Sobras de um amor … parte III

9.

Márcio e Angélica despertam para a vida quando os ponteiros do relógio marcam quase três horas da tarde. Foi ela quem acordou primeiro e assustada, desesperada chama o esposo. “- Querido! Olha que horas são. Perdemos a noção do tempo. Era para estarmos na estrada e ainda permanecemos aqui na cama. Vamos. Acorde! Quero estar em casa antes do anoitecer.

Até o esposo perceber onde se encontrava, a empresária estava saindo do chuveiro. “- Anda homem de deus. Que leseira é essa? Precisamos viajar logo e você está ai ainda tentando saber em que mundo está!”

Lentamente, o editor sai da cama como se estivesse disputando uma corrida com uma tartaruga e uma lesma. “- Alô! Tem alguém aí dentro”, perguntou Angélica fazendo menção de bater na cabeça do marido como quando a pessoa toca com a mão fechada na porta antes de entrar.

Enquanto o marido tomava banho, Angélica colocava as malas na sala, escutando conversas vindo do lado de fora da casa. Os funcionários estavam esperando o casal sair. Não podia entrar no imóvel, sem a permissão dela ou de Márcio e os seguranças também não deixariam.

– Estou pronto mulher! Parece que o mundo vai acabar. Tu sabes que não ser acordar de forma acelerada.

Quando a empresária olha para o esposo, fica pasma. “- Que vestuário ridículo é esse? Onde você arrumou esses trapos? Não vem me dizer que colocou escondido dentro de suas malas sem eu saber”, perguntou Angélica em forma inquisitorial.

Márcio percebeu que se se mantivesse vestido daquela forma, a confusão estaria armada e era o que realmente não desejava naquele momento. “- Porra! Eu gosto tanto dessas camisas. Por que tu achas ridícula”, perguntou o editor à sua esposa.

– Elas são dos tempos em que eu não existia em sua vida, portanto, não precisa usar mais. Desde que aceitou colocar essa algema no dedo da mão esquerda, a situação mudou e não se vestirá mais como no passado. Quem decidirá sobre suas vestimentas sou eu e com o aval de Judith. Agora ande e troque pelo menos a camisa e pode deixá-la aqui para os empregados fazerem pano de chão.

Não restou outra coisa a Márcio se não voltar e mudar a blusa. Assim que ele apareceu na sala, a empresária abriu a porta pedindo ao caseiro que colocasse as malas no carro. Enquanto o transporte era feito, Angélica foi passando as informações às empregadas dizendo que tinha muita comida na geladeira e que podiam levar e que provavelmente ela e o marido voltariam no próximo final de semana.

“- Dona Angélica precisamos avisar a sua mãe que a senhora está retornando”, informou Carlos, o chefe dos seguranças.

– Senhor Carlos. Não avise nada. Vocês nos acompanham até chegar à mansão. Eu e meu marido queremos fazer uma surpresa para Eleanora. Pode deixar o resto comigo! Não haverá problema algum. Desde já somos gratíssimos pelo trabalho que realizaram. Eu e o Márcio nos sentimos mais tranquilos com a presença de vocês aqui.

Enquanto o casal entrava no carro e o marido tentando ser gentil com todos, Angélica foi mais direta. “- Vamos homem de deus. Terá a eternidade para conversar com os nossos funcionários. Eles não sairão daqui e nem você deixará de ser meu marido”.

Todos os funcionários se olharam, inclusive para os seguranças que já estavam dentro do carro e quem observava de fora, percebia que eles tentavam segurar o riso, justamente porque ela era mandona e o esposo não tinha muito voz ativa no relacionamento. Já próximo à entrada da fazenda, Márcio disse que não gostou do jeito que ela falou com ele. “- Ficou parecendo que você é a mandachuva e eu sou seu ajudante de ordens, seu capacho”, externou o marido.

“- Você se sente assim”, perguntou Angélica já parando o carro e abrindo a porta do carona e sentenciando. “-Se acha isso, pode descer e eu volto sozinha. Fica aí com a filha da empregada, aquela que destes uma olhada especial quando esteve aqui comigo pela primeira vez”.

Márcio ficou estático, enquanto no carro dos seguranças as mulheres apostavam que agora ele metia o pé na bunda da dondoca histérica. E os homens diziam que ela venceria mais um round. Foi Carlos quem disse: “- Faz 90 dias que estes dois estão numa bate-boca danado e entre uma rusga e outra, já colocaram a aliança na mão direita, depois na mão esquerda. Ela já socou a ex-namorada dele, surrou por duas vezes uma amiga do marido: uma na casa dela e a outra na loja e esse bestalhão continua com ela. Esquece. Vão perder dinheiro”.

Márcio desceu do carro e a mulher arrancou, pegando a rodovia e o esposo deixando a propriedade, seguindo a pé. Os seguranças pararam e perguntaram se ele queria uma carona. “- Não! Do jeito que ela está é capaz de fazer vocês serem demitidos. Acompanhe ela, por favor. Depois eu vejo se consigo uma carona ou volto para a sede da fazenda”, explicou o marido.

O editor, irritadíssimo andou por quase uma hora e meia. Tirou a aliança do dedo e guardou na carteira. Não faria escândalo nenhum. Assim que chegasse na mansão, devolveria o objeto, os cartões bancários da empresa onde Eleanora tinha feito os aportes do dinheiro à editora. Em silêncio sairia da cidade, mas desta vez sem deixar pistas alguma. Todos estavam ajustados, então, poderia desaparecer da mesma forma como chegou àquela cidade e permitir que aquela doida fodesse com a sua existência.

Já começava a imaginar a cidade para onde iria. Lá, com certeza, não seria encontrado. Telefonaria para a mãe para tranquilizá-la e imploraria para ela não conversar nada com a família de Angélica. Diria que precisou desaparecer para não extrapolar, pois a empresária estava passando dos limites com ele.

Enquanto elaborava um plano de fuga, Márcio se encontrava num ponto da estrada em declive e logo depois seria uma subida. Do lugar em que se estava o editor vislumbrou o sol fazendo as malas para se despedir do dia, indo reinar no Oriente. Deveria ter aceito a carona dos seguranças, mas, por orgulho achou que daria conta de seguir em frente e encontrar uma carona, todavia, só conseguiu mesmo arrumar uma canseira daquelas. Ao avistar uma árvore decidiu descansar ali e depois ligaria para Roberto para que viesse resgatá-lo.

Sabia que se fizesse isso, haveria problemas para todo mundo. Melhor não usar esse expediente. Após descansar uns vinte minutos, continuou na caminhada até enxergar a entrada de um motel. “Ótimo. Pelo menos poderei passar a noite e seguirei amanhã bem cedinho. Vou direto ao apartamento dela e lá entrego a aliança e os cartões”, pensou o editor. A ideia era não fazer alarde algum e depois conversaria serenamente com os amigos, se despedindo de todos, pois pretendia finalmente dar um tempo para si mesmo.

Assim que entrou no estabelecimento foi direto para a cabine solicitada, entretanto, alguém viu quando Márcio ingressou no estabelecimento. “Filho de uma puta! Provocou a discussão comigo para encontrar a sirigaita da Alice. Ah mais isso não vai ficar assim. Hoje ele vai saber que tem esposa”.

A empresária pediu aos seguranças que a esperassem, ficando em alerta. Todos conheciam o jeito explosivo daquela mulher e as maneiras apaziguadoras do esposo. Discussão na certa e muita confusão. “- Já imaginaram se o cara fosse como ela? Derrubariam os satélites quando estivessem brigando”, disse Carlos dando risadas, sendo seguido pelos outros três seguranças que estavam dentro do carro aguardando ordens de Angélica.

Na portaria, ela chegou dizendo ao atendente que era para passar o número da cabine que o marido tinha ido e se já tinha alguém com ele lá. “- Minha senhora, é política de nosso estabelecimento não fornecermos esse tipo de informação. Não sabemos nem o nome da pessoa ou indivíduos. Boa noite!”

A empresária falou pela segunda vez e diante da recusa começou a falar mais alto, dizendo que fecharia aquela espelunca em questão de horas se o funcionário não fizesse o que estava solicitando. “- Se a senhora não for embora, chamarei a polícia. Boa noite”.

– Chame a polícia e arcará com as consequências. Afinal se o senhor não me passar, vou abrir portas uma por uma até achar a cabine em que meu marido está e aí o senhor pode chamar a polícia, funerária, médico legislativa e avisar sua mulher que ela ficará viúva também.

Carlos percebeu que havia alguma coisa de errado porque Angélica estava falando muito alto, quase berrando. Ao checar o que estava acontecendo, foi informado pela empresária que o atendente se recusava a dizer em qual quarto o marido dela estava. Quando o funcionário pensava em fazer nova recusa, percebeu que o chefe de segurança da mulher estava armado. Sem dizer nada, virou-se, pegando a chave-extra e passando à solicitante indicando onde ficava.

Apenas com o olhar, a empresária determinou que seu empregado a aguardasse no carro. Ao abrira porta da cabine, Angélica surpreendeu o marido saindo nu do banheiro e já foi gritando com ele. “- Onde está a vadia? Você escondeu ela em que lugar? Seu filho de uma puta. Provocou a discussão comigo para encontrar a Alice, ou é a filha da funcionária da fazenda? Ande fale logo? E cada sua aliança? Desgraçado! Você não sai vivo daqui hoje”, afirmou a empresária.

Márcio calmamente pegou a cueca que estava usando desde quando saíram da propriedade, a vestindo e quando a mulher ia falar mais alguma coisa, o editor foi direto: “- Quer calar essa maldita boca! Estou te saco cheio de seus chiliques, de seus ciúmes desmedidos e de sua esquizofrenia. Sim! Só esquizofrênico enxerga um mundo que ninguém mais vê. Desde que te conheci me inferniza a vida. Venho tentando equilibrar o nosso casamento que não faz duas semanas que aconteceu, mas parece que estamos juntos faz uma eternidade”, desabafou o editor de maneira exasperada.

Quando ela ameaçou abrir a boca, ele voltou a mandá-la ficar em silêncio. “- Eu ainda não terminei. Andei um bom pedaço a pé. Não voltei para a fazenda porque sabia que tu ias aprontar mais loucura ainda. A aliança eu guardei, pois pretendia enfiá-la no seu rabo amanhã quando chegasse em seu apartamento. Hoje você transbordou meu copo chamado paciência”.

– Márcio! Volte comigo. Como explicarei para minha mãe e para todos que ficou no meio do caminho dormindo num motel porque não me suporta mais?

– Não sei! Deixou de ser problema meu! Aliás acho que todo mundo fez apostas para saber quanto tempo durava a nossa brincadeira de casinha. Seus seguranças devem achar que eu sou um bunda-mole que te deixo cagar em minha boca, enquanto dou risadas. Portanto, use a mesma porta que entrou e saia daqui e me dê um pouco de paz. Deixe que eu me viro daqui para a frente. Provavelmente amanhã cedo estarei na porta de sua torre. Afinal nunca fui habilitado mesmo para entrar lá sozinho.

Ao dizer isso, o editor deitou-se na cama, falando entre os dentes para a empresária. “- Ao sair, por favor, feche a porta. Não quero ser surpreendido novamente enquanto eu estiver dormindo”.

– Se você vai pousar aqui, irei também! Não volto sem ti de jeito nenhum. Em casa conversamos e acertamos tudo. Se tu achar que não dá para continuar, desfazemos tudo e eu assumo a minha responsabilidade. Só não quero chegar sozinha lá na volta de minha lua de mel.

Márcio fez ouvido de mercador, mas Angélica começou a esmurrá-lo, como se fosse uma criança mimada que não conseguiu o brinquedo que desejava, atacando a primeira pessoa que via pela frente. “- Está maluca. Quer parar com isso. Está achando que sou seu saco de pancadas”, perguntou o esposo

Como os seguranças perceberam que a empresária demorou para retornar com ou sem Márcio, chegaram até a cabine onde o casal estava e começaram a bater na porta. Era Carlos chamando-a para irritação total do marido. “- Caralho! Esses seus seguranças também. Vá se foder Angélica e me deixe em paz”.

– Só se você voltar comigo.

Antes mesmo do editor dizer alguma coisa o celular dele toca. “- Não falei que estava esperando alguém, seu filho de uma puta. Pode começar a rezar porque o senhor será defunto em breve”, gritou Angélica enquanto Márcio olhava para o telefone tentando identificar quem havia ligado. Pegou o aparelho e mostrou o número para ela. “- Agora você liga novamente e pergunta para ela se havíamos marcado de treparmos aqui nesse motel”.

Cega pelo ciúme, a esposa não pensou duas vezes, ligando e já foi xingando a pessoa do outro lado da linha. “- O que é isso minha filha. Ficou louca achando que eu ia para o motel com meu filho. Aqui é Judith. Eu liguei para o Marzinho para saber se estava tudo bem com ele, mas agora acabo de perceber que tu continuas vendo coisa onde não existe. Acho melhor vocês dois não continuarem esse relacionamento. Deixa eu falar com meu filho, sua doida varrida”, disse de forma exasperada a mãe de Márcio.

– Oi mãe!

– Filho! O que está acontecendo entre tu e essa mulher? Que história é essa de motel? Você marcou com alguma mulher e ela descobriu? Me conte! Anda quero saber tudo. Se fez isso mesmo, vai ter comigo. Não eduquei filho para ficar andando de motel em motel com sirigaita nenhuma.

– De fato mãe. Estou no motel, mas não tem mulher nenhuma. Estou tentando voltar para a casa. Essa doida da Angélica teve novamente chilique de ciúmes, além de armar um circo na frente dos funcionários porque eu estava sendo gentil com eles. Depois quando eu chegar, ligo e conversaremos. Amanhã cedo nos falamos. Tchau!

Ao desligar o aparelho, o marido olha para Angélica que estava em prantos e não sabia onde se enfiar. Havia ofendido a sogra, uma pessoa que a tinha em estima, como se lhe fosse uma segunda mãe, que sempre ficaria ao lado dela se o marido pisasse na bola com ela. “- O que eu faço Márcio? Tua mãe acaba de me chamar de maluca e com razão”.

– Eu não sei o que tu deves fazer, mas eu sei o que farei. Ficarei aqui e bem longe de ti.

Assim que ele termina de falar, o telefone toca novamente e é o pai de Márcio. “- Filho! Voltem e resolvam isso tudo aqui. Não quero o nosso nome enrolado nessas suas brigas com a sua esposa. Se ela está aí é porque reconheceu que fez merda e deseja que tu retornes com ela. Faça isso em silêncio e aqui conversamos”.

– Onde o senhor está pai?

– Na casa de tua sogra! Vamos fechar a compra de um supermercado para o teu irmão administrar. Então eu te imploro: resolva tudo isso dentro dos domínios de vocês. Ninguém precisa saber o que acontece com o casal.

– Está certo pai. Estou indo.

– Deixe-me falar com a tua mulher, Marzinho.

Ao passar o aparelho para Angélica, Rogério foi direto e de poucas palavras: “- Minha filha! Eu e Judith te adoramos, mas penso que está passando dos limites com Márcio. Ele nunca foi mulherengo e isso gerou muitos conflitos entre nós dois. Então se ele está te dizendo que não tem ninguém, pode acreditar no que está falando, porém, serei bem objetivo contigo: se eu tiver que entrar na relação de vocês dois, ele terá que escolher: ou fica contigo ou com os pais e se a escolha for tu, esquece-nos. Não quero mais saber desses escândalos que vivem aprontando. Porra! Se estão casados, que resolvam o relacionamento dentro de casa, sem que ninguém fique sabendo. Agora eu quero os dois aqui na mansão dentro de uma hora. Tchau!”

A fala de Rogério foi como se um balde de água, cheio de gelo fosse jogado sobre as brasas de uma churrasqueira. Os dois deixaram o quarto do motel, entraram no carro de Angélica e em silêncio terminaram a viagem. Chegaram na mansão faltando dez minutos do horário estabelecido pelos pais de Márcio. O que deveria ser uma surpresa, virou um paredão tanto para Angélica quanto Márcio.

Esdras e Leônidas se encaminharam para a piscina, Amadeu, Tarsila e Mariana foram para a adega encontrar um vinho para tomarem depois que o temporal passasse. Alexandre ficou meio perdido, mas saiu rapidinho, indo se juntar aos dois irmãos de Márcio. Lá chegando, perguntou o que tinha acontecido. “- Meu pai é de boa, mas para ele falar com Angélica do que jeito que conversou, é porque a situação passou do ponto”, explicou Léo.

“- Você acha que isso pode afetar a aquisição do prédio ou coisa parecida”, perguntou o general.

– Para que a coisa não descarrilhe é que meu pai agiu desta forma. Ele não quer que as presepadas do Marzinho atrapalhem o mundo dos negócios. Então a conversa lá vai ser de fazer raios pararem de ficar riscando os céus.

Diante da informação, Alexandre ficou mais tranquilo e começou a conversar sobre amenidades e contar causos dos tempos da caserna. Já dentro da mansão, Márcio estava sentado ao lado da esposa, tendo defronte os pais dele e Eleanora.

“- Pois bem! Quem que começa”, intimou Rogério.

– A culpa é toda minha, senhor Rogério. Eu que não estou sabendo levar essa onda de casamento, ciúme, medo de não ser a mulher perfeita que o Marzinho sonha.

“- E você acha que eu sou a mulher perfeita do Rogério? Tu acreditas mesmo que ele é o homem perfeito que eu carrego dentro das minhas ideias”, perguntou Judith.

Eleanora assiste a tudo, muito serena. Não toma partida no assunto porque conhece bem a filha e sabia que o problema apareceria, porém, não achava que seria tão cedo assim.

– Durante esses dias na fazenda tivemos pelo menos umas duas brigas por conta de minha imaturidade, infantilidade e ciúme dos próprios fantasmas que eu ando criando, temendo que o seu filho vá me deixar na próxima esquina. Trago comigo problemas que eu não gostaria de abrir para vocês e espero que me entendam.

– E qual foi o motivo do escândalo no motel. O dono ligou aqui para a sua mãe dizendo que você estava lá apavorando o funcionário porque queria saber qual a cabine que o Marzinho tinha se hospedado.

– Os mesmos de sempre. O seu filho é muito cordato com todos e, na fazenda foi gentil com os meus empregados e eu achei que tudo isso era porque estava interessado na filha da empregada. Por isso o coloque para fora do carro e ele se recusou a pegar carona com os seguranças, andando um longo trecho a pé até achar o motel, onde pretendia descansar e amanhã cedo me devolver a aliança sem provocar escândalos, mas quando voltava para pegá-lo eu o vi entrando no motel e ai fiquei cega. Peço perdão a todos vocês. Se o Márcio quiser vir comigo para resolvermos isso em casa, estou esperando ele no carro, mas se não desejar, entenderei. Não posso mais ficar implorando afeto de quem já me dá tanto e eu não ser ver isso com os olhos do coração.

Ao término de sua observação, Angélica sai da sala e se dirige ao seu automóvel. Sua mãe a segue de longe e quanto ela debruça a cabeça sobre o volante e inicia um choro, seguido de soluços, Eleanora abre a porta do carro e entra. “- Mãe! Eu amo esse homem e tenho certeza de que é a pessoa com quem desejo passar o resto de minha vida, mas estou perdendo ele para meus fantasmas. O pai dele me colocou contra a parede. E eu não quero ser motivo de discórdia entre os dois. O que eu faço, mãe!”

– Aguarde Márcio conversar lá com os pais dele. Eu não quis me meter, porque entendo Judith e Rogério e sabia que isso poderia acontecer justamente pelo passado que eu e teu pai lhe demos. Por mais que eu queira mudar o ontem, não consigo fazer nada e, te dar um futuro diferente, já não depende só de minhas forças e do meu dinheiro. Eu sei que esse homem pode te fazer feliz, mas essas turbulências iniciais podem impedir o progresso do amor e da paixão de vocês.

– Mãe! Me ajude a não perder o Márcio e ao mesmo tempo não ficar entre ele e os pais. Ele nunca faria isso comigo: ficar entre eu e a senhora. Eu não sei o que fazer. Se eu acordar amanhã sabendo que ele não estará comigo, acho que entrarei em parafuso.

Enquanto mãe e filha conversavam dentro do carro, momento em que Eleanora tentava acalmar o coração da filha que estava aflitíssimo, pois sabia que tudo dependeria de como Márcio sairia da casa onde dialogava com os pais. “- Pai. Antes de eu e o senhor nos acertamos, a mãe pediu para eu me separar dela. Eu disse que se ela se separasse do senhor, eu deixaria Angélica. E novamente eu digo isso a vocês dois. Será que o senhor pode viver sem minha mãe e ela sem o senhor”, perguntou o editor.

O pai deu abraço terno no filho que estava em choro e pela primeira vez Judith viu Rogério compartilhando as lágrimas do filho. “- Então Marzinho, faça esse casamento dar certo, como eu e sua mãe fizemos durante todos esses anos desde que nos conhecemos. Tem alguma coisa com essa moça que faz ela agir assim. Descubra qual assunto ativa o gatilho emocional dela. Eu sei que tu não vais me falar coisas que são intimas dela e o que acontece entre vocês dois, mas não deixe isso acontecer mais, pelo menos na frente de pessoas estranhas”, disse Rogério, enxugando as lágrimas que caiam por entender o quanto o filho amava aquela mulher que mais parecia uma dinamite prestes a ser detonada.

“- Filho! Vocês não ficarão mais um pouco? Não vão jantar conosco”, inquiriu Judith.

– Não mãe! Não há clima para isso. Amo vocês dois, mas não posso deixar a mulher que amo abandonada nessa longa jornada que ela tem a percorrer. Espero que me entendam.

– Marzinho. Não vamos deixá-lo sozinho nessa caminhada. Vai lá fique com ela e amanhã almoçaremos juntos onde vocês quiserem.

– Obrigado pai pelo carinho e pela amizade. Eu e Angélica vamos sair dessa confusão juntos e mais fortalecidos. O senhor pode ter certeza disso. Tchau. Amanhã nos falamos mais.

Quando Márcio deixa a casa, Angélica o enxerga pelo retrovisor e começa a passar mal, suar frio, com as mãos geladas e quanto mais ele se aproximava do automóvel, maior eram os batimentos cardíacos, parecendo que teria uma sincope e a mãe sem saber o que fazer. O editor chegou próximo à porta do carona, onde estava Eleanora.

A sogra desce e o genro pede desculpas a ela por tudo o ocorrido nos últimos 90 dias em que teve a sua vida bagunçada e desorientou o mundo dela e de seus familiares. Angélica ao ouvir isso, se descontrolou e quando foi dizer alguma coisa já em prantos, o marido só olha lhe pedindo paciência. “- Acalme-se! Em casa a gente conversa. Acho que nossos parentes não são obrigados a participarem dos nossos problemas”.

Voltou-se a Eleanora abraçando-a dizendo que amava muito a filha dela e que faria tudo o que fosse necessário para que o casamento desse certo e caso tudo desandasse não seria por falta de esforços da parte dele. “- Proporei uma terapia intensiva para nós dois. Não posso deixar minha esposa sozinha nessa guerra que ela trava com o seu mundo interior. Vamos almoçar juntos amanhã”, perguntou o genro.

A sogra confirmou com a cabeça, enquanto o editor informou que ligaria para marcar direitinho. “- Hoje não tenho cabeça para falar sobre isso. Estou cansado, mas o pouco de forças que ainda preservo quero usar com a minha esposa. Obrigado pela compreensão”.

Ao entrar no carro só disse para a empresária: “- Vamos! Em casa conversaremos”.

Fizeram o trajeto todinho em silêncio e Márcio constantemente olhando pela janela, observando as luzes e o caminho que cansou de fazer em outros momentos em que o casal vivia nas nuvens. Mas naquele momento, a situação era complicada e o editor entendeu que havia um ponto em que ela perdia o sentido e a razão. Esse gatilho precisava ser encontrado e o contornarem juntos. Do nada, ele pegou a mão da esposa, lhe dando um aperto indicando segurança. Somente com essa ação dele, Angélica relaxou completamente.

Quando o casal entrou no apartamento, foi como se Angélica estivesse dentro de seu reduto que funcionava como um escudo contra tudo e todos. Ela imaginou que o marido começaria com aquela conversa toda e outras ladainhas, mas ele se limitou a subir as bagagens, enquanto a esposa não sabia para onde se dirigir dentro da própria casa.

Assim que terminou de transportar tudo, o editor pegou um copo o enchendo até a boca com uísque, se sentando no mesmo canto do sofá. Esperou que a empresária começasse a falar. Ficaram mais de meia-hora em silêncio enquanto a bebida era sorvida lentamente, como se quem a ingerisse queria sentir o gosto amargo do líquido, na tentativa de aliviar as dores que iam no coração e na alma.

“- Coloque a aliança novamente no dedo Márcio”, pediu a esposa.

– Você tem certeza de que reúne condições para que permanecemos com esse adorno no dedo?

– Não sei! Mas de uma coisa eu tenho certeza absoluta: não te quero ver longe em hipótese alguma. Sei que fiz seus familiares, mas principalmente, você passar vergonha diante dos meus seguranças, dos meus funcionários na fazenda. Compreendo que quase coloquei tudo a perder. Também entendo que me deu muitas chances e oportunidades e da mesma forma como eu as recebia do teu coração, também as desperdiçava com as minhas infantilidades. Você sabe de todas elas, então não preciso ficar aqui recordando cada uma, mas mesmo assim, eu ainda quero uma nova chance em nome desse amor que vivia dizendo que me tens.

Márcio se levantou e pegou mais uma dose de uísque. “- Se não quiser continuar casado comigo, pelo menos não vai mais além desse copo de bebida. Posso até tentar viver sem você comigo, mas não suportaria vê-lo dentro de um caixão”.

Ele olhou para a esposa por uns bons segundos e recordou como o irmão ficou quando Tarsila desapareceu. Amadeu quase perdeu os sentidos, e Tarsila naquela manhã no apartamento-escritório se sentiu a pior mulher do mundo quando descobriu as dores que iam n’alma do seu poeta.

– Segunda-feira vou iniciar uma terapia intensiva e gostaria imensamente que me acompanhasse, mesmo que fosse para ficar na antessala enquanto eu converso com a minha psicóloga.

O esposo deu outra golada no uísque, se sentando ao lado da esposa, puxando-a para si, a beijando carinhosamente disse baixinho em seu ouvido. “-Vamos tomar um banho. Todos estamos muito cansados. Tome você primeiro e depois eu vou”.

A esposa se desvencilhou carinhosamente dos braços do editor e foi para o banheiro, onde ficou quase meia-hora, mesmo com o corpo estando limpo, parecia que faltava ensaboar a alma. Quando deixou o local, disse ao esposo que o lavabo estava livre para ele. O editor entrou e ficou quase o mesmo tempo que ela, momento em que pensou em tudo e na conversa que teve com os pais e com Eleanora.

Ao deixar o banheiro, Márcio já estava com a aliança novamente no dedo da mão esquerda e ficou surpreso ao observar que a esposa escondia o rosto no travesseiro e pelo som estava chorando. “- Estou com vergonha de olhar para ti e a todos que estão na casa de minha mãe e seus pais. Acho que perdi todo o carinho que eles tinham por mim”, desabafou Angélica já com o rosto escorado no torso do marido.

– Agora vamos dormir! Amanhã quando acordarmos decidiremos o que faremos, até porque no momento não é possível caminharmos por nenhum lugar, exceto pelo mundo dos sonhos.

Angélica foi se agarrando mais ao esposo e ao pegar-lhe na mão esquerda sentiu a aliança no dedo dele. Foi como se ela fosse se soltando, se tranquilizando. Em seguida levantou os olhos para o marido, agradecendo por ele não abandoná-la.

– Vamos cuidar dessa ciumeira toda, junto com essa cabeça para que o coração e sua alma possam viver serenamente esse nosso amor.

Ao ouvir essas observações do marido, Angélica se tranquilizou completamente, podendo finalmente ter um sono tranquilo. Márcio ainda levou mais um tempo acordado, refletindo sobre as loucuras que ela havia feito desde que deixaram a fazenda. Mas quando pensou no quanto a amava, suspirou fazendo com que a esposa acordasse e lhe dissesse: “- Dorme comigo amor. Terei amanhã e toda a eternidade para lhe dar a paz que tanto busca em nosso amor”.

“- Eu suspirei de paixão, meu amor. Foi só isso. Agora dorme que eu já estou chegando contigo nesse sono gostoso”, informou o marido que em cinco minutos também estava dormindo.

Na mansão, Eleabora se limitou apenas a agradecer o apoio e o carinho que os pais de Márcio estava dando à filha. “- O Marzinho não vai a lugar algum sem a sua filha, minha amiga. Pode ficar tranquila. Eu vi nos olhos do meu filho que, por mais doida que Angélica seja, ele a ama muito e isso é o mais importante, pois lá do jeito dela, está fazendo ele feliz”, disse Judith para tranquilizar a amiga.

“- Eu sei disso minha amiga, mas paciência tem limites e não há amor que convença um homem, cansado das mesmas coisas, a continuar numa jornada que passa mais tempo tendo que apagar incêndios provocados pela mulher ciumenta”, desabafou Eleanora. “- E eu temo quando esse momento para Márcio chegar. Minha filha estava em pânico dentro do carro só de saber que o marido pudesse dar um basta em tudo”.

“- Sei que essa conversa é entre vocês, mas posso te dizer uma coisa, minha cara Eleanora”, inquiriu Rogério.

– Tanto Marzinho quanto Angélica vão necessitar muito mais do que o amor que um sente pelo outro par fazer esse casamento caminhar. Os dois precisarão muito do apoio dos pais. Ele vai com ela até o final por saber muito sobre a alma da esposa, inclusive o que lhe atormenta para além da esfera material. Eu sei que tu sabes do que estou falando, mesmo que eu não tenha informação sobre o conteúdo, contudo, o meu possui e estará junto de sua filha.

– Obrigado meu amigo. Nunca vi Angélica como eu a observei agora a pouco no carro. Até parecia que teria um colapso de tão tensa que estava. Quando Márcio se aproximava e ela o via pelo retrovisor, ia ficando pior. Só relaxou quando ele disse que ambos conversariam em casa.

“- Eu sei que meu filho a ama incondicionalmente e se sua filha ama o Márcio da mesma forma, então só nos resta dar todo o respaldo emocional que os eles precisam”, acrescentou Judith, deixando a amiga mais serena que, tentando não alongar aquela conversa, propôs que todos fossem se recolher, pois no sábado haveria a negociação para a compra do supermercado.

No dia seguinte à confusão toda armada por Angélica, na mansão todos haviam levantados bem cedo, pois o general já estava no portão aguardando que sua entrada fosse franqueada. Na torre de Angélica, o casal dormia profundamente como as brigas da sexta-feira nunca tivessem acontecido. Eleanora, Alexandre e o pessoal da família de Márcio foram ver o supermercado, a localização do mesmo, bem como a movimentação que o estabelecimento tinha e pelo que observaram estranharam o proprietário querer se desfazer do comércio.

Para que a negociação não se arrastasse mais, ficou acertado que Rogério entraria com uma parte substancial, Alexandre e Eleanora com 25% cada. A conversa tinha sido acertada anteriormente, porém, sem a presença de Esdras, que gerenciaria o empreendimento que, inicialmente continuaria com a mesma bandeira, mudando apenas o nome jurídico da empresa e todos os funcionários seriam mantidos.

Quando soube que o marido teria que ficar na cidade mais uma semana para ajustar tudo e fazer a transição para a família, Mariana não gostou muito da ideia e nem se preocupou em esconder o descontentamento. Judith para evitar novas discussões e desentendimentos lhe disse: “- Posso falar com o Marzinho e vocês dois ficam no apartamento dele até que Léo conclua todo o trabalho no supermercado”.

– Não quero nada desse Marzinho. Parece que tudo tem que depender dele. Se não fosse Esdras se interessar pela secretária da mulher dele, nada disso teria acontecido. Então, nem pensar ficar no apartamento do seu filho e ainda tem aquela esquizofrênica da mulher dele que enxerga traição até num poste de energia elétrica. Não tem problemas, eu volto com a senhora, mas se Léo sair da linha, já sabe: é caixão.

– Agora se acalme Mariana. Esse é um assunto nosso que deve ser tratado entre os nossos e não ficar espinafrando seu cunhado para pessoas que não tem nada a ver com os seus rompantes contra Márcio. Depois vamos equacionar isso. O primeiro passo é fechar a compra. Depois, tenho certeza de que seu marido não ficará vindo aqui, pois creio que o general e Eleanora nomearão uma pessoa para acompanhar os passos de Esdras.

– Só espero que não seja o bunda-mole e irritante Márcio.

– O que você tem contra o Marzinho? O que foi que ele fez a ti, Mariana? Será que posso saber?

Antes de a nora responder, Leônidas chegou para apaziguar a situação, mesmo que as duas falassem baixo para que ninguém escutasse. “- Mãe! Será que Eleanora se importaria se ficássemos na mansão até que eu conclua o trabalho de avaliação do supermercado”, perguntou Léo.

– Eu creio que não, mas é sempre bom conversarmos com ela.

– Por que a senhora não fica também, já que são amigas?

– Tudo bem filho, vou ver com ela e seu pai voltará sozinho?

“- A senhora está com medo que ele pule a cerca”, inquiriu Leônidas de forma jocosa.

– Ele quem sabe. Se fizer, tem que ser bem feito porque se eu descobrir, morre ele é a cadela que abrir as pernas para o pau dele.

Todos riram porque conheciam bem o gênio briguento de Judith e apesar de dar suas olhadelas, Rogério não era nem doido de se movimentar um milímetro fora do radar da esposa. Ele também não queria, conforme dizia aos amigos. A mulher era o seu mundo, seu universo.

Acertadas as condições de compra e venda, o pessoal voltou para a mansão e a anfitriã estava aflita para saber da filha e do genro. Ligou e sua ação despertou Angélica.

– Alô mãe!

– E como está indo?

– Estávamos dormindo.

“- Vocês continuaram a brigar quando chegaram no apartamento”, perguntou Eleanora.

– Conversamos bastante e quando fomos dormir, ele recolocou a aliança no dedo. Me pediu para na próxima semana fazer uma terapia intensiva. Ele vai comigo e ficará me esperando. Solicitou que eu cuide da cabeça para que o coração viva plenamente o amor que minha alma tanto almeja realizar com ele.

– Filha! Ontem à noite eu conversei com os pais dele e me garantiram que Marzinho não te deixa, mas precisamos dar muito apoio emocional à vocês. Então venham almoçar conosco. Acabamos de finalizar a compra do supermercado. Eu e o Alexandre ficamos com 25% cada e Rogério com os outros 50%. Veremos como o moleque se sai à frente do empreendimento.

– Está certo mãe. Assim que Márcio acordar sairemos. Creio que dentro de uma hora estaremos aí.

Ao desligar o aparelho, Angélica o programou para despertá-los dentro de 45 minutos, voltando a dormir ao lado do marido que a abraçou com muito carinho, a chamando de minha galega. “- Vem minha galega, minha estrela-guia. Vamos dormir mais um pouco. Não quero ficar sem o seu calor e o seu amor”, disse o editor para deleite do coração da esposa.

Conforme o programado, o casal despertou no horário definido e Angélica não sabia se o que tinha escutado antes era real ou delírio do marido enquanto este dormia. “- Márcio! Você se lembra o que me disse quando eu voltei a dormir depois que falei com minha mãe”, perguntou a empresária.

– Eu só me lembro de ter lhe dito que não quero ficar sem o seu calor, sem o seu amor. Ah acho que também galega e estrela-guia.

Angélica estava toda ressabiada com o esposo, pois sabia que tinha feito muita merda no dia anterior e se ele ainda quisesse ir embora, não poderia evitar que isso acontecesse.

Quando Márcio entrou debaixo do chuveiro, a empresária o acompanhou lhe perguntando: “- Quer dizer que não vai embora e nem me deixar”.

– Abra bem essa cabeça aí e o coração e guarde bem o que vou te dizer e espero que seja pela última vez: não quero procurar em outras mulheres a Angélica que amo tanto. Mas só continuaremos juntos se a partir de segunda-feira você intensificar a terapia, pelo menos nessa primeira semana. Estarei contigo sempre.

Terminaram o banho, se arrumaram de forma sóbria e o editor procurou colocar uma roupa que não fosse contrariar a esposa. Começava a procurar compreender o ponto que ativa o “gatilho” que a tirava fora do ar. Poderia ser roupas, ou alguma coisa que a transportasse ao passado e como num efeito bumerangue a trouxesse de volta rapidamente ativando o medo de perder o seu ponto de apoio no presente: o marido.

Pelo fato de a hora já estar avançada, o casal deixa o apartamento em direção à mansão onde pretendia comer alguma coisa antes que o almoço fosse servido e tinha todo um caráter especial naquela comensalidade: a primeira sociedade entre a família de Angélica, os pais de Márcio e o general. Lógico que ele praticamente foi intimado pela namorada a entrar na sociedade. Não tanto pelo dinheiro, mas muito mais pelo fato de estar com Eleanora.

Ao adentrarem o imóvel, todos olharam para o casal como querendo tentar adivinhar o nível dos dois a partir da expressão de cada um deles. Lógico que a confusão da noite anterior no motel não havia passado, mas todos estavam dispostos a não tocarem no assunto e, em virtude disso, depois de feitas as apresentações e saudações, Tarsila chama Márcio para conversarem.

A cunhada, sabedora dos ciúmes da esposa de Márcio, pega o notebook e caminha com ele em direção à piscina. “- Te chamei aqui para lhe falar de um assunto relativo à editora”, explicou a esposa de Amadeu. “- Mas por que não me falou lá dentro”, perguntou o editor.

– Pelo que vou te mostrar. Se tua mulher ver ou escutar, é briga na certa. Conheço o gênio esquentado de Angélica. Se eu te levo para um cômodo específico para conversar contigo, tenho certeza que iria infernizar-nos.

Tarsila abriu o equipamento, mostrando um texto gigantesco. “- É um romance. O título é: Se o passado falasse, o presente seria de cantos”.

– Opa! Já gostei. Mande no meu e-mail. O lerei essa noite em casa.

“- Você sabe quem é autora ou autor desse texto”, perguntou a vice-presidente da editora.

– Não faço a menor ideia. Você a conhece?

– Não! Mas no corpo do texto que acompanha o romance ela se identifica como Alice Escolar e explica porque optou por esse sobrenome. Ela mandou uma foto dizendo que você a conhece.

Márcio pede para Tarsila mostrar a imagem, pois de imediato veio à mente do editor a amiga dos tempos de ensino médio. Assim que a fotografia pega toda a tela, o editor e a sua vice-presidente escutam a voz de Angélica querendo saber quem é aquela mulher.

Diante do silêncio dos dois, a empresária pressiona a cunhada. “- Fala caralho quem é essa porra de mulher? Digam ou o gato comeu a língua dos dois”.

“- É a autora de um romance que pediu para publicarmos”, explicou Tarsila.

“- Pela cara dos dois, já digo que não será publicada”, sentenciou Angélica.

Tarsila calmamente disse para a empresária. “- Eu não vi e nem observei o Márcio se metendo nos negócios de suas empresas. E agora entendo porque ele se recuou a trabalhar contigo. Sendo assim, creio que a decisão não cabe a você e sim a ele e eu. Primeiro porque sou formada na área, portanto, posso dizer se o texto dela é bom ou não, e posso te afiançar que é de excelente qualidade. E tenho certeza de que Márcio aprovará”, afirmou Tarsila.

– Se é tão bom assim, então me diga o que tem em seu conteúdo.

– Angélica, penso que essa sua interferência em nosso trabalho não tem cabimento.

– Ora, Marzinho. Só quero saber se o romance é bom e porque ela te chamou aqui fora para te mostrar isso. Posso ser meio acelerada, mas não sou boba, então com certeza que aí tem coisa que querem me esconder. Tudo bem, se não vão me dizer, talvez achem que sou idiota, mas se eu souber que tem coisa errada aí, me aguardem.

Tarsila olha para Márcio e este decide falar mais ou menos por cima a história que a cunhada lhe contou e quem é a mulher da fotografia. “- Pelas informações, a escritora se chama Alice e diz me conhecer, enviando a fotografia que deverá ser usada na ilustração do livro, mais precisamente na orelha que Tarsila escreverá para quando a obra for publicada”, informou o editor.

Assim que terminou de falar, a cunhada sabia que poderia haver ali uma explosão, conhecendo o gênio difícil da esposa do editor. “- E o que ela conta no romance”, perguntou Angélica a vice-presidente, pois sabia que provavelmente o marido poderia engabelá-la com uma narrativa diferente, mesmo não tendo lido o romance.

Sem poder se comunicar através do olhar com a cunhada, Márcio aguardou ela fazer um resumo da história. “- Em linhas gerais, o texto disserta sobre a história de uma mulher que na fase adulta, recorda seus tempos de adolescente secundarista e de seu parceiro. Na enunciação não fica claro, numa primeira leitura, se é um ser concreto ou imaginário, mas dá para perceber que o indivíduo é real. Ela diz que naquela época acreditava ser homossexual e como essa outra pessoa não se encaixava em lugar nenhum na escola, ficaram amigos, tendo inclusive ele passado uns tempos na casa dela por conta de uns desentendimentos com os pais. Depois disso, ela arrumou uma namorada e os dois foram perdendo contato até não se falarem mais”.

“- E o que mais ela conta nesse romance”, perguntou Angélica.

– Basicamente é isso. A narrativa é uma tentativa de unir o ontem com o hoje, pois no presente, se ela pudesse voltar no passado faria tudo diferente, já que percebeu que amava aquele adolescente e revivendo toda a história através dessas memórias, notou que ele também nutria uma paixão por ela, porém, a timidez dele era maior que o que sentia por ela.

“E essa foto é dela”, inquiriu a empresária.

“- É”, afirmou Tarsila.

Voltando a face para o marido, Angélica pergunta: “- É ela”.

Márcio fica em silêncio, mas a esposa grita com ele: “- Anda responde! O gato comeu a sua língua ou será que precisarei partir a sua cara para me dizer”.

Ao ouvir os gritos de Angélica, Judith chegou rápido onde o trio estava. Como o esposo não fala, a empresária ordenou que Tarsila mostrasse a foto para a sogra. “- A senhora reconhece essa mulher, dona Judith? Porque o seu filho não quer me dizer e se não quer falar é porque tem gato nessa tuba”.

– Sim! É a amiga dele dos tempos do ensino médio, a Alice. Ele ficou na casa dela quando brigou com o Rogério.

– Obrigado Judith. Era isso que eu precisava saber. O resto você pergunte ao seu filho que, com certeza, te dirá porque surtei com ele num dos dias na fazenda. Foi por conta dessa mulher que agora escreveu um romance e quer que a editora do seu filho, certinho, publique. Detalhe: a história é uma memória. Ela achava que gostava de mulher quando o seu Mazinho passou os dias com ela, mas agora, percebeu que se pudesse voltar no ontem, cairia nos braços do bom samaritano, o moço Márcio.

O editor permanecia em silêncio e quando foi dizer alguma coisa, recebeu um enorme tapa no rosto desferido por Angélica. O marido se manteve firme, não disse nada, o que irritou mais ainda a esposa que gritava, xingava o esposo de safado, traidor, maléfico, ser putrefato. “- Foi por isso que não fez questão de vir mais cedo da fazenda. De fato, os dois iriam se encontrar naquele motel em que te vi entrando ontem a noite”, vociferou a empresária.

Judith fez sinal para Tarsila sair de perto dos dois. A esposa de Amadeu silenciosamente se afastou, dizendo para a sogra da empresária que havia chamado Márcio para conversar longe dela, pois sabia que aquilo poderia acontecer. “- Eu só não sabia que o romance era baseado na história dela com o Márcio”, se justificou a vice-presidente.

Assim que Tarsila estava um pouco distante da confusão, a sogra de empresária lhe fala firme. “- Você quer deixar ele falar! Onde tem traição aí? Me diga Angélica! Vem me dizer que ele não te falou dessa Alice? Ela estava com ele no motel? Qual é a prova que tu tens de tanta acusação”, lhe perguntou a sogra.

– Mãe! Deixa que eu resolvo isso. Afinal ela é minha esposa. Por favor! Não deixe ninguém vir até aqui. Eu falei da Alice para ela e a reação foi a mesma. Angélica está insegura e qualquer mulher que se aproxime, a fará reagir desta forma. Hoje é Alice, amanhã sabe-se lá quem pode ser. Ela tem dificuldades de confiar nos próprios atributos. Não quero mais falar disso, pois seria muito mais doloroso para ela. A senhora pode me fazer esse favor?

– Posso sim filho. Se você está me falando, deve ter suas razões. Cuide dela.

– Obrigado mãe.

Assim que Judith se afasta, Márcio calmamente tenta tranquilizar a esposa que está toda trêmula, como na noite anterior dentro do carro enquanto conversava com Eleanora e ele se aproximava do automóvel. Sem dizer uma palavra, Angélica se joga nos braços do esposo chorando desesperadamente. A cena foi observada por todos que estavam na mansão naquele começo de tarde de sábado. A única que compreendia a cena em sua integralidade era a mãe da arquiteta que optou pelo silêncio, pois teria que confessar muita coisa e não tinha condições alguma de tocar no assunto.

Depois de ficarem uma hora sozinhos, sem dizer nada um ao outro, o editor chama a esposa para entrarem e ela toda envergonhada por conta da cena que fez e novamente sem razão alguma, pois outra vez perdeu o controle, não deixando o marido dizer nada, mas já havia tirado suas conclusões baseadas no medo que tinha de perdê-lo.

Ao adentrarem na residência, Márcio chamou Eleanora e os três entraram no quarto. “- Amor vai lá tomar um banho para almoçarmos”, pediu Márcio que tentava explicar à sogra o que acometia a esposa.

– Eleanora! Não vou deixar a sua filha em hipótese alguma. Esse é um momento crítico para ela. Angélica nunca teve ninguém que gostasse dela a partir da alma. Nenhuma pessoa desejou conhecê-la como ela é. “Era sempre a minha amiga rica que dava festas, tinha dinheiro que não acabava mais”. Observe que ela estava afastada de ti, bem como Amadeu e isso aconteceu por uma simples razão: falta de afeto. De certa forma, Angélica sempre comprava esse tipo de sentimento, mesmo sabendo que era efêmero e que no dia seguinte tudo aquilo se dissolveria como gelo. Ela tornava a comprar outra pessoa.

A sogra ouvia tudo em silêncio, enquanto Márcio continuava a sua narrativa. “- De certa forma, quando eu lhe disse tudo aquilo lá naquele domingo em meu apartamento, sua filha percebeu que poderia caminhar do meu lado e que eu jamais a deixaria cair. Todas as agressões que me fez nos dias seguintes daquele foi justamente no sentido de tentar me moldar ao que ela conhecia”, explicou o editor.

– Filho! Eu sei o quanto minha filha te ama e tenho ciência também do quanto esse amor está tirando ela do eixo. Se você desaparecer, sair da vida dela, penso que poderá entrar numa espiral de destruição sem fim. Tenha paciência com ela, por favor.

– Eleanora! Os surtos que sua filha tem é por conta do medo de que o Márcio amigo desapareça. Ela sabe que eu a amo, mas algo dentro dela não deixa ela vivenciar isso tranquilamente. Então o problema não é Alice, nem foi Fernanda, mas todo mundo que chegar perto de mim provocará nela essa reação. Por exemplo, se eu ficar meia-hora conversando com a minha mãe, meu pai ou quem quer que seja, ela aparecerá. Está lembrada do dia do nosso casamento, como ela ficou enquanto eu conversava ontigo?

– Lembro.

– Eu amo sua filha e tenho certeza absoluta de que ela me ama, mas tudo isso é novidade na cabeça dela. Observe que ela passou a vida agindo de modo diferente, mas agora a situação é outra. Angélica vem à sua casa; vocês são amigas muito mais do que mãe e filha. Essa semana faremos uma terapia mais intensa juntos.

– Marzinho! Pedirei para tua mãe ficar aqui essa semana então. Você precisará de nosso apoio para ajudar a minha filha a sair desse atoleiro que o Jô a enfiou com aqueles estupros. Eu sei que tenho uma parcela grande de culpas, mas nem sei por onde começar a reagir, quanto mais agir.

– Comece não deixando que ninguém saiba dessa história. Nem mesmo meus pais. Eu sei o quanto eles são conservadores, podendo reagir de forma diferente do que esperamos. Posso contar contigo?

– Pode sim meu filho. Você já me ajudou muito com Amadeu.

– Deixe-me ficar uns minutos com ela aqui. Daqui a pouco sairemos para almoçar com todos. Sei que vocês têm mil novidades para nos contar.

Assim que a sogra deixa o quarto, Márcio entra no banheiro, onde Angélica estava deitada dentro da banheira com os olhos fechados, mas o marido percebeu pelo rosto que havia chorado. “- Venha amor! Vamos sair dessa banheira”, pediu o marido.

Angélica se levanta e, mesmo molhada abraçado o marido voltando a chorar copiosamente. Ele pega a toalha, enrolando nela. Deixam o banheiro e a esposa termina de se enxugar e pega umas roupas antigas que havia deixado na casa da mãe e cobre o corpo.

– Amor! O que vou dizer para todo mundo lá fora? Novamente me desequilibrei e as coisas que te falei, as acusações. Me perdoe, por favor.

– Tudo bem. Acabei de conversar com a sua mãe e expliquei a ela o que te acontece e o que provoca essa sua reação. Preste atenção no que vou te dizer, porque falaremos disso outras vezes. Meu amor, você precisa se conscientizar que existe algo aí dentro de ti que te desarruma completamente. Sou e sempre serei o seu amigo e, por isso, não precisará jamais se transformar no que não é para me agradar. Na primeira vez que fomos àquele clube, tu me disseste isso. Aqui nessa casa, seu irmão me falou também que seus pais viviam sempre querendo arranjar casamentos para vocês dois e que no final, as festas sempre terminavam em confusão.

Angélica escutava com atenção. “- Estando comigo e Amadeu com Tarsila, nada disso acontecerá mais. E sabe por quê? Porque tanto eu quanto ela não queremos dinheiro, posição social, mas apenas ficar com as pessoas que amamos. Ela conseguiu trazer paz ao coração do seu irmão, mas ele ficou sem rumo por cinco anos”, explicou o marido.

– Não tenha medo de que vou te trocar por ninguém. Estou imensamente feliz contigo. Temos ciúmes um do outro e isso faz parte, agora achar que te trocarei por outra pessoa, está te tirando do eixo. Deixe-me te amar como pessoa, como marido e como amigo. Hoje estou aqui como seu amigo e ficarei contigo até que tudo esteja resolvido dentro de ti.

– Você promete mesmo Marzinho?

– Quantas vezes for preciso. Deixe que as coisas da editora eu e Tarsila resolveremos.

– Você me ama mesmo eu sendo essa dinamite dos olhos verdes que Judith vive te dizendo?

– Sim! E estou arrumando um jeito para trabalharmos tudo isso. Vamos aumentar o pavio da dinamite.

Ao dizer, Angélica dá uma risada e abraça o marido, enxugando as lágrimas na camisa dele. “- Obrigado amor. No fundo, eu sei porque todo mundo diz que você é o prego no concreto na vida deles. É o porto seguro deles e todos sabem que tu estará ali sempre. Eu é que preciso ter essa confiança aqui dentro do meu coração.

– Paixão! Cada um de nós tem uma história para superar e tu tens a sua, como eu a minha. Mas, se eu não te estender a mão para te tirar da fossa de merda que às vezes tua cabeça te enfia, quem o fará? E se tu não fizeres isso comigo?

Angélica abraça firme o marido que aproveita para chamá-la para almoçarem, pois havia muitas notícias para serem dadas ao casal. A esposa e o marido deixam o quarto com a empresária meio que querendo se esconder atrás do editor, mas Judith quebra o gelo, pegando-a pela mão e dizendo: “- Tudo isso é o que o amor provoca em nós. Tudo que a minha nora fez eu faria também. Se estão duvidando, pergunte ao Rogério. Ele que experimente olhar do lado sem minha autorização expressa”.

Todos riram porque sabiam que a sogra de Angélica queria quebrar o gelo para deixar todos mais leve. “- Vem aqui filha! Me diga uma coisa: tudo isso é por que ama meu filho? Você perde a linha e o carretel de uma única vez, só de pensar em ficar sem ele”, perguntou Judith.

– Você pode apostar que sim, minha sogra. Obrigado pela pessoa maravilhosa que teu filho é. Outro no lugar dele já teria me abandonado ou fingiria por conta do dinheiro que minha família tem.

– Por ser especial é que Mazinho te tira os pinos. Agora, penso eu que seria muito melhor você gastar as energias dando amor a ele do que esse desgaste todo por conta de ciúmes bobos e sem sentindo algum.

– Judith eu fico envergonhada porque todos conhecem o Márcio e sabem que ele seria incapaz de uma canalhice dessas comigo ou com qualquer outra mulher. Mas sou muito insegura, provavelmente porque nunca fui amada assim, de maneira tão singela, sublime e bela. Talvez a luz que emana do coração do seu filho em minha direção, às vezes, pode estar me cegando.

– Filha! Você amava aquela tua ex-mulher? Se não quiser responder, eu entenderei, mas promete pensar no assunto?

– Minha sogra querida. Antes de conhecer o seu filho, eu tinha certeza de que a amava, mas não por ser do mesmo sexo que eu, mas por achar que me transmitia toda segurança do mundo. Todavia, quando Márcio apareceu, percebi o quanto estava desprotegida e ela, ao invés de me fornecer aquilo que eu sempre desejei, começou a me atacar silenciosamente.

Diante do silêncio de Judith, Angélica completa: “- O Márcio sabe que gosto também de mulheres, mas a questão é: gosto para quê? É desejo sexual? É querer estar juntos, construir uma vida e trocar confidências? Acho que estou descobrindo coisas com o seu filho que eu achava não ser merecedora. E essa pode ser uma das razões que entro em parafuso. Mas na medida em que o tempo passa, acredito que tudo ira melhorando, contudo, duma coisa eu tenho certeza: preciso muito do apoio dele, da amizade que o Marzinho demonstra ter para comigo.

Assim que a empresária e Judith se juntam aos demais convidados, entram na mansão Roberto, Danisa, e Fernanda. Todos estranharam a ausência de Ricardo e foi Débora quem deu o recado. “- Os dois não podem se ver até amanhã. Meu irmão atravessou com a Fê e meus pais não querem que ele se aproxime dela, até que vire homem e mereça o coração aqui de minha amiga”.

Automaticamente Fernanda se aproxima de Márcio e isso não passou despercebido pelo pessoal. Foi Judith quem quebrou o clima. “-Eu não sei o que essas duas mulheres fariam se eu levasse meu Marzinho embora”.

Angélica se juntou a Fernanda dizendo a ela: “- Só se passar por cima de nós duas”. Todos caíram na gargalhada e para evitar situação conflituosa, a empresária chama a sua futura secretária para conversar sobre o que Débora havia dito. “- A exemplo de você, o Ricardo tem um ciúme danado do Márcio. Eu desconfio que seja insegurança. Creio que ele gostaria de ser com o Marzinho, mas não percebe que se fosse igual ao seu marido, jamais teria me apaixonado por ele”.

– Fernanda! Eu morro de ciúme do Márcio, mas não é com relação a você, mas com todo mundo. Tivemos problemas ondem e hoje. Acabei de descobrir que uma amiga dos tempos de adolescente e do ensino médio quer publicar um romance na editora dele. A história é…”

Antes mesmo dela terminar, Fernanda perguntou quem era a mulher.

– Alice! Você sabe quem é?

“- Ele falou dela para você”, inquiriu Fernanda.

– Sim.

– Então ele é louco por ti, Angélica.

– Por que está falando isso?

– Porque me falou o tipo de pessoa que ela era e, por sinal muito parecida comigo. E eu perguntei a ele por que se apaixonou por ela.  A resposta foi muito simples: “eu achava que gostava dela, mas percebi que eu não a via como mulher e sim como pessoa. Assim como eu e você”.

– Obrigado Fê. Me tirou um peso danado das costas.

– Posso te dizer uma coisa?

– Claro que pode!

– Eu conheço o Marzinho de fio a pavio e eu nunca o vi tão doido por alguém como é por ti. Por mais irritado que tu o deixa, ele não gagueja. Nesses anos que eu o conheço, ele ficou com umas três ou quatro mulheres e quando eu imaginava que a coisa ia engrenar, lá estava ele no sofá de minha casa explicando o porquê de não ter dado certo com a pessoa.

– Ah é!

– E contigo nunca ouvi ele falar isso aqui que te desabonasse. Pelo contrário, se casou contigo, depois de ter ido parar na UTI em função do porre que tomou porque destes o fora nele. Você se lembra daquelas moças que eu falei que queriam conhecê-lo?

– Me lembro! Era real.

– Sim.

– Uma delas chegou a me perguntar o que tinha que fazer para conquistar o Márcio. Ela me falou se aparecesse nua na frente dele o que aconteceria. Respondi que essa seria a última coisa que deveria fazer.

– Quem essa mulher?

– E você acha mesmo que eu vou te falar, quando o prêmio da loteria saiu todinho para você? Não tem necessidade alguma. Está vendo aquele negão ali? Ele é todinho seu até que a eternidade termine. Se ele te disse que vai até o fim contigo, é porque fará isso. Tenho certeza de que não roerá a corda.

– E o que mais essa pessoa lhe disse sobre o meu marido?

– Basicamente isso e eu respondi que o negão tinha vestido a sua calcinha.

– O que significa isso?

– Que ele já estava comprometido e que não tinha como ninguém mais se aproximar dele. Agora vê se sossega esse ciúme aí e p ame como ele merece. Eu sei que Ricardo vai serenar o dele também e ficaremos numa boa, mas foi preciso dar esse tempo para respirarmos e ele entender que tenho o meu espaço e que não vou deixar de ser amigo do Marzinho.

– Já que é amiga dele, posso te pedir uma coisa?

– Pode sim!

– Me ajude a não perdê-lo. Se ele sair da minha vida, entro em parafuso.

“- Desta sala aqui, quantas pessoas torcem para o sucesso do seu casamento”, perguntou Fernanda.

– Olhando assim rapidamente, acho que só Mariana e Esdras não me engolem direito, mas o resto tudo de boa.

– Bom. Mariana vive no mundo dela e se não invadir o território dela, não terá problema. Esdras, creio que é porque você contou a história do apartamento para o Márcio e aí a coisa saiu do controle dele, passando para as mãos dos pais dele e de Débora. Agora, com quem você dorme na cama?

– Ora! Com a melhor pessoa do mundo: o meu Marzinho que deixará de ser somente seu.

As duas deram risadas e Fernanda completou: “- Continue regando a sua horta com amor. Não deixe que os espinhos e as tiriricas sufoquem as rosas que Marzinho te dá todas as manhãs ofertadas pelo belo coração que ele tem”, disse Fernanda.

– Do jeito que tu me dizes até parece que você ama o meu marido?

– E amo mesmo! É uma pessoa genial. Mas não tenho apreço nenhum pelo homem. Eu já te falei várias vezes: é muito certinho para mim e eu não tenho a paciência que tu tens com ele.

Assim que Fernanda termina de falar, Márcio se aproxima perguntando o que as duas mulheres tanto conversam. “- Sobre quem você acha, meu amor”, perguntou Angélica e Fernanda completa: “- Sobre o homem que usava sapatos que viviam pedindo graxa, mas aí chegou uma dinamite de olhos esverdeados para socorrer os sapatos”. Todos riram e Fernanda se afastou para conversar com Roberto e Danisa.

Quando Márcio se sentou no sofá, a esposa pulou em seu colo e lhe tascou um beijo cinematográfico, como se os dois estivessem sozinhos numa praia deserta e apenas as gaivotas por testemunha. O beijo só foi parado quando o casal escutou barulho de aplausos. A esposa olha para todos e timidamente afirmou: “- Eu sou doida por esse homem. O que posso fazer aqui e agora senão beijá-lo loucamente esperando que nossas almas se fundem através do contato de nossas bocas”, disse Angélica com os olhos completamente esverdeados.

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