Políticas e suas politicalhas

Gilberto Barbosa dos Santos

 

Poderia tratar de diversos temas hoje, entretanto, ainda não sei ao certo qual seria mais apropriado para o momento, levando em conta diversos acontecimentos no mundo e o nosso país caminhando para mais uma eleição quase que geral. Mas vamos lá, pois se é de política que o povo gosta, então tratarei desse assunto nas linhas que se seguem, afinal, tudo é política nas existências humanas, mesmo no campo racional, emocional ou até mesmo irracional. Se isso é fato, por que há tanta ojeriza desse universo, pergunto-vos, meus caros leitores. Talvez uma pequena incompreensão deste processo todo pode estar na base de tamanha rejeição ao fazer política que está nas pequenas coisas, inclusive na construção de uma amizade. Resta saber como o homem compreenderá essas questões, levando em conta o fato de que há uma linguagem, signos, significados e significantes no agir do ser que se quer político.

Desde que o homem é esse humano que, quiçá comportamentos aberrantes e animalescos como agredir uma criança que não havia completado 24 meses de vida, a política faz parte dos relacionamentos, sejam eles em que esferas forem da vida ativa em sociedade. Seria interessante indicar aqui que um bebê, que não conhece totalmente a vocalização humana, usa o choro para indicar que precisa de algo, principalmente do colo da mãe que deveria atendê-la prontamente, entretanto, pôde deixá-la sob as sevicias de uma pessoa inescrupulosa que a agrediu severamente levando-a ao óbito. Posto isto, fico cá com uma gritante inquietação: qual crime uma criança, de pouco mais de um ano, tenha cometido para merecer como castigo a pena de morte aplicada por um carrasco que se desejar ser bípede e um ser racional? Claro uma resposta desta demanda tempo, inquirições aos acusados pela tortura, seguida de morte de um bebê. De qualquer forma, qualquer que seja ela, nada me convencerá de acreditar que tais humanos podem ser tudo, mas logicamente que não são portadores das faculdades racionais. Mas para não cair na tentação de sentenciar quem quer que seja, ainda mais não sabendo nada dos autos processuais, mudarei o rumo de minha prosa política daqui para a frente.

Se uma pessoa é capaz de atrocidades como a de tirar a vida de uma criança que acabou de chegar ao mundo, como seria as escolhas políticas dela? Com base em que ela define o perfil de seus representantes nos Executivos e Legislativos espalhados pelo país afora? Sabe-se que existem pessoas que são favoráveis a aplicação de pena de morte em nosso país, mesmo que os códigos processos penais não disponibilizem tais dispositivos, entretanto, é também comum encontrarmos outras pessoas que batem na tecla das condições sociais determinantes na construção diária da violência, sendo que os descendentes de africanos e pobres são as maiores vítimas, sendo consequência de balas perdidas que só acham corpos de pessoas que se encontram nas bases da pirâmide social – pelo menos é isso que dizem as notícias veiculadas no Brasil todo e as mais diversas pesquisas realizadas por vários grupos de trabalho, inclusive pelo Fórum de Segurança Pública brasileiro. Lembro-me que certa vez publiquei aqui neste espaço um artigo ou esboço de um, no qual perguntava se o humano é um ser destinado à morte. Usei em tal reflexão argumentos apresentados pelo pensador alemão Martin Heidegger (1889-1976) em determinados momentos de um dos seus livros que lia naquele momento.

Não adentrarei aqui nessa questão, pois o meu escopo nas linhas que se seguem é tão somente compreender o grau de ojeriza que o ser que se pretende humano desenvolveu à esfera da política, mesmo precisando dela na prática de pequenas ações. A criança ainda não sabe ao certo o que significa isso, pois está, através do que se convencionou chamar socialização primária, recebendo as primeiras noções de ética e valores morais, entretanto, existem aquelas que, por conta da brutalidade dos adultos, acabam nem chegando a saber de fato o que é, já que têm suas vidas interrompidas bruscamente e sabe-se lá porque isso acontece, isto é, serem espancadas até o óbito vir salvá-las da estupidez humana. Mas deixemos isso lá com as autoridades judiciais e policiais que saberão dar o devido encaminhando a essa absurda querela que se consubstanciará entre o Estado contra os algozes da vítima que tem provocado indignação de muitos de nós. Embora várias pessoas não gostam da política, mas ela é necessária para cessar o estado de violência em que os homens se colocam em sociedade, conforme nos apresenta o pensador inglês Thomas Hobbes (1588-1679) em seu livro Leviatã.

Nesta obra, dividida em três partes, sendo que a primeira é dedicada ao universo da matemática, a segunda ao mundo da biologia e o terceiro à filosofia política, o filósofo seiscentista diz que “o homem é o lobo do próprio homem”, precisando haver a necessidade de se fundamentar pactos para deixarem essa condição. Interessante notar que na segunda seção da obra, Hobbes trata da questão, vamos dizer, natural do homem, portanto, a violência seria um revide ou motivada, por exemplo, pela fome, uma situação estritamente de sobrevivência. Todavia, isso não significa que todos, no presente, quando têm o estômago assombrado pela fome, sairão pelo mundo afora vivenciando situações litigiosas e conflitantes com os seus semelhantes. Tendo tais olhares, mesmo que sucinto, como referência, me parece que uma criança ainda não vivenciou plenamente determinadas condições que lhes permitisse se defender da brutalidade de um adulto. Sendo assim, não haveria nenhuma chance de revide, devido os desenvolvimentos biológicos do algoz e da vítima. Mais louco ainda a situação se ficar comprovado que o matador de criancinhas, ou melhor, o infanticida contou com o apoio da mãe da vítima. Mas aguardemos os desdobramentos das investigações policiais, cabendo aqui apenas uma ressalva no campo da política: o bebê, que jaze num túmulo, não teria, jamais condições de fazer mediação política com aquele truculento que eliminou sua existência do orbe.

No início dessa reflexão havia me prometido não tratar dessa temática, justamente por conta de ser uma questão bem emblemática, tendo em vista que a Justiça decretou a prisão temporária do padrasto e da mãe da vítima, mas ao ficar raciocinando a quantas andam a violência perpetrada por aqueles seres que se dizem racionais e que são isso e aquilo, não tem como deixar passar a problemática, ainda mais por saber que não foi um caso isolado, pois o teatro dantesco se repete e os adultos, que deveriam ser responsáveis pelas crianças, acabam lhes ceifando a vida. Desta forma, vos pergunto meus caros leitores, quando o homem deixará a condição de barbárie? A questão tem fundamento não somente na violência física, no assassinato e total eliminação do oponente, mas também na chamada violência simbólica que não deixa marcas no corpo físico, mas profundas sequelas na alma e na mente da vítima. Enfim, como uma pessoa pode humilhar a outra a ponto de minar suas estruturas psicológicas, apenas por se achar superior ao seu semelhante? Será que nesses casos uma ação política visando um fim não solucionará ou minimizaria as querelas, perpetrando a paz entre nós?

 

Gilberto Barbosa dos Santos, Sociólogo político, editor do site www.criticapontual.com.br, autor do livro O sentido da República em Esaú e Jacó, de Machado de Assis; professor no ensino médio em Penápolis; pesquisador do Grupo de Pensamento Conservador – UNESP – Araraquara e membro do Conselho Editorial e Científico da revista LEVS (Laboratório de Estudos da Violência e Segurança) – UNESP – Marília; escreve às quintas-feiras neste espaço: e-mail:   gilcriticapontual@gmail.com, d.gilberto20@yahoo.com,   www.criticapontual.com.br.

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