Não verás Brasil algum

Gilberto Barbosa dos Santos

 

A nomeada da reflexão de hoje é designada como um paralelo do título do romance do escritor araraquarense, Ignácio de Loyola Brandão – Não verás país nenhum (Global, 2012) e objetiva tentar pensar um pouco sobre o Brasil que emergiu das urnas em 2014, 2016 e agora com a votação na Câmara Federal sobre as denúncias que pairam sobre o presidente Michel Temer (PMDB). Quando esse artigo estava sendo produzido, o Legislativo Federal encaminhava a questão, desta forma, no momento em que o caro leitor estiver passando os olhos pelas linhas que seguem muita coisa já terá acontecido, de modo que o que irei escrever abaixo não tem nada a ver com os fatos em si, pois os mesmos ainda estão acontecendo e sendo processados. Sendo assim, que país é esse que produz, depois da redemocratização, o impeachment de dois presidentes eleitos democraticamente – queira uns e outros nãos, mas a democracia é isso, governo do povo ou a ditadura da maioria – e tem outro na berlinda?

Desta forma, nunca é demais lembrar que não temos, historicamente, alinhamento com a democracia, começando pelo fato de o nosso Estado – e ai, eu não me canso de apontar – não ter sido erigido com a cara da sociedade, ou seja, não ser a expressão e a vontade de seu povo, pois antes de 1808 não havia aqui instituições que pudessem caracterizar o Brasil enquanto Nação, portanto, éramos um território apensado ao da corte lisboeta. Se isso é moeda corrente, então como se pensar e construir um país em que os seus cidadãos orgulham de sê-los? Para raciocinar sobre isso, basta dar uma observada nos municípios, onde o indivíduo existe de fato e de direito e, num segundo momento, as unidades federativas [os chamados estados] e, por fim o Distrito Federal. Nas três esferas, impera a vontade popular, mesmo que esta seja manipulada, já que o estômago é a marca maior e o determinante do ser social, todavia, não se pode deixar de registrar que além do vácuo estomacal, o homem é administrado, conduzido pela vaidade, presunção, arrogância marcada, sobretudo pela paixão da própria imagem que reflete no lago da hipocrisia e nas urnas e votos de cabresto, lembrando sempre do ser mitológico Narciso – dai a pecha de narcisista e olha que temos muitos narcisos nas administrações municipais aqui e alhures, portanto, sendo um problema muito sério para quem se arroga aos quatro cantos das cidades que pretende governar em nome do povo que passa a ser, apenas uma entidade abstrata que se recorre a cada quatro anos.

Se não temos tradição democrática, então como é possível cantar em prosa e verso que o poder emana das ruas e das urnas? Uma passada pelos fatos históricos evidencia que o cidadão não está habituado a escolher seus representantes e o faz a partir de promessas não muito associadas à ideia coletiva, isto é, propostas reais que atinjam o bem comum. É sempre o mesmo discurso, isto é, verborragias de que se administra em prol de todos, mas quando se analisa racionalmente as condutas, compreende-se que o que é visto como público tem um forte viés e tendência a beneficiar determinados grupos privados, cujos interesses estão subsumidos nas famigeradas marcas indeléveis de mais isso, mais aquilo, como um determinado candidato a deputado estadual, cujo slogan era trabalhar em prol da redução da idade penal. Não se pode esquecer do famigerado marketing populista: “ladrão bom é ladrão morto!”. Se essa “palavra de ordem” for levada ao pé da letra, e olha que se tem um ex-presidente sentenciado por um juiz federal por surrupiar os cofres públicos por intermédio de propinas e benefícios recebidos duma empreitada que tinha negócios com o Estado, não haverá cemitério para sepultar tanto gatunos, sendo necessária a criação de criptas nas áreas destinadas aos sepulcros.

Mas, para não perder o fulcro do artigo de hoje, por que esse é o título, isto é, não se terá um país depois da passagem de Michel Temer (PMDB)? Muitos adeptos do populismo petista, conforme observações feitas pelo filósofo e professor da USP, Ruy Fausto em seu livro Caminhos da esquerda (Companhia da Letras, 2017) e também a fala da socióloga e tradutora Maria Orlanda Pinassi – que foi minha professora de Metodologia Científica no mestrado em Ciências Sociais – querem forjar a ideia de que não têm culpa na escolha de Temer como vice de Dilma Rousseff que, por intermédio de uma artimanha peemedebista, para não dizer escaramuças de Eduardo Cunha e ai tem os tentáculos de Michel Temer, sofreu o segundo impeachment da recente história republicana pós ditatura militar. Para quem quiser saber mais sobre o primeiro impeachment da era moderna brasileira, ver, por exemplo, o livro do sociólogo Marcelo Ridenti Política pra quê? (Moderna, 1992) e a obra do jornalista Ricardo Westin, A queda de Dilma (Universo dos livros, 2017).

Posto isso, caminha-se em direção a uma nau brasiliense desgovernada. O desgoverno existirá por conta das denúncias que pairam contra o gestor peemedebista. A desconfiança dos agentes econômicos não cessará, caso as acusações não prossigam por conta dos deputados cooptados pelo Palácio do Planalto com o dinheiro público arrecadado através de aumentos dos tributos que incidirão, por exemplo, sobre os combustíveis. Todos pagarão a conta: empresários – estes terão as mercadorias que produzem para não reduzirem seus polpudos lucros pagando o pato, não o da FIESP – os trabalhadores – que terão seus couros mais salgados pela exploração da mão de obra e para pensar como Karl Marx, ampliando a disputa entre capital e trabalho. E não adianta o governo federal sinalizar com a verborragia de que se está pensando no Brasil, pois não se está, já que se tem de fato um endeusamento do mercado, mas não o brasileiro, pois o liberalismo nunca deu as caras por aqui, então dizer que está em voga uma política neoliberal, me parece ser apenas palavra de ordem de políticos que se querem navegar às margens à esquerda do espectro político nacional. Lógico que o mercado, conforme Ruy Fausto aponta em seu trabalho, está dando as cartas aqui nas terras de Pindorama, tanto é que a Operação Lava Jato descortina diariamente a simbiose entre capital privado e capital público tendo agentes públicos como mediadores desse peleja, cuja soma negativa vendo sendo compartilhada com a sociedade, enquanto os capitalistas plutocratas do país embolsam o lucro, socializando as perdas, – elas podem ser vistas na péssima qualidade dos serviços oferecidos àqueles que se encontram nos degraus de baixo da pirâmide social. Mas isso eu não preciso ficar enfatizando, pois todo brasileiro é cônscio disso, no entanto, quando pode mudar, faz mais do mesmo, ou seja, escolhe os mesmos sujeitos políticos que abraçam os plutocratas e empresários interessados em enriquecer sob as expensas dos cofres públicos, eis a doença endêmica do Brasil. Enquanto a situação permanecer desta forma, não se terá país algum.

 

Gilberto Barbosa dos Santos, Sociólogo/Cientista Político, editor do site www.criticapontual.com.br, professor no ensino superior e médio em Penápolis; pesquisador do Grupo Pensamento Conservador – UNESP e membro do Conselho Editorial e Científico da revista LEVS-UNESP; escreve às quintas-feiras nesse espaço: E-mail: gilbertobarsantos@bol.com.br, gilcriticapontual@gmail.com, e social@criticapontual.com.br.

 

 

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *