Sobras de um amor – parte III

24.

 

Quando terminou todo o trabalho no restaurante no meio da tarde daquela sexta-feira, Pedro ligou para o general que, deixando Eleanora no shopping, foi buscar o cozinheiro e de lá o funcionário ligou para a esposa, dizendo que passaria no trabalho dela para irem resolver algumas questões, inclusive à entrevista de emprego para Fabrícia que ficou toda empolgada, concluindo rapidamente o serviço que ainda faltava por realizar.

Enquanto estava passeando com as crianças, a namorada do general conversou com Angélica, acertando todos os detalhes do encontro na parte da tarde, conforme tinham conversado pela manhã na confeitaria. “- Mãe! Se eu não for com a cara dela, esquece esse lance dela trabalhar com Marzinho. Não quero nenhuma mulher dando em cima do meu marido. Eu só tolero a Tarsila, porque ela é casada com o meu irmão. Se não fosse isso”.

– Deixa de bobeira menina. O Márcio é louco por ti e tem um coração enorme e só deseja ajudar as pessoas que estão em situação pior do que a dele.

– Então almoçaremos todos juntos: você, o general, Márcio e eu.

“- Está bem Angélica”, disse Eleanora já sentindo que seria difícil cortar o cordão umbilical que a ligava à filha. Mas ao mesmo tempo era bom esse grude todo com ela.

No horário combinado, Angélica aparece com Márcio no restaurante da família e estranhou a mãe e o general com aquelas três crianças rodeadas de pacotes embrulhados em papel de presente.

“- São os três filhos da futura empregada do Márcio”, disse Eleanora.

“- Como é que é”, perguntou o editor.

“- E não vem com essa conversa, pois quem vai aprovar é a tua mulher ou você acha que ela vai autorizar qualquer outra mulher ficar trabalhando contigo oito horas por dia”, inquiriu a sogra.

Os quatro repetiram a mesma cena da confeitaria e desta vez os dois homens tiveram que comer estrogonofe de jiló. “- Marzinho comeu muita coisa pesada ontem e bebeu muito uísque. O fígado está precisando de uma folga e vamos começar hoje”, justificou a empresária.

Terminaram o almoço, Márcio e Angélica pegaram os filhos de Pedro e Fabrícia, os levando ao apartamento-editora e lá aguardaram a chegada dos pais. Já no imóvel, o editor ficou conversando com os três, contando histórias e eles quiseram saber de onde ele tinha tirado tantas coisas. “- Dos livros que as editoras publicam e a mãe de vocês, a partir de segunda-feira, trabalhará em uma e levará bastante livros para casa e contar muitas dessas histórias para todos lerem e se divertirem”, disse o editor olhando em direção à porta e vendo Angélica entrando.

Meia-hora depois chegaram os pais das crianças e elas correram até a mãe falando os três ao mesmo tempo. “- Calma filhos. Deixe-me conversar aqui com o senhor Márcio. Depois em casa vocês me dirão tudo”.

No caminho entre a casa em que fazia faxina e o apartamento de Márcio, Fabrícia ficou sabendo de tudo, inclusive do trabalho e que teria que voltar a estudar, do contrário, poderia esquecer o emprego na editora. “- Não se assuste com a minha filha. Ela morre de ciúmes do meu genro. Tirando isso, é uma excelente pessoa”, disse Eleanora rindo.

Fabrícia já ficou com um pé atrás e Pedro sentiu isso, mas não quis falar nada. Apenas lhe segurou firme na mão indicando que tudo daria certo. Enquanto Márcio conversava com ela, falando do trabalho e do jeito que gostaria que ela atuasse, primeiramente deixando limpo o salão onde ele e Tarsila iriam trabalhar, depois higienizar o restando do prédio e, em seguida, organizar os livros.

Enquanto os dois se ajustavam, Angélica não tirava os olhos de Fabrícia. Olhava tudo, roupas, cabelos, olhos, o jeito que ela ficava em pé. Não lhe disse nada, apenas lhe perguntou se ela se incomodaria de usar uniforme. Nem foi preciso ela responder, pois o editor foi taxativo. “- Não quero ninguém enquadrado em minha editora. Ela se vestirá normalmente e sempre parecerá não só uma empregada, mas também uma leitora. Lerá as obras e indicar algumas, caso alguém chegue à livraria pedindo sugestão”.

Naquele momento, Fabrícia entendeu a fala de Eleanora, compreendendo que não poderia cometer um deslize, por menor que fosse, pois se Angélica desconfiasse de alguma coisa, a situação ficaria complicada. “- Você só estará vestida com um uniforme no dia da inauguração, pois faremos uma recepção aos convidados. O salário está bom para ti”, perguntou Márcio.

Após a anuência dela, o editor apenas disse ótimo, afirmando que a nova funcionária começaria no sábado a partir das nove horas. “- Temos muita coisa para arrumar lá. Estaremos eu e Tarsila e se tu quiseres, pode levar seus filhos. É bom terem contato desde cedo com o mundo dos livros”.

Assim que o marido terminou de falar, Angélica fez questão de frisar que também estaria lá. Novamente Fabrícia observou mentalmente aquilo que Eleanora havia lhe dito no trajeto. “- Tenho certeza, senhor Márcio, que todos nós nos entenderemos muito bem. Então, até amanhã e na segunda-feira já vou procurar retomar meus estudos. Agora tenho mais ânimo e vejo sentido no que farei daqui para a frente”.

Dizendo isso, a esposa do cozinheiro chamou o marido para irem embora, mas ele disse que tinham outra coisa para fazerem ainda, mas só ficou sabendo quando estava dentro do carro. “- Vamos ao cartório registrar o imóvel em nosso nome. O general me arrumou o dinheiro e o terreno já é nosso. Só falta agora pensarmos em como construiremos a nossa casa”, disse Pedro.

“- E depois”, disse Eleanora, “vou levá-los para conhecer o apartamento que vão morar. Era onde meu filho morava, mas ele se casou e vai para uma casa, então alugarei para vocês pelo mesmo preço que pagam na casa e o valor do condomínio é um presente meu até que se ajustem”, informou a namorada do general.

Era muita informação para Fabrícia processar num dia só, mas estava muito feliz e quis saber mais sobre a esposa de Márcio, recebendo como resposta que era para ficar longe dele, evitasse ficar sozinha com ele em qualquer situação. “- Não é por conta de ti não, minha cara, mas é por conta de minha filha. Tem um ciúme do tamanho do mundo e se cismar que há alguma coisa entre tu e o marido, a coisa vai ficar complicada”.

“- E ele não diz nada”, perguntou Fabrícia.

– Vai dizer o que para o coração? Ele é doido por ela e vice-versa. Imagine você que meu genro se escondeu dela na divisa com o outro estado, mas ela o encontrou. Então, fique serena e tudo o que precisar na editora sempre converse com a minha nora que é sócia dele. Ela se chama Tarsila e tu ira conhecê-la amanhã.

Depois do que ouviu, a nova funcionária da editora Jardim da Leitura olhou para o marido como quem tentando dizer que vai ser complicado. “- Ela não ficará lá dando palpites”, perguntou Fabrícia. “ – Não”, respondeu Eleanora “Mas é sempre bom ficar atenta, porque dá na veneta dela, larga tudo e aparecerá lá, sem dizer nada a ninguém”, acrescentou a sogra de Márcio.

– Acho que agora o mais importante é vocês darem encaminhamento a família. Na segunda-feira ou terça-feira, levaremos Pedro lá na editora e uma funcionária do escritório de arquitetura de Angélica conversará com os dois para projetar a casa que pretendem construir.

“- Dona Eleanora, não temos dinheiro para tudo isso. Acho inclusive que levaremos anos para erguer uma casa com a nossa cara”, explicou Pedro.

“- Um passo de cada vez, meu caro Pedro”, disse o general.

Já no cartório, uma nova surpresa: ninguém precisou ficar esperando. O general e Eleanora juntamente com o casal e seus filhos foram conduzidos à sala do tabelião onde tudo foi lavrado e certificado, inclusive o contrato relativo aos três terrenos que Alexandre estava presenteando cada um dos filhos de Pedro e Fabrícia que tentou segurar as lágrimas e foi acolhida pelos braços do presidente de honra das Organizações Oliveira.

Encerrado os tramites burocráticos e como as horas já ultrapassaram os limites que o restaurante poderia ficar fechado, todos foram para o trabalho de Pedro e a esposa auxiliando na cozinha, enquanto Eleanora, no escritório, se entretinha com os filhos do casal. As crianças jantaram e, depois exaustas, dormiram no sofá, mas foram levadas pela mãe para um quarto nos fundos do prédio. Era uma cama de casal que não passou despercebida da namorada do militar que quis saber mais sobre aquele móvel.

Fabrícia explicou que a peça era usada pelo general quando terminavam de fechar o restaurante depois do almoço e ele não queria voltar para a casa. “- Como você sabe disso”, perguntou Eleanora em tom inquisitorial. Fabrícia olhou para ela e começou a rir, dizendo em seguida: “- Nem bem conheci a sua filha e já sei de onde ela tirou tanto ciúmes”.

Ao ouvir esse comentário, a namorada do general percebeu o quanto estava enciumada e tentou disfarçar, mas aí a situação já tinha se configurado. “- Pode ficar tranquila, dona Eleanora. Adoro o general por ser amigo do meu marido e dar tranquilidade para ele nesse trabalho aqui, inclusive promovendo ele a gerente, mas não tenho desejo algum de procurar Pedro em outros homens. Meu marido é um ser especial. Eu sei desses passos do general, porque o Pedro me disse, inclusive que o patrão é metódico, mas depois que conheceu uma mulher, começou a sair da linha”.

“- Desculpe-me menina. Não quis insinuar nada, mas é que achei estranha essa cama aqui no fundo do restaurante e o Alexandre nunca me falou nada a respeito. Será que ele trouxe outras mulheres aqui”, perguntou a presidente de honra das Organizações Oliveira.

– Isso eu já não sei. Acho melhor a senhora perguntar para ele.

Ao dizer isso, Fabrícia foi ajudar o marido na cozinha. Quando chegou lá fez o comentário com Pedro que caiu na gargalhada dizendo: “- O fruto não cai longe do pé. O general, assim como o jornalista, está ferrado nas mãos dessas duas. Eu não queria estar na pele deles”.

Assim que terminou de falar, o cozinheiro escutou Eleanora chamando Alexandre para conversar. “- Olha aí, a coisa vai pegar. Essa doida aí vai fazer a vida do meu amigo virar de ponta cabeça”.

Dentro do escritório, enquanto Alexandre se sentava na poltrona, Eleanora de pé com as mãos na cintura queria saber porque no fundo do restaurante tinha uma cama de casal e ela não sabia de nada. “- Quantas mulher você comeu naquela cama? Anda, pode me falar e já começar a me esquecer. Achei que me contasse tudo de sua vida, mas de uma cama secreta em seu restaurante eu não sabia”.

O militar, tranquilamente olhou para a namorada e começou a rir, a deixando mais doida, mas ela não sabia se de raiva ou de tesão. “- Ainda não comi ninguém, portanto, o móvel é virgem ainda, mas, se tu fazes tanta questão, podemos inaugurá-lo hoje depois que eu fechar o restaurante”.

Com aquela fala, Alexandre desmontou completamente a armadura que Eleanora portava. “- Outra coisa, mesmo que eu tivesse usado a cama para trepar com alguém, provavelmente isso teria acontecido antes de ti entrar em minha vida. Dentro da minha cabeça e coração, o que aconteceu contigo antes de começar a sair comigo, não me diz respeito. Entretanto, a cama está lá porque eu usava quando não tinha vontade de ir para casa dormir no período da tarde. Então acabava ficando ali, inclusive já cheguei a dormir aqui de um dia para o outro”.

Como Eleanora se manteve em silêncio, o general foi enfático. “- Agora se não quiser mais ficar comigo, tens todo o direito de partir quando desejar, mas não use a ideia de que lhe sou infiel, pois não sei trair quem eu amo e meus amigos. No mundo da farda, tenho muitos conhecidos, mas fora do Exército, sou homem de poucos amigos. Então procuro preservá-los”.

Ao dizer isso, o militar sair do escritório com o semblante fechado, indo direto à cozinha se sentando numa cadeira que já o conhecia, pois sempre usou quando queria conversar com Pedro sem atrapalhá-lo no trabalho. Pegou uma garrafa de uísque, enchendo o copo e virando de uma vez na boca. “- Calma, meu general! Não é enchendo a cara que resolvemos os nossos problemas. Se não der, pare, mas não cozinhe seu fígado por conta de ciúmes”, lhe disse o amigo-cozinheiro.

“- Confesso-te meu amigo que não entendo as mulheres”, disse Alexandre que percebeu um sinal que o cozinheiro fez para Fabrícia deixá-los sozinhos. “General, não vai querer jogar a sua felicidade fora por conta dum surto de ciúmes da dona Eleanora. Se ela reagiu assim é porque lhe tem amor e, com certeza, é tudo muito novo na vida dela. Então se dê uma chance”.

Enquanto Pedro e Alexandre conversavam sem segredos na cozinha, Fabrícia levava uma cerveja para o escritório onde Eleanora tinha ficado sem reação, quando o militar disse a ela que se quisesse deixa-lo poderia fazê-lo. “- A senhora me dá licença de tomar essa cerveja contigo”, perguntou a esposa de Pedro à namorada do militar.

– Obrigado menina. Me diga uma coisa: o que se faz quando se ama um homem que tu sabes ser desejado por outras.

– A senhora está falando do senhor Alexandre.

“- Deixemos esses pronomes de lado, Fabrícia”, pediu Eleanora.

– Olha só. O general é um homem de poucas palavras que passou a vida cumprindo regulamentos, tendo horário para tudo e usar um fardamento impecável, tudo alinhado. Do nada, ele vira civil, depois de trinta anos. Nunca teve ninguém para chamar de seu, exceto seus familiares. Quando caminhava para uma vida de eremita, aparece você na vida dele. É como se ele tivesse que começar tudo do zero.

– Nunca fui ciumenta e agora a pouco, por conta duma cama, me peguei duvidando do homem que eu aprendi a amar por ser do jeito que é: todo certinho, vive sem pressa, não quer comprar o mundo e nem ser dono de nada, mas continuar sendo do jeito que é.

“- Eleanora, e se fosse eu em seu lugar, o que diria para eu fazer”, perguntou Fabrícia.

Com essa pergunta, a namorada do general ficou pensando e, antes mesmo de responder à inquirição de Fabrícia, se levantou indo à cozinha e, ao chegar no local, viu Alexandre de costas conversando com o amigo. Não pensou duas vezes, indo em sua direção, movimento que foi percebido pelo cozinheiro que optou pelo silêncio. Eleanora abraçou o militar, beijando-o na face e pediu mil desculpas por aquele ataque de ciúme.

Ao se virar para a namorada, Alexandre lhe disse: “- Bom! Pelo menos agora eu sei de onde Angélica tira tanto ciúme que tem do Márcio”. Antes dele terminar de falar, Eleanora já estava no colo dele, o beijando avidamente, a exemplo do que a filha fez na primeira vez que Márcio esteve na mansão. Era uma ação incontrolável, por mais que tentasse se segurar, era impossível, pois o sorriso e os olhos do seu general eram encantadores.

Ele deu um tapa de leve na bunda da namorada, dizendo que ali era lugar de trabalho e que podiam deixar aquelas tratativas para mais tarde. Eleanora voltou para o escritório e Alexandre foi atender um homem que havia chegado. Era um conhecido dos tempos de quartel: coronel Bernardo. “- Estava curioso para conhecer o restaurante do meu amigo general. O senhor entende dessa coisa de comida”, perguntou o oficial-superior.

– Deixemos o senhor de lado, Bernardo. Aqui não tenho mais farda, sou apenas um aposentado que tenta se adaptar a vida civil. Acho bom você começar a treinar. Daqui a pouco te mandam colocar o pijama e as estrelas deixarão de existir em suas ombreiras.

– Você tem razão meu amigo. Fiquei sabendo que estou na lista para ser promovido e logo depois me mandarão para a reserva. O que você sugere?

– Comece a pesquisar sobre o que o gosta de fazer. Eu, por exemplo, montei esse restaurante e a coisa caminha e arrumei um cozinheiro porreta que era taifeiro no quartel. Agora me tornarei presidente duma instituição social para atender crianças carentes e ajudá-las a construírem um caminho pautado na ética, na moral e na disciplina.

“- Você não vai colocar farda nessa molecada e implantar ordem unida nessa instituição”, perguntou Bernardo dando risadas. “- Não meu amigo. Os tempos são outros. Essa meninada precisa de norte e não de chicote. Nós podemos mostrar os caminhos pelo exemplo e não os enchendo de regras do século passado”, disse Alexandre.

– Nossa! Meu general está moderno.

– Não, meu amigo. Apenas convivendo com gente de mente mais arejada que consegue trabalhar sem o cabresto imposto pelas regras da caserna. Se bem que tem algumas pessoas que, se não usarmos da punição, a coisa descamba.

– Qual é o prato do dia, caro general. Ah! Estava me esquecendo, essa aqui é a minha namorada Ângela. Estamos vindo da casa dela. Fomos conferir as reformas que foram projetadas por um escritório de arquitetura excelente aqui da cidade.

“- Fico feliz por ti ter conhecido alguém. Aqui fora, sem a farda a vida é muito solitária”, explicou o general Alexandre.

– E você? Fiquei sabendo que anda para cima e para baixa com uma viúva ricaça, mas ninguém sabe quem é.

“- Sim! Estamos nos conhecendo ainda e é por isso que não é nada oficial e tudo muito oficioso. O pessoal dela não é muito de aparecer em jornais, revistas e desteta publicidade. Algo que combina comigo”, informou o militar ao seu interlocutor.

“- E onde está essa mulher misteriosa que todos te veem com ela, mas ela nunca aparece em lugar algum”, inquiriu o coronel Bernardo.

Antes mesmo de Bernardo terminar de falar, Eleanora apareceu. Ao olhar para o casal que foi apresentado pelo namorado, reconheceu Ângela de algum lugar, mas por ser discreta, optou por não fazer alarde algum. O coronel fez questão de ter o casal anfitrião sentado à mesa com ele e a sua namorada. A sogra de Márcio não fez objeção, pois sondaria mais sobre a acompanhante do amigo de Alexandre.

Quando já estavam acomodados, o garçom trouxe o uísque que o general costumava beber com os amigos e o cardápio para o coronel e Ângela. Eleanora continuou com a sua cerveja. A namorada de Bernardo começou a falar sem parar, como querendo buscar aprovação de Alexandre e sua acompanhante. Como era próprio da presidente de honra das Organizações Oliveira deixar a pessoa falando bastante para tentar deslindar como ela era de fato.

A ricaça percebeu um certo nervosismo em Ângela, mas não disse nada. O coronel querendo lembrar dos tempos de ralos entre os dois que se conheciam desde a época em foram cadetes na AMAN, inclusive seguiram juntos na mesma arma: Infantaria e fizeram os mesmos cursos de PqD, Montanha e Guerra na Selva.

Com medo de ficar de lado, a namorada do coronel disse que estava pensando em fazer uma pequena reunião na chácara dela. “- É só aguardar as obras de reforma terminarem e aí faço questão que vocês dois estejam presentes”.

Eleanora perguntou quando isso seria e quem estava conduzindo as obras, bem como elaborou o projeto de reforma. Ângela, se sentindo o centro das atenções e para se mostrar mais do que era, começou a falar do escritório de arquitetura que contratou. Tinha muita qualidade, mas ela não sabia ao certo se o projeto tinha sido feito pela proprietária ou pela secretária. “- Mas de qualquer forma, está ficando ótimo. Aquela pretinha que vistoria as obras é muito esperta e competente”.

“- O que aconteceu para você desconfiar que o projeto não tivesse sido feito pela arquiteta”, quis saber Eleanora.

– Na verdade, eu tive um problema com ela. Antes de conhecer o meu coronel aqui, fiz charme para um rapaz que estava no escritório. Achei que ele era funcionário ou namorado da secretária. Menina, depois fiquei sabendo que o bonitão era casado com a arquiteta. Meu deus do céu que mulher enlouquecida.

“- E daí o que aconteceu depois”, perguntou Eleanora olhando para o general que desconfiou do interesse da namorada naquela história.

– Naquela mesma noite, eu encontrei com o cara. Ele estava com outro negão tão belo quanto ele e um outro que era amigo dele e executivo na empresa que a mulher presidia. Do nada apareceu uma amiga que conhecia o rapaz, acho que se chamava Márcio. Ficamos atiçando os três homens, até que essa minha amiga, que vai lançar um livro pela editora desse Márcio, apareceu e nos levou para a mesa em que o trio estava.

Observando ser o centro das atenções, Ângela nem desconfiou os motivos pelos quais Eleanora estava interessada nas suas histórias desvairadas. “- Bom! Quando a conversa caminhava deliciosamente, essa arquiteta apareceu com mais outras mulheres e a confusão estava armada. Ela partiu para cima de todas nós. Vai ser ciumenta assim lá na China. Está certo que o cara era interessante, pois parecia ser um daqueles tipos que todas nós queremos, mas pelo jeito que observava a esposa, não tinha para ninguém: ele a olhava como se ela fosse uma deusa. O amor dele pela arquiteta exalava pelos poros”.

Como não parava de falar, Ângela quis arrumar tudo, dizendo que naquele mesmo sábado encontrou depois de muito tempo o homem da vida dela. “- O meu coronel aqui é lindo e aquele Márcio nem chega aos pés dele”, completou Ângela.

“- E você sabe o que aconteceu com o casal depois daquele dia”, perguntou Eleanora.

– Na sexta-feira mesmo eu fui ao escritório, pedi mil desculpas, pois achava que o negão era desses que gostava de jogar charme quando via uma branca. Me desculpe general, não é nada contra os pretos, mas aquele rapaz parecia capacho daquele loura. Depois não falei mais com ela, pois quem sempre vai à obra é a secretária dela que é muito competente e fará sucesso. Já recomendei o escritório para outras amigas.

Eleanora pegou na mão de general como quem ia revelar algo importante e que era para ele segurar as consequências.  “- Como é seu nome mesmo”, perguntou a presidente de honra das Organizações Oliveira. “- Ângela. E qual é mesmo o seu”, inquiriu ironicamente a namorada de Bernardo que sentia que havia problema ali naquela conversa.

– Pois bem Ângela. O escritório que trabalha na obra de sua chácara é de minha filha. Aquela secretária, por ser competente, assim que terminar o curso de arquitetura será sócia da Angélica.

Quem assistiu à cena das estrelas pode ver que a namorada do coronel não sabia o que fazer, mas tentou se segurar. “- Então, minha querida, aquele homem que destes em cima é meu genro e é apaixonadíssimo pela minha filha e nem que você aparecesse pintada de ouro ou desse todo o seu dinheiro ao Márcio, ele deixaria minha filha. De fato, ele é um homem de ouro como o meu general aqui.

– Você está querendo me dizer que tu és a herdeira do grupo Oliveira? É por isso que achei que te conhecia de algum lugar. Além de se parecer com a sua filha, é discretíssima como todos aqueles que estavam na mesa com o seu genro. Cheguei a achar que ele estava com ela por conta do dinheiro dela, mas aquela amiga dele desde os tempos de adolescência me disse que o seu genro não liga para dinheiro. Eita homem burro!

– Talvez para algumas pessoas, Márcio pode não ter essa inteligência de querer aquilo que não trabalhou para ter. Foi ele mesmo quem nos disse quando esteve em nossa fazenda e minha filha lhe disse que aquilo tudo, depois que se casassem, seria dele. Talvez por ser assim que atraia tanta mulher inescrupulosa que deseja ter o que não é dela, mas meu genro é ponta firme e faz demasiadamente minha filha feliz e isso é o mais importante, além do caráter que é possuidor e de uma família honrada.

“- Você está querendo me dizer que acha seu genro inteligente por não gostar de dinheiro”, perguntou Ângela.

– Querida! Você entendeu errado. Márcio gosta de dinheiro como qualquer um. Ele apenas não quer aquilo que não trabalhou para ter. Por isso recusou a ser nosso executivo, optando por criar a própria editora, a Jardim da Leitura que será inaugurada em breve. Eu já antecipo o convite para participarem da inauguração, até porque uma amiga de infância dele, lançará seu primeiro livro com ele.

Bernardo sentiu que a coisa poderia descambar para uma discussão que não teria fim, então propôs que escolhessem o que iriam jantar. O garçom voltou trazendo a garrafa de uísque que o general gosta e mais uma cerveja para Eleanora. Ângela pediu peixe grelhado com saladas verde-escuras e abacaxi. E o coronel foi de contrafilé grelhado com molho madeira e salada de cenoura. Alexandre escolheu picanha na pedra e Eleanora frango grelhado e saladas brancas.

Assim que o atendente se afastou, o general perguntou ao amigo o que ele pensava em fazer assim que se aposentasse. “- Ainda não tenho nada em mente, mas seria legal me enveredar em projetos sociais como este do qual me falou. Eu não entendo muito, mas vou me inteirar melhor da questão. Quem sabe até fazer um curso de Ciências Sociais para aprender mais um pouco. Querendo ou não a farda nos engessa, meu caro”, disse o coronel.

Enquanto comiam, os dois oficiais conversavam de tudo, contudo, ressaltando os tempos de AMAN e dos cursos que fizeram depois que deixaram a academia e seguiram em frente na carreira, das perseguições travestidas de testes pelas quais passaram. As duas acompanhantes tentam esboçar alguns assuntos, mas a coisa ficou complexa depois que Eleanora revelou ser quem era, como que jogando água na fervura de Ângela, dando como encerrado o convite para conhecer a chácara dela.

A mãe de Angélica sabia que se o general fosse convidado, ele aceitaria e ela teria que ir. Não dava para deixá-lo sozinho no meio daquela mulherada toda. Teria que tomar conta do que era dela e se uma daquelas donas ousasse arrastar asas para o lado dele, a coisa sairia do controle.

Pelo que Ângela contou, se o militar fosse sozinho àquela recepção, não sairia de lá só. “- Quando você está pensando em realização essa reunião social, minha cara”, perguntou Eleanora, observando que Bernardo convidaria Alexandre e, por se conhecerem há mais de trinta, o general iria ao encontro.

– Só estou esperando a finalização das obras. Segundo o escritório de sua filha, vai mais uma semana. Eu só preciso ver se não haverá outro evento na cidade para que tenha público em minha chácara. Aquela amiga de infância de seu genro, só pensa no lançamento do romance dela, então provavelmente eu promoverei a minha festa depois do coquetel dela.

“- Você não se recusaria a um convite meu, não é Alexandre”, perguntou o coronel.

– Mas é claro que não, meu caro Bernardo. Afinal nossa amizade data de mais de 30 anos e temos muito ralo juntos, então é só me avisar com antecedência para eu me organizar. Caso Eleanora não deseje ir, eu irei sozinho.

Ao ouvir da boca do general que se ela não desejasse estar presente, ele iria sozinho, a namorada foi enfática. “- Se estamos juntos, pois juntos é que vamos e não tem essa de você ir e eu não. Só me avise com antecedência”.

Sem apresentar nenhum vestígio de contentamento, Alexandre assentiu com a cabeça, mas seu coração estava em festa e os olhos apresentavam o brilho de sua alma. Essa ação silenciosa não passou despercebido pela namorada que, se conteve, mas correspondeu à iluminação presente no olhar do militar.

Se no restaurante, Eleanora buscava restaurar a confiança no general e no amor que ele vivia dizendo lhe ter, no apartamento Angélica esbravejava com o marido por conta de tê-la desautorizado na frene da futura funcionária. “- Você quis foi fazer graça com ela. Enquanto o marido dá duro no restaurante do general, tu queres é enfiar o seu duro dentro dela. Por que foi falar aquilo sobre o uniforme”, perguntou a empresária de forma exasperada para o editor.

– Bom! Em primeiro lugar eu não me meto em seu trabalho, seja nas empresas ou em seu escritório de arquitetura. Por isso, gostaria que respeitasse esse limite. Segundo, porque acho essa coisa de uniforme uma idiotice, principalmente porque Fabrícia trabalhará também na livraria e será interessante ela não conversar com os clientes como querendo vender livros.

– Quer calar a boca e parar de mentir. Acha que eu sou idiota? Não quer uniforme para estimular aquela sirigaita a usar roupas transparentes para te induzir a ir além da relação patrão e funcionária.

Márcio olhava para a esposa e sabia que por mais que falasse, não adiantaria, pois ela não estava escutando. “- Comigo você quer regular tudo, calcinha que não pode marcar o corpo, blusa que não pode ter certas transparências. Quer medir até o tamanho dos meus decotes”.

– Quero mesmo! O que é meu não é para ficar sendo mostrado para esses punheteiros de merda que existem lá fora. Agora se tu gostas de fazer isso, mostrar além do que todos já sabem o que tem, vá adiante, mas a cada passo que der nesse sentido, é mais um para me esquecer.

– Cachorro! É isso mesmo que queres né? Que eu te deixe para você comer o cu daquela cadela da Fabrícia. É capaz de já até ter um apelido carinhoso para ela: minha adorável Fabi. Como o seu apelido que todos sabiam menos eu, não é “meu Marzinho”.

– Minha cara…

– Minha cara é a puta que te pariu. Eu sou sua esposa e isso vagabunda nenhuma mais tirar. Maldita hora que eu aceitei a ideia dessa meretriz virar a sua funcionária. Eu sei que isso acabará em sexo.

“- Na sua cabeça todas as mulheres querem transar comigo, mas seus neurônios esquecem de perguntar para as minhas cabeças se é isso que elas querem”, disse Márcio já em tom irritadiço.

A discussão havia começado no trajeto do apartamento-editora e o editor percebeu que se desse ouvido às alucinações da esposa, a conversa não terminaria nunca. “- Quando ela chegar amanhã cedo lá, dirá que não precisará dos serviços dela. Está decidido”, disse Angélica.

– Nem pensar. Não farei isso por conta dos seus caprichos e ciúmes de dondoca histérica. A moça precisa do trabalho para ajudar o marido a educar os três filhos e você e sua cegueira não está vendo isso.

Depois dessa fala do marido, a empresária fechou a cara e não falou mais até chegarem na torre da aranha, como Amadeu apelidou o prédio da irmã. O veículo no estacionamento, ela sai batendo a porta, não esperando Márcio. Entrou no elevador, fechando a porta antes de o esposo entrar. Ele teve que pedir novamente e quando chegou no interior do apartamento foi direto para a cozinha. Precisava beber algo e acabou encontrando umas cervejas sem álcool.

“- Você vai ou não dispensar aquela vagabunda amanhã”, perguntou Angélica batendo a mão na mesa, completamente descontrolada.

“- Já te disse que não e assunto está encerrado”, disse Márcio se encaminhando para a sala. Ao se sentar no sofá, Angélica meteu a mão no copo que ele segurança e retornou a esbravejar.

A empresária vociferava, xingava, ofendia o marido, falava tudo e mais um pouco e Márcio optou por ficar em silêncio, o que a irritava mais ainda, mas não havia outra saída, pois sabia que se fosse dizer algo, a confusão seria maior.

Quando o copo que estava segurando se espatifou no chão, o editor olhou para a esposa e percebeu que ela havia passado dos limites. Se continuasse no mesmo ambiente que ela, a coisa poderia descambar e fugir do controle. “- Você quer saber de uma coisa: durma aí no sofá e se masturbe pensando em como vai comer aquela piranha e amanhã cedo pode pegar as suas coisas e ir morar com ela”, disse Angélica aos prantos entrando no quarto, batendo a porta, contudo, abriu em seguida, sentenciando: “- E não adianta vir me agradar. Aquilo que você comeu não será seu novamente”.

Márcio ficou ali pensando e tomou uma decisão que, acreditava mudaria os rumos do casamento. Escreveu um bilhete para a esposa e colocou por baixo da porta do quarto dela e saiu. Colocou o notebook dentro de uma bolsa e com algumas peças de roupas, deixou o apartamento. Deixou o resto dos pertences que havia recebido de presente dela e saiu em rumo, apenas com um cartão bancário que lhe permitiria desaparecer.

Ao entrar no terminal rodoviário comprou passagem para a capital do Estado. Mesmo sabendo que ela descobriria, seria muito difícil Angélica ou quem quer que seja o encontra-lo naquela imensa cidade. Ao voltar do seu surto de ciúmes, por volta das duas horas, Angélica viu o papel que foi deixado embaixo da porta do seu quarto.

“- Adeus! Estou indo embora não por não te amar, mas pelo contrário, por gostar muito de ti, começo a perceber que estou deixando de me amar para te fazer feliz e sei que se continuar assim, te transformarei na mulher mais infeliz da terra. Então, em nome do amor que lhe tenho, estou te deixando. Nunca houve e nem haverá ninguém entre nós, exceto esse seu ciúme exagerado. Em qualquer lugar em que eu estiver, sei que o amor que eu sinto por it, estará comigo. Do sempre, seu Marzinho”.

Ao ler o bilhete-carta, Angélica entra em crise, pois sabia que o texto indicava que Márcio não estaria preocupado em se esconder dela e esperar o tempo passar e a cabeça esfriar. Ele tinha deixado tudo, como fez quando foi humilhado e ofendido por Eleanora. Olhou para o relógio, vendo que já era de madrugada, portanto, o esposo poderia estar longe, ou ainda muito perto dali. Foi até o apartamento e não havia o menor vestígios dele.

Dentro do apartamento, tomada pelo desespero, Angélica berrava, chorava como uma criança que perdeu o seu brinquedo predileto e não havia ninguém que o recuperasse. Ligou para Eleanora que dormia serenamente nos braços do general, mas não no apartamento dele e sim na cama instalada nos fundos do restaurante. Queria inaugurá-la.

– O que foi menina? Viu que horas são?

– Mãe! Marzinho sumiu. Me deixou.

– E ele tinha razões para fazer isso?

– Pior que tinha mãe, mas pelo bilhete que me deixou, acho que desapareceu na noite. Estou aqui no apartamento dele e nem sinal de sua passagem por aqui. Por favor, me diga que ele vai voltar?

– Se acalme e me diga o que aconteceu!

– Eu briguei com ele porque exigi que nem contratasse a Fabrícia, mas ele se recusou a fazer isso.

– E ele está certíssimo. Ela vai trabalhar na editora e pronto. Márcio não fica se metendo nas suas coisas. Inclusive ontem a noite eu fiquei conhecendo aquela Ângela que o cantou e por conta disso você lhe quebrou a perna como se ele fosse culpado.

– O que eu faço mãe. Estou apavorada.

Respirando fundo, Eleanora pediu que ela a aguardasse onde estava. “- Chego em coisa de vinte minutos, no máximo meia-hora”.

“- O que foi amor”, perguntou o general.

– Minha filha num ataque de ciúmes brigou com o marido e ele, deve estar de saco cheio dessas coisas dela, sumiu na noite. Desapareceu sem deixar vestígios e provavelmente não será difícil rastreá-lo, mas deve estar no limite e provavelmente tenha agindo assim para não perder a cabeça.

– Calma que vamos achá-lo.

– Você vem comigo. Primeiro tenho que acalmar a minha filha. Outro dia ela ameaçou pular do prédio das nossas empresas porque estava com medo que Márcio se separasse dela. Depois fez terapia intensiva, mas o ciúme a deixa cega e acaba metendo os pés pelas mãos.

Quando chegaram ao apartamento-editora, Eleanora e Alexandre encontraram a empresária encolhida e completamente em choque perto da janela do prédio, de onde, meses antes, Márcio teria a visto quando foi falar com ele. “- Mãe. Não sei viver sem o Márcio. Me diga que ele vai voltar. Se ele não retornar, não tem porque eu continuar viva”.

– Acalme-se e vamos resolver isso com muita tranquilidade. Te garanto que ele voltará para ti, mas agora precisamos achá-lo. Não sabemos nem por onde começar.

Como a cama que havia no apartamento ainda não tinha sido desmontada, Eleanora levou a filha para lá e pediu para o militar fazer um chá à filha. Ele encontrou melissa e assim que a infusão ficou pronta, deixou com namorada. Ao olhar no relógio, o general percebeu que o dia amanheceria em breve.

“- O que queres que eu faça amor”, perguntou o militar.

– Fique de olho nela. Preciso tomar umas providencias, mas não farei tudo às pressas. Primeiro chamarei os amigos dele aqui e o Amadeu. Tenho certeza de que eles devem saber de alguma coisa.

Depois de uma hora Fernanda, Roberto e Amadeu estavam dentro do apartamento. “- Meus amigos, Márcio sumiu novamente. Eu já não sei mais o que fazer. Minha filha se descontrola e o ataca e ele para não revidar, desaparece. Vocês sabem para onde ele pode ter ido”.

“- Eleanora ele deixou alguma coisa. Telefone ou bilhete”, perguntou Roberto.

“- Deixou esse pequeno texto e pelo que eu entendi, não fará questão de ser encontrado, pois não voltará”, explicou a sogra de Márcio.

Ao ler o texto Roberto compreendeu que o amigo não foi para cidades pequenas, mas provavelmente para algum lugar que seria difícil rastreá-lo. Fernanda leu o texto e recordou de uma conversa boba que teve com ele. “- Detesto cidade muito grande, pois as pessoas podem se esconder nos becos e nas vielas e nunca mais serem encontradas. Portanto, se eu pretendesse um dia sumir sem deixar rastros, com certeza seria para umas vielas dessas”.

“- Cruzes Marzinho, porque está falando uma coisa dessas”, perguntou a amiga.

“- É que pretendo escrever um romance, sei lá quando, em que a personagem principal some sem deixar vestígios vivendo entre as vielas e viadutos das metrópoles”, se explicou Márcio.

Aquela conversa voltou como um raio na mente da amiga. Angélica despertou do sono e chegou na sala achando que Márcio estava lá, mas eram apenas os amigos dele. Ela foi direto para cima de Fernanda perguntando cadê o marido dela. “- Onde você o escondeu”.

Enquanto Eleanora tirava a filha de perto dos amigos, Roberto inquiriu Fernanda sobre o que havia achado do texto. “- Olha! Eu posso estar errada, mas o Marzinho, ou foi para capital do Estado ou para outra cidade maior. Como não sabe dirigir, creio que deve estar na rodoviária ou já está longe e aí, se ele chegar numa dessas cidades, será muito difícil achá-lo.

“- Por que está dizendo isso, Fê”, perguntou Roberto.

– Porque um dia, numa conversa boba, ele me falou que gostaria de escrever um romance em que o protagonista desaparecia, começando a viver entre as vielas e palafitas das grandes cidades.

Ao chegar perto dos três, a sogra de Márcio perguntou se há uma maneira rápida de encontrar o genro. “- Mãe. Cuide da Angélica. Eu vou encontrar o mosquito. Converse com Tarsila para seguir tudo conforme o combinado. A funcionária estará lá, então não se muda absolutamente nada. General, você pode dar um apoio à minha mãe e mantenha o celular ligado”, pediu Amadeu.

Fernanda, Roberto e Amadeu saíram e em direção à rodoviária. Sem fazer alarde algum levantaram todos os horários de ônibus que partiu da cidade entre meia-noite e aquela manhã. Descobriram que às três horas, um ônibus deixou o terminal com destino à capital com poucas pessoas a bordo.

Amadeu perguntou ao funcionário se o responsável pela agência estava lá. Ao ser informado que sim, pediu para falar com ele. Dez minutos de conversa e mais R$ 1000 na conta, o vice-presidente das Organizações Oliveira, conseguiu até uma imagem de Márcio dentro do ônibus dormindo.

– O senhor sabe em que ponto do trajeto esse ônibus se encontra?

“- Pelo horário, deve estar numa parada de posto de beira da estrada onde os passageiros e o motorista descem para tomarem café”, respondeu o gerente.

– Preciso que o senhor não deixe esse ônibus sair de lá. Avise o motorista e solicite a ele para dizer a esse homem aqui que a mulher dele acaba de cometer suicídio e que é para ele esperar no posto que os parentes vão buscá-lo.

Tudo foi feito conforme o combinado e Márcio entrou em desespero, ligando para o amigo para saber o que tinha acontecido. Roberto não achava justo mentir, mas se não mantivesse a farsa que Amadeu havia planejado, o amigo não voltaria e a morte de Angélica poderia ser uma realidade em breve.

– É verdade sim Márcio. Ela te procurou e não o encontrou, entrando em desespero. Estão levando o corpo agora para o necrotério para fazer as perícias. Então espere aí que vamos te buscar para o velório e você se despedir do corpo de sua esposa.

Amadeu ligou para Eleanora dizendo que tinha encontrado o Márcio e precisou contar uma mentira para ele e todos tinham que confirmar, pois o mosquito deveria ligar em questões de minutos para a sogra. “- Por que fizeram isso? Não havia outro jeito? Está bem meu filho. Confirmarei. Há uma outra ligação aqui”.

Ao atender, Eleanora escutou Márcio chorando e pedindo desculpas por ter provocado o suicídio da filha dela. Deveria ter tido um pouco mais de paciência, mas fazer o quê, não poderia mudar o passado e teria que seguir em frente com aquela dor. “- Ontem foi a senhora quem me pediu perdão, hoje sou eu quem o solicito, porque não fui capaz de ajudar a sua filha e dar-lhe o amor que ela precisava”, disse Márcio aos prantos.

A sogra ouviu tudo querendo dar risada, mas tinha que manter a farsa, senão o genro descobriria. Alexandre quis saber o que estava acontecendo e a namorada explicou, pedindo para que todos fossem para o apartamento dele e ficassem lá. No caminho comprariam um sedativo para Angélica.

O militar não gostou, mas não havia outro remédio. Se não trouxesse o marido de Angélica de volta, aí sim, o suicídio poderia vir a ser uma realidade. Enquanto os três se dirigiam ao apartamento do general, Amadeu, Roberto e Fernanda estavam na rodovia para encontrar o editor que os esperava em prantos no ponto de parada que os ônibus fazem entre os a origem e o destino dos passageiros.

“- Vê se mantenham essa cara tristonha e não deixe ele perceber nada. Se o mosquito desconfiar que foi enganado, perderemos o amigo”, disse Roberto que conhecia bem o gênio de Márcio.

Assim que chegaram no local, duas horas depois, encontraram o editor desolado e com os olhos avermelhados de tanto chorar. Ele foi abraçado pelo trio e desabou, pedindo desculpas para o poeta por não ter conseguido segurar a onda e amado a irmã dele conforme lhe havia prometido.

Entraram no automóvel, e Márcio foi parar no banco de trás, deitando a cabeça no colo de Fernanda e chorava desesperadamente. A amiga não sabia se contava a verdade, mas pelo retrovisor os dois pediam para ela manter a mentira.

“- Será que poderei ver o corpo dela, antes de todo mundo”, perguntou Márcio.

“- Não! O caixão está sendo lacrado. O corpo ficou dilacerado, porque assim que o corpo chegou bateu na rua, um carro passou por cima e ficou todo esfacelado”, contou Amadeu como se fosse verdade.

Ao ouvir a história, Márcio se desesperou. “- Então não vou mais vê-la. Meu deus do céu por que fui tão impulsivo? Já fui uma vez e fiz merda e agora novamente. O que minha mãe vai dizer? Meu pai? Não sei se conseguirei viver sem ela”.

“- Caralho, Márcio, por que novamente fugiu? Você sabia que ela quase havia se matado umas semanas atrás. Então saberia que isso poderia ocorrer se não segurasse a onda. Depois do enterro no final da tarde de hoje vamos ter uma conversa muito séria, meu caro mosquito”, disse o cunhado a Márcio usando a dramaticidade em sua fala.

Quando ouviu o termo mosquito, Márcio ficou ligado. Amadeu só usava esse termo quando queria troçar dele. “- Quero ver a foto dela destroçada na rua”, pediu Márcio.

“- Nem fodendo. Já tenho que enterrar minha irmã no final da tarde. Você acha que terei ânimo para te colocar num sanatório”, disse Amadeu.

Roberto simulou uma ligação para Amadeu que encostou o carro na beira da rodovia, deixando o automóvel para atender a ligação. Quando retornou disse que era Eleanora pedindo para acelerarem logo porque o sepultamento seria antecipado para evitar que o odor do corpo, que começava a putrefar, se propagasse.

O mundo de Márcio foi ao chão e ele só chorava no colo da amiga que desejava rir e contar a verdade, mas não podia. Os três não sabiam como seria depois, mas o mais importante era levá-lo e volta.

Amadeu tinha de fato conversado com a mãe e combinado o que faria e era preciso não modificar absolutamente nada. Depois de uma hora de estrada, o quarteto chegou ao prédio em que o general morava.  “- O que estamos fazendo aqui. Por que não vamos direto para o velório de Angélica”, perguntou o editor.

“- Márcio, antes de irmos ao velório, vamos pegar Eleanora e o general. Ele teve que segurar a onda dela. Todos subiremos e nada de escândalo. Aí você aproveita e tem uma conversa reservada com a sua sogra. Torça para ela te perdoar”, informou o amigo Roberto.

Amparado por Fernanda, o editor deixou o carro de Amadeu e entrou com todos eles no elevador e, tentando segurar as lágrimas ingressou no apartamento do general que precisou se esforçar para manter a farsa. “- Tua sogra está lá no quarto te esperando. Fique à vontade, porque acho que vocês têm muito o que conversar”, disse o militar.

Na verdade, Eleanora o esperava no quarto de hospedes, envolvida na penumbra. Na sala, o general quis saber como conseguiram achá-lo. Amadeu contou, explicando que a única saída era inventar que Angélica tinha cometido suicídio. “- Do contrário, ele não teria voltado. Conseguimos até uma foto dentro do ônibus enquanto ele seguia para a capital”, explicou o vice-presidente das Organizações Oliveira.

“- Agora quando ele sair de lá, se preparem que Marzinho virá como um furacão em cima de nós três”, disse Fernanda.

“- Fique tranquila, Fê, o máximo que o meu amigo mosquito fará é xingar e aí eu falo que forcei vocês a manterem a mentira, do contrário perderiam o emprego. Deixem comigo, eu me entendo com meu cunhado”, disse Amadeu tranquilizando Roberto e Fernanda.

Ao entrar no quarto, Márcio só escutou a voz da sogra. “- Sente-se e me conte tudo o que aconteceu”, pediu Eleanora com voz firme. O editor explicou como a coisa se processou por conta da esposa que, com aquele ciúme exacerbado, teve mais um surto e ele não aguentava mais. Então achou melhor ir embora deixando o bilhete para ela, como quem dizia que não estava fugindo, mas apenas saindo da vida dela, contudo, continuaria amando-a onde quer que estivesse.

– Meu filho. Eu sei que minha filha é uma pessoa difícil, explosiva e há uma grande parcela de minha parte e me sentenciou todos os dias por isso, mas não se pode do nada, ir embora deixando um bilhete. Olha só a tragédia aí. Como é que tu ficarás agora? Como conseguirá seguir em frente sabendo que sua mulher se matou por não ser capaz ajudá-la a atravessar esse momento difícil na vida dela. Ela lhe tinha ciúmes porque o medo de te perder é maior do que o amor que lhe tinha.

“- Eu sei Eleanora, mas agora não dá para fazer mais nada e eu sinto muito por ter fraquejado e não ter conseguido segurar os problemas e evitado que ela cometesse suicídio”, disse Márcio tentando se justificar.

“- Fiquei sabendo que queria ver as fotos dela esfacelada no asfalto, depois que caiu lá do alto e um carro passou por cima do corpo, mas eu preciso saber se tu tens estômago, pois as imagens são horríveis”, alertou a sogra.

“- Acho que nada é mais pior do que viver o resto de minha vida com essa dor encravada aqui dentro. Onde estão as imagens”, perguntou o editor, completamente abalado com a história do suicídio da esposa.

“- Vem comigo”, pediu a sogra.

Os dois deixaram o quarto de hospedes e Eleanora pediu para ele entrar com ela no outro quarto. Assim que estavam bem próximo da cama, a sogra pediu ao genro para aguardar que ela pegaria a bolsa na sala e o celular. Assim que saiu, ela trancou a porta por fora e foi à sala ter com o general e os amigos.

Márcio estava tão transtornado que não percebeu nada do que estava acontecendo. Sentou-se na cama do miliar, escutou o barulho de um celular tocando. Ao olhar me direção de onde estava vindo o som, percebeu que tinha uma pessoa deitava no móvel. Ao descobri-la, gritou fazendo com que Angélica acordasse.

Enquanto ela despertava, o editor gritava e xingava. “Cambada de filhos de uma puta. Vou pegar um por um, estraçalhar com as minhas próprias mãos. Eu bem que desconfiei quando esse merda do Amadeu me chamou de mosquito”.

Márcio gritava essas palavras perto da porta e ao tentar abri-la descobriu que estava trancada por fora. Em seguida sentiu as mãos da esposa o abraçando pelo pescoço e chorando pedindo perdão por ter sido tão estupida na noite anterior. Quando Angélica o beijou, lhe alisou o rosto dizendo que o amava e que não podia viver sem ele, a armadura todinha se desfez e o marido entendeu que o irmão dela estava por traz daquilo tudo.

Sentado na cama, tendo Angélica no colo, Márcio escutou quando a porta de se abriu e o cunhado dizendo: “- Aqui não é o lugar de fazer essas coisas. Respeitem a cama do general. A única mulher que se deitou foi minha mãe e agora você, minha irmãzinha querida”.

Todos caíram na gargalhada e Márcio só olhou para Fernanda e Roberto indicando que haveria troco. O executivo das Organizações Oliveira olhou para o relógio, observando que os ponteiros se aproximavam das duas horas. Amadeu ligou para Tarsila para saber como caminhavam as coisas e foi informado que estava tudo pronto esperando eles chegarem e o churrasqueiro seria Pedro.

Quando todos deixavam o apartamento, o general pegou Márcio pela mão retardando a sua saída e olhando bem fundo nos olhos dele falou: “- Meu filho. Aconteça o que acontecer, não abandone a sua esposa. Nós a encontramos em seu apartamento em estado de choque. Creio que se demorássemos mais um pouco, de fato, estaríamos indo para um velório. Você tem meu telefone e agora sabe onde eu moro. Conte comigo”.

“- Obrigado Alexandre. Eu sei que também fui intempestivo”, disse Márcio tentando se justificar.

“- Tua sogra te adora e sabe o quanto a filha é complicada, mas compreende que somente com o seu amor por ela é que as coisas podem ir melhorando ao longo do caminho de vocês”, filosofou o militar.

– Grato meu amigo.

– E não vai discutir com seus amigos. A história do suicídio foi inventada por Amadeu por lhe conhecer bem e saber que somente assim você voltaria e aí tentar uma reconciliação com a sua mulher.

Abraçados, como pai e filho, os dois deixaram o apartamento, entrando no carro do militar, sendo que Angélica e Eleanora já estavam aguardando os dois para irem à sede da editora. Márcio e Alexandre só escutaram quando Eleanora disse a filha que ela teria que pedir desculpas para a funcionária.

Com a aproximação dos dois, mudaram de assunto. Mãe e filha se acomodaram no banco traseiro e Márcio foi à frente com o militar. O silêncio se fez entre os quatro e foi o general quem puxou conversa. “- Meu caro, acho que temos mais uma pessoa para trabalhar na fundação. É um amigo do Exército que ainda está na ativa, mas aguarda a promoção para general e também se aposentará. Quem sabe podemos trazê-lo conosco”.

– Acho uma boa ideia general. Deixe eu inaugurar a editora e aí vamos cuidar desse assunto. Enquanto isso, Roberto prepara toda a documentação. Eu gostaria que Fernanda fosse a tesoureira, pois agora na condição de gerente de finanças das Organizações, pode contribuir também pelas causas sociais.

Chegando à editora, Fabrícia quis saber o que aconteceu, pois achava que conversaria com ele aquela manhã para combinar todo o trabalho. “- Como senhor não estava, acertei todos os detalhes com a sua sócia e cunhada”.

“- Então está tudo certo. Eu já tinha lhe passado tudo ontem, então era só arrematar os detalhes hoje. E aí gostou do prédio, perguntou o novo patrão.

– Sim. O projeto é belíssimo.

“- Débora, venha aqui”, chamou Márcio.

Assim que a futura arquiteta chegou, foi apresentada à Fabrícia que a parabenizou pelo projeto arquitetônico. “- Quando for planejar a minha casa, quero algo bem bacana assim e arejado para meus filhos brincarem. Compramos o terreno ontem”, explicou a funcionária.

Ouvindo a explanação de Fabrícia, Angélica chegou junto do trio, dizendo que o seu escritório faria o projeto arquitetônico da casa dela. “- Podemos cuidar disso, não é sócia”, disse a empresária olhando para Débora, surpreendendo a esposa de Pedro que não sabia que a secretária era sócia da empresária. Achou tudo, inclusive que ela fosse irmã de Márcio e Tarsila. Em virtude disso, começou a rir e todos perguntaram o motivo.

“- É que achei que você fosse irmã do seu Márcio e de Tarsila”, disse a funcionária tentando se justificar.

– Não. Eu sou irmã daquele rapaz ali que veio falar com o Márcio sobre os trabalhos que precisam realizar para a inauguração da editora. Tarsila é casada com o irmão de Angélica que é esposa do Marzinho que você conheceu ontem.

“- Sim. Mil desculpas por essas confusões”, falou Fabrícia.

Angélica aproveitou as apresentações feitas por Débora e chamou colaboradora da editora para conversar. “- Fabrícia, preciso te fazer uma pergunta”. “- Pode fazer dona Angélica”.

“- Primeiro não precisa usar esse ‘dona’ quando estivermos entre amigos. Se alguma mulher olhar diferente para o Pedro, o que você faria”, inquiriu a empresária.

“- Quebraria a cada dela, sem pestanejar. Sou ciumenta mesmo. O que é meu, mulher nenhuma cresce o olho”, respondeu Fabrícia.

– Então entenderá o que vou lhe dizer agora. Em primeiro lugar quero te pedir desculpas por coisas que você nem está sabendo, mas eu enchi a minha cabeça de imagens e situações que nunca aconteceram, mas o ciúme me cegou. E só sabe o que é isso quem ama e sei que pelo que acabou de me falar é doida pelo seu marido.

– Em minha opinião, é o melhor homem do mundo. Tenho três filhos com ele e nunca o vi perder a calma e a tranquilidade e olha que já passamos maus momentos, mas sempre me acalmava e agora estamos começando uma nova jornada em nossas vidas, graças ao amigo general dele.

– Ontem à noite eu tive uma briga feia com Márcio. Coloquei um monte de porcarias na cabeça e quase o perdi. Não é a primeira vez que isso acontece e sei que não será a última. Coisas da minha cabeça e minha insegurança.

Fabrícia deu uma gargalhada, falando em seguida que já sabia de como ela era. “- Ontem mesmo sua mãe me disse e hoje de manhã tive uma conversa séria com Tarsila, inclusive disse sobre as roupas e que não haverá uniforme, mas devo me vestir sem extravagância, pois seu Márcio não gosta que chamemos atenção através do corpo, mas da inteligência”, explicou a funcionária.

– Eu me esforço para não me meter nos negócios dele, pois Márcio não se envolve nas questões das minhas empresas, mas vai dizer isso para os meus ciúmes. Às vezes eu controlo, mas na maioria das vezes não.

– Eu sei como é isso. Já vivi situações semelhantes a essas, principalmente quando cruzávamos na rua com outras mulheres e eu percebia elas olhando para o Pedro. Quando ele me dizia que tinha sido namorado de uma delas na adolescência, ficava com aquilo me incomodando e só ficava aliviada quando ia tirar satisfação com a pessoa. Hoje já não faço mais isso, pois comecei a entender que o meu marido não vai a lugar nenhum sem a minha companhia e eu sem a dele.

– Eu quero alcançar essa serenidade, e tenho certeza de que conseguirei. Então, por favor, me desculpe e não deixe de trabalhar com eles, inclusive seus filhos serão os primeiros contemplados com nosso projeto de bolsas de estudos.

Assim que Angélica terminou de falar, Pedro apareceu oferendo carne para as duas. A empresária pegou um pedacinho e depois pediu que ele assasse frango e peixe, além de umas carnes a base de soja que Tarsila havia levado.

Márcio queria falar com Fernanda, mas essa fugia sempre para os lados do noivo, pois sabia que o amigo não falaria nada com ela. Roberto, sumiu dizendo que buscaria Danisa. Tarsila o puxou pelo braço e quis saber da história toda. Ele olha para a sócia e pede a ela para perguntar para o Amadeu.

“- É bom mesmo. É capaz de você querer enforca-lo”, disse a sócia rindo.

“- E tu achas mesmo que eu faria isso com meu amigo”, perguntou Márcio.

Ela deu risada dizendo que Amadeu havia pregado uma troça nele. “- O engraçado é que chorei, pirei e ninguém desmentia as loucuras dele. Mas nos deu novamente uma prova robusta de nossa amizade. Amo Amadeu porque é um cara sensacional, assim como é Roberto e Fernanda”, explicou o sócio à tradutora e cunhada.

“- Então meu amigo, não é com eles com quem você tem que se entender, mas com aquela dinamite dos olhos esverdeados ali oh”, disse Tarsila indicando Angélica que conversava mais à frente com Fabrícia.

“- Eu só queria saber como foi que conseguiram me achar”, desabafou Márcio em forma de pergunta.

– Muitas vezes contamos histórias para os amigos, mas nós as esquecemos e eles não. Foi assim que te descobriram, por conta de uma personagem que você disse que daria vida em um romance. E daí para frente foi fácil saber onde tu estavas, afinal existem câmeras por todos os lugares e se Amadeu não contasse a história para o motorista tu teria seguido em frente e, provavelmente, tua mulher pudesse dar fim à própria vida.

“- Eu já tentei de tudo Tarsila, mas não a meio dela arrefecer esse ciúme doido que tem”, disse o sócio.

– Querido! Não precisa fazer nada. Em seu apartamento tem um quarto de hóspedes. É só entrar lá e ficar na sua. Tu sabes que ela surta quando aparece uma mulher nova na área e tem contato contigo. Ela cismou comigo que sou casada e doida pelo irmão dela. Depois daquilo, eu compreendi que só com o tempo essa ciumeira vai passar.

– Obrigado Tarsila.

Assim que Márcio terminou de agradecer, sente as mãos da esposa em sua cintura e ao se virar para vê-la usando uma expressão de quem sabia que tinha feito lambança, lhe pede perdão novamente, pois sabe que extrapolou. “- Não vou te prometer me controlar, mas eu fico sem chão só de pensar que pode me deixar por conta de outra mulher. Você é meu e de ninguém mais”, disse a esposa.

Abraçando e beijando loucamente o marido, Angélica escutou Fernanda chamando o amigo. “- Oi Fê o que foi”, perguntou o editor, afastando um pouco o corpo de Angélica do seu, o que a fez fechar a cara. “- Vamos deixar para depois”, disse Ricardo, mas teve sua opinião vencida pela própria noiva que foi dizendo que o noivo tinha uma coisa importante para lhe falar.

– Márcio, a partir de terça-feira estou em férias na empresa que eu trabalho. Ficarei 30 dias, sendo assim, caso queira, estou disponível para te ajudar até a inauguração da editora. Sei que tens muito trabalho para me passar a partir de segunda-feira.

– Que bom Ricardo. Então na terça-feira esteja aqui na editora a partir das nove horas. Vamos trabalhar juntos eu, tu e Tarsila para deixarmos tudo pronto para a inauguração. Se não tivermos nenhum imprevisto, daqui a dez dias, estaremos no mercado livresco do país. Agora Ricardo, me dê um tempinho, preciso conversar com a sua noiva.

Para a implicação tanto do tecnólogo quanto de Angélica, Márcio e Fernanda saíram e foram segredar alguma coisa. O editor queria saber como foi que conseguiram achá-lo dentro do ônibus. “- Dinheiro, imagens e um certo personagem de ficção que nunca ganhou vida nem mesmo num romance”, disse Fernanda, sentindo a presença de Angélica se aproximando.

Tentando evitar mais confusão com a empresária e com o próprio noivo, Fernanda dá um beijo na face do amigo agradecendo a oportunidade que está oferecendo Ricardo. Era o que ela havia combinado com Romualdo e depois com mais calma conversaria com Márcio explicando o plano dela e do futuro sogro.

“- Será que ela nunca se toca? Durante cinco anos te teve só para ela e agora quer me tirar até os segundos de ficar com meu adorável marido”, disse a empresária que não percebeu que havia plateia.

“- Se ele é tão adorável assim, por que vive brigando com ele, levando-a a exaustão a ponto de ter que fugir”, perguntou Amadeu rindo as gargalhadas, dizendo que adorou ver a cara do cunhado quando falou que Angélica tinha cometido suicídio. “- Minha irmã, encontramos seu esposo desesperado no meio da estrada, onde o ônibus tinha deixado ele”.

“- Que história é essa de suicídio”, perguntou Angélica.

– Tive que inventar isso para dar tempo de trazer esse fujão de volta. Ele estava indo para a capital e se não fosse a Fernanda decifrar o bilhete dele, talvez tu estivesse fora do ar.

“- Como é que é? A Fernanda leu o que não havia no bilhete? Como assim”, perguntou Angélica, de maneira impaciente.

“- Ele contou para ela há muito tempo que se fosse fugir, iria para um lugar onde pudesse ficar escondido entre as vielas, becos e palafitas. Então foi fácil saber para onde ele tinha ido. Chegamos na rodoviária e conseguimos encontrar o ônibus que Márcio havia entrado para viajar”, explicou Amadeu.

Angélica deu um tapa de leve no braço do marido, querendo saber mais coisas sobre ele que Fernanda sabia e ela, esposa, não. “- Não há nada para saber. Eu contei essa história no segundo dia que nos conhecemos na fila da lotérica porque ela estava cheia e eu disso isso aleatoriamente”, explicou Marcio.

“- A noite vou querer saber mais dessa história”, cobrou a empresária.

“- Não tem nada para saber. Não se esqueça que eu e Fernanda somos amigos há mais de cinco anos”, tentou justificar Márcio, mesmo sabendo que seria em vão.

“- E isso quer dizer o quê? Que ela sabe mais coisas sobre você do que eu que sou sua esposa”, inquiriu Angélica.

“- Por exemplo, você já viu o meu pau e ela não”, disse Márcio fazendo Amadeu rir até as lágrimas. “- É meu amigo mosquito, você que não conta essa história direitinho que a Keka arrancará o seu couro”, disse o cunhado se afastando, enquanto Márcio abraçado à esposa disse bem baixinho no ouvido dela. “- Você, minha paixão, minha vida, tem a melhor parte do meu ser: a minha alma, meu oxigênio e todo meu amor”. Quando terminou de dizer isso, Márcio deu uma mordiscada na orelha da empresária, lhe acariciando a bunda.

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