Olhar Crítico

Para quem…

Durante a Peste Negra que grassou pela Europa e Ásia por, pelo menos uns 10 anos nos tempos medievais, surgiu um texto muito comentado, contudo, pouco lido, portanto, sem nenhum ou quase isso, aprendizado pelos homens do presente século. A obra em forma de meditação dizia que ninguém é uma ilha, portanto, não vive isolado. Entretanto, em tempos pandêmicos pós-moderno muitos apegam-se a esse corolário para ser contra o isolamento social. No entanto, se esquecem que, diferentemente do percurso que a moléstia fazia na Idade Média, a do presente não caminha nas costas dos ratos através das pulgas, mas provavelmente, dentro das narinas dos indivíduos indistintamente, principalmente aqueles que se acham no direito de não fazerem uso das medidas prescritas pela ciência, optando por acreditar em políticos e numa visão teologal equivocada no que diz respeito ao vírus que traz consigo a morte invisível.

 

… os sinos …

Se voltarmos a um pretérito não muito distante, principalmente nas pequenas localidades, os sinos das igrejas badalavam para anunciar a morte de algum morador daquelas paragens. Desta forma, vos pergunto, meus caros leitores, diante do caos trazido pelo covid-19, “para quem os sinos dobram”? A resposta a essa interpelação pode ser buscada nas ações não muito longínquas da maioria dos seres humanos e também dos governantes. Primeiro, por que se deve aglomerar? Por que o presidente da República está presente e esse rechaça veementemente a adoção de qualquer medida que vise a prevenção, como o uso de máscaras? Vejam bem, meus caros, estou na fase da interpelação. Não tenho por hábito aqui emitir sentença sobre quem quer que seja, não sou Magistrado, contudo, a exemplo de você que está lendo esses aforismas, também estou sendo atingido pela pandemia. Mas qual é a saída? Professar a ideia de imunização de rebanho, mesmo que muitos vão a óbito, como se fossem “bois de piranha” conforme se diz no jargão popular?

… dobram?

Basta um giro rapidinho pela área central de Penápolis, não para bater pernas à toa, como se diz no linguajar popular, para flagrarmos o acinte de muitos transeuntes que, quiçá recomendações das autoridades sanitárias e médicas, desfilam com suas narinas expostas ao vento, como se o vírus estivesse com o outro e ele, o super-homem, seria intocável que nenhuma criptonita advinda do coronavirus lhe atingiria a saúde. Até o momento em que essas linhas eram cosidas, mais três pessoas tinham ido a óbito em Penápolis, sendo uma delas uma professora e ainda assim, o cidadão não se corrige. Será que não se preocupa porque ainda não morreu ninguém da família? Claro que a pergunta é forte, mas tem espaço justamente nesse momento caótico em que a sociedade brasileira está passando, com variantes do vírus aqui e ali, mas mesmo assim, ainda se assiste atrocidades como estas, a de se recusar o simples uso de máscaras.

 

Suspensão

E a semana que terminou ontem começou com a suspensão das aulas nas escolas municipais, estaduais e particulares dentro das cercanias de Penápolis. A ação partiu do prefeito que, após uma reunião dominical, decidiu pela medida, acertada, todavia, o encontro poderia ter acontecido na semana anterior, diante dos dados crescente sobre a pandemia em Penápolis. Há um ano que o vírus está aí, grassando todas as paragens brasileiras, inclusive recentemente a cidade onde fiz meus estudos em Ciências Sociais decretou lockdown, contudo naquele período, os dados indicavam que apenas 51% da população haviam acatado as decisões governamentais. Penso que para o momento o percentual é pouquíssimo. Em Penápolis, a situação está periclitante e se o indivíduo individualizado não se conscientizar que o problema é de todos, a situação chegará ao extremo.

 

Montanha

Interessante notar que a temática de hoje pode estar coligada ao romance do escritor alemão Thomas Mann (1875-1955): A montanha mágica. A enunciação diz respeito a um homem que precisa se retirar da sociedade para tratar de um problema de saúde e de lá, do alto da montanha, passa a analisar a sociedade da qual saiu. É possível também fazer uma conexão de sentido com o princípio da religião persa, cujo povo existiu onde hoje está instalado o Irã, no Oriente Médio. De acordo com essas ideias difundidas por Zoroastro, o homem devia deixar a sociedade, subir à sua montanha [vida] e olhar com a devida acuidade de onde saiu. Soma-se a esse quesito, o pensamento de Søren Kierkegaard (1813-1855), segundo o qual o homem tem medo de ter medo. Posto isto, o que fica a vocês meus caros leitores? Será que descumprir as determinações significa enfrentar o medo de peito aberto, mesmo que as consequências podem ser letais para muitos dos semelhantes?

 

Fragmentos

E já que o aforisma acima se voltou para o universo literário e filosófico desaguando nas expressões poéticas, entendo que cabe aqui um trechinho, um pequeno fragmento que consta no livro Confesso que vivi do poeta chileno Pablo Neruda (1904-1973), portador dum profundo lirismo.  “Quero viver num mundo sem excomungados […]. Quero viver num mundo em que os seres humanos simplesmente humanos, sem mais títulos […]. Quero que se possa entrar em todas as igrejas, e na imprensa. […]. Quero que a grande maioria, a única maioria, todos, possam falar, ler, ouvir, florescer […]”. Diante do exposto, por que é tão difícil os humanos que se querem demasiadamente humanos conseguirem viver em harmonia? Talvez seja realmente a falta de compreensão dos sinos dobrando para aqueles que perderam a vida para a pandemia. E o medo de ser o próximo, pode fazer com que aquele que esteja vivo desrespeite tudo, pois poderá ser o próximo amanhã a ter o féretro aguardando numa fria cripta, entretanto, se for isso, entendo que o sujeito que se porta desta forma, está imbuído dum atroz egoísmo.

 

Cacos

Há um romance interessante publicado pela minha amiga escritora carioca Adriana Viera Lomar, intitulado Aldeia dos mortos (SP: Patuá, 2020). Excelente enunciação que, entre outras narrativas, nos reserva pérolas. Lá é possível encontrar um jogo sonoro em que o narrador diz que a vó do Caco está sozinha num cômodo da casa contando os seus cacos. Na ficção, a idosa conta os seus cacos e no mundo concreto, real, em que a vida acontece para lá do imaginário, se o sujeito social permanecer nesse seu universo egoístico, em que não liga para quem os sinos dobram, num futuro, todos que restarem, estarão apenas contando seus cacos de vida ou seus metais, como dizia o cantor e compositor Antonio Carlos Gomes Moreira Belchior Fontenelle Fernandes (1946-2017), pois nada, dinheiro, posição social, status, clube de serviço, substituirá o vazio deixado por uma vida que se foi arrastada para o sepulcro por conta da pandemia. O aroma da ganância de hoje pode estar escondendo os espinhos das dores transportadas pelos féretros futuros. Sendo assim, se cada um não repensar a própria atitude, restará apenas pedaços que falam, cacos que se contam, porém, sem sentido algum. Então que as autoridades tenham mais sensibilidade e abandonem a ideia tosca de que 2022 é logo ali.  gilcriticapontual@gmail.com, d.gilberto20@yahoo.com,   www.criticapontual.com.br.

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