Gilberto Barbosa dos Santos
Em tempos de populismos de todas as estirpes, ou seja, político, econômico, social e agora o educacional – deixar vaga para os demais candidatos num concorrido vestibular -, escrever sobre política é como se fosse dizer mais do mesmo, quiçá ter claro que, conforme nos diz o cientista político espanhol, Daniel Innerarity, “a política é uma atividade cuja função envolve ser capaz de articular o equilíbrio entre as pessoas, os especialistas, os funcionários e os profissionais da política”, acredito que posso fazer a mesma reflexão sobre outro prisma, mas tendo em conta que os políticos têm papel fundamental no desenvolver da vida em sociedade. Contudo, eles só podem existir dentro de um processo eleitoral, segundo o qual, o cidadão tem papel fundamental. Mas para isso, faz-se necessário observar as diversas nuanças que envolvem o ato político.
“A política é uma ocupação indefinida para a qual é necessário ter capacidade de julgamento, visão de conjunto, prudência, intuição, sentido do tempo e da oportunidade, jeito para a comunicação, disposição para tomar decisões sobre coisas em relação às quais não existem certezas absolutas. Quem se dedica a ela deve inclusive aceitar certa superficialidade que lhe permita fazer uma ideia geral das coisas, uma visão que poderia deitar tudo a perder caso se perdesse muito tempo com detalhes. Não pode ser nem um amador nem um especialista. Radica aqui boa parte dos motivos que explicam o escasso apreço que existe pelos políticos: respeitamos mais os especialistas do que os generalistas; os primeiros se protegem melhor das críticas do que os últimos. Os administradores da objetividade, aqueles que desejariam que a política fosse uma ciência, têm muita dificuldade em entender para que ela serve, porque não percebem que a política, mais do que gerir objetividade, está ligada à ponderação do significado social das decisões, da sua oportunidade em contextos determinados, do modo como afetam as pessoas” (INNERAIRY, Daniel. A política em tempos de indignação. Rio de Janeiro: LeYA, 2017, p. 38).
Todavia, o que os dois primeiros parágrafos acima têm a ver com a nomeada da reflexão desta segunda quinta-feira de 2018? Novamente: tudo e nada, até porque, debater política no Brasil, me parece ser uma tarefa um tanto quanto árdua, justamente pela ausência de uma educação de fato política, pautada em abordagens racionais e não aquelas com fortes tendências idólatras, perpetradas por asseclas que objetivam distorcer os fatos visando inculcações a partir de determinados pontos de vistas escudados em ideologias questionáveis – toda adjetivação que termia em ismo [socialismo, capitalismo, liberalismo, comunismo, etc…] deve ser ponderada. Contudo, para que esse procedimento seja feito, sem que se macule o interlocutor, muitas vezes, com pensamentos e desejos ideológicos diferentes daqueles do sujeito que emite suas argumentações, é preciso um quantum de conhecimento do ontem desta Nação, cujo pretérito tem papel fundamental no presente, bem como a construção de um amanhã diferente do momento.
Pois bem! Se esse procedimento é fundamental, penso que o escritor Afonso Henriques de Lima Barreto, ou simplesmente, Lima Barreto (1881-1922), pode ser útil para se buscar uma compreensão deste país que, lamentavelmente, guarda enormes resquícios dos tempos da senzala e da casa-grande, duas instituições e seus intercâmbios tão bem analisados pelo pensador brasileiro Gilberto de Mello Freyre (1900-1987) em seus diversos trabalhos científicos, como Casa-grande e Senzala; Sobrados e Mocambos. Parece-me que ainda está para ser feita investigações sociais sobre os enredos acadêmicos do sociólogo pernambucano e as enunciações feitas pelos narradores barreteanos, como por exemplo, as histórias contidas em obras como Clara dos Anjos e Os Bruzundangas. É possível ir além, explorando os conteúdos da novela Leite derramado, escrita pelo cantor e compositor Chico Buarque. Claro que tais leituras podem ser escudadas com as abordagens feitas por Alberto Torres (1865-1917) em sua obra A organização nacional. Acho que com essa pequena bibliografia, é possível começar tatear pelo Brasil que emergiu daquela manhã de sábado 13 de maio de 1888, quando, num ato para longe de ser benevolente, a regente Princesa Isabel (1846-1921) exterminou o trabalho escravo no país, mas, deixou de lado o amparo social, educacional e econômico dos africanos e seus descendentes que foram explorados até a exaustão física por três séculos.
Se não foram fornecidos aos ex-cativos os mecanismos que os direitos sociais e políticos facultam a qualquer cidadão, como poderiam se constituir como entes sociais e sujeitos numa sociedade que respirava os ares do liberalismo europeu? É justamente sobre esse brasileiro que Lima Barreto escreverá, seja em seus romances, crônicas e outras narrativas críticas de um Brasil que maltratava e vilipendiava o descendente de escravo. O interessante a ser observado é que as personagens barreteanas e suas histórias não se esgotam quando os leitores deste século XXI fecham suas páginas. Mesmo que os narratários estejam trancafiados em seus gabinetes de leituras, masmorras ou residências, bibliotecas particulares ou públicas, os enredos ficcionais de Lima Barreto dizem muito sobre a vida que se passa longe dos imóveis e dos castelos enfeitados com seus móveis de primeira grandeza e os possantes veículos estacionados nas garagens espalhadas pelos mais de cinco mil cidades brasileiras – todas elas, em momentos e situações diferentes, encenam suas peças maravilhosas nas quais, pelos enredos, todo descendente de africano que se destaca de forma positiva, deve ser contido, como o escravo que olhava de soslaio o escravagista que o açoitava impiedosamente.
Enfim, ler José de Alencar (1829-1877), principalmente às páginas que compõem O tronco do Ipê, entre outras narrativas, significa compreender como foi o debate sobre o fim do escravismo e como este escritor acreditava que o sistema seria extinto. Outro nome da literatura nacional, Machado de Assis (1839-1908) fazia outra leitura daqueles momentos, indicando que a estrutura escravagista afetara negativamente tanto proprietários como os próprios negros, alforriados ou não! Lima Barreto, já nas primeiras décadas do século XX apresentou, de forma crua, as truculências e as consequências sociais para uma sociedade que acabou com o servilismo, porém, não absorveu o ex-escravo como trabalhador assalariado, além de negar-lhe as ferramentas para que se emancipasse, se transformando em cidadão de fato. Lamentavelmente, se se registrou avanços, o cotidiano demonstra o quão pífios foram essas transformações. Na dúvida, voltemos aos três escritores e aos intelectuais que pensaram a formação deste Brasil de profundas desigualdades sociais, econômicas, éticas e morais.
Gilberto Barbosa dos Santos, Sociólogo político, editor do site www.criticapontual.com.br, autor do livro O sentido da República em Esaú e Jacó, de Machado de Assis; professor do ensino superior e médio em Penápolis; pesquisador do Grupo de Pensamento Conservador – UNESP – Araraquara e membro do Conselho Editorial e Científico da revista LEVS (Laboratório de Estudos da Violência e Segurança) – UNESP – Marília; escreve às quintas-feiras neste espaço: e-mail:gildassociais@bol.com.br; gilcriticapontual@gmail.com. www.criticapontual.com.br.