Olhar Crítico

Transformações

Em um pequeno fragmento de seu livro A era do imprevisto: a grande transição do século XXI (São Paulo: Companhia das Letras, 2018, p. 34-35), o cientista social Sérgio Abranches afirma que “o mundo está em um processo não linear de transformação”. Já o jornalista Roberto Simon usa como epígrafe em sua obra O Brasil contra a democracia: a ditadura, o golpe no Chile e a Guerra Fria na América do Sul (São Paulo: Companhia das Letras, 2021) uma observação feita pelo pensador Alex de Tocqueville (1805-1859) em seu trabalho O antigo regime e a revolução (São Paulo: Folha de S. Paulo, 2015), segundo a qual “há um grande número de leis e hábitos políticos do antigo regime que desapareceram, subitamente, em 1789, e voltaram alguns anos depois, como certos rios que se escondem dentro da terra para ressurgir um pouco mais longe, mostrando as mesmas águas a novas margens”.

 

Dupla

Meus leitores dominicais devem estar-se perguntando por que inaugurei os olhares críticos de hoje abordando duas passagens de obras distintas, pois Abranches é do nosso presente e Tocqueville é dos séculos anteriores, inclusive autor da célebre obra Democracia na América. Creio que o meu escopo, e espero estar certo, é buscar uma sinergia entre os dois olhares, levando em conta que meu objetivo é entender esse mundo que se modifica numa velocidade nunca vista antes, entretanto, me parece que as mudanças só acontecem no âmbito da aparência, pois a essência humana continua a mesma: ou seja, perversa, egoísta e sem um quantum significativo de afetividade. Desta forma, os versos “para quem os sinos dobram” permanecem atualíssimos. Um exemplo claro desse meu olhar encontra-se no fato de que as relações sociais nessas duas primeiras décadas do século XXI foram, sobretudo, delineadas pelo racismo. Mas deixemos essa temática para outro momento.

 

Militares

Os governos militares no Brasil passaram e agora os ventos são democráticos e é neste sentido que creio que os olhares de Tocqueville são significativos, pois o rio totalitário que parecia haver secado com a promulgação da Constituição de 1988, brota com evidência nesses últimos tempos. Para ser mais preciso, 36 meses. Em virtude disso é que fico cá me perguntando: o que leva um sujeito a defender a volta dos coturnos, mas tenta desviar de uma blitz feita pelos policiais militares? Não sou togado para sentenciar quem quer que seja, mas que é paradoxal, ah isso é! As leis que protegem os direitos trabalhistas são constantemente burladas por pessoas que vivem dizendo que o país só terá solução se voltar ao tempo dos militares. Lamentável, mas não ficarei vociferando nesse ponto. Então passemos ao próximo assunto, meus caros leitores.

 

250

Esse era exatamente o número mortes em Penápolis provocadas pela pandemia do Covid-19 até o momento em que as linhas, que compõem meus olhares deste domingo, eram confeccionadas. É lamentável o cidadão saber que a coisa ainda permanece periclitante, quiçá, crescer o número de vacinados, entretanto, não se pode andar pelas ruas, praças, avenidas e outros locais públicos sem tomar os devidos cuidados: máscara e álcool gel. E não adianta discursos disso e daquilo, como se os propaladores fossem o Clark Kent, ou simplesmente o lendário Super-homem. No mundo da ficção e da mitologia pode ser que o imortal exista, mas no plano concreto todos são finitos e a morte pode chegar de uma forma avassaladora, como está sendo nesta pandemia, repetindo a Peste Negra na Europa medievalista e a Gripe Espanhola que acometeu o mundo entre o final dos anos 10 e começo da década de 20 do século XX.

 

Afetividade

Uma das coisas que mais evidenciam-me nestes tempos pandêmicos é a ausência de afetividade e solidariedade. Tenho observado comportamentos que me deixam estarrecidos, pois os sujeitos caminham pelos logradouros penapolenses como se a pandemia estivesse encerrada e que cada um deve contar os seus mortos e seguir em frente. Não vejo desta forma e, por vários motivos, sendo o principal deles o fato de que o perigo ainda é enorme e todos devem sim, atuar na prevenção de novas mutações do vírus H1N1, entretanto, para que isso ocorra com a maior probabilidade de êxito, faz-se necessário a sensibilização dos sujeitos que estão cada vez mais divulgando a atroz individualidade, sepultando a pequena quantidade de afetividade que ainda nos resta. Mas como isso é possível, se o homem ainda está com o coração pesado de ressentimento?

 

Rinhas e temperos

Acho que Anúbis, o deus do morto na mitologia egípcia, teria muito trabalho, pois o coração de cada defunto deveria pesar o equivalente a uma pena, entretanto, do jeito que observo as coisas hoje e o sentimento que a maioria dos homens porta, haja balança para equilibrar tanto ódio, inveja, rancor e ressentimento. Tudo isso são temperos eleitorais prestes a apimentar muitas relações afetivas, como aconteceu há quatro anos e para não ser catastrófico, eu arriscaria dizer, nos últimos 20 anos. Não é possível haver resposta plausível para a dissolvência de amizades que pareciam ser sólidas por conta de questiúnculas políticas. Será que um afeto cultivado ao longo dos anos perdeu para as rinhas políticas como se estivessem disputando uma briga de galos? Fica a interpelação, meus caros leitores.

 

Saúde

E já que a temática diz respeito às rinhas, outras questiúnculas e pelejas, não posso deixar de evidenciar aqui a luta pelo controle da Santa Casa de Penápolis. Conforme este jornal noticiou no transcorrer da semana que terminou ontem, a prefeitura local prorrogou por mais 180 dias o processo de intervenção àquela entidade de saúde do munícipio. Os entreveros entre a municipalidade e a Irmandade não são de hoje e nem construído pela atual administração. O perrengue se arrasta desde o governo do ex-prefeito Sinoel Batista, com direito até a realização do leilão do prédio onde o hospital funciona. Quem colocará um fim a esses entreveros e devolver a entidade aos Irmãos Remidos nas mesmas condições de antes da primeira intervenção? A interpelação reside no fato de que, ao que tudo indica, é esse o real fulcro entre a Prefeitura e o hospital penapolense que é referência para as outras cidades que formam a comarca. Enquanto isso, eu cá do meu lado, aguardo o desenrolar desse mais novo, ou melhor, velho e passado – como ocorrem com as frutas – embate político local. gilcriticapontual@gmail.com, d.gilberto20@yahoo.com,   www.criticapontual.com.br.

 

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