Sobras de um amor… parte II

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Assim que adentrou ao restaurante, o mesmo em que esteve dias atrás com Márcio, Angélica avistou os pais que ansiosos, a esperavam. Contudo, bastou a arquiteta se aproximar para sentir que o clima ferveria. “- Eu não acredito que você trouxe aquele negro desqualificado em nosso restaurante preferido? Sabe que aqui é como se fosse nossa segunda casa!”, disse Eleanora entre os dentes e olhando para a filha.

– Será que posso me sentar? O senhor me autoriza “doutor” Jô e a senhora dona do baile Eleanora?

O casal anuiu com um movimento de cabeça. Assim que se ajustou ao assento, a arquiteta já devolveu. “- E quando algum preto para vocês prestou? Eu trago aqui, e em qualquer outro lugar, quem eu quiser. E já lhe disse, senhora minha mãe, se não fosse pelo Márcio, um preto, o seu filhinho querido, o herdeiro de sua fortuna, estaria até agora na rua correndo de lingeries imaginárias. E vocês sabem o motivo para tanta sandice do meu irmão?”

Angélica fez a pergunta olhando para o pai que tentou disfarçar, mas a filha continuou o bombardeio. “- Por que o todo poderoso aí, comprou a livraria onde ela trabalhava para ajudar a manter seus estudos e era frequentada por Amadeu. Mas só porque era preta não servia para o galego do papaizinho. Contudo, né meu senhor pai, não bastava deixar a moça desempregada, tinha que humilhá-la. Precisava jogar dinheiro na cara dela e dizer que dava para comprar bananas pelo resto da vida? Vocês me enojam com essa ignorância e preconceito desmedido. Não adianta ter dinheiro, é preciso ter caráter, mas nenhum valor que o senhor possui poderá lhe comprar isso”.

Quando a filha terminou de falar, o garçom se aproximou e deixou o cardápio para que pudessem escolher seus pratos. Angélica pediu um vinho branco. “- Ah! E para comer eu quero o mesmo que eu pedi outro dia. Você se lembra? Quando eu estive aqui com o meu noivo!”

Os pais a olharam enfurecidos. O garçom fez aquela cara de desentendido, já que tinha visto Angélica várias vezes ali de mãos dadas com outra mulher, como se formassem um casal. Ficou sem entender, mas pensou: “Coisas de bacana. Melhor deixar para lá”.

Jô e Eleanora pediram picanha na pedra. A arquiteta fez questão de explicar. “-Esse foi o mesmo pedido que Márcio fez quando esteve aqui comigo. Como podem ver, exceto pela cor da pele, ele tem os mesmos gostos que vocês. Por que será? Responda minha mãe: ele é desqualificado ou essa sua infeliz visão das pessoas, a partir da conta bancária, não lhe deixa responder?”

“- Chega Angélica!”, lhe ordenou o pai.

– É! Agora chega, mas na hora de humilhar aquela moça, que só tem amores para o Amadeu, o senhor não pensou nisso né. Só ficou em cima desse seu patético orgulho idiota e dos seus metais enferrujados, cheirando a bolor e manchados pela sua tosca presunção.

– Mas esse dinheiro te banca até hoje, inclusive as esquisitices de seu escritório, que aliás só caminha porque os meus amigos falam e recomendam seus serviços. Do contrário, já tinha fechado faz tempo e aí você teria que voltar a morar conosco.

– Por que será meu pai que o senhor deseja tanto que eu volte a morar com vocês? Quer que eu conte, senhor Jô? Melhor não né!? Imagina se tem um repórter abelhudo que esteja por aqui, como aconteceu com o Márcio, e escute a história. Amanhã todos saberiam que o fabuloso Jovelino de tal e Oliveira é um crápula.

O pai foi salvo pela chegada do garçom que trouxe o vinho de Angélica, um refrigerante dietético para Eleanora e uma cerveja sem álcool para Jô. “ – Os pedidos de vocês já estão a caminho”, disse o atendente. A arquiteta fez um movimento de agradecimento.

– Márcio é um homem muito bom. Quando estou com ele, me sinto em paz. Uma serenidade que eu nunca tive e nem todo o meu dinheiro pode comprar. Acho que a mulher que ficar com ele, será imensamente feliz. Ao contrário do que vocês imaginam, não é a pobreza dele que faria eu me afastar, mas sim a possibilidade de eu não estar à altura da simplicidade com que o meu amigo enxerga e constrói, ou tentar erguer, a sua existência. O jeito simples dele o faz muito especial para quem o conhece. Né Mãe?

Ao terminar de falar, dando ênfase à Eleanora para que ela se lembrar das ofensas que dirigiu ao repórter quando esteve em sua casa, bem como para indicar que já sabia das trapaças feitas pela da mãe fazendo com que o jornalista ficasse sem teto. “- É mãe! Suas maldades até que me ajudaram. Jamais poderia deixá-lo dormindo na rua ou num hotel de quinta categoria, já que a senhora até pensou em ferrar com a vida dele. Que pequenez de sua parte, dona Eleanora!”

Olhando para os dois, Angélica disse: “ – Deixem ele em paz ou a cidade, o Estado, o mundo saberá quem é esse homem, sentado em sua cadeira de rodas, achando-se o Ser Supremo. A sociedade gostaria de saber como o Todo Poderoso Jô foi parar nessa cadeira de rodas. Como Amadeu ficaria, se soubesse que sua irmã prefere ficar com outras mulheres porque a iniciação sexual dela se deu de forma violenta e praticada por quem deveria protegê-la. Né Pai!

O garçom chegou com os pratos e Jovelino estava completamente envergonhado, avermelhado. Pediu outra cerveja e quando fez menção de ser com álcool, a mulher vetou. Os pratos foram servidos e o almoço degustado em silêncio. Ninguém ousava olhar um para o outro. E Angélica estava com os olhos marejados. Não se sabe porque partiu para cima dos pais ou por revelar algo que lhe era cruel e a cortava por dentro toda vez que beijava um rapaz.

Terminada a refeição, a arquiteta pediu as chaves do apartamento de Márcio. “- Pode me passar as chaves mãe? O rapaz precisa do espaço. Talvez para vocês, o maior defeito dele é ser preto, mas isso não tem a menor importância para mim e para o Amadeu que tem nele o melhor amigo que conseguiu retirá-lo daquele mundo de alucinação, provocada pela ignorância desse Jovelino que pensa ser o dono do mundo. Ah! Mãe também me passa as chaves do depósito onde estão as coisas do repórter e os livros do meu irmão. Quero elas e agora!”

Eleanora, diante da revelação da filha e da ameaça de jogar o nome da família na lata do lixo, atendeu a sua ordem. Assim que pegou os objetos, Angélica olha para o pai e determina. “ – Desligue todas as câmeras do apartamento do meu irmão. Não quero nada, absolutamente nada que vá invadir a privacidade do Amadeu”.

Acuado, Jô pega o telefone e manda que todos os equipamentos sejam desligados e passa o aparelho para que a filha confirme o cumprimento das ordens dadas pelo pai. “- Obrigado. De hoje em diante, qualquer coisa que diz respeito ao Amadeu, vocês devem falar comigo”.

A arquiteta passou o telefone ao pai e sem pestanejar, mesmo com os olhos banhados pelas lágrimas sacramentou: “- Pai! A partir de amanhã o senhor vai depositar mensalmente na conta bancária de Márcio R$ 10 mil, durante um ano. É o valor pelas humilhações que minha mãe fez ele passar nos últimos dias. E por conta disso, ele dormiu em minha casa de ontem para hoje. Não era justo deixa-lo ficar embaixo da ponte por que a senhora minha mãe ficou com o orgulho de branca endinheirada ferido”.

O pai só olhou para Angélica, dizendo. “- Eu não entendo você. Primeiro se casou com uma mulher-macho preta. Queria nos envergonhar e conseguiu. Reduzi as reuniões sociais porque meus amigos sempre me perguntavam como ia a minha nora-genro preto e quando chegaria meu neto. Agora que ela está fora do país, você se enrabicha por um preto.”

– Deixa eu lhe explicar uma coisa. Eu e o Márcio não temos absolutamente nada! Ele sabe que sou casada com Rosângela e que ela está na Alemanha, inclusive com a irmã que o senhor humilhou quando fechou a livraria. Ali o “doutor” Jô senhor foi pior do que excremento de cachorro e, por mais que eu peça desculpas a ela, ainda será pouco”.

– Chega Angélica! Jô vamos embora! Acho que já fomos insultados de mais pela nossa filha. Demos-lhe tudo e ela nos agradece assim.

– Mãe! Não se esqueça que o seu maridinho querido, enfiou em mim e a força esse pau nojento dele. O mesmo que usou para que a senhora me concebesse. Então, acho melhor vocês caminharem juntos nesse mundinho carcomido pela hipocrisia e por espelhos quebrados pela mentira que dizem um para o outro todos os dias. A senhora foi bloqueada de entrar no meu apartamento e não se aproximem do Amadeu. Do contrário, a história vai parar nas primeiras páginas dos principais jornais e revistas e, em seguida, vou me juntar à minha esposa na Alemanha. Vocês estão avisados!

Eleanora já estava de pé quando Angélica terminou e Jô já acionava sua cadeira de rodas para sair. Não se despediram da filha. Quando a porta do elevador se abriu haviam dois seguranças esperando o casal. A arquiteta se deixou ficar ali, mais um tempo, terminou a bebida e também se despediu do garçom e saiu. Os olhos estavam encharcados. Entrou no carro e ali desabou. Chorou como fazia depois dos estupros perpetrados pelo pai e todos fingiam não ver e nem saber. Embora em frangalhos, naquele estacionamento do shopping a arquiteta se sentia leve.

Na medida em que ia se recompondo, seus pensamentos se misturavam com algumas perguntas, uma delas dizia respeito à reação da mãe quando ela revelou que ter sido violentada pelo pai. Eleanora ignorou solenemente a informação. “Ou achava que eu estava blefando ou optou por não fazer escândalo em público, mas na mansão teria uma conversa franca com Jô e esclarecer tudo. Mas também podia saber e não foi surpresa alguma eu ter falado tudo agora. Ai meu deus, minha cabeça vai explodir. Preciso conversar com alguém, se não vou enlouquecer”, pensou a arquiteta pegando no telefone e ligando para Márcio.

Achou estranho o jeito dele falar. Parecia que estava gritando, chamando atenção de alguém para si. “Sei lá. Depois eu pergunto a ele direitinho essa história de falar aos berros. Não há motivo algum para isso”, concluiu Angélica. Após o encerramento da conversa com o jornalista, a irmã de Amadeu ligou para Rosângela. Queria notícias dela, mas ninguém atendia e depois veio a informação que o número não existia. Mandou outras formas de mensagem, sem respostas, mas uma chamou a atenção: foi visualizada pela esposa ou por outra pessoa que tinha acesso à página dela nas redes sociais.

“Mais uma para a minha cabeça. Será que Rosângela está me traindo? Quando começo a equilibrar as coisas de um lado, se degringola de outro. Não sei se darei conta de tanta confusão”, pensou a arquiteta respirando fundo e colocando o carro em movimento. Escolheu uma música e deixou o pensamento vagando, como fazia no escritório quando não conseguia seguir em frente com um projeto. A dupla de intérpretes dizia que tudo seria “ … do jeito que a gente achou que ia ser…”. O refrão fez a arquiteta pular de um mundo ao outro. Deixou a Europa e estacionou num certo bar onde o irmão se embriagava com um cara que era pago para não o deixar sozinho, como se fosse uma babá com mais de 30 anos. Um jornalista decadente de fundo de redação, sem inspiração alguma, sem nenhum ideal de vida, mas com um coração que nunca encontrou antes em lugar algum e em ninguém, exceto o do irmão, poeta incompreendido pelos pais.

A mente de Angélica voltou à conversa com Jô e Eleanora e chegou a achar que havia sido muita dura com eles. “ – Era necessário. Estava com essa história na goela e tentei conviver com ela, mas não deu. Tinha que externá-la de alguma forma. Agora é tentar me entender”, disse baixinho para somente ela ouvisse. “Márcio realmente é aquilo que falei. A mulher que se tornar sua esposa, com certeza, será feliz. Claro que terá que enquadrá-lo. Vai se vestir mal assim no inferno”, pensou a arquiteta rindo em seguida, se sentindo mais aliviada com o refrão da música que dizia que o vendedor de flores ensinava os filhos a escolher bem os seus amores. “É! Márcio foi infeliz na escolha. Quantas namoradas teve? Acho que não muitas”.

Chegou ao bar. Desceu do carro, entrou no estabelecimento se deparando com o estágio alcóolico de Amadeu e Márcio. O primeiro estava com um pé na lua e o outro a caminho. Mas o segundo a deixou horrorizada. Usava a roupa batida e ensebada do dia anterior. O irmão quando a viu já gritou: “- Vixi Maria! A Rainha diaba chegou. Vamos correr meus caros peões, antes que sejamos todos encarcerados na torre de Circe”, bradando isso Amadeu fez menção de pegar a garrafa e sair, mas foi contido por Márcio que o segurou dizendo: “- E o nosso trato, meu cavaleiro? Espero que você o mantenha!”. Amadeu ficou estático, esperando o desdobramento, pois a irmã se dirigia ao repórter com os olhos em brasa dum castanho escuro.

– Francamente Márcio, eu te compro roupas novas e você vem almoçar com o meu irmão usando esses trapos! Estou decepcionada contigo e esse cheiro de bebida alcóolica. Vamos embora e não me venha com desculpas.

O repórter ficou sem ação e foi saindo com ela à frente, mas deu tempo de escutar Rodolfo tirando o sarro e falando com Marcos. “- Este aí está fodido! A mulher já começou a comprar roupa para ele. Daqui a pouco o negão está dando o rabo para satisfazê-la”.

Quando Rodolfo termina de dizer, escutou a arquiteta falando entre os dentes. “- Depois eu cuido desse linguarudo fantasiado de pinguim”. Márcio se sentou do lado da motorista e o poeta foi para o banco de trás, mas já entrou deitando. O repórter olhou para ele e percebeu que logo Amadeu dormiria, mas antes disso o poeta informou: “- Minha irmã, você precisava ver o moço do jornal te defendendo daquele arremedo de homem que anda armado. O repórter matou ele no ninho. Foi ou não foi, meu caro escriba?”

– Que conversa é essa do Amadeu, Márcio?

– Não é nada, deixa isso quieto.

– Nem pensar. O que aconteceu lá? Anda fale! O gato comeu a língua ou você é homem só na frente de outros homens?

– Caralho, Angélica. Você só sabe bater, hein!

– Também pudera. Ontem a noite você estava todo elegante, bem vestido e hoje está vestido como candidato a mendigo. Assim não dá né? Desembucha! O que aconteceu. Se você não me disser, vou começar demitindo o pessoal e dizer que atendi a um pedido seu.

– Porra! Dona Keka! Assim você quer me foder mesmo.

– Então fale logo!

– O Rodolfo começou a fazer uns gracejos sobre você e eu a defendi. Estava pensando em dar uns tabefes nele. O seu irmão foi quem não me deixou e ainda disse que o seu segurança é apaixonado por você, mas a madame não o quis, preferindo a negona da Rosângela.

Ao ouvir a história, a arquiteta pegou o telefone e quando ia falar, Márcio pegou em seu braço perguntou o que estava fazendo. Percebeu que a arquiteta ia demitir Rodolfo pela falta de descompostura.

– Não faça nada. Esquece. Nunca devemos agir como as pessoas desejam, isto é, reagindo. Não ligue para isso. Existem coisas mais importantes para serem pensadas e organizadas daqui para a frente. Rodolfo será sempre um segurança que é infeliz e deseja espalhar seu amargor para todo mundo. É só não lhe dar confete.

Ao dizer isso, o jornalista prestou atenção na música que estava tocando, afirmando gostar dela. O interprete cantava uma letra singular em que o refrão fazia alusão ao fato de que o que se sentia poderia ser amor: “… quem sabe isso quer dizer amor…”. “- Ouvia muito nos meus tempos de graduação”, falou o repórter todo empolgado porque se recordava daqueles tempos de universitário que achava que ia ser um grande nome do jornalismo e talvez ganhasse um Pulitzer, mas deu tudo errado e ali estava ele dentro dum carro, meio que sendo babá dum poeta lunático e aceitando as ordens de uma mulher que o seu sobrenome era mandar, mandar e só sabia dizer: “espero que tenha entendido as ordens”.

“- No que você está pensando, meu caro repórter?”, lhe perguntou Angélica. “- Em nada”, respondeu Márcio.

– Bom. Antes de irmos para casa, passaremos na minha agência para pegar os computadores que você pediu.

“- E quanto ao seu irmão e eu? Lembro-me logo que nos conhecemos a ‘senhorita’ me disse que só pessoas requintadas e em condições de frequentar sua empresa, tinha entrada franqueada”, argumentou o jornalista com cara de troça.

“- Bom! Como não sou mais a mesma Angélica de dias atrás e Amadeu dorme no carro, você fica aqui com ele, enquanto pego os equipamentos. Dependendo para qual finalidade, acho que estão prontos para o uso”, informou a arquiteta ao seu amigo.

– E o que eu vou ficar fazendo aqui enquanto seu irmão dorme?

– Sei lá. Dorme também ou sonhe acordado. Só não se masturbe e não chegue perto daquela garrafa. Já chega o Amadeu alcoolizado. Não dou conta de dois bêbados, depois da manhã que tive e ainda o almoço com meus pais. Poupe-me neste resto de tarde. É possível, meu caro repórter?

Márcio anuiu com a cabeça e, enquanto Angélica se afastava, se deixou ficar no banco do carona repassando suas memórias, sua mãe, seu pai e irmãos. Como será que estariam eles. Quando conversava com Judith perguntava sobre eles e a resposta era uma só: “ – Estão do mesmo jeito”. E se procurasse por Márcia, a resposta era mais agressiva: “ – Por que você ainda pergunta daquela cadela que te desgraçou e envergonhou nossa família? Não vem me dizer que está pensando em procurá-la? Se fizer isso e eu souber, esquece que sou tua mãe. Tchau!”

Estava com saudades de todos, mas sabia que levaria tempo para o pessoal esquecer de toda aquela história, mais por ele ter levado uma sova do trio que fazia o ménage em sua cama, do que pelo fato de a noiva trai-lo na véspera do casamento. Outro agravante era que a pessoa que sempre se colocava em equilíbrio, buscando a harmonia em tudo, de repente virou um desiquilibrado. Não podia ter partido para a porrada por conta das leviandades de Márcia. E depois de tudo isso, veio à tona o fato de que o namoro seguido de noivado era uma maneira de ofender os pais da noiva, declaradamente racistas. A partir do momento em que viram o enlace como algo positivo para a filha, ela se revolta e tramou toda aquela situação vexatória.

Enquanto Márcio viajava no ontem, Angélica, que acabara de colocar os dois computadores no porta-malas do carro, entra no veículo e pergunta ao repórter: “- Onde estava o meu querido amigo repórter?”. Diante do silêncio dele, completa: “- Não vai me dizer que naquela noite que parece nunca ter fim?”. Márcio permanece mudo e a arquiteta lhe dá um apertão na mão e sentencia: “-Caso queira conversar sobre isso, é só dizer, contudo, se não quiser, respeitarei o seu silêncio. Mas estarei sempre contigo, meu amigo”.

– Obrigado Keka. Teu colo me conforta, me deixando em paz.

Trafegaram um bom trecho sem trocarem uma palavra se quer. Ora ele olhava para a arquiteta e outros momentos, ela ficava lhe encarando, balançando a cabeça por conta das roupas que Márcio usava. Até que o repórter quebrou o silêncio, fazendo uma pergunta: “- Rodolfo já tentou atravessar o sinal com você?”

– Já e foi uma vez só. Veio com uma conversa que não existia mulher homossexual, mas que foi mal cantada.

– E o que você disse a ele?

– Que talvez a mãe dele se encaixasse naquela definição, pois se tivesse tido uma boa trepada não teria nascido um parvo como ele. Disse ainda que se quisesse continuar a trabalhar comigo deveria ficar de boca fechada, obedecendo as ordens que recebia. Só isso. Eu o pagava para ser meu segurança e não emitir comentários sobre a minha vida e as minhas escolhas.

– Ah sim! Entendi e agora compreendo porque ele veio com gracejos comigo e o seu irmão disse que poderia ter levado um fora e, que, por estar vendo como nos relacionamos, pintou aquela dor de cotovelo e a provocação para eu revidar. Mas não vou me ocupar disso agora.

Novo silêncio e quando o automóvel se aproximava do prédio em que a arquiteta mora, Márcio lhe contou a história que Amadeu falou sobre as alucinações do pai vendo uma pessoa e ainda conversava com ela, mas de fato, não tinha ninguém ali com ele.

– Essa é uma outra história que depois eu te conto. Pegue aqui as chaves do seu apartamento. Ele é todo seu. É um presente que lhe dou e não aceito devolução.

– Oba! Então posso voltar hoje mesmo para o meu canto! Que maravilha!

– Negativo lindinho! Só depois que o pessoal levar seus móveis e eu ver a arrumação. Tenho que resolver também a situação do apartamento do Amadeu. Então, pode ir tirando o cavalo da chuva. Penso que vai demorar pelo menos uns dois ou três dias e tem mais, ficarei com uma chave. Terei que mandar a faxineira uma vez por semana lá. Mas, pela sua empolgação, me parece que você resolveu ficar por aqui.

– Não sei ainda! Mas se eu conseguir manter o Amadeu na Terra, sei que posso ir embora. Aqui não é meu lugar. Fiquei como sem-teto por mero capricho de sua família. Penso em chegar, pelo menos, aos 70 anos e não quero levar surras homéricas dos capangas de seu pai

“- Esquece minha família. Ela é problema meu. Garanto que ninguém mais atravessará o seu caminho, o meu e do meu irmão. E logo, logo você poderá ir embora e encontrar a esposa que teu coração merece”, finalizou a arquiteta.

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