Encontros e quase desencontros

Gilberto de Assis Barbosa dos Santos

Há quem diga que sou muito chato por fazer sempre as mesmas coisas, comer do mesmo jeito e no mesmo lugar. Então para variar um pouco fui ao mesmo local de outrora almoçar, mas antes comprei um jornal, outro hábito que alguns dizer ser mania ou coisa parecida. Mas sabe-se lá ao certo se é algum tipo de transtorno, pois ter algum incômodo psíquico virou moda antes de ser uma questão da própria subjetividade do sujeito que se quer social. Interessante que viver nesses tempos quase que pós-moderno é como se estivesse na antessala de um consultório médico e alguém, para puxar conversa, lhe perguntasse por que está ali.

Um dia desses, estava cansado de tudo e mais um pouco e uma senhora me chamou para bailar numa conversação dessas e, antes de responder, pensei e desfilei um monte de doenças. “- Mas como senhor está vivo ainda com essa quantidade de moléstias”, me inquiriu a interlocutora que escutou eu dizer que de fato eu não existia e quem dialogava com ela naquele momento era um fantasma.

Assim que terminou a nossa entrevista, fui anunciado e adentrei à sala do médico que era amigo de muito tempo e aceitou me receber rapidinho, pois a minha visita era apenas para reforçar o convite para a celebração de nossa turma dos tempos de caserna. Do jeito que entrei sai e não me contive: “- Como pode ver, minha senhora, eu não existo. Sou apenas um fantasma que surgiu do nada para assombrar sua consciência”. Ela me olhou daquele jeito reprovador, como quem sabe tudo e o seu parceiro de prosa é um completo asno.

Mas deixemos, eu e tu, meu caro amigo leitor, a conversa na antessala médica e retornemos aqui para a bancada do barzinho que frequento diariamente. Uma vez para tomar meu dejejum e outras tantas para ler o jornal, como faço nesse momento em que me deparo com a opinião de um jovem escritor brasileiro. Trata-se de Geovani Martins que afirmou num evento literário do qual participava que a literatura é uma ferramenta para se lutar contra um sistema opressor e as falácias em torno de jovens pretos e favelados. Assim que terminei de ler o tal comentário, fui surpreendido por um rapazola que desejava saber se eu era mesmo aquele cronista, ou coisa parecida, que publicava umas coisinhas todos os domingos no jornal da cidade.

Ao receber a resposta afirmativa, desejou saber como era o meu processo de composição. De maneira direta respondi: “- É só ter o que dizer e dizer. Simples assim”. Pela cara que o leitor, não tu que me lê neste momento, mas aquele que me fazia companhia na mesa da cafeteria instalada no cruzamento das ruas principais da cidade, compreendi que ele ficou mais confuso ainda. Sendo assim, resolvi acrescentar: “- Quando tu queres falar das estrelas, não aquelas que andam e iluminam seus caminhos diariamente, mas daquelas que se encontram no firmamento, como é que dizes”.

“- Não sei”, me respondeu o entrevistador.

A garçonete chegou e perguntou se eu já havia escolhido o que comeria naquele dia. Do nada, lhe perguntei qual era a cor do esmalte que usava. “- Vermelho terra. O senhor gostou”, me interpelou a funcionária, esperando uma resposta minha.

– Achei interessante, já que combina com o seu batom e esse slogan do seu uniforme. Parabéns. Essa trindade de cores te deixou ainda mais bela do que já é. Tenho certeza de que seu namorado é um homem de sorte.

“- O senhor quer dizer namorada”.

– Oh! Desculpe-me pela minha indelicadeza.

“- Não há problema algum. Agora o senhor sabe que prefiro elas a eles. Nada mais justo do que amar quem nos entende de fato e não apenas fingem para nos levar para a cama e no dia seguinte apagam o número de nossos celulares e nos deletam das redes sociais”.

Assim que a atendente se afastou, meu interlocutor perguntou porque fiz tais observações à garçonete. A resposta foi muito simples: “- Para produzir um texto, uma crônica ou até mesmo nada, pois escrever é abordar coisas do cotidiano ou até mesmo sobre as energias que pululam entre as estrelas. O segredo é saber dizer o que lhe vai n’alma a partir do que se escuta e olha”.

“- Então quer dizer que o seu próximo texto do jornal será sobre a trindade de cores semelhantes, porém dessemelhantes, que a garçonete portava”, me interpelou o parceiro que, antes da resposta recebeu o meu convite para me acompanhar no almoço daquele meio do dia de uma semana qualquer, de um ano bissexto ou não.

Depois lhe informei que sim, inclusive, que ele poderia ser tu, caro leitor que lê esse texto até esse ponto, pois acho que, a exemplo da pessoa que conversou comigo na antessala médica, você também pode achar que eu não existo, já que escrevo sobre o meu modo de ver o mundo e o coloco aqui como testemunha de minhas iniciações.

O almoço chegou e, ambos, eu e o personagem principal desta enunciação, passamos a degustar o churrasco e, para ajudar a descer a carne, algumas garrafas d’água foram consumidas. Não podia ingerir bebida alcóolica porque esta narrativa que lês agora, meu caro leitor, ainda me aguarda no terminal do computador para ser finalizada.

Ao término de nossa comensalidade, me despedi do leitor amigo, lhe dizendo para conferir o conteúdo da minha enunciação do próximo domingo que bem poderia ser essa que estou concluindo, mas não sei ao certo se haverá o espaço no futuro para aqueles que usam a escrita como ferramenta de libertação ou o amor como ação transgressora. De qualquer forma, vamos para frente e olhar no que vai dar o presente.

 

Gilberto de Assis Barbosa dos Santos, licenciado, bacharel e mestre em Ciências Sociais, editor do site www.criticapontual.com.br, autor do livro O sentido da República em Esaú e Jacó, de Machado de Assis; professor no ensino médio em Penápolis; pesquisador do Grupo de Pensamento Conservador – UNESP – Araraquara e membro do Conselho Editorial e Científico da revista LEVS (Laboratório de Estudos da Violência e Segurança) – UNESP – Marília; escreve às quintas-feiras neste espaço: e-mail:   gilcriticapontual@gmail.com, d.gilberto20@yahoo.com. www.criticapontual.com.br.

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