Pauperização do ensino

Gilberto Barbosa dos Santos

 

Se na última reflexão exposta aqui e no http://criticapontual.com.br/2017/01/19/educacao/, enfoquei a educação sob a perspectiva de um educador cingapuriano e as medidas adotadas pelo seu país para que os alunos estivessem no topo do Pisa – avaliação internacional coordenada pela OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico) – que poderiam, aliás, servir de referência para o Brasil quando a temática diz respeito a essa área, hoje deveria abordar uma das consequências nefastas para o país por não ter feito a lição de casa desde os primórdios da educação nacional – a partir do momento que a Família Real portuguesa se instalou aqui em 1808 -, entretanto, como o tema educacional ainda não se esgotou e, creio que nunca chegará ao seu estancamento, resolvi tratar de outro viés da questão, desta vez aqui mesmo nas cercanias do país-continente.

A escolha do assunto foi motivada por uma matéria divulgada num jornal de circulação nacional – pode ser acessada no http://www1.folha.uol.com.br/educacao/2017/01/1852259-quase-50-dos-professores-nao-tem-formacao-na-materia-que-ensinam.shtml?cmpid=compfb – enfocando a questão da docência em Brasil, mais especificamente no âmbito da formação do professor e a sala de aula. O conteúdo aponta que “quase 50% dos professores não têm formação da matéria que ensinam”. Em resumo: é como se um engenheiro, por falta de médicos ou coisa parecida, montasse uma clínica, ou enfermeiros começassem a aviar receitas aos adoentados! A coisa parece ser simples, contudo, não o é, principalmente no que diz respeito à preparação dos estudantes que almejam ingressar nas principais universidades brasileiras, como USP, UNESP, UNICAMP – ficarei apenas com as três instituições paulistas, sem citar o ITA!

Lógico que a preocupação dos pais e, de quebra, da sociedade como um todo é o risco de haver no futuro – se isso já não está acontecendo no presente – apagão de mão de obra qualificada. Se o fato está sendo percebido hoje, é preciso adotar medidas para evitar que o amanhã seja a concretização de proféticas catástrofes profissionais, mas como fazer isso, se no âmbito da preparação dessas pessoas, o ensino, conforme a referida matéria aponta com dados aferidos do Censo Escolar de 2015 e tabulados pelo Movimento Todos pela Educação, vem sendo ministrado por docentes que não são da área? Antes de se buscar uma resposta plausível para tal interpelação, recorro a duas abordagens feitas nos últimos anos no processo avaliativo da FUVEST que seleciona universitários para a USP (Universidade de São Paulo). Em uma delas, os examinadores cobraram dos postulantes, análises sociológicas, históricas e literárias sobre os enunciados presente no romance O cortiço, publicado pela primeira em 1890 e composto por Aluísio Tancredo Belo Gonçalves de Azevedo (1857-1913). A obra faz parte do naturalismo – escola literária. A segunda foi registrada mais recentemente no processo seletivo da FUVEST no exame de Redação: os alunos tinham que fazer uma reflexão a partir de uma problemática colocada pelo filósofo do Iluminismo [erleuchtung] alemão Immanuel Kant [Fundamentação para a metafísica dos costumes, Crítica da razão pura, Crítica da razão prática e Crítica do juízo, entre outros] sobre a maioridade e minoridade do ser humano.

Para Kant, havia a necessidade de as pessoas terem a liberdade de usarem o seu próprio intelecto, objetivando encontrar o esclarecimento. Ao agirem assim, os homens estariam deixando a minoridade que se autocolocam ingressando assim na maioridade ou iluminação, definida pelo filósofo como sapere aude [desafio a ser sábio]. Posto isso, observamos que a UNESP também trata de questões interdisciplinares em que as várias disciplinas das chamadas Ciências Humanas são colocadas em uma questão, como certa vez em que foi utilizado um excerto do filósofo jusnaturalista genebrino, Jean-Jacques Rousseau, e sua famosa obra O contrato social [A nova Heloisa, Emílio, ou da educação]. Segundo ele, para se criar um novo homem e, por conseguinte, uma nova sociedade, faz-se necessário educar a criança de acordo com a natureza, desenvolvendo nela progressivamente seus sentidos e a razão objetivando a liberdade e a sua capacidade de julgar.

Diante do exposto, a questão se torna mais emblemática quando se observa que a disciplina de Sociologia – um dos três braços principais das Ciências Sociais – vem sendo ministrada, a exemplo de Filosofia, por docentes que não têm formação adequada para tanto, corroborando com o que diz a matéria jornalística: “Sociologia e Filosofia apresentam os piores indicadores. Professores sem a titulação adequada representam 88% e 77% dos docentes nas duas disciplinas, respectivamente”. O descalabro é tanto que, recentemente, os alunos de uma escola de uma cidade do interior paulista se recusaram a prestar um exame avaliativo no âmbito estadual por não terem tido aulas regulares de Sociologia e Filosofia com docentes capacitados nessas disciplinas. Essas observações coadunam com o que apontou o professor e pesquisador da área de formação docente da USP e ouvido pela reportagem, Luiz Carlos de Menezes. Segundo ele, “os dados são preocupantes. ‘As aulas ficam muito comprometidas, porque esses professores [ministram aulas que não dizem respeito às suas formações acadêmicas] não dominam os conteúdos mais interessantes das disciplinas’”.

Enfim, para não ser tão extensivo, quiçá o tema mereça, fica aqui registrada a minha dupla preocupação: de pai e educador, pois na condição de brasileiro quero ver essa Nação diferente do que é no momento, ou seja, composta por cidadãos críticos que atingiram a maioridade [esclarecimento – aufklärung] proposta por Kant e cobrada no recente processo seletivo da FUVEST e não indivíduos que repetem credos ideológicos como mantras entoados por determinados segmentos. Neste sentido, me parece que o docente é um intermediário entre a informação e o conhecimento, sendo que o seu papel é auxiliar o estudante a transpor o universo da primeira fase para o momento seguinte em que é possível concretizar as transformações tão almejadas por todos, contudo, como fazer isso, se o docente, em sua maioria, conforme a reportagem aponta, não tem a formação adequada na área? A coisa é tão complexa, mas que pode se externada da seguinte maneira: é como se um Sociólogo fosse dar aulas de Anatomia num curso da área de Saúde! Desta forma, proponho uma reflexão para esta quinta-feira e os demais dias da semana!

 

Gilberto Barbosa dos Santos, sociólogo, professor no ensino superior e médio em Penápolis. Pesquisador do Grupo Pensamento Conservador – UNESP e membro do Conselho Editorial e Científico da revista LEVS-UNESP. Escreve às quintas-feiras neste espaço: www.criticapontual.com.br. E-mail: gilbertobarsantos@bol.com.br, gilcriticapontual@gmail.com, e social@criticapontual.com.br.

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