Gilberto de Assis Barbosa dos Santos
Diante da agressividade político-partidária dos últimos tempos, achei prudente não me imiscuir em demasia em tais querelas, principalmente em se tratando de texto reflexivo, justamente para evitar sinais trocados, isto é, enquanto externar um pequeno olhar e o leitor achar que estou indicando outro caminho. Há que se registrar ainda que uma enunciação, depois que deixar o meu terminal de produção, qual seja, minhas cercanias eletrônicas, terá outras pernas, justamente por conta dos narratários ad infinitum. Neste sentido, é que compreendo as observações feitas pelo semiólogo italiano Umberto Eco (1932-2016) em seu livro Seis passeios pelos bosques da ficção [São Paulo: Companhia das Letras, 2004]. Segundo ele, todo texto, ou melhor, a máquina enunciativa, não pode dizer tudo, sendo necessário que o leitor faça a sua parte, completando com seus conhecimentos as lacunas que por ventura vierem a existir (2004, p. 9). Deste modo, creio que um enredo lavrado pela minha verve não conseguiria abarcar a realidade como um todo, daí Max Weber (1864-1920) dizer serem os tipos-ideais ferramentas metodológicas para se compreender um determinado período da história.
Pois bem! Depois dessa pequena introdução meio que tentando explicar as linhas que se seguem, passo a contar, de maneira sintética, como vejo o país que emergiu das urnas na última eleição presidencial. Independentemente de qual legenda pertença o vencedor, creio que a grande vitoriosa foi a democracia. Isso é fato e não adianta aqueles que vivem pedindo intervenção disso e daquilo torcerem o nariz. Sempre indiquei que, quiçá qualquer direcionamento de um governo, a democracia deveria estar acima de qualquer coisa. E continuo pensando desta forma. Parece-me que as movimentações pedindo banimento da democracia, personificado no desejo dos derrotados não aceitarem os resultados do sufrágio, não leva em conta o que aconteceu há quatro anos quando um tipo específico de narrativa político-ideológica sagrou-se vencedora do pleito. Não me recordo, meu caro leitor, de ver os vencidos pedirem isso e aquilo, recontagem de votos ou até mesmo colocarem em questionamento a lisura e a confiabilidade das urnas eletrônicas. Acho estranho essa balbúrdia em torno de tal questionamento. A democracia permite diversas situações, inclusive essa dos questionadores dos resultados do último pleito, todavia, deve ser vetada a movimentação atrapalhar a vida dos demais brasileiros, conforme prevê o Direito Civil que é um dos braços que compõem o tripé da cidadania. Os outros dois são direitos sociais e políticos e é através deste último que as pessoas devem fazer suas reivindicações por intermédio do que compreendo ser a democracia participativa e não delegativa como querem alguns sujeitos desconhecedores do jogo democrático e político, bem como as observações feitas pelo pensador francês Montesquieu em seu livro O espírito das leis [São Paulo: Martin Claret, 2014]. Consta ali que é preciso entender a divisão de um Estado em três instituições: o Legislativo, o Judiciário e o Executivo. Elas são independentes e, no caso do Brasil, o último tem como escopo principal, a partir da Corte Suprema, zelar pelos princípios constitucionais.
Creio que aqui se fazem necessárias algumas observações sobre os direitos políticos, conforme nos indica Thomas Humphrey Marshall (1893-1981) em seu livro Cidadania, Classe Social e Status Social [Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1967]. Nesse campo, é garantido a todos o direito de participação nas decisões políticas do Brasil, mas é preciso ressaltar que o espaço para isso se chama partidos políticos, e demais instituições sociais e partidárias, conforme prevê o nosso contrato social, isto é, a Constituição de 1988. Daqui a dois anos haverá eleições novamente, desta vez para prefeitos e vereadores e o momento é esse: o cidadão com cidadania deve escolher os postulantes com os quais tem afinidades de ideias, projetos e programas políticos e não por idolatria e ódios que parecem eternos, como diz uma canção lá dos anos 80. Em virtude desses meus olhares, creio que um país com responsabilidade democrática se faz desta maneira, respeitando as regras do jogo político e aquele que perdeu se reorganize para disputar a peleja novamente no tempo aprazado pela legislação. Interessante notar que todos aqueles que desejam a destruição da democracia não pensam ou raciocinam sobre as responsabilidades sociais de cada um dos brasileiros.
Para não me alongar em demasia nesse pequeno olhar sobre o teatro político brasileiro, portanto, não agastar o meu leitor – caso ainda os tenha aqui – me parece que as pessoas, que desconhecem os princípios democráticos de direito e as liberdades que são garantidas pela Carta Magna, querem forçar uma situação porque se viram alijados daquele ser que estimularia a manutenção ao ódio e as querelas que os levaram a estar numa situação gritante. Muitos pesquisadores já indicaram que esse aglomerado de sujeitos sociais pertence a uma parcela da sociedade definidas como classe média baixa, classificada como Classe C e o que os alimentaria seria o medo de descerem os degraus da escadaria social chegando ao sopé da pirâmide social, isto é, as categorias D e E.
Como é possível observar, nós cientistas sociais que analisamos os fenômenos sociais que se repetem, debruçamos sobre fatos e não sobre àquilo que poderia ser. Um escritor, poeta, pode, inclusive em suas enunciações, tratar do mesmo assunto indicando quais seriam os resultados, mas aí é ficção, mesmo sabendo, conforme nos diz Friedrich Nietzsche (1844-1900) que o poeta escreve sobre o material que tem em seu redor, ou seja, a realidade. Já Aristóteles indica que o enunciador por intermédio de miríades de narradores, pode apontar como poderia ser. Desta forma, todos sabem que o desejo dos manifestantes é o sepultamento da democracia e a extinção das garantias dadas pela Constituição Federal, fazendo jus ao que disse certa vez o escritor russo, Fiódor Dostoievski (1821-1881): que o homem social é incapaz de tolerar a liberdade, estando disposto a cedê-la ao líder que lhe garantir pão e segurança. Fico por aqui, meu caro leitor, na expectativa dos desdobramentos dos acontecimentos, entretanto, levando em conta que o meu primado será sempre o da democracia. Como dizia um certo jogador de futebol: ganhar, perder e empatar é do jogo, entretanto, penso que pedir intervenção de qualquer espécie, não faz parte das partidas democráticas personificadas nos processos eleitorais e nas urnas eletrônicas. Voltarei a esse assunto num outro momento. Por agora fico esperando o fim dum governo melancólico, cujos integrantes e demais asseclas têm dificuldades em reconhecer a derrota. Que sejamos todos responsáveis e principalmente cidadãos de fato e de direito e não apenas marionetes nas mãos daqueles que desenvolveram gosto pelo poder pessoal em detrimento da população, principalmente das minorias, isto é, quilombolas, indígenas, etc. Que todos se assentem e se organizem democraticamente para as próximas eleições municipais e depois quase que gerais. Durante esse período, é preciso se atentar para as responsabilidades sociais. A escravidão foi banida no final dos anos 80 do século XIX e não é possível aceitar mais pessoas vivendo como se ainda estivessem na senzala. Se isso está acontecendo é por conta das irresponsabilidades sociais, principalmente daqueles que adoram falar de si e da primeira pessoa em detrimento do coletivo e, quando este é indicado, afirma-se que todos são portadores das mesmas oportunidades, como se as pessoas, em uníssono, partissem do mesmo ambiente social em direção à ascensão socioeconômica.
Gilberto de Assis Barbosa dos Santos, licenciado, bacharel e mestre em Ciências Sociais, editor do site www.criticapontual.com.br, autor do livro O sentido da República em Esaú e Jacó, de Machado de Assis; professor no ensino médio em Penápolis; pesquisador do Grupo de Pensamento Conservador – UNESP – Araraquara e membro do Conselho Editorial e Científico da revista LEVS (Laboratório de Estudos da Violência e Segurança) – UNESP – Marília; escreve às quintas-feiras neste espaço: e-mail: gilcriticapontual@gmail.com, d.gilberto20@yahoo.com. www.criticapontual.com.br.