Sobras de um amor

9

 

Conforme combinado na noite anterior, Márcio, o garçom Rodolfo e toda a plateia esperavam Amadeu que nunca se atrasara para o seu gole do dia. Olharam no relógio. Já haviam passado 20 minutos do habitual e o metódico bêbado não aparecia. Essa demora fez com que o repórter acreditasse que caíra novamente numa troça preparada racionalmente pelo seu entrevistado.

Impacientado, chegou ao balcão e pediu uma branquinha, pois o uísque ou outra bebida qualquer não aliviaria a irritação que estava sentindo. Assim que virou o conteúdo do copo de uma única vez, escutou a voz de Amadeu: “- O moço doutor está arretado! Bebendo assim, não chegará vivo amanhã de manhã. Terei que beber o seu cadáver. Você me autoriza desde já? Prometo não fazer escândalo perto do teu ataúde e seguirei o féretro até a sua última morada!”

– Porra Amadeu! Você está atrasado! O que aconteceu?

– E desde quando o moço é meu patrão para dizer se eu devo beber mais tarde ou vir para o bar mais cedo?

– É que você combinou comigo aqui!

– Combinei sim, mas não disse a hora que iria aparecer. Você que presumiu que eu chegaria no horário de sempre, mas hoje resolvi mudar um pouco. Só para variar.

– Está certo, mas vamos logo, preciso que você finalize aquela história toda que vem me contando desde o começo da semana!

– Hoje não estou afim de falar nada. Depois que eu fui para casa, tinha uma calcinha fio dental me perseguindo e gritava a todos os pulmões: “se amanhã você contar alguma coisa para aquele repórter filho da puta, depois te estrangularei com as alças do meu fiel parceiro: o sutiã”. O doutor sabe né! Na dúvida, é melhor não falar nada. Depois quem vai me salvar do enforcamento?

– E por que chegou depois do horário habitual?

– Fiquei na tocaia para ver se a calcinha não voltava. Todo cuidado é pouco. Quando vi que a barra estava limpa, corri para cá. Preciso de um trago gingante para dormir em paz hoje.

Márcio ficou olhando Amadeu enquanto este mandava goela abaixo a primeira golada do dia. Estava incrédulo, pois havia botado fé que o doidivanas iria desembuchar uma bela história e poderia voltar para a redação em paz. Mas com aquela situação, deveria esperar.

– Senta doutor! Vamos conversar, desde que não seja aquelas histórias que vem me assombrando já algum tempo. Se o senhor quiser podemos falar de horóscopo, de sol, chuva, frio, primavera, verão, inverno, inferno, outono, flores, espinhos desde que sejam doces como mel. Eu sei cada coisa maravilhosa. Por exemplo, no verão os corpos ficam desnudos por conta da temperatura, portanto, não é a estação para quem procura amor. É propícia para quem quer apenas trepar e usar o inverno para fugir e deixar o ente amado em pleno inferno sentimental. Na primavera, as mulheres costumam estar mais belas. Já que a estação é mais florida, elas desejam estar coloridas para ver se são amadas, mesmo com aquelas carrancas que carregam durante a tal da TPM. No outono, tanto homens quanto mulheres podem colher os frutos da boa semeadura do verão, pois chove bastante, portanto, a semente do amor colocado no coração dos amantes deve florir. Os mais descuidados deixam o fruto crescer dentro da barriga das mulheres, agora os atentos, preferem usar a cabeça de cima e o coração. No inverno, todos têm que ficar entocados, curtindo aquele frio, juntinhos, e quem sabe falando do futuro, principalmente se depois do inverno vier o verão. O moço sabe a sequência das estações? Eu já me perdi, não sei mais o que vem primeiro: o inverno ou o verão? Ou são aparecem todas juntas?

– Sei lá, Amadeu. Qualquer estação vem antes, se o cidadão assim o desejar.

– O moço está nervoso! Acho bom parar de beber. A bebida deixa os metidos a machões violentos e o bar acaba não sendo o lugar mais apropriado para estar e querer convencer seus parceiros de que estão certos. Vai por mim, doutor, acho melhor o senhor ir à igreja e pedir um gole de água benta ao seu vigário! Pelo menos aquela “água” não deixa ninguém valentão!

– Deixe de águas bentas Amadeu e aproveita, vai para inferno!

– Não posso! Não dá para ir ao mesmo lugar já estando lá.

Márcio não esperou o seu interlocutor completar a frase e saiu enraivecido do bar, portanto, não escutou quando Amadeu lhe disse: “- Cuidado! As calcinhas assassinas estão a solta, querendo estrangular os homens nervosos como você”.

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *