Sonhos e suas reticências

Gilberto de Assis Barbosa dos Santos

É uma coisa tão particular que não se pode pensá-la ou acalentá-la em dupla, trio, quarteto, enfim em conjunto ou colegiado, como alguns preferem dizer. O máximo que dá é para ser compartilhada, correndo-se o risco de se perder ao ser verbalizada, mas vá lá, pois sua realização ou frustração não pode ser dividida, ou lançar sobre os outros a culpa pelo fracasso. Sonhar é bom, contudo, é necessário, concretizá-lo, pois como dizia um antigo adágio oriental, só podemos materializar aquilo que foi idealizado, o que nos faz lembrar de Platão em seus dois mundos.

A leveza do desejo contida num beijo pode ser compartilhada numa noite a dois … Existem aqueles que adoram partilhar esses momentos com outras pessoas, numa espécie de triângulo equilátero ou coisa parecida … Não sou juiz, apenas alguém que se comunica com o mundo através da escrita, portanto, não condeno quem quer que seja, mas me permito continuar assim… Um beijo, um toque, um tremor de mão, um gozo aqui, um sorriso ali, tudo a dois no eterno compartilhamento do sonho … Não precisa durar a eternidade humana, mas tem que ser etéreo enquanto dure, já dizia o poeta Vinícius de Moraes.

Muitas vezes desistimos dum sonho por não o saber dividi-lo ou até mesmo por medo que a liberdade nos fuja no momento seguinte … Mas como é possível deixar de ser livre quando se divide um olhar cúmplice, um tesão que não está nas genitálias, mas na pele, extravasado pelo globo ocular?

Como solicitar um compartilhamento quando o ser que forma o humano está em completa mudança? É importante ressaltar, como diz aquele químico, o Lavoisier, nada se elimina, mas tudo se transforma, que as modificações são necessárias e junto delas podem vir solicitações, segundo as quais, não é só sonhar junto para partilhar o desejo de algo mais profundo, como aquilo que vai n’alma – como nos diz um filósofo antigo para quem alma é aquela substância que nos anima e o mundo é feito desse éter que muitos não enxergam e talvez por isso não partilham nada, querendo tudo para si. Acalentemos algo maior.

Voltando ao desejo da carne que expressa o sonho do espírito, não de um povo no sentido alemão, mas aquele formador do sujeito, é possível materializar tal vontade quando o aparelho fonético não consegue traduzir o que o coração anseia? Nossa! Quanta pergunta! São tantas que podem desestimular o leitor a continuar as linhas vindouras. Então vamos de respostas daqui para frente, começando pelo universo onírico … Quando o indivíduo deseja um mundo mais leve e belo, deve, no sentido kantiano do termo, se encarregar de praticá-lo diante da possibilidade de se transformar num lamentador insuportável … Então por que não diz a outra pessoa como ela é bela ao invés de dizer que ela está bonita? … Devemos, deixando a singularidade de lado, falar do belo como se fosse muito sublime … Se não sabe dizer porque falta oxigênio na fala, externe com o músculo cardíaco e com o olhar que emana desejo, instigando gozos futuros … Veja bem, é preciso que seja compartilhado, como aquele sonho em que os nubentes se encantam com a primeira estrela que principia naquele final de tarde primaveril… Cai a noite e a dupla, tendo a lua por testemunha e ninguém mais, acaba dialogando com o astro-rei no primeiro orgasmo compartilhado…

Parece-me que todos almejam esse tipo de compartilhamento … Quanto tempo dura um orgasmo? Alguém sabe responder essa questão … Eu diria que uma eternidade, já que o orgasmo pode ser comparado a uma explosão atômica que movimenta todos os órgãos humanos, sejam eles materiais ou não, daí sua capacidade criativa … Desta forma, me arrisco a dizer que o deleite, a cópula tem prazeres balsâmicos … Se isso é fato e, eu tendo a crer que sim, então não há pressa para mais nada nesse plano concreto e quase real, porém, fantasmagórico, em que o homem sonha conquistar, conhecer o universo, mas desconhece coisas simples e comezinhas do cotidiano: ter e dar prazer , ou seja, compartilhar explosões atômicas … Uns dão o nome de amor, mas creio  que isso seja apenas  um verbo que os poetas criaram para tentar descrever o que vai n’alma dum vivente quando este almeja um silencioso beijo, para em seguida, explodir em regozijo diante da possibilidade de compartilhar um sonho … Seguir junto com o semelhante, sem tanto barulho e não ser perseguido por memórias e fantasmas que só continuam ali porque assim desejamos…

Então fiquemos assim, eu e tu, oh caro leitor amigo, pactuamos que, daqui para frente existe apenas uma estrada que queremos partilhar, contudo sendo livres e repartindo o prazer da liberdade. Quando os caminhos forem outros que não tenhamos medo da separação, afinal, somos indivíduos que vivem em forma coletiva e não escravizados … Sonhemos com a liberdade desde que sejamos livres para compartilhar múltiplos gozos e afetos, sejam eles de que forma for, até mesmo contemplar de estrelas.

Gilberto de Assis Barbosa dos Santos, licenciado, bacharel e mestre em Ciências Sociais, editor do site www.criticapontual.com.br, autor do livro O sentido da República em Esaú e Jacó, de Machado de Assis. Professor no ensino médio em Penápolis. e-mail:   gilcriticapontual@gmail.comd.gilberto20@yahoo.comwww.criticapontual.com.

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *