante tentando se colocar como o paladino disso e daquilo, sempre busco entender tal atitude através do fulcro da lei, objetivando apresentar os fatos como são e não como este gostaria que fosse. Por exemplo, no Brasil temos a LRF (Lei de Responsabilidade Fiscal – Lei Complementar 101, de 4 de maio de 2000) que, ao ser aprovada pelo Congresso Nacional, a exemplo do que aconteceu com a Constituição Federal de 1988, não contou com a outorga petista no plano nacional. Mas vamos ao que diz a lei: em linhas gerais, a mesma prevê que um prefeito, por exemplo, ao término do seu mandato não pode deixar restos a pagar para o seu sucessor (http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lcp/lcp101.htm). Portanto, deixar as contas em dia não chega a ser uma ação extraordinária, pois o chefe do Executivo está apenas cumprindo o que determina a legislação, sob pena de sofrer sanções penais.

 

Moléstias

Voltando ao escritor russo e suas observações sobre as “doenças” que acometem os seres humanos, principalmente aqueles que habitam as cidades políticas – não aquelas que constam nos livros Utopia, de Thomas Morus (1478-1535) e Cidade do Sol, de Tommaso Campanella (1568-1639) -, é importante compreender um fenômeno muito peculiar no universo do poder advindo da decisão de uma população: a ideia de que se fez muito e que se o seu ungido o sucedê-lo, far-se-á muito mais. Lembro-me de um político, de significativa proa, que disse certa vez que se o seu pupilo não fosse bom, o povo jamais deveria votar nele, fiador do seu indicado. Todos sabem o que aconteceu em seguida. Neste sentido, a história recente deste país é assaz significativa para se entender os passos que o eleitor deverá dar nas eleições municipais de logo mais.

 

Professores

Na última quinta-feira, 15, foi dedicado a uma profissão que deveria ser a mais valorizada no Brasil, entretanto, todos já sabem: é a mais enxovalhada, defenestrada, humilhada pelos governantes e seus asseclas.  E o engraçado é que muitos dos que dizem coisas horríveis sobre os professores e educadores, nunca estiveram dentro duma sala de aula na condição de docente, mas apenas como alunos. Mas por que a satanização, esfacelamento de uma profissão da qual deriva todas as outras? Interessante notar que nos discursos dos jogadores de futebol, o treinador é chamado de “professor”, mas quando estes mesmos boleiros estiveram dentro de salas de aulas, apresentavam comportamentos para lá de duvidosos? Por que um futebolista ganha muito mais do que um professor? Quem será que pode me oferecer uma justificativa plausível para esse descalabro?

 

Equação nefasta

Desfazer essa equação nefasta para a educação brasileira significa permitir que o país possa se transformar numa Nação de fato e não num amontado de sujeitos sociais que ainda não sabe direito definir sua identidade, fazendo com que a definição dada por Sérgio Buarque de Holanda (1902-1982) no clássico Raízes do Brasil ainda permaneça entre nós. Qual seja? A de que o Brasil padece de seu bovarismo. O fenômeno deriva do clássico do realismo francês Madame Bovary, de Gustave de Flaubert (1821-1880). Naquela enunciação, Emma Bovary sonha com um mundo diferente do que habita e passa a agir como se essa realidade de fato fosse concreta. Seria esse o caso do brasileiro? Parece-me que refletir sobre possa ajudar a pensar por que político e demais profissionais com carreiras profissionais consolidadas deixam se levar para o chiqueiro da corrupção. A operação Raio-X iniciada aqui em Penápolis que o diga!

 

Intolerância

Deixando de lado o universo da política e seus representantes que abraçam constantemente corruptos e adentrando ao mundo da intolerância que desagua em violência, eu vos pergunto meus caros leitores: o que anda acontecendo com a humanidade? Mais um assassinato foi registrado em Penáplis na última semana. Parece-me que as pessoas estão perdendo a capacidade de dialogar com seus desafetos e sujeitos que pensam de maneira diferente. Quem analisa o mundo da política local sabe que nos bastidores a coisa é mais tensa do que parece, mas na aparência, há uma certa cordialidade. Então que todos pensem um pouco sobre suas atitudes, pois a violência não leva a lugar algum. Para hoje, é isso meus caros leitores. E-mail: gilcriticapontual@gmail.com. www.criticapontual.com.br.

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