Sobras de um amor … parte III

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         No horário marcado com Eleanora, o carro de Angélica ingressa no pátio da mansão. Tanto a mãe da arquiteta e de Marzinho já aguardava e Esdras terminava de se arrumar. Ficou mais animado quando soube que Débora estaria juntos deles. “- Olha lá hein moleque. Se tentar fazer algo que vai além do que combinamos, já sabe. Voltaremos amanhã cedo e você pode esquecê-la”, avisou Judith.

– Porra mãe! Já sei! Não vou atravessar com o sinal fechado. Já chega o Mazinho com a sua caretice. Sei que ainda terei que aguentar as broncas do Rogério.

– Melhor aguentar nossas broncas do que não ser homem para conversar com os pais da mulher com quem quis passar a noite. Seus irmãos e seu pai são pessoas que tem lá seus defeitos, mas nunca desejaram brincar com os sentimentos de outras pessoas e não será você o primeiro a agir diferente deles.

Eleanora assistia a tudo em silêncio. “É baixinha, mas tem todos eles no bolso”, pensou a sogra de Márcio, enquanto casal passava pela porta. “- Minha filha está cada dia mais bela e se vestindo com esmero. Será isso fruto do amor que recebe desse meu genro aí”, perguntou a matriarca.

– Sim mãe! Esse homem é tudo o que eu poderia desejar. Chato, certinho, carola, amoroso e muito amigo.

Assim que Angélica terminou de responder à pergunta de Eleanora, todos foram em direção ao carro e novamente o editor entrou no banco de trás do carro para poder conversar mais com a mãe e o irmão.

– Não vem não Marzinho! Não sou você e nem quero ser. Tu és o maior empata-foda.

– Não estou preocupado em saber se será ou não como eu. Só acho que deve observar muito bem onde está pisando para não ferir os sentimentos de outras pessoas. Se entende que Débora é uma qualquer que pode ir pegando, usando e dispensando, é melhor seguir o seu rumo. Em minha concepção o princípio básico entre as pessoas é o respeito.

Assim que Márcio terminou, Esdras se fechou em seu mundo, sabendo que vinha pedreira pela frente, mas por outro lado ficou pensando em Débora e como o tratava, conversava com ele, falava dos seus projetos, do curso que fazia, enfim da magia que era a sua existência, enquanto ele, nem trabalho tinha, estando meio perdidão entre a vida de seus pais.

Quando estavam quase chegando no restaurante, Esdras apertou a mão do irmão e agradeceu. “-Obrigado Marzinho. Acho que no fundo estou mesmo é com medo. Sei que se quiser ficar com Débora terei que sair do meu comodismo e agarrar a vida e construir uma para oferecer à secretária de Angélica”.

Desta vez foi a mãe quem lhe deu um apertão na perna. Ao descerem do carro, Judith abraçou o filho dizendo que a família iria ajudá-lo a construir essa vida para ser compartilhada com Débora, se fosse essa a vontade dos dois. “-Agora faça a coisa direito, como gostariam que fizesse caso ela fosse a sua irmã”, disse a mãe.

Entraram no estabelecimento e Eleanora pediu para que esperassem que ela anunciaria ao proprietário a chegada de todos. Retorna em companhia de Alexandre, o tal amigo misterioso. Todos ficaram abismados por que, mesmo os dois estando um pouco distante um do outro, havia mais do que amizade ali. Embora todos tentavam adivinhar o que existia no ar, ninguém ousou perguntar nada, até porque a mãe de Angélica sempre foi discreta e não seria naquela noite que falaria algo além do que os seus convidados tinham visto.

– Boa noite a todos. Sou gratíssimo por terem vindo prestigiar o meu restaurante. Não é nada magnânimo, mas espero que vocês se sintam em casa. Eleanora, que me ajudou a realizar um sonho antigo, me disse que viriam, então reservei umas mesas para vocês.

“- Obrigado Lê”, disse a sogra de Márcio. “- Creio que não chegará mais ninguém, mas nunca se sabe, né!”.

Todos se acomodaram em seus assentos, enquanto Débora chegava toda eufórica tentando justificar o atraso, mas quando viram Ricardo e Fernanda juntos dela, entenderam. “- A sua amiga, senhor Márcio está efusiva. Meu irmão lhe perguntou se gostaria de ter uma aliança na mão direita. Quis vir, sem realmente ser convidada, mas…”

– Tudo bem Débora. Amanhã vamos providenciar as alianças para esses dois. Quem sabe o Ricardo não para de pegar no meu pé, achando que eu e a noiva dele temos um caso.

Alexandre ao ver que havia mais três pessoas em pé, providenciou rapidamente uma nova mesa que foi acomodada junto as demais. Assim que sentou, Fernanda foi falando tudo de uma vez para Marzinho como estava se sentindo. Todos que estavam a mesa riram e Esdras deu os parabéns ao irmão da Débora. Ricardo olhou para o irmão de Márcio e lhe tasca a notícia: “- Acabamos de falar com nossos pais. Ficaram surpresos, mas estarão no sábado no almoço. Eles estão achando que tu vais colocar o bambolê no dedo de minha irmã. Então vai se preparando moleque”.

Judith escuta a conversa e coloca mais pimenta no desespero do filho. “- Meu caro Ricardo, diga aos seus pais que esse menino aí terminará o sábado com uma aliança no dedo igual a tua e a do Marzinho”.

Todos caíram na gargalhada, inclusive Débora que socorreu o amado. “-Ainda é muito cedo para isso. Primeiro vamos fortalecer o que sentimentos um pelo outro. É tudo muito novo e ele precisa ajustar-se na vida. Não quero ninguém sem rumo do meu lado. Podemos até encontrar o caminho juntos, mas se ele não desejar, não sairá do lugar e eu seguirei em frente”.

A mãe de Esdras, aperta a mão da secretária de Angélica querendo dizer que ela está corretíssima. O filho que se ajustasse a ela e não o contrário. Quando Alexandre atendia a mesa – fez questão de estar à disposição dos parentes e amigos de Eleanora – aparece Roberto e Danisa. Resolveram ir ao mesmo restaurante para comemorar a notícia do sexo do bebê que estavam esperando.

Angélica foi a primeira a ficar entusiasmada. Seria dela a missão de escolher um nome para o afilhado de seu marido. Quando todos estavam acomodados, Danisa informou que estava grávida de um menino. Todos esperavam quem iria dizer o nome. “- Angélica não esquecemos que você é quem escolheria o nome. Então, qual será”, perguntou o seu diretor de comunicação.

Ela olhou para a mãe, se lembrando que nunca tinha visto os olhos dela brilhando como naquela noite. “- Alexandre!” Eleanora entendeu o motivo do nome, porém, ficou em silêncio, pois a filha havia compreendido que havia mais coisas ali no restaurante, mas que com certeza, não lhe seria dito nada.

“- Todos concordam”, perguntou a empresária.

Anuência de todos e Eleanora não parava de agradecer a filha com os olhos, pelo entendimento dela. Aquilo a deixou mais leve dali por diante. Num determinado momento do jantar, Angélica fez menção de se levantar para ir ao banheiro e a mãe fez o mesmo gesto para acompanhá-la.

Enquanto mãe e filha conversavam em segredo no banheiro, o pessoal que ficou, tagarelava sobre o surto de ciúmes de Ricardo para cima do editor. Roberto foi o primeiro a falar. “- Ricardo. Do jeito que Marzinho é! Se ele tivesse alguma coisa com a Fê, você nem teria olhado para ela. No casamento dele com Angélica, o cara ficou várias vezes incomodado porque ela conversava descontraidamente com os diretores. Enquanto eu não fui lá e praticamente me anunciei como novo diretor das organizações, esse homem não sossegou. Então, não vai perder tempo e estragar o seu namoro com a Fernanda achando que os dois tem um caso.

– Obrigado Roberto. É que essa mocinha me pegou desprevenido. Aliás, o amor é isso mesmo. Tu sabes muito, até decora versos, mas quando ele te toma de assalto, acontece de tudo, menos a coragem para declamar uns versos copiados num papel de pão. Estou imensamente feliz por ela ter aceito colocar uma aliança nesse dedo da mão direita e depois na mão esquerda.

Débora chama Fernanda para lhe fazer companhia no banheiro. Quando as duas estão entrando, se deparam com Eleanora e Angélica saindo e a dupla conversando animadamente. “-Ele não quer morar comigo. Disse apenas para irmos nos conhecendo e quem sabe lá na frente alguma coisa possa surgir”, informou a sogra de Márcio à filha.

Foi a única coisa que a secretária e Fernanda escutaram. E como conheciam bem aquele pessoal, era só isso que seriam informadas. O melhor a fazer era não tentar saber de nada, pois tudo viria à tona no momento acertado. “- Fê! Meu irmão é uma ótima pessoa, mas não cede em tudo. Se fizer muitas concessões, ele não te deixará respirar. Marque dias específicos para vocês se encontrarem. Não o deixe dormir em sua casa”.

– Débora! Farei 30 anos, mas sei que estou nas nuvens feito uma adolescente e com medo de que tudo não passe de chuva de verão. O que eu faço?

– Acalme esse coração. Quer um conselho? Se aproxime mais da mãe do Marzinho e de dona Eleanora. São pessoas mais experientes do que nós e podem nos auxiliar em momentos de dúvidas e incertezas. Olha só o que a mãe do Marzinho fez com Esdras. Daqui para frente, procure ficar mais próxima de nós.

Depois que conversou com Débora, Fernanda ficou mais tranquila e a secretária de Angélica prometeu ter uma conversa com o irmão para poder deixar a namorada mais serena e curtindo a nova vida. Estava gostando de trabalhar nas empresas de Angélica. Roberto procurava tranquilizá-la até encontrar um espaço melhor para ela dentro das organizações. Até aquele momento, permanecia como secretária do amigo, mas não era o seu desejo.

Terminado o jantar, Alexandre chegou perto dos novos clientes para saber se estava tudo a contento. “- Não é como vocês são recepcionados no estabelecimento de minha amiga aqui, mas espero que tenha agradado a todos”.

Foi Eleanora quem falou pelo pessoal. “- Meu querido Lê, me permita chamá-lo assim na frente dos meus amigos, familiares e meus hospedes. Não existe concorrência entre nossos estabelecimentos. Primeiro porque você me informou que trabalhará mais no período noturno e o meu estabelecimento se dedica mais aos almoços. Então desejo-te longa vida aqui e se precisar eu e minha filha e genro estaremos sempre à disposição”.

Ao término do diálogo, a sogra de Márcio arrasta o proprietário para acertar a conta da noite, enquanto os demais começam a se preparar para voltarem aos seus mundos. Esdras estava mais solto com Débora que, toda encantada, dialogava tranquilamente com todos e em especial o namorado.

Judith olha para o editor como querendo saber como estava indo as coisas com a galega dele. Ele aproveitou a deixa para se sentar perto dela, pedindo para falar com Rogério para estar lá no almoço de sábado. A presença dele daria segurança ao Esdras. “- Pode deixar filho. Amanhã mesmo converso com ele. Mas e tu com a sua dinamite dos olhos verdes? Eu soube que ela bateu naquela sua ex-namorada dos tempos da universidade. Como foi isso? Filho! Quando o ciúme pega essa tua mulher, ela fica como uma locomotiva desgovernada”.

– Quando quis saber mais sobre os motivos e porquê bateu em Rafaela, Angélica foi categórica ao me dizer que, quando eu soquei o médico, ela não ficou me importunando, então, era para eu ficar tranquilo.

Judith olhou para o filho e começou a rir. “- Desculpe-me Marzinho. Mas se eu estivesse no lugar dela, essa professora tinha ido parar no cemitério”. Ao acabar de dizer isso, Judith viu a nora do lado perguntando quem ia para o necrotério.

– A professora que você surrou no banheiro do vosso restaurante na hora do almoço.

– Dona Judith, quando eu vi estava esfregando o rosto dela numa das portas do banheiro. Sei que fiz errado, mas logo cedo na confeitaria, ela ficou olhando para o Márcio com aquela cara de desejo e na hora do almoço foi humilhá-lo na minha frente. Eu não revidei, só lhe mostrei, a exemplo do que meu marido aqui fez com o médico, onde era o lugar dela.

As duas riram se abraçaram. “- Eu sei que amanhã nós dois vamos falar com ela. Espero que o Marzinho não tente aliviar para o lado dela.

Todos já estavam mais ou menos organizados para voltarem à suas casas. Eleanora aparece em companhia de Alexandre e ao despedir-se dele dá um beijo no rosto, mas bem próximo da boca. Angélica e Márcio viram e entenderam, mas não era da conta de ninguém.

Esdras se despediu de Débora que lhe informou que só se encontrariam dali a dois dias. Ela tinha aulas na universidade. Angélica e Márcio se reuniriam na mesma universidade pela manhã com Rafaela e o pessoal da organização do seminário e a tarde a empresária estava com reuniões agendadas por Roberto. Esdras falaria com o pai sobre o almoço de sábado.

Já no apartamento, a arquiteta se lembrou que não foi à sessão terapêutica que tinha naquela tarde. “- Mas como você está amor”, lhe interrogou o marido. “- Márcio. Hoje novamente foi uma loucura total. A tarde saiu do prumo e eu novamente sendo infantil. Embarquei na pilha do Ricardo e Fernanda. Me desculpe, querido”.

Márcio foi a cozinha, pegou uma cerveja sem álcool, enquanto Angélica se dirigiu ao quarto para colocar uma roupa mais leve. Deixou para tomar banho antes de dormir. Queria ficar um pouco ali com o marido. Olhou para o relógio, vendo que os ponteiros se aproximavam das onze da noite.

Ao chegar na sala, se assustou ao ver o marido com o copo de cerveja. “-Calma amor! É sem álcool. Não vou ingerir bebida alcóolica. Tenho um casamento para ser vivenciado detalhe por detalhe”.

– Amor! Como vai ser o reencontro amanhã com Rafaela? Tenho certeza que ela virá toda derretida para cima de ti. Se ela ficar com fricote, apanhará novamente.

– Sabe como minha mãe te chamou?

Angélica acenou com a cabeça, dizendo não saber.

– Dinamite dos olhos verdes!

Ambos caíram na gargalhada.

– Então quer dizer que no nosso casamento teve neguinho enciumado. Ficou exasperado ao ver a noiva conversando descontraidamente com os diretores? Se não fosse o amigo segurá-lo, teria arrumado barraco na festa do próprio cerimonial.

– Quem te falou essa sandice?

– Ninguém! Um certo passarinho que estava passeando por lá e registrou a cena silenciosa do ciúme do meu marido. Quando soube, fiquei mais apaixonada ainda. Se é que seja possível te amar mais do que já te amo, meu preto lindo!

Márcio deu um beijo de pura paixão na esposa se dirigindo ao banheiro, quando o telefone dela toca. Ao verificar a chamada, Angélica viu que o número era do irmão. “- Alô Amadeu! Tudo bem contigo, meu irmão?”

– Não é o Amadeu, Angélica. É Tarsila.

– Diga! Alguma coisa de errado com o meu irmão?

– Não! É que fiquei de conversar com o Márcio no que seria a tarde aí no Brasil, mas ele não me retornou, então fiquei preocupada. Quero começar a organizar a minha volta ao Brasil. Senti que não tem porque nós continuarmos aqui na Europa. Todos os contatos que fiz podem ser efetivados e dado sequência aí do Brasil. Sem querer ser apressada, será que ele tem uma data prevista?

– Eu não falei com ele sobre isso, mas na próxima semana, eu e ele estaremos fora curtindo a nossa lua de mel. Vamos combinar uma coisa. No sábado vai haver um almoço lá na mansão. É possível vocês viajarem na quinta-feira?

– É sim Angélica. Eu estava esperando ele me confirmar hoje.

– Pedirei para o Roberto providenciar as passagens para vocês e amanhã à noite aqui no Brasil eu deixo mensagem para vocês. Só não avise minha mãe. Quero fazer essa surpresa para ela no sábado durante o almoço. Vocês pegarão o voo pela manhã e devem estar aqui por volta da meia-noite. Prepararei o quarto de hospedes para os dois. Tenho certeza de que Eleanora não vai deixá-los sair da mansão.

– Obrigado Angélica. Achei que nunca seria feliz com o Amadeu, mas seu marido fez coisas que achava que não seria capaz. Devolveu ao meu amor a serenidade que ele precisava.

– Diga ao Amadeu que Márcio está com saudades dele.

– Pode deixar. Direi sim. Também pedirei a ele para não falar para a mãe que estamos voltando. Tenho certeza que no Brasil me sentirei mais segura. Aqui estou meio que sozinha. Minha irmã desapareceu e não dá notícias, como eu não sei nada sobre a família daquela mulher com que estava se relacionando, então fica difícil encontrar algo e agora com meu filho a caminho, tenho que pensar nele.

– Já sabem se é menino ou menina?

– Amadeu disse que quer saber somente quando estiver aí no Brasil.

– Está certo, cunhada. Minha mãe é quem vai adorar quando aparecermos no almoço de sábado com vocês dois. Eu e o Marzinho vamos pegá-los no aeroporto.

– Você e quem?

– Meu marido. O Márcio!

– É que achei estranho. Não sabia que você o chamava assim.

– É o apelido de infância dele. Você vai conhecer os pais e irmãos dele no sábado. Tenho certeza de que gostará da mãe do seu patrão.

– Está certo então Angélica. Aguardo para amanhã o seu retorno e na quinta-feira estaremos aí no Brasil.

Assim que a arquiteta desliga o telefone, Márcio chega à sala. “- Com quem você estava falando? Não é com nenhum diretor de suas empresas? Assunto da empresa deve ser tratado lá”.

– Mas que homem mais ciumento eu fui arrumar como marido. Não! Era a sua funcionária. Quer vir para o Brasil e eu acelerei tudo. Ela e o Amadeu embarcam na quinta-feira. Desculpe-me amor, mas ela me falou que pode resolver todas as questões da editora aqui mesmo. Então tomei a liberdade de agilizar isso.

– Tudo bem. Mas da próxima vez, não tome decisões sobre a editora. Quero que as coisas sejam bem separadas. Já não quero nenhum parente meu trabalhando contigo para não misturar as estações.

– Entendi amor. É que pensei em fazer uma surpresa para minha mãe durante o almoço lá na mansão no sábado em que seu irmão conversará com os pais de Débora. Prometo não me intrometer mais em suas coisas. Cruzes que homem chato.

Ao dizer isso, Angélica saiu da sala, indo para o quarto e repetindo o que sempre fazia. Passou a chave, indicando que não o queria em sua cama aquela noite. Silenciosamente, Márcio foi a cozinha, abriu outra cerveja, voltando para a sala e sem perceber estava pensando em Rafaela. Ele tinha visto ela na confeitaria pela manhã, mas achou melhor não fazer menção, mas a ex-namorada dos tempos de universidade não parava de olhar para os lados onde ele estava com a esposa.

Entre um copo e outro, o editor tentava entender porque ela o agrediu verbalmente diante de Angélica. O lance dos dois tinha ocorrido há mais de dez anos. Por que então recordá-lo de forma tão violenta. Entre uma pergunta e outra, Márcio levantou-se, se dirigindo ao quarto de hospedes. Não iria começar uma nova guerra com a esposa. O silêncio era a melhor resposta e quem sabe de um jeito diferente. Ao entrar no quarto repetiu o ato dela: trancando a porta por dentro.

Ao se deitar, o editor ficou pensando em Angélica e no quanto ela precisaria amadurecer. Só porque lhe chamou a atenção em virtude de ter tomado uma decisão sobre a editora sem lhe consultar antes, se fechou no quarto como se fosse uma adolescente aborrecida porque foi contrariada. “É! Só tem um jeito de modificar tudo isso. Devolvendo-lhe as pirraças”, tendo isso em mente, Márcio adormeceu.

Eram quase três e meia da manhã quando o editor acorda assustado, parecia que estavam derrubando uma parede. Ao colocar atenção, percebeu que Angélica berrava na porta do quarto pedindo para ele sair. Quando ele abre, já recebeu a mãozada dela no rosto. “- Por que isso de trancara porta por dentro? Por acaso estava se masturbando, pensando naquela calhorda que te humilhou na hora do almoço?”

– Não! Estou te devolvendo a sua ação. Embirrou e fechou a sua porta por dentro. Eu precisava dormir e achei que deveria ser na mesma cama que você, mas quando fechou a porta, sinalizou que não seria o seu desejo. Então só me restou o quarto de hospedes. Como podes ver, estou tentando fazer a minha parte para que o nosso amor sobreviva às nossas diferenças. Agora se me der licença, quero voltar a dormir. Boa noite.

Quanto terminou de dizer, Márcio voltou para a cama, sentindo o rosto arder por conta do tapa que recebeu da esposa que acha que pode resolver tudo na porrada. Angélica ficou possessa e partiu para cima do marido que falou alto com ela. “- Deixa de ser infantil Angélica. Não sou seu brinquedo. Até onde sei sou seu marido, mas se quiser, podemos desfazer esse casamento que se continuar desse jeito, tende a naufragar antes mesmo de nossa lua de mel”.

Márcio continua: “- Já te disse mais de mil vezes: não serei seu cordeiro, o cachorro que você coloca a coleira e sai por aí exibindo-o para esses babacas que ficam te lambendo como eu vi na festa de nosso casamento. Por isso que não aceitei trabalhar contigo. Não daria certo. Sou totalmente diferente”.

Ao término do desabafo, o editor saiu do quarto. Queria um pouco de paz e se possível tentar dormir. Tinha uma reunião complicada logo cedo com a sua ex-namorada justamente por conta de uma ação intempestiva da esposa. Enquanto raciocinava sobre o que estava acontecendo, Márcio entendeu que desde que iniciaram a jornada não tiveram um tempo só para os dois. Sempre havia gente entre eles. O melhor momento foi na tarde de segunda-feira quando se fecharam dentro do apartamento e se desligaram do mundo externo.

Ajeitou o corpo no sofá e quando começava a dormir, foi despertado pela esposa que chorava desesperadamente. Márcio se sentou no sofá e Angélica se sentou no colo dele, se aninhando dentro do seu abraço. Logo em seguida, o editor se levanta e leva a esposa no colo para o quarto. Em silêncio foi para o chuveiro e em seguida ajustou o relógio para despertar uma hora antes da reunião na universidade.

Acordaram, se banharam e resolveram tomar café na universidade para relembrarem os tempos em que foram estudantes. Foi Márcio quem quebrou o silêncio entre eles. “-Amor! Acho que sei o que está acontecendo. Me corrija se eu estiver errado, mas desde que nos conhecemos sempre há algo entre nós. Eu não consegui ficar dois dias a sós contigo. Nos casamos no domingo e hoje é quarta-feira e até agora não foi possível sentarmos e sentirmos o dia passar. Por isso que acho que uma semana na fazenda será bom para nós dois”.

– Amor! Acho que você tem razão. É muita gente entrando e saindo. É muito almoço, muitos jantares e ainda não conseguimos curtir o nosso casamento. E por isso qualquer coisa é motivo para discussões. Me perdoe o tapa que eu lhe dei essa madrugada. Às vezes eu me descontrolo e sei que estou errada e tu me mostra sem muito alarde que estou passando dos limites e os motivos.

Márcio ficou em silêncio, enquanto ela terminava o seu raciocínio. “- O amor que eu lhe tenho ainda me queima aqui dentro. Eu desejo ficar tranquila com ele, tento me convencer de que estarás comigo no dia seguinte, mas só de imaginar que o contrário pode acontecer, fico completamente desprotegida”.

O casal se levantou e enquanto caminhava para a sala de reuniões da universidade, Márcio a abraçou dizendo que em hipótese alguma iria deixá-la. “- Amor, creio que essa semana de lua de mel será muito bom para nós. Minha mãe levará o Esdras embora e com a chegada de Amadeu e Tarsila, sua mãe se ocupará dos dois e aí ficaremos só nós dois na fazenda, tendo sete dias ou mais para nos compreendermos”.

Assim que terminou de explicar o que estava pensando para a esposa, o casal entra na sala de reunião e o diretor já estava, bem como João Garcia, aguardando os dois e logo em seguida Rafaela entrou. Ao olhar para Angélica baixou a cabeça e não teve coragem se quer de dirigir um gesto para Márcio, o motivo de toda aquela confusão.

Foi o diretor quem começou. “- Bem dona Angélica! Eu chamei a senhora e seu esposo aqui, mesmo sabendo que os dois são ocupadíssimos em suas atividades profissionais, porque a professora Rafaela foi deselegante com seu marido ontem durante o almoço num restaurante de sua propriedade. Qualquer que seja o motivo, a nossa pesquisadora não poderia ter se comportado da forma como se portou. Sei que a senhora também a surrou dentro do banheiro, mas numa reação à ofensa direcionada ao seu marido”.

Assim que Carlos Roberto terminou, a empresária pediu desculpas para Rafaela, por saber que a situação poderia ter sido resolvida de uma outra forma, entretanto, a docente havia sido deselegante com o esposo dela e sem motivo algum. “- Sei que vocês mantiveram um relacionamento quando tu era professora e meu marido aluno e, pelo que Márcio me disse, foi a senhora quem terminou com ele, informando que não queria andar com um estudante a tiracolo pelo campus. E foi justamente esse o motivo de sua ofensa ontem”, explicou a arquiteta que acrescentou. “- Você nos encontrou logo pela manhã na minha confeitaria, não tirou os olhos dele. Por que não foi até a nossa mesa se apresentar?”

Rafaela pediu desculpas para os dois, pois tinha consciência de que avançou o sinal e atacou alguém lá do passado como quem desejava agredir-se a si mesma. “- Ao vê-lo com a senhora na confeitaria e todo feliz, inclusive através das fotos estampadas no jornal sobre o seu casamento, entendi que há dez anos fui precipitada. Achei que tudo tinha ficado no primeiro encontro que tive com vocês dois, mas ao vê-los feliz no shopping, perdi a razão e acabei provocando esse imenso desconforto por tê-lo agredido usando uma coisa lá do passado. Então peço minhas sinceras desculpas à senhora e ao seu esposo. Espero que se mantiverem a mágoa, que seja direcionada somente à minha pessoa e que a instituição em que eu trabalho não seja retalhada por um ato insensato de minha parte”.

Angélica foi categórica. “- A senhora dispensou Márcio naquela época justamente porque ele não se enquadrar no comportamento que teve ontem para conosco.  A senhora sabia que ele não iria reagir, te agredir, que ficaria em silêncio, contudo, minha cara professora, sou diferente. Eu poderia fazer levar essa questão a ferro e fogo, mas sei que não é esse o desejo dele. Sei que meu marido não é de revidar ofensas seja ela de qual natureza for e foi justamente isso que me fez ser loucamente apaixonada por ele. Em virtude disso, acho que só o fato de estar aqui nos pedindo desculpas, é o suficiente.

Quando Márcio foi instado a falar, sua resposta foi direta: “- Minha esposa já disse tudo e não costumo ser redundante. A professora Rafaela tem consciência de que foi infeliz em sua abordagem à minha pessoa, sepultando de vez inclusive a possibilidade de sermos amigos. Ela segue o caminho dela com todos os galardões que o mundo universitário pode lhe proporcionar e eu sigo o meu com a minha adorável esposa que me ama justamente por eu ser assim: detesto holofotes e chamar atenção. Que todos vocês tenham um ótimo dia”, explicou Márcio já ficando de pé acrescentou: “- Minha editora, a Jardim da Leitura está à disposição de sua instituição, meu caro senhor Carlos”.

Já dentro do automóvel, Angélica não se contêm e beija avidamente o marido. “- Marzinho a cada ação infantil que eu tenha, motivada por ciúme, você com toda calma, paciência e amor do mundo me apresenta o homem lindo que tu és. A surra que deu na sua ex-namorada sem precisar colocar a mão foi divina. Preciso aprender a parar de reagir. Te amo meu preto lindo”.

O telefone de Angélica tocou e quando ela foi atender já sabia que era a mãe querendo saber o resultado do encontro. “- Mãe! O que eu faço com esse homem? A cada dia e cada situação me ensina como nunca se deve reagir. Ele devolveu a ofensa sem fazer alarde algum. Não ofendeu a professora, mas lhe disse que o mundo dela não é o mesmo dele”.

– Agora pare de rusgar com ele e com as mulheres que por ventura lhe olharem. Penso que Márcio não precisa provar mais nada ao seu coração. Te ama incondicionalmente. Me diga uma coisa: que dia foi que ele pediu para tu ser diferente do que és?

– Em nenhum momento, mãe.

– Então! Faça ele feliz e não deixe os holofotes sobre ele, apenas o seu amor. É a única coisa que ele quer.

– Mãe! Tenho uma reunião hoje à tarde e depois disso vamos desligar os nossos telefones. Preciso passar umas horas com meu marido para organizarmos nossa lua de mel na fazenda.

– Está certo filha. Se eu precisar de alguma coisa eu lhe aviso. Vou ajudar Judith a organizar o almoço de sábado. Amanhã já é quinta-feira. Depois quero conversar contigo sobre o Lê, mas é um diálogo entre amigas. Pode ser?

– Claro mãe. Te amo. Beijos.

Angélica olhou no relógio e como a reunião era somente a partir das 15h, decidiu ficar com o marido. Ligou para Débora para saber como estavam as coisas no escritório. “- Dona Angélica, estou finalizando o projeto da editora do seu marido. Como me disse que vai ser uma livraria também, fiz umas adaptações no projeto inicial, espero que a senhora goste”.

– Quem tem que gostar é o meu marido. Termine tranquilamente isso hoje e amanhã você nos apresenta. Eu confio no seu talento menina. Beijos. Vou dar um perdido com o meu homem. Qualquer coisa, converse com dona Eleanora.

– Tudo bem dona Angélica.

A empresária ligou para seu clube e reservou o imóvel 39. “- Vamos amor. Gosto deste lugar. Foi lá que descobri que queria mais do que sua amizade. Percebi naquele dia que precisava de você todos os dias”.

No caminho entre a Universidade e o clube de campo, Angélica falou com Roberto passando todas as recomendações das passagens de Tarsila e Amadeu. “- O voo deles tem que sair da Alemanha amanhã cedo e olha é segredo. É um presente meu, do Mazinho e de todos nós para dona Eleanora no almoço de sábado”.

– Está certo dona Angélica. Se eu encontrar alguma dificuldade, entro em contato.

Quando chegaram ao clube, um temporal caiu sobre a cidade, obrigando o casal a ficar dentro de imóvel. “- Que pena Marzinho. Queria tanto ficar contigo perto do lago!”

– E eu quero ficar pertinho de ti, te sentido inteirinha aqui comigo.

O casal ficou um tempo olhando a chuva pela janela. Márcio em absorto em seus pensamentos e Angélica tentando adivinhar o que ia na mente, no coração e n’alma do esposo.

Antes que ela perguntasse algo, o marido a interpela: “- Amor! Por que você tem tanto medo de me perder”.

A esposa pega lhe na mão e o conduz até o sofá. “- Senhor Márcio. O meu medo tem várias vertentes: uma delas é o fato de você não se importar com dinheiro e coisas materiais. Isso me assusta, às vezes, principalmente porque cresci num ambiente em que o egoísmo e o pronome possessivo sempre ditaram as regras em nossas condutas. O segundo ponto não diz respeito à sua beleza externa, mas a interna. Quando a professora tentou te humilhar, eu percebi que ela não te conhecia, já que não se permitiu fazer isso, pois estava e continua enveredada no mundo que ela construiu, assim como Rosângela. Sendo assim, amor, o meu temor é que outra mulher venha desvendar esse homem que está comigo agora e ele, por me achar imatura, insegura, me deixe por conta de outra pessoa que não o exponha tanto assim”.

Quando Márcio ia dizer algo a esposa, esta colocou o dedo em riste na boca dele, indicando que era apenas para escutá-la. “- Não o vejo como um ser perfeito, mas uma pessoa de rara beleza; um diamante a ser lapidado. Você parece ser forte, mas é, ao mesmo tempo, frágil, contudo de uma fragilidade que somente o amor pode te fortalecer. Quando Fernanda te chama de ‘meu Marzinho’ é justamente por sabê-lo frágil, mas ao mesmo tempo, um ser capaz de conduzi-la sem impor sua visão de mundo. Ela sabe que tu não a deixará cair nunca. E eu, sua mulher, quero ter essa mesma segurança que a Fê, Roberto e Danisa têm quando estão contigo. Você entendeu a minha insegurança amor? Eu tenho o mundo aos meus pés, como sempre foi, mas isso tudo de nada me servirá se tu não estiveres nele”.

*Novamente Márcio tentou falar, e a esposa não deixou, pois queria dizer mais coisas: “- Quero ser a mulher e a esposa que tu mereces. Quando teu pai falou aquelas coisas sobre a sua mãe e como ele é vidrado nela. Ele não esconde que sabe olhar para as mulheres como o resto de vocês fazem, mas o dia que deixou escapar isso, Judith o fez ter uma noite de cão. Mas o que mais me deixou encantado foi Rogério dizer que se fosse para casar novamente, com certeza, a escolhida seria a sua mãe. Fiquei toda bolada com aquilo. Minha mãe me disse muitas coisas sobre você, inclusive que não tens preço, mas é um homem de pavio curto. Se falar não é não e ninguém muda sua opinião.

– Amor! Está mais leve agora? Posso te pedir uma coisa?

– Estou sim paixão. Pode.

– Deixe-me te amar do meu jeito. Rogério é do jeito dele. Judith tem lá suas manias e uma delas é semelhante à sua: mandona. Eleanora também e agora está feliz porque a luz entrou dentro da mansão e com a chegada de Tarsila e Amadeu ficará mais doida ainda e tenho certeza de que a nossa cunhada não vai morar em outro lugar. Observe o montão de coisas que tu colocas dentro de ti e não conseguiu ainda ver, sentir e quantificar o quanto eu te amo.

Ao observar a reação da esposa enquanto expunha a sua forma de ver o casamento dos dois, Márcio acrescenta: “- Não quero trabalhar contigo nas suas empresas porque não desejo estar lá como seu marido. E também porque não tenho tino para aquilo. Eu vou mais atrapalhar do que ajudar. Então optei por criar a minha editora. Tua mãe fez um aporte substancial que me permite trabalhar um ano para deixá-la redondinha com a minha cara. Quero tomar café da manhã contigo em casa, preparar o almoço, o jantar. Desejo ter com você uma vida simples, sem muitos sobressaltos. Essa é a minha maior querença contigo. Estou te pedindo muito?

– É o que eu mais quero, meu Marzinho. Te deixar me dar esse amor que tu tens aí dentro do coração. Me ajude a não te afugentar.

Logo após essa conversa, o casal ficou em silêncio, olhando a chuva que desabava. Márcio abraçou a esposa que, sem precisar que ele dissesse alguma coisa, entendeu que estava pronto para enfrentar todos os problemas com ela, principalmente aqueles que ela provocava por conta de sua imaturidade e problemas criados pelos abusos sexuais sofridos na adolescência.

Os ponteiros marcavam quase 13h quando o casal deixou o clube e Angélica ligou para o diretor desejando saber como estavam as coisas nas empresas. “- Você já almoçou Roberto”, perguntou a empresária que, ao receber como resposta que ele estava aguardando-a para sair e almoçar com a esposa, lhe informou que pegaria Danisa na casa deles e todos almoçariam juntos.

No trajeto entre o clube e a residência do seu diretor de comunicação, Márcio foi observando e pensando no jeito de Angélica. Teria um trabalho danado para reduzir esse ímpeto de controladora que tinha. Mas não iria dizer nada naqueles dias, pois logo estariam em lua de mel e, aí sim, poderiam conversar sobre todas as coisas, sem, no entanto, ter alguém para ficar interferindo.

Tarsila chegaria no dia seguinte junto com Amadeu. Todos concordaram em fazer uma surpresa para Eleanora. Então teria uma conversa com ela e Roberto. Ela tocaria os negócios da editora e se tivesse alguma dúvida, conversasse com o amigo que tinha se prontificado em ajudá-lo no seu empreendimento.

Danisa ficou surpresa quando viu o casal na porta da casa. “- Viemos te buscar para almoçar comigo, com o Marzinho e seu marido. Temos uma reunião importante agora a tarde. Então vamos lá. Entre”, disse Angélica.

– Mas eu estava preparando o almoço para ele.

– Então depois quando você voltar, termina e fica para o jantar.

A esposa de Roberto olhou para a empresária e para Márcio e entendeu um dos motivos da briga do casal. Ela gostava de comandar tudo. Entrou no automóvel, sentando-se no banco traseiro. Quando o trio entra no prédio, Danisa sentiu todo o poder que aquela mulher possuía, mas que para Márcio não tinha a menor importância. “Como esse homem pode ter tudo isso aqui à sua disposição e prefere ficar metido na criação de uma editora? Realmente, Marzinho não é deste planeta”, pensou a esposa de Roberto.

Outra coisa observada pela amiga, é que o casal percorreu todos os corredores de mãos dadas e o amigo do marido fez questão de cumprimentar todos: um por um. Quando chegaram ao andar da diretoria, Roberto já os esperava, ficando imensamente feliz com a esposa ali no seu ambiente de trabalho.

Todos entraram na sala de reuniões e Roberto passou todas as informações á Angélica sobre o encontro de logo mais. Em seguida, os dois casais saíram para almoçar. O encontro seria rápido e logo voltariam à empresa, porém, antes a empresária deixaria Danisa em casa e Márcio poderia retornar depois usando um taxi.

Márcio aproveitou o encontro para conversar com Roberto sobre a semana em que ele e Angélica estariam em lua de mel. “- Deixarei tudo com Tarsila e se ela precisar, te acionará. Você sabe como eu gosto das coisas. Caso tenha dúvida, adie para a semana seguinte”.

Conforme o combinado, cada um seguiu o seu destino e o editor ficou em seu apartamento, onde aguardaria a esposa. Revisou alguns textos de Amadeu, mas desistiu na metade da segunda enunciação. Resolveu esperar o amigo chegar e aí fariam o trabalho juntos. Ao encostar as costas no sofá, acabou dormindo, sendo despertado pelo barulho da chuva que voltava a castigar a cidade naquele final de tarde. Fez um café e, enquanto degustava a bebida, deixou o pensamento vagar, sem muita direção. Olhou para a mão esquerda, observando a aliança e viajou em todo o seu simbolismo e na conversa que teve com a esposa naquela manhã.

Realmente o medo de Angélica tinha fundamento e a surra que deu em Rafaela não foi pela humilhação do almoço, mas sim por ela tê-lo paquerado de manhã enquanto eles tomavam café e o que a professora havia lhe dito foi em tom provocativo. Em seguida começou a vasculhar dentro da memória e do coração se havia conhecido alguma mulher semelhante a empresária e o que ela tinha de tão especial assim, pois não conseguia pensar o seu dia seguinte sem ela, sem o ciúme, sem a tentativa de controlar tudo e todos.

Percebeu que tinha tanto medo de perdê-la quanto ela a ele. Só que, ao contrário da esposa, este se controlava, mas tinha dentro de si uma granada chamada ciúme, cuja espoleta vivia acionada. No casamento, se Roberto não o segura, poderia ter feito cenas vexatórias só porque flagrou a mulher rindo em companhia de dois diretores da empresa. “- Roberto, fica de olho nesses caras. Não quero ela sozinha com nenhum deles. Sempre de um jeito de estar perto”, disse Márcio no dia do casamento.

“- O que é isso Márcio? Está ficando maluco? Essa mulher é doida por você e porque iria te trair ou dar trela para esses funcionários? Controla isso aí. Agora eu entendi porque não quis ir trabalhar com ela. Você é tão ciumento quanto ela. Ela explode e você aguarda tudo aí dentro de ti”, lhe explicou o amigo.

Enquanto recordava aquela tarde de seu casamento na mansão, Márcio percebeu que não estava sozinho dentro do apartamento. Ao se virar, se deparou com a mulher que o olhava. “-Amor! Faz uns vinte minutos que estou aqui te observando e só agora você me notou”.

– Desculpe-me amor. Eu estava longe e me desliguei completamente.

– Eu sei o quanto tu és desligado. Mas onde você estava?

– Lá na casa do meu ciúme, tentando entender o que o Roberto me disse. Segundo ele, são tão ciumento quanto você. Só que tu explode e eu fico guardando tudo.

– É! Fiquei sabendo que ele te conteve na festa de nosso casamento. Meu marido estava incomodado comigo e com a minha conversa com os diretores. Não vou negar que nunca fui assediada por alguns deles com convites para sair, jantar, mas tudo isso aconteceu quando meu pai estava à frente dos negócios e todos queriam tirar uma casquinha para dizer na roda de boteco que ficaram comigo.

– Quais dos diretores fizeram isso?

– Isso importa agora? Há 90 dias que o meu mundo mudou completamente e eu só penso em ti e, é claro, que se qualquer um deles tentar atravessar o caminho, será demitido.

– Posso ficar tranquilo em relação a isso?

– Pode sim, meu Marzinho, meu marzão, meu tesão, meu amorzão. Hoje mesmo deleguei algumas funções ao Roberto durante a semana que estarei contigo na fazenda. Também notei o quanto preciso ficar sozinha, isolada contigo e o local é bem apropriado. Darei folga de uma semana aos funcionários para podermos ficar só nós dois.

Observando fixamente os olhos da esposa, Márcio fez um pedido em forma de imperativo. “- Hoje você será a cozinheira. Está me devendo um jantar. E assim aproveitamos e nos desligamos um pouco dos nossos amigos e voltamos para o nosso casamento. Quero mais um pouco deste coração enciumado que me ofertas todos os dias”.

Angélica ficou pensativa e tentou encontrar uma saída. “- Podemos comprar congelados, ficando tudo mais fácil”. O marido achou a ideia péssima. “- Se for para fazer um jantar a base de congelados, melhor pedirmos comida. Então esquece. Deixa para lá”.

– Poxa vida amor! Eu só dei uma sugestão. É que fico insegura com relação à minha presença diante do fogão. Sua mãe cozinha divinamente, a minha também e eu perto delas sou apenas uma reles auxiliar de cozinheira, aquela que lava a louça e organiza o ambiente.

– Tudo bem! Esquece o meu desejo.

Ao dizer isso, deu um tapa de leve na bunda da esposa que se levantou e o editor ficando em pé, se deslocou para a janela como quem deseja respirar, pensar, sem tentar denunciar que ficou decepcionado com as tentativas de desculpas de Angélica.

Diante do silêncio do amado, a empresária percebeu o quanto ele era sensível, de cristal e cheio de não me toques. Evitava discussão, mas não conseguia disfarçar que estava incomodado com alguma coisa. Angélica compreendeu porque o pai, mãe o cercavam de mimo. “Márcio é uma joia rara que precisava ser lapidada, mas como fazer isso”, se perguntou a arquiteta.

A esposa chegou perto do esposo, mas percebeu que ele estava em outra dimensão e amuado. Para não discutirem por uma coisa à toa, resolveu deixá-lo sozinho. “- Fica aí com o seu bicão. Estou indo. Tchau!”, informou a empresária que, ao sair do apartamento, se ocupou em levar o celular dele e as chaves também. Sendo assim, ele não sairia de lá. Ele só respondeu com um tímido até logo.

Quando foi procurar o seu celular para pedir comida, pois estava pensando em dormir ali mesmo. “- Onde foi parar aquela porcaria. Eu a deixei aqui e onde estão minhas chaves do apartamento”, se perguntou exasperado checando a porta, notou que Angélica tinha deixado ele trancado dentro do próprio imóvel, o que só aumentou a sua irritação com ela. Lembrou-se de uma das brigas que tiveram justamente porque ela se recusou a fazer uma coisa simples que ele pediu.

Não teve outra alternativa. Apagou todas as luzes, porque a noite estava chegando de mansinho. Foi para o quarto, resolvendo dormir. O sono foi pesado e, se sonhou, não recordou assim que foi despertado pelo corpo de Angélica que estava junto ao seu, o beijando para que acordasse para a vida.

Assim que abriu o olho, foi perguntando irritado porque ela levou o celular dele e as chaves do apartamento. “- Fiz tudo isso para que o meu marido não saísse enquanto eu ia ao supermercado comprar as coisas para fazer um jantar para ele. Amor! Às vezes você diz que sou infantil, mas tu também não ficas atrás. Seu comportamento foi digno de um mimadinho pela mamãe e pelo papai. Rogério e Judith te estragaram. Esdras e Leônidas devem morrer de inveja de você. Sua mãe te trata como se fosse um adolescente”, sentenciou Angélica.

Ao dizer isso, cai na gargalhada, enquanto o marido permanece de cara fechada. “- Sabia que se alimentar com a cara emburrada faz mal para o estômago e para o fígado e deixa a esposa decepcionada”, perguntou Angélica em forma de troça.

Ele manteve a face do mesmo jeito. “- Vamos! Vou preparar uma comidinha para o meu maridinho embirrado e mimadinho da mamãe. Agora se não quiser, não tem problema, sei que tem um monte de homens na empresa que daria o mundo para estar no seu lugar”.

– Então vai lá e fica com eles. Eles são maduros, não são mimados pelos pais. Talvez eles possam te fazer feliz e aí você cozinha para eles, sem eles pedirem. Eu solicitei que fizesse um jantar para nós e tu inventou um monte de desculpas, ao invés de dizer que faria e se não desse certo, tudo bem, mas eu ficaria feliz em ver-te tentando.

– Porra Márcio! Tudo é um tremendo empata-foda, um desmancha prazeres. Perdi o tesão de tentar alguma coisa contigo. Fique aqui com a sua ignorância. Fui. Está aqui a chave do seu mocó e seu celular.

A esposa deixou o apartamento batendo a porta, enquanto ele voltou para a cama e dormiu pensando na porrada que levou da esposa. Já em casa, Angélica se fechou no quarto e chorou até pegar no sono. Se sonhou também não recordou. Ao despertar procurou o esposo na cama e não o encontrou. Foi até a sala e não o viu como das outras vezes em que ele se desligava do mundo olhando para as estrelas. Ao passar o olho pelo relógio viu que os ponteiros se aproximavam das onze da noite.

Pegou o celular e ligou quatro ou cinco vezes e ninguém atendeu. “- Se eu for ao apartamento e aquele filho de uma puta não estiver lá. Eu vou triturá-lo na porrada”, pensou Angélica. Ao chegar no imóvel, constatou que o marido havia saído. Resolveu procurá-lo pelos bares da cidade e recordou que o esposo gostava de ficar escondido, sem que ninguém o notasse.

Ela o localizou num boteco perto da lagoa, sentado a uma mesa bem ao fundo do estabelecimento. “- Posso saber o que o senhor faz aqui e o que está bebendo? Sabe que o médico vetou álcool em seu organismo”.

– É cerveja sem álcool e optei por me desligar do mundo sem muito barulho para pensar longe do agito da matéria e do coração. Sinto que minha alma quer conversar comigo. Então, achei aqui um local apropriadíssimo.

– Vamos para casa. Lá é o local ideal para sua alma conversar com sua esposa.

– Por que tenho sempre que fazer os seus desejos?

– Ir comigo para a nossa casa não é fazer os meus desejos, mas sim se comportar como uma pessoa que quer fazer o casamento dar certo e por isso os diálogos com a esposa precisam ser feitos longe de pessoas estranhas.

Quando já estavam dentro do carro, a arquiteta pede desculpas por ter dado a porrada nele. “- Não precisa se desculpar. Você não pegou pesado coisa nenhuma. E foi justamente sobre isso que eu estava pensando. Tento auxiliar todo mundo em suas dificuldades e às vezes esqueço que preciso me adaptar ao casamento, a você e ao nosso amor. Também fui surpreendido por esse sentimento que me virou do avesso. Se tem alguém aqui que deve pedir desculpas, sou eu. Compreendi que me comportei como um criançola. Deveria ter agido de modo diferente”.

Angélica deu um beijo afetuoso no esposo, colocando o carro em movimento e acrescentando. “- Vamos para casa. Amanhã Amadeu e Tarsila desembarcam aqui e temos que preparar o ambiente para fazermos surpresa para a minha mãe. Depois teremos uma semana só nossa. Estamos precisando”, disse a empresária.

Fizeram o trajeto basicamente em silêncio. Já dentro do elevador, foi ela quem lhe disse. “-Amor! Pode me abraçar! Eu não vou te morder, só se você estivesse com outra naquele boteco”.

Ele olha para a esposa e dá um sorriso que ela tanto queria ver. Abraçando-a dizendo que morre de amores e ciúmes dela. Nunca imaginou que teria ciúmes de alguém como tem da esposa. “Eu tento me segurar, mas às vezes não dá. Se não fosse o Roberto em nosso casamento, teria brigado com aqueles diretores com os quais você conversava descontraidamente. Ao invés deu ver nessa ação a sua felicidade por estar se casando comigo, estava recheando a minha cabeça de porcarias”.

– Amor! Quando acontecer novamente, converse comigo. Não deixe que isso te consuma por dentro. Antes de sermos esposos, somos amigos e isso é o mais importante. Sem a nossa amizade, será impossível levar esse casamento adiante.

– Obrigado amor.

– As coisas que comprei hoje para o jantar eu faço amanhã. Depois vamos ao aeroporto pegar o meu irmão que também está com saudades ai do mosquito, como ele resolveu te chamar.

– E o que vamos jantar?

– Trouxe umas pizzas semiprontas. É só colocar no forno e poderemos comer logo.

Assim que a esposa terminou de explicar, Márcio ficou olhando para Angélica em silêncio. Naqueles instantes que pareceram uma eternidade, o editor desejou tirar todo o peso que a esposa carregava nas costas por conta de uma existência complicada. Agora que parecia que ela estava encontrando um pouco de paz para colocar as coisas em seu devido lugar, ele, feito criança mimada, não estava fazendo a parte dele. Sem perceber fez um movimento com a cabeça como quem quer confirmar alguma coisa. Ação está que não passou despercebida pela arquiteta.

– Amor! Por que fez esse movimento com a cabeça? O que está acontecendo aí dentro de ti? Quer dividir comigo?

O editor chegou pertinho de Angélica e fitando-a bem dentro dos seus olhos, tendo os seus lagrimejando pede desculpas pelo comportamento dele naquela noite. “- Amor, me perdoe por ter agido como adolescente mimado contigo. Fui egoísta. Ao invés deu ajudar aliviar o peso que tu transportas, estava acrescentando mais pedras à sua bagagem de viagem pela Terra”.

– Meu Marzinho! Não precisa fazer isso. Eu compreendi que peguei pesado. De repente poderia ter dito tudo aquilo de outra forma, usando outras palavras, inclusive durante a nossa lua de mel. Também quero muito passar essa semana contigo, longe de tudo e de todos. Não irei a lugar nenhum sem que você esteja do meu lado.

Márcio puxou a esposa mais para próximo dele e se sentou numa cadeira com ela no colo enquanto a pizza ficava pronta. Angélica aproveitou o momento para olhar para a aliança, dizendo que, apesar de parecer ter acontecido tudo muito rápida na vida dos dois, ela tinha plena convicção do que sentia por ele. “- Não tivemos tempo de construir o amor, pois ele chegou chegando atropelando todos nós e acho que eu, mais do que você, sai de órbita”, justificou a arquiteta.

– Hoje quando me disse todas aquelas coisas, pude compreender que tenho que parar de querer me esconder. Preciso deixar você me apresentar para o mundo como a pessoa que te deixa segura. O ser que está à altura do seu coração e do seu amor. Não gosto de aparecer, mas quando for necessário não quero que penses que estou fazendo um esforço tremendo para estar ali contigo.

– Ah! Amor que maravilha que está me dizendo. Achei que quando te encontrei naquele bar, estava pensando em fugir, em me deixar. Enchi minha cabeça de grilos e outras coisas.

Ao dizer isso, Angélica beija carinhosamente o marido, levantando em seguida para retirar pizza e jantarem. Após a refeição, organizaram a cozinha, indo de mãos dadas para o quarto. Enquanto Márcio ficou sentado na cama, aguardando a esposa deixar o banheiro, ela, debaixo do chuveiro pensava em si, no coração e no que sentia por aquele homem que, ao mesmo tempo, era capaz de incendiar a sua existência, mas também trazer-lhe muita paz e serenidade. Percebeu o quanto ele não estava pronto, assim como o irmão. Ambos tentavam se esconder do mundo, sem abdicar da vida.

Ao deixar o banheiro, Angélica deu um beijo no marido dizendo: “- Agora é sua vez. Vamos trocar de lugar. Enquanto tomas banho, fico aqui pensando em nós dois”, disse a empresária rindo para Márcio.

Quando o editor deixou o banheiro, sua esposa o aguardava com os braços abertos como quem quer protege-lo do mundo. “- Venha aqui meu nego lindo! Às vezes não dá para sermos fortes o tempo todo. Não é possível suportar todas as ofensas sem explodir. Compreendo amor que tu és contido, mas não se pode exigir sempre que sejas assim”.

– Obrigado querida por fazer me ver de dentro para fora e não o contrário. Não posso te conduzir, se não deixar que me leve. Não preciso ser forte o tempo todo. É por isso que te adoro. Eu posso ser eu mesmo sem medo de sofrer rechaço. Não há necessidade de usar armaduras quando estou ao lado de uma pessoa encantadora como tu.

Ao término de suas observações, Márcio e Angélica se preparavam para dormir. “-Meu Marzinho. Se prepara amanhã à noite tem alguém que será sabatinado por um poeta que adora o amigo. Amadeu chegará e quererá saber tudo e mais um pouco sobre esse homem que se agiganta quando reconhece os seus equívocos e seus limites”.

– Obrigado por me amar assim do jeito que sou e nunca pedir para eu ser diferente.

– Amor! Se eu pedir para você ser diferente, logo, não te amo. Recordo que um certo mosquito disse à minha mãe que jamais iria procurar uma Angélica em outra mulher. Agora eu te digo o mesmo. Não quero te procurar em outra pessoa quando sei que está aqui, inteirinho comigo nesse casamento.

Deixando apenas as luzes dos abajures ligadas e bem fraquinha, se aninharam um no outro, deixando apenas a respiração e os batimentos cardíacos falarem pelo amor que um nutria pelo outro.

Acordaram com os ponteiros do relógio se aproximando das nove horas e o despertar só aconteceu em virtude de o telefone da empresária ter tocado. “- Alô dona Angélica. Estou ligando para lembra-la que tem uma reunião com o prefeito e o secretario de desenvolvimento econômico às 15h30. Posso confirmar o encontro”, perguntou Roberto.

– Pode sim Roberto. E como está Danisa? E o bebê?

– Estamos todos bem. E o Marzinho?

– Continua sendo uma pessoa espetacular. Não errei em me casar com ele. Roberto! Qualquer coisa, na parte da manhã, estou no escritório de arquitetura e o Márcio lá no apartamento.

– Está certo dona Angélica. Vou preparar as coisas aqui para o encontro com o prefeito na parte da tarde.

Ao desligar o telefone, a empresária agradeceu a indicação feita pelo marido. “- Roberto deixa as coisas mais fáceis para mim na empresa. Obrigado por recomendar o amigo para me assessorar. E é lógico né, me vigiar”, afirmou a arquiteta dando gargalhas, indicando que tinha ficado imensamente feliz ao saber dos ciúmes do marido.

Márcio olhou para a esposa, perguntando se ela não estava chateada por descobri-lo ciumento. “- Mas claro que não. Adorei saber que meu Marzinho tem ciúme da esposa aqui. Lógico que eu não faço nada para atiçá-lo, ao contrário do senhor que tem um jeito de olhar as mulheres sem vê-las. Enquanto eu sou direta, tu és sutil”.

A dupla entra no banheiro objetivando iniciar mais um dia. “- Amor! Vamos comigo até o escritório. Quero levar Débora para tomar café conosco. Acho que vai ser legal ela começar a vivenciar o outro lado da empresa. Pode ser”, inquiriu a arquiteta.

– Pode sim. Assim aproveitamos para saber como foi a conversa do meu irmão com Rogério ontem. Não quis me inteirar porque não é um lance meu e minha mãe não deixaria eu me intrometer. Além do que eu tenho uma esposa para fazê-la feliz.

Já dentro do elevador, Márcio sentiu o calor da esposa, mas uma temperatura diferente como se algo se acendesse dentro dela. Ele perguntou o motivo do fenômeno. “- Amor! Às vezes não temos respostas para o que sentimos. Então, não sei o que te dizer, mas apenas amar o que estou sentido do seu lado e isso me faz imensamente feliz. Os olhos, as mãos, a pressão, dizem muito mais do que palavras”, explicou a esposa o abraçando forte para que ele a sentisse na sua totalidade.

Pensou em dizer algo, mas diante do que ela falou, desnecessário balbuciar sons. Ali começou a entender toda a loucura dela, todo o ciúme, briga com deus e todo mundo. “Não quero essa mulher longe do meu coração um minuto se quer. Agora eu entendo porque Rogério falou que se fosse para se casar novamente, só faria isso com a minha mãe”, pensou Márcio dando um sorriso para a sua alma.

O lindo sorriso não passou despercebido pela esposa que, ansiosa como ela só, queria saber o motivo. Por mais que o marido tentava desviar o assunto, Angélica retomava. “-Não adianta. Quero saber! E se tiver mulher nessa história, já sabe: eunuco. Amor. Na fazenda me fará aquelas massagens deliciosas que só tu sabes fazer”, perguntou Angélica.

– Uma coisa de cada vez. Claro. Farei quantas massagens forem necessárias e no lugar onde a minha amada desejar.

Ao dizer isso ficou em silêncio, mas a arquiteta cobrou. “-Anda! Estou esperando a segunda parte da resposta”.

– Meu deus do céu. Você não tem jeito mesmo. Quando quer uma coisa é difícil te dissuadir.

“-Anda! Fala!”, ordenou Angélica.

– Estava pensando no que meu pai me disse sobre minha mãe. Se fosse para casar novamente, se casaria com ela, mesmo sabendo que a baixinha é ardida como pimenta. E eu estava aqui pensando como seria isso, mas bastou olhar para ti que entendi tudo daqueles dias em companhia do meu pai e porque me falou para não a deixar passar muito tempo com dona Judith.

– E que conclusão chegastes que merecesse esse lindo sorriso silencioso. Até sem emitir som, sua risada é bela, meu amor.

– Não fui eu quem dei a risada, mas sim minha alma. Ela me fez entender que me casaria contigo mil vezes e, se não desse, poderia inteirar outros mil sins. Recebi um puxão de orelha dizendo-me ‘por que ao invés de ficar brigando com ela, tu não a ame mais’. Então o sorriso foi porque fui pego de surpresa, já que percebi que te amo cada vez mais. Por isso que meu pai me perguntou naquela chamada de vídeo o que eu sentia por ti.

– Nossa Marinho. Eu estava toda encabulada achando que tu tinhas percebido que o que sentia por mim seria apenas fogo de palha ou o desejo de sair do casamento porque eu sempre coloco os pés diante das mãos.

– Claro que não amor! Estou me sentindo mais leve, querendo te amar mais, sempre mais. E sei que tem muito espaço aqui dentro do meu coração. Você merece todas as estrelas do universo. “Ti ho scoperto molto bela, donna della mia vita”.

– Credo amor. Por que não me diz em português. Não precisa falar em outra língua o que vou sentir em nosso falar cotidiano.

Márcio ficou em silêncio e a esposa percebeu que ao dizer isso, tirou todo o lado poético da fala do marido. “Desculpe-me querido. Sei que não tem nada de pedantismo no seu dizer, mas muita coisa poética”.

– Eu só disse que te descubro cada vez mais bela e isso faz com que meu coração converse sempre com a minha alma, num colóquio para não deixar que eu estrague tudo com meus ciúmes e inseguranças.

Chegaram ao escritório e Débora já estava no térreo esperando o casal. Entra no carro e o trio se dirige a Confeitaria da Republica. “- Bom dia dona Angélica e seu Márcio”, disse a secretária.

– Só Márcio, minha cara e futura cunhada. E como anda o projeto de minha editora?

“- Quero ver se termino antes de vocês saírem em viagem de lua de mel”, informou Débora.

– Fique tranquila querida. Sei que tua cabeça está no almoço de sábado. Então relaxe.

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