Tempo e tecnologia

Gilberto Barbosa dos Santos

 

O que está acontecendo com o tempo, meus caros leitores? Essa interpelação sempre faz parte do meu ser que tenta entender o presente, levando em conta o pretérito, mais especificamente as últimas três décadas. A questão voltou a me visitar a partir da leitura do livro de física teórica Gênesis: a história do universo em sete dias [Rio de Janeiro: Zahar, 2021], de autoria do cientista italiano Guido Tonelli. Para me auxiliar no raciocínio, recorrerei, de forma sintética, ao filosofo alemão Walter Benjamin (1892-1940) que, em uma de suas obras chamada Passagens [Imprensa Oficial, 2007] discute essa problemática do tempo e a percepção de que, com a modernidade, tudo se acelerou, sem, no entanto, o tempo físico, se é possível o quantificar a partir dessa grandeza material, há que ele não existe com essa magnitude que o adjetivamos, pelo menos fora do orbe.

Dentro dessa perspectiva, é interessante notar que as horas e a sua passagem são contadas a partir dos números que seriam, de acordo com o pensador pré-socrático Pitágoras, o princípio de tudo. Desta forma, é possível pensar o transcorrer dos dias levando em conta a volta que a Terra dá em torno do seu próprio eixo: 24 horas, enquanto gasta 365 dias e seis horas para completar a sua órbita em torno do Sol. Para se pensar a questão do fuso horário, basta dividir 360º relativos à circunferência, que pode ser utilizada para expressar o globo, por 24 horas. Posto isto, sabe-se que a ciência prova que isso ocorre e não adianta políticos populistas e seus asseclas das linhas teologais medievalistas afirmarem o contrário. Se isso estiver errado, como dizia o físico Albert Einstein (1879-1955), é melhor dialogarem com o Sol. Mas por outro lado, meus leitores devem estar-se perguntando o que a circunferência e a órbita da Terra entorno do astro-rei têm a ver com a passagem do tempo e a sensação de que tudo foge de nossas mãos, como quis se expressar o pintor surrealista espanhol Salvador Dali (1904-1989) com o famoso quadro das horas moles, em que um relógio derrete pelas quinas duma mesa ou da vida, conforme desejar a pessoa que interpretará esteticamente e o sentido daquela pintura.

Parece-me que aqui o frankfurtiano Benjamin pode trazer um pouco de clareza, pois segundo ele, nas Passagens, cuja tradução do alemão para o português pode operar uma outra linha interpretativa, todavia, o que deseja expressar diz respeito à passagem do tempo e não o bilhete de viagem que também pode ser usado como referencial, caso o meu leitor assim o desejar, pois uma viagem de ônibus ou de trem deve ser uma significativa aula de Geografia, mais especificamente sobre os relevos apresentados aos passageiros que, de suas poltronas, podem observar serras, morros, montanhas, enfim, uma série de imagens indicando que a geologia, que é pressão e tempo, pode apresentar. Pois bem, esse tempo anotado pelos nossos relógios continuam o mesmo que era no medievo, para não dizer desde que a Terra começou a gravitar em torno de um corpo celeste com massa maior do que a sua. Essa situação permanecerá até que o Sol, conforme Guido Tonelli informou em seu livro, entre em erupção consumindo toda a matéria em seu entorno. Mas enquanto isso não acontece, nós, humanos que se quer demasiados humanos, continuamos a nossa epopeia terrena ou à singular odisseia, se tu, meu caro leitor, pensar a respeito do périplo de Odisseu em que busca de sua amada, conforme nos conta Homero no clássico Odisseia (SP: Salamandra, 2011).

Deixando o universo poético e literário, pelo menos as odes legadas pelos gregos que tentavam através da arte e da filosofia entender o ser estar aqui do homem no mundo, e ingressando na questão do tempo e a percepção de que tudo está mais acelerado e as 24 horas não sejam suficientes para se fazer tudo aquilo que se propôs a realizar quando se abriu os olhos e a mente registrou as primeiras atividades para o dia que vai ser vivenciado por todos nós. Neste sentindo, entendo que o tempo [unidade abstrata, porém que marca a nossa passagem pelo mundo] continua o mesmo, alterando apenas a percepção que temos dele e a tecnologia tem uma forte, senão a principal, contribuição para que o indivíduo enxergue a vida, não mais a partir de uma máquina de escrever e um papel em branco instalado no carro do equipamento esperando que sejam grafados os primeiros registros do dia.  Posto isso, faço-te meu caro leitor uma pergunta: qual é a primeira coisa que tu fazes depois de abrir os olhos e perceber que um novo dia começou?

É interessante notar como essa simples atividade se modificou nos últimos 30 anos. Gosto de interagir com os meus alunos para indicar as alterações. Hoje estamos em plena era digital, mas isso era apenas uma especulação utópica e ficção científica no final dos anos 80 do século passado. Quem na época dizia que haveria um tempo em que tudo se transformaria em questões de segundos, era chamado de visionário, contudo, conforme Zygmunt Bauman (1925-2017) apresenta em seu livro Vida líquida [Rio de Janeiro: Zahar, 2009], tudo é muito efêmero e nada dura o mesmo tempo de outrora, portanto, a modernidade que se constrói enquanto você, meu leitor, percorre essas linhas, se dissolverá no instante que terminar de ler os parágrafos que produzi para hoje. O mundo que em que eu estava enquanto cosia essas observações já não existe mais, entretanto, a passagem desse mesmo tempo era outra há três décadas. Como diziam os antigos: “naqueles tempos”, o vestibulando se organizava para estudar e cumpria rigorosamente o determinado, pois não havia nada que o dispersasse. Eram as apostilas e os romances que deveriam ler e imaginar por exemplo as cenas descritas por José Martiniano de Alencar (1829-1877) no romance Iracema (São Paulo: Ática, 1994).

Hoje uma das grandes reclamações diz respeito à incapacidade do sujeito se concentrar em algo que esteja fazendo naquele momento, portanto, estudar, compreender os enunciados para nossos estudantes é um martírio, principalmente em tempos de redes sociais, curtidas e outras coisas que só dizem respeito ao mundo virtual. Quanto dos sujeitos que leem essas linhas vivem nas “nuvens”, não aquelas protagonizadas por Aristófanes, mas as construídas pelas tecnologias e suas várias moradas em arquivos celestiais em que se encontram fotos, textos, mensagens, inclusive relacionamentos sentimentais são mantidos à distância? Interessante notar que esses processos modificaram a percepção humana de ver, viver e sentir o tempo do relógio que continua sendo o mesmo, mas a sua medição se dá cada vez mais rápida e a internet é responsável por essas alterações. Observem meus caros, que apesar de estarmos em plena era digital, seus equipamentos eletrônicos e celulares ainda têm um teclado para serem digitadas mensagens. Isso significa que a modernidade alterou muita coisa, mas não os processos comunicativos. Ainda se precisa da palavra, do texto, do léxico, da imaginação que só podem ser aferidos através da leitura. Parece-me que aqui há um problema que todos devem enfrentar: não se pode deixar que a tecnologia tire do homem algo que é só do ser em si: a imaginação. Máquinas não pensam, portanto, não sentem, elas apenas reproduzem aquilo que foram programadas para fazer. Então, ao invés de passarmos duas horas nas redes sociais onde muitos existem, que tal trocar esse tempo pela leitura que ajudará o homem a ser mais criativo, pois no futuro, a máquina repetirá cada vez mais rápidas ações mecânicas que os homens faziam, os libertando para criar, mas sem imaginação, será tão somente igual o equipamento que o tornará um escravo desempregado.

 

Gilberto Barbosa dos Santos, Sociólogo político, editor do site www.criticapontual.com.br, autor do livro O sentido da República em Esaú e Jacó, de Machado de Assis; professor no ensino médio em Penápolis; pesquisador do Grupo de Pensamento Conservador – UNESP – Araraquara e membro do Conselho Editorial e Científico da revista LEVS (Laboratório de Estudos da Violência e Segurança) – UNESP – Marília; escreve às quintas-feiras neste espaço: e-mail:   gilcriticapontual@gmail.com, d.gilberto20@yahoo.com,   www.criticapontual.com.br.

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