Paradoxos verborrágicos dum falante

Gilberto de Assis Barbosa dos Santos

 

Nunca escutei um não médico tecendo comentários a respeito do trabalho de um profissional desta área, bem como um integrante do aparelho repressivo de Estado se envolver em questões que não dizem respeito ao seu universo laboral. Se isso é fato, e tendo a crer que sim, fico cá com uma pequena interpelação para iniciar esse diálogo com o meu leitor e não eleitor – é preciso grafar bem a diferença entre as duas coisas, porque é bem capaz de alguns acharem que se trata da mesma coisa. Posto isso, enfatizo que sala de aula não é palanque ideológico e nem púlpito para as pessoas fazerem apologia disso e daquilo, entretanto, tem uns políticos demagogos e seus asseclas que pensam que podem vir, do alto de seus carros alegóricos-ideológico fazerem apologias equivocadas sob o auspício de defender a liberdade de dizer o que pensa, mesmo que essa verborragia agrida os profissionais da educação.

Só para esclarecer o motivo do parágrafo anterior, esclareço ao meu leitor que a minha indignação é por conta do palavrório que um deputado federal, eleito pelo Estado de São Paulo, proferiu no último dia nove de julho na Esplanada dos Ministérios na capital federal. Como a questão teve ampla repercussão nacional, nem preciso me alongar nessa querela e nem citar o nome do legislador federal que teve, inclusive votos em vários recônditos do interior paulista, mesmo sendo ele oriundo das fileiras ideológicas e partidárias do estado fluminense. Entendo que essa é outra altercação na qual não pretendo me imiscuir nesse momento, pois o meu escopo é tentar entender como e porque alguém que nunca esteve dentro de uma sala de aula, na condição de docente, diz tanta verborragia contra uma categoria tão vilipendiada pela sociedade brasileira.

Lembro-me que certa vez publiquei uma reflexão explicando que os brasileiros estão de costas para as escolas e os processos educacionais e isso vem sendo consubstanciado ao longo dos últimos treze anos, levando em conta a data daquela publicação. O que pode fazer um professor dentro duma sala de aula quando passa boa parte de sua atividade laboral tentando conter violências de todos as estirpes, inclusive contra ele mesmo, professor? Os anais da história da educação brasileira estão repletos de casos em que os docentes são agredidos, ameaçados por discentes e quando não pelos próprios pais do alunato. Vejam bem, meus caros leitores, esses olhares não são fictícios, mas relato pautado, não somente no exercício pedagógico como em farto material divulgado pela imprensa brasileira, entretanto, a coisa não muda, se observarmos a recente fala desse político em Brasília. O dito, a verborragia, a ofensa e a acusação não podem ficar apenas no campo do direito de expressão, mas, conforme os preceitos constitucionais, o parlamentar precisa sofrer sanções diante das agressões verbais direcionadas aos professores.

Os processos pedagógicos e o exercício da docência exigem do profissional um significativo preparo respaldado na razão e na ciência. Num artigo intitulado Educação e propósito, publicado pela revista E, editada pelo SESC neste mês de julho, o professor David Carlo Yauri Caman afirma que o trabalho do docente é “despertar nos alunos a curiosidade e o interesse pelo aprendizado” [2023, p. 82]. Soma-se a esse olhar outro, desta vez do sociólogo francês, Emile Durkheim [1858-1917]. Segundo ele, “quando a ciência começa a se constituir, é necessário que seja postulada como um empreendimento possível, ou seja, é preciso postular que as coisas podem se exprimir em uma linguagem científica ou, dito de outra forma, racional, porque os dois termos são sinônimos” [Educação Moral. Petrópolis, RJ: Vozes, 2012, p. 20]. Parece-me que nessa observação, o pensador explica bem o trabalho do educador, professor, docente: auxiliar o corpo discente a entender o mundo que o cerca, a maneira como ele foi sendo erigido ao longo da história e como as mudanças impactaram e continuarão a definir os rumos que a sociedade adotará daqui para frente, levando em conta o protagonismo que os estudantes terão a partir do momento em que, racionalmente, do ponto de vista científico, como o futuro será edificado levando em conta as decisões que tomam no momento.

Quem está diariamente dentro duma sala de aula sabe muito bem como é complexa a tarefa de levar essa proposta adiante e barreiras, principalmente no alunato desinteressado nas mais diversas áreas do saber humano, construída por ideias estapafúrdias defendidas por políticos da proa do deputado federal que abriu a boca para dizer coisas totalmente desconectadas com a realidade pedagógica brasileira. Há, por parte dos discentes, dificuldades em entender simples enunciados matemáticos, em virtude de vários fatores, entre eles, o não saber refletir, pensar, já que espera que tudo esteja pronto no instante seguinte. Fazê-los ler e interpretar textos é outra labuta cotidiana. Estimulá-los a pegar um livro na biblioteca da escola é um deus nos acuda, como se diz no jargão popular. O nosso país frequenta os degraus mais baixos das estatísticas quando o assunto é desempenho escolar, mas não é porque há professores doutrinadores como quis dizer o legislador que pregava para uma patuleia que prefere armas de fogo a livros. Se o Brasil continuar nessa toada beligerante pautada em verborragias toscas, eleitoreiras e com pessoas que acham que pode resolver à bala os problemas sociais oriundos de uma sociedade escravagista e patriarcal, não haverá saída, pois muitos dão palanques a mentalidades medievais como essa que pregou contra os professores num evento na capital federal.

Poderia escrever mais, mas para não tornar a minha enunciação redundante, encerro aqui observando que as ofensas e acusações perpetradas pelo deputado federal são frutos de uma Nação que não prioriza a educação como ferramenta constitutiva da cidadania, conforme consta na ideia dos direitos sociais. Quando não se tem observância correta sobre os problemas sociais, resta delegar poder a quem pensa apenas em si e não nos demais, mas, por falta de conhecimento político, o público se confunde com o privado e os interesses de uma parcela sempre acostumada a se apropriar dos resultados do trabalho não pago, para não dizer escravo, sempre serão distorcidos, objetivando se beneficiarem eleitoralmente. Fiquemos de olho, pois o ano que vem teremos eleições municipais e não podemos coadunar com políticos que professam as mesmas ideias do deputado que satanizou o professorado.

 

Gilberto de Assis Barbosa dos Santos, licenciado, bacharel e mestre em Ciências Sociais, editor do site www.criticapontual.com.br, autor do livro O sentido da República em Esaú e Jacó, de Machado de Assis; professor no ensino médio em Penápolis. e-mail:   gilcriticapontual@gmail.com, d.gilberto20@yahoo.com. www.criticapontual.com.br.

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