15.
Quem olhasse a cena do casal ingressando no imóvel não imaginava que dois, dias antes, estavam num pé de guerra só, inclusive um dos motivos do editor estar com a perna imobilizada foi a agressão que sofreu da esposa enciumada. Os olhos dele pareciam dois vaga-lumes em noites no campo em que, de longe, se observavam suas iluminações. Já Angélica caminhava como se estivesse nas nuvens, pois finalmente conseguiu entender que não precisaria ter feito tudo aquilo com Márcio e os escândalos. Era a segunda vez que o tinha lesionado fisicamente e ainda assim, ele optou pela não separação.
Os dois entraram no quarto para trocarem de roupa e vestirem algo mais leve. Ele pegou um romance que estava lendo e foi de muletas para a sala, enquanto ela se dirigiu à cozinha para cumprir com a promessa de lhe fazer o jantar que foi pensado inicialmente para ser um almoço. Os telefones de ambos ficaram desligados e, caso Judith ou Eleanora quisesse falar com um deles, sabiam que as informações estavam com os amigos.
O romance que o editor estava lendo era o primeiro volume de uma série intitulada Em busca do tempo perdido. Ele tinha se comprometido a ler a coleção desde os tempos em que era universitário, mas a cabeça e o coração não o ajudava. Um conhecido lhe disse que quando isso acontece é porque o texto tem muito a dizer ao leitor, mas ele não quer enfrentar o que a obra quer lhe apresentar. Entre uma página e outra, Márcio parecia sentir falta de algo e, ao observar o aparelho de televisão decidiu escolher um canal de música para que a sonoridade lhe fosse parceira até o jantar ficar pronto. Optou por ouvir jazz.
Angélica na cozinha se desligou completamente do mundo, se concentrando apenas no alimento que preparava para o marido e no quanto ele lhe dava segurança que, por duas vezes, ela quase jogou fora. “Meu deus do céu como pude ser tão idiota! Não percebi que a fuga dele era justamente para não ter um segundo fantasma para lhe assombrar”, pensou a empresária que, mesmo sendo alertada pela mãe não havia entendido nada, pois estava correndo atrás do editor como desejando um brinquedo, mas não precisava nada daquilo. Ele sempre esteve onde ela tinha dificuldade de enxergá-lo: do seu lado, pedindo para amá-la na sua simplicidade.
Enquanto o salmão dourava no forno e ela preparava uma salada, abriu o vinho e preparou duas taças. Levando uma delas para o marido na sala, mas antes de se anunciar, ficou em silêncio o observando. Novamente teve uma surpresa ao entender porque Fernanda e Roberto pediriam demissão, caso ela o agredisse novamente. Nenhum dos três querem reinventar a roda, mas apenas serem felizes do jeito que são e por isso andavam vestidos com armaduras iguais, apenas com detalhes diferentes.
Angélica ficou pelo menos uns cinco minutos observando o marido e puxando pela memória a existência dos dois desde aquela manhã de domingo. “Por que será que preciso repassar sempre essa história”, se perguntou mentalmente a empresária, sendo que foi a própria consciência quem lhe respondeu. “Para que entendas que aquela pessoa ali sentada que se desliga com facilidade do mundo, não dará mais um passo na vida sem a sua companhia”. Ao sentir como se sua alma lhe falasse ao coração, a arquiteta deu um sorriso e se fez notar pelo esposo que lhe perguntou o tempo que estava ali a fitá-lo.
– Não sei ao certo, mas agora entendo porque que a Fernanda te chamou de leitor perneta. Você fica completamente em outro mundo quando está lendo e não podia mesmo perceber que a sua perna estava no caminho por onde ela passava.
Márcio voltou a sua face para a esposa, percebendo que os olhos dela estavam mais esverdeados do que vira outras vezes. “- O que é isso em suas mãos, meu amor”, perguntou o editor. “- Um vinho que trouxe para ti. Para tomarmos e quem sabe, comemorarmos uma belíssima nova etapa entre nós dois”, explicou Angélica.
– Obrigado! Estamos sim e não vejo a hora de tirar essa imobilização da perna para poder correr até você.
A esposa observou a perna do marido, ficando em silêncio. “Foi preciso eu quase acabar com a vida deste homem duas vezes para me convencer de que ele não me deixará”, pensou a empresária que foi indagada sobre o que estava pensando. “- Não é nada não, meu amor. Apenas elucubrações soltas que indicam o quanto fui tola esse tempo todo. Brigando com deus e todo mundo e não fazendo o simples: te deixar me amar com a sua simplicidade”, explicou a Angélica ao esposo.
Ao dizer isso, a empresária se sentou ao lado de Márcio, lhe passando uma das taças. Brindaram e sorveram um gole cada um. “- Querida! Não precisamos reinventar a roda para sermos felizes. Tenho três memórias que guardo aqui comigo: a primeira foi quando te vi ali naquela porta usando um camisão transparente em que pude, muito brevemente, ver tua alma cristalina através do teu corpo em transparências. A segunda foi quando estava dentro do carro contigo e tínhamos acabado de brigar naquele almoço no restaurante e o terceiro momento quando me deu a sua calcinha para fazer eu entender o quanto me amava. Agora, como posso seguir em frente sem a sua presença se, em todo lugar que vou, essa memória está comigo”, perguntou o editor à sua dinamite dos olhos esmeraldinos.
“- Por que nunca me disse isso, meu Marzinho”, perguntou a empresária.
– Por uma razão muito simples: nunca tive tempo. Estávamos sempre nos atropelando, parecia que tínhamos que provar o tamanho do amor que um sente pelo outro e ainda o seu ciúme espalhafatoso, briguento.
– Sou briguenta, principalmente quando tenho certeza do que quero. Mas agora entendo como canalizar tudo isso. Ao invés de ciúmes, brigas, tenho que confiar no seu coração, na sua alma e no amor que me tens, deixando de ser insegura. Ainda ecoam aqui dentro as observações de Ângela e também do que Alice havia dito a ela, por te conhecer bem.
Márcio apenas observou Angélica com muito carinho e paixão e ela, devolvendo o olhar, o convidado a se sentar à mesa que o jantar seria servido. Abraçado à esposa e com a outra mão na bengala, o editor seguiu até a sala de jantar se acomodando numa das cadeiras. A empresária voltou para a sala, pegando as duas taças, as depositando sobre a mesa, buscando em seguida o alimento que, pelo aroma, parecia estar boa, pelo menos foi isso que o cérebro e o estômago de Márcio sentiram.
Tudo pronto. A esposa encheu novamente as taças, servindo um pedaço de salmão grelhado com molho de maracujá e legumes. Márcio colocou o primeiro naco na boca, mastigando lentamente para sentir o sabor, mudando o formato do rosto e depois pegou outro e pelas transformações, a cozinheira percebeu que a comida não estava do agrado dele.
– Quer falar logo que ficou uma porcaria e que sou de fato uma péssima cozinheira.
Para provocá-la, se mantendo em silêncio, o marido pega outro pedaço e desta vez demora mais ainda para degustar. Repete a mesma ação, levando Angélica a loucura. “- Caralho quer dizer logo. Vou pegar e jogar tudo no lixo, já que não sirvo para cozinhar para o meu marido”.
Assim que engole o que havia colocado na boca, o esposo muda completamente a expressão facial. Dá aquela risada que atinge os olhos, a deixando mais doida ainda e sentencia: “- Está divino esse peixe, amor. Acertou no ponto. Nem mais nem menos. Obrigado. Te amo, minha princesa”.
– Filho de uma puta! Estava gostando, mas fazia cara de quem estava sentido tudo horrível. Seu chato. Obrigado meu amor. Vamos jantar sempre juntos. Acho bom criarmos uma rotina só nossa.
– Também acho. Só que seria bom comer umas proteínas bovinas pelo menos um dia sim e outro também.
– Negativo! Uma vez na semana e olhe lá. Eu que saiba que meu marido lindo ficou ingerindo carne vermelha em demasia. E não adianta querer me ludibriar. Quando comemos esse tipo de produto até o nosso cheiro muda.
– Você está de sacanagem comigo. Isso é conversa fiada.
– Experimenta para tu ver e sentir. Te tiro até mesmo esse um dia por semana, juntamente com peixe e frango. Será tudo a base de soja e outros legumes.
Márcio parou de falar e ficou pensando. Colocou outro pedaço de peixe na boca e enquanto mastigava, entendeu que era melhor não provocar. Já havia reduzido e em muito a ingestão de bebida alcóolica. Então não custava nada ser maleável também na ingestão de carne vermelha.
Depois de estarem alimentados, Márcio e Angélica permaneceram em seus respectivos lugares, conversando animadamente e o assunto foi a aquisição do terreno. “- Amanhã cedinho falarei com o seu irmão. Fecharemos o negócio até sábado para começarmos a pensar no projeto da loja. Quero um ambiente em que eu possa querer estar sempre. Com cafeteria, a livraria de sua editora e outras lojas logo na entrada”.
– Você não acha que quem tem que decidir isso são os proprietários?
– Já está tudo decidido. Duvido que farão objeção quando eu explicar para onde vai o dinheiro do aluguel desses pontos dentro do supermercado.
– Quer me explicar isso direito.
– Proporei que os valores sejam destinados à uma poupança para a filha de Mariana e Leônidas, mas que só poderão ser utilizados quando ela estiver na universidade. Entendo que os filhos não precisam passar os perrengues que os pais tiveram durante a vida deles.
– Acho que Mariana vai adorar.
– Conversamos sobre isso naquela noite que saímos e depois eu perdi completamente a cabeça. De hoje por diante tudo será diferente amor. Só não prometo não ter ciúmes, mas me controlarei nas reações. Quero muito poder apenas agir, pois assim tenho condições de entender o que está acontecendo e colocar um ponto final nos assédios.
“- Por que está dizendo isso amor”, inquiriu o marido.
– Meu deus do céu, Márcio! Como você é desligado mesmo. Tu és um homem tentador e sei que essa aliança ai em seu dedo chama atenção e a forma como conversas com as pessoas atrai essas mulheres que gostam de competir com as outras.
– Ah sim! Agora eu entendi. Em relação a ti eu não digo nada. Já vi muito marmanjo babando quando te vê, olhando essa bunda deliciosa que tu tens. Eu só observo e passo uma reprimenda com o olhar.
– Por que nunca me falou.
– Ninguém tentou atravessar. Estou contigo e tu é linda, tem presença, então não posso sair esmurrando ninguém que cobiça sua bunda e o seu corpo. Agora se mexerem contigo, te chamando de gostosa, aí o pau quebra porque vou arrebentar a cara do abestalhado.
– Você sente um orgulho danado quando isso acontece né, seu cachorro!
– Não é bem orgulhoso. Prefiro outra palavra que condiz muito mais com o que sinto por ti e tem a ver com o meu jeito de ser: me percebo feliz por estar casado com uma mulher que é capaz de dar uma porrada no raio se ele olhar diferente para os lados onde estou.
Angélica se levanta, se dirige onde o esposo está e lhe dá um beijo carinhoso, pedindo para ele esperar ela arrumar a cozinha e deixar tudo pronto. No dia seguinte tudo será muito corrido. “- Você trabalhará em casa ou irá ao apartamento-escritório”, perguntou a esposa, enquanto se encaminhava para a cozinha, recolhendo os pratos.
“- O que você acha amor”, perguntou o editor.
– Aí é contigo, mas já que perguntou, acho que seria melhor trabalhar daqui para evitar que fique pulando aqui e ali e quem sabe não tire essas talas antes da quarta-feira.
Enquanto a empresária terminava de organizar tudo na cozinha, Márcio olhou para o relógio e percebeu que os ponteiros se aproximavam das 23 horas. “- Amor! Vamos! Tomaremos banho e cama. Teremos que levantar cedo amanhã. Eu vou para as empresas e depois ao escritório. Só vamos nos ver no final do dia. Fiquei fora o dia todo, então amanhã tenho certeza de que o trabalho será dobrado. Você tem certeza de que dará conta sozinho? Se quiser peço a Tarsila para vir trabalhar aqui contigo”.
– Não precisa amor!
Terminada a noite e após se higienizar, o casal colocou os celulares para despertarem às 7h, deixando os abajures de seus respectivos criados-mudos em luz bem reduzida e do mesmo jeito das noites anteriores, Angélica se ajeitou ao tronco do marido para se sentir segura.
Despertaram no horário marcado e ao ligarem os aparelhos perceberam que havia uma enxurrada de mensagens em sua maioria de textos, colocando o editor e a empresária cientes do que os esperavam naquela sexta-feira, mas uma mensagem de voz nos celulares dos dois chamou a atenção. Eram suas mães. De um lado, Eleanora cobrando explicações por conta do sumiço e porque Márcio estava com a perna imobilizada. Do outro lado, Judith fazia as mesmas perguntas, contudo, desconfiava que tinha sido briga entre os dois.
Angélica e Márcio resolveram ignorar as mensagens. Se banharam e tomaram café da manhã juntos e quando estavam terminando a refeição, apareceu Eleanora e Judith. “- O que aconteceu Marzinho”, inquiriu sua mãe fazendo aquela cara de espantada.
Para evitar maiores especulações, sua esposa foi incisiva. “- Num ataque de ciúmes que tive lhe acertei um pontapé. A lesão piorou porque Marzinho foi a pé daqui ao apartamento dele de madrugada. Na parte da manhã, a perna inchou e Roberto o ao ortopedista que imobilizou para a lesão cicatrizar”.
Judith olhou feio para a nora e quando ameaçou falar alguma coisa, a empresária antecipou dizendo que já tinha sido advertida por Fernanda e Roberto. “- A confusão fui eu quem fiz. Morro de amores pelo seu filho e quando saímos na terça-feira à noite, ele foi para um barzinho com Leônidas e Roberto e tinha umas putas dando em cima do meu marido e isso eu não tolero. O meu erro foi não ter ouvido o meu esposo que resolveu ficar em silêncio porque não conseguia falar”.
“- Por que você não me disse nada, filha”, perguntou Eleanora.
“- Porque eu e ela decidimos que está na hora de resolvermos os nossos problemas sem envolver mais ninguém”, explicou Márcio emendando a narrativa dizendo que no dia anterior se desligaram de tudo e de todos para que pudessem, calmamente, resolver tudo, sem a interferência de ninguém. “- Tenho 35 anos e minha esposa 33. Se não pudermos equacionar nosso relacionamento, vamos tornar nossa convivência um problema para todo mundo”.
– Angélica é a segunda vez que tu machucas meu filho. A primeira vez ele foi parar na UTI e agora você quase lhe quebra a perna. Qual será a próxima agressão?
– Judith! Pode ficar despreocupada. Os dois amigos dele já me deram uma reprimenda na quarta-feira e por isso ontem tiramos o dia para conversarmos bastante. Por isso desligamos nossos aparelhos. Eu sei que errei profundamente pelas coisas que fiz, mas pedi perdão ao seu filho, justamente porque soube que ele não teve culpa alguma e eu finalmente entendi o nosso amor ao pedir desculpas ao sentimento que tenho por ele.
Eleanora e Judith se entreolharam e a esposa terminou a conversa dizendo que o esposo ficaria em casa e elas quisessem podiam lhe fazer companhia. “- Se ele desejar mudar de opinião e se separar, me ligue e passe o nome do advogado que trataremos de tudo com a maior lisura. Ficarei mortalmente ferida, mas não posso forçar ninguém a ficar comigo. A decisão é dele e não minha. Acho que já fiz tudo o que podia. Reconheci meus erros, mas, sei que a senhora vai encher a cabeça dele de coisas, então, me deixe ir tenho um dia cheio. Bom dia”.
Sem olhar para os lados e nem para as duas senhoras, Angélica entra no elevador em prantos e, ao chegar no automóvel, desabou sobre o volante. Entre soluços e lagrimas silenciosas, se perguntava quando é que realmente viveria em paz com o seu marido. Ligou o carro e saiu do prédio em alta velocidade, sentindo vontade de desaparecer e acabar com tudo, inclusive aquele amor que lhe queimava o coração.
Quando o carro parou num sinal de trânsito e tentando recuperar a serenidade, Angélica se lembrou de quando encontrou o marido num bar querendo beber para esquecer o amor que lhe tinha. Compreendeu porque Márcio foi parar na UTI quando ela terminou com ele. “Não posso deixar Márcio ir embora de jeito nenhum, mas não quero ficar entre ele e a mãe, já que nunca ficou entre eu e Eleanora”.
Chegou nas empresas profundamente perturbada e foi informada de que Márcio queria falar com ela. “- O que aconteceu Angélica”, inquiriu Roberto. “- Contei toda a verdade para Judith e Eleanora. Tenho certeza de que minha sogra encherá a cabeça dele para se separar e eu não posso ficar entre seu amigo e a mãe dele, Roberto”.
– Por que você não deixa ele decidir? Será que não estão levando muita confusão para a vida do Marzihho? Meu amigo precisa de paz para construir a editora dele. Ontem vocês dois se desligaram de tudo e nós do lado de cá conseguimos resolver o maior número possível de situações. Agora ligue e fale com ele calmamente para que todos possam trabalhar hoje. Temos muita coisa para fazer.
– Obrigado Roberto. Mas quando é que eu e ele vamos ter paz para vivermos esse amor?
– Quando pararem de agir como adolescentes. Você contou tudo a mãe dele e saiu correndo, não deixando que ninguém falasse nada e já encheu a cabeça de coisas, a exemplo do que fez na terça-feira à noite. Tenho certeza absoluta de que ninguém os separam, exceto se assim tu desejar, pois Marzinho jamais pedirá o fim do casamento. Ele sempre me falava que desejava encontrar uma pessoa que, ao estar do lado dela, se sentisse em paz e andando entre as nuvens e conversando com as estrelas tendo o Sol por testemunha. Posso te garantir que tu és essa pessoa que meu amigo esperou todo esse tempo.
Angélica entrou na sala de reuniões e fez uma chamada de vídeo para o marido que respondeu prontamente. “- Por que saiu correndo daqui de casa, amor”, perguntou o marido. “- Fiquei com medo das broncas de Judith e de que ela pudesse te forçar a pedir a separação. Se isso acontecer, ficarei sem norte algum”.
– Obviamente que minha mãe ficou chateada, bem como a sua também, pois Eleanora não iria distorcer tudo para proteger a filha que ela conhece bem. Mas o que realmente conta é o que eu e tu acordamos, pois quem convive contigo sou eu. No domingo ela voltará para junto do meu pai e eu não penso, não desejo ficar um dia se quer sem o teu afeto, seu perfume, seu amor, sem seus olhos esmeraldinos que tanto combinam com o laranja que o Sol pinta o céu nos finais de tarde até o infinito”.
“- Desculpe-me amor. Toda vez que tento acertar contigo, dou uma escorregada grande. Assim que cheguei aqui o Roberto me chamou a atenção. O que preciso fazer, querido? Sei que estou pecando em algum lugar, mas onde”, perguntou a esposa ao marido.
Antes que Márcio pudesse lhe responder, entrou na tela Judith e Eleanora, mas foi a mãe quem lhe falou. “- Minha filha. Pare de agir como uma adolescente que quer tudo para si e de forma egoísta. Judith se preocupa com os filhos como eu contigo e com Amadeu. E se fosse o contrário: eu e ela chegássemos aqui e você estivesse com a perna imobilizada porque o Márcio te deu um pontapé. Como tu achas que eu reagiria”, lhe perguntou a mãe.
– Menina. Eu não vou entrar na relação entre ti e meu filho. Ele nunca ficaria entre você e a sua mãe e sei que tu não farias isso também, mas como Eleanora te falou: pare de ficar fugindo quando a coisa parece sair do seu controle. Quanto a separação de vocês quem decide isso é tu e o Marzinho. Ele me disse que tinham combinado em não falar nada e inventar uma história, entretanto, tu nos contaste a verdade. Parabéns e sou grata por fazer meu filho feliz. Tenho certeza de que depois dessa, se controlará. Olha só lindinha, estou te esperando para jantamos juntos hoje aqui em sua casa. Eu, você, o Marzinho, tua mãe e o general dela.
– Judith! Primeiramente quero te pedir desculpas por minha infantilidade. Depois te agradecer por ser essa sogra maravilhosa. Teu filho é um ser especial e, do fundo do meu ser, espero conseguir dar-lhe o que me solicitou: pediu para que eu o deixe me amar com simplicidade, sem tumultos. Falou que não tem interesse em coisas materiais, mas só gostaria de poder continuar me amando em paz.
– Entendeu então o que ele sempre quis contigo?
– Sim, minha cara. Eu só pude entender isso agora essa semana e ontem quando ficamos juntos e falando tudo sobre o que devemos ajustar. Mas desejo iniciar uma nova etapa com o meu marido.
– Está certo, menina. Deixarei vocês conversarem. Ficarei aqui com o Marzinho o ajudando no que for preciso. Acho que tua mãe também, a não ser que ela tenha alguma coisa para fazer com o general dela.
“- Obrigado por me compreender Judith”, se despediu a nora.
– Tchau! Te esperaremos a noite para o jantar.
Quando a sogra saiu do foco da câmera, Márcio entrou se despedindo, desejando que ela trabalhasse sossegada e a noite se falariam. Angélica encerrou a ligação e escutou baterem na porta. “- Entre”, disse a empresária. Era Fernanda que tinha acabado de conversar com o diretor. “- Oi Angélica! E você e o Marzinho”, perguntou a secretária.
Angélica abraçou a amiga, desandando a chorar. “- Minha amiga, quando penso que está tudo certo entre nós dois, aparece uma avalanche de problemas. Sinceramente, tenho medo que ele solicite a separação, mesmo tendo conversado bastante sobre isso”, explicou a empresária.
– Minha cara! O Marzinho não tem olhos para outra mulher e por que iria se separar de ti para tentar te achar em outra pessoa?
– Sei lá Fernanda. Começo a achar que não tenho maturidade para estar com uma pessoa tão resolvida quanto o Márcio. Eu contei tudo para Judith, só que não esperei a reação ou uma resposta dela. Saiu correndo para cá.
– Posso te dizer uma coisa: você está no caminho certo. Já admitiu que não tem maturidade para seguir em frente com o seu marido. Isso é um grande avanço. Agora resta saber qual é o próximo passo.
A empresária ficou pensativa e antes mesmo de dizer alguma coisa, sua secretária deu o veredicto. “- Peça para o Marzinho estar contigo o tempo todo. Fale, coloque para fora toda a sua insegurança. Você ainda não está acostumada a não precisar dar carteirada em relação ao Márcio. Ele é muito simples e não quer nada diferente do que a simplicidade pode lhe oferecer. Ele só quer uma coisa: te amar sem pressa e sem tumulto.
– Eu sei disso tudo, mas hoje de manhã tornei a agir como criança e fugi quando tinha que enfrentar a mãe dele e o medo dela enfiar um monte de coisas na cabeça dele, daí ele me pedir a separação.
– Você pode ser ter acessos de infantilidade e é até aceitável, mas o Marzinho não. Ele jamais agiria com precipitação. Se saiu do hospital contigo, depois de quase morrer de bebedeira para tentar te esquecer; colocou uma aliança dessas no dedo; esmurrou teu diretor dentro da casa de sua mãe; segurou a onda das cantadas daquelas cinco doidas, então posso te dizer com franqueza: não é uma observação de Judith que fará ele desistir de ti. Agora se ti pedir para ele sair de sua vida, pode ter certeza que irá embora e aí, esquece, não o pegará novamente.
– Já disse isso várias vezes, então não é novidade alguma: se eu perder aquele negão pode me interna que ficarei desparafusada de vez.
– Pode ficar tranquila. Agora vamos tratar do que temos que fazer isso. Tu tens muitas coisas aqui e em seu escritório e o Marzinho precisa tocar a vida na editora. Quero logo me mudar daquela casa para o apartamento e acelerar o Ricardo a achar um terreno para que dê início ao nosso projeto de casamento.
– Você está pensando mesmo em se casar com ele? Tem um ciúme do tamanho de um bonde e é meio machista. Tu não temes ele querer te dominar?
– Ele que vem com graça para o meu lado com essa conversa tola de homem ser superior. Meto-lhe o pé na bunda e ainda desfilo com outro na cara dele só para lhe mostrar o que ele perdeu outro achou.
As duas deram risadas, pois ao contrário de Angélica, Fernanda era bem decidida, mas nem tanto assim, pois só fala isso da boca para fora, já que sabia que se a coisa apertasse, poderia contar com os dois amigos e a empresária, agora que ganhou dois parceiros que a amparava em momentos de crises com o marido.
No apartamento da empresária, Márcio conversava com a mãe e a sogra. As duas eram amigas e certas coisas podiam ser ditas para a dupla. O editor explicou, em linhas gerais, o que acreditava ir pela alma da esposa. Era como se esta tivesse passado a vida toda construindo em torno de si uma muralha feita com o dinheiro, cartões de créditos e status. “- Diferentemente do que acontecia comigo, Angélica estava completamente desprotegida no mundo. O cotidiano dela era sempre administrado pelos adjetivos que a sociedade lhe dava e ela os retroalimentava. Se vocês observarem todas as ações dela não condizem com o comportamento que tenho para com ela, mas sim tudo a ver com o sentimento dela para comigo”, explicou Márcio.
– Foi Tarsila quem me chamou a atenção para um fato ao pedir para eu me colocar no lugar dela em relação às outras mulheres que conheço, inclusive Fernanda e as nossas intimidades. Ela me disse que se o Amadeu tivesse amizade com uma mulher como a minha com a Fê, por mais que o marido lhe dissesse que não havia nada, sempre estaria intranquila.
Eleanora e Judith se entreolharam e perceberam as mudanças a partir da conversa com a cunhada. “- Ela me pediu para não ficar muito tempo sozinha com Fernanda. ‘Ela já tem o Ricardo que vai lhe cuidar. Angélica precisa de ti’”.
“- E o que vc fez, meu filho”, perguntou Judith.
– Não deu tempo de tentar contemporizar nada, pois terça-feira à noite ela explodiu em ira por conta de um problema que eu não tinha nada a ver, mas foi o somatório de tudo isso. Pensei seriamente em pedir a separação, mas fiquei pensando no depois. Como seria tudo. Será que conseguiria em frente sem ela? Angélica não ficaria me procurando? E se eu arrumasse uma outra pessoa, conseguiríamos viver tranquilos?
“- E o que você decidiu, meu filho”, perguntou Eleanora.
– Eleanora! Embora eu tenha passado por duas situações complicadas por conta do comportamento de Angélica. Uma delas, por imaturidade minha, pois fui o responsável, pois quem ingeriu aquela quantidade de álcool fui eu e não ela e agora essa pancada na perna e a fuga dela agora cedinho com medo de enfrentar as consequências de suas ações intempestivas. Você que a conhece bem melhor do que eu e a ajudou a perceber que me queria muito mais do que um simplesmente amigo, me diga: se eu pedir separação para a sua filha: eu terei sossego? Ela me deixará em paz?
“- Só posso lhe dizer depois que me falares o que pretende, mas posso te adiantar que não, pois o amor que lhe tem é enorme, mas por outro lado, se fizer um grande esforço te deixará sossegado, porém a vida dela terá acabado, entrando numa espiral de destruição”, explicou a mãe de Angélica ao seu genro.
– Fiquei a quarta-feira todinha pensando em tudo isso e cheguei a uma conclusão muito simples: não quero sofrer longe dela. Não desejo me afastar nem um dia de sua filha, mas não porque a quero como minha propriedade, mas pelo que sinto quando estamos juntos. Se não existisse o mundo lá fora, seriamos imensamente feliz e aí é que entra a conversa com Tarsila. Tenho que fazer a minha parte para tranquilizá-la e perder o medo de que irei embora.
“- Obrigado meu filho. Tu não sabes o peso que está tirando de minhas costas como mãe. Sei que fui muito ausente na vida dela e de Amadeu, mas desde que você surgiu na vida dos dois, estou tendo a chance de ser mais do que mãe, mas amigo dos dois e sei o quanto eles te adoram”, informou Eleanora.
Márcio olhou para a mãe, pedindo uma compreensão. “- Eu só quero que vocês duas, nos deixem resolver os nossos problemas. Todos sabiam que não seria fácil manter esse casamento em equilíbrio por diversos fatores e não porque um é perfeito e o outro imperfeito. Eu e Angélica somos dois imaturos, protegidos de certa forma pelas nossas condições. Seguirei em frente redobrando o meu amor por ela”, explicou o editor à sua mãe e à sua sogra.
Judith e Eleanora abraçaram o editor que finalizou. “- Ficamos ontem o dia todo buscando um ponto para não deixar o casamento desandar. Se eu pedisse a separação, Angélica sempre daria um jeito de aparecer onde eu estivesse e a situação poderia ser pior, enquanto o meu coração sangraria”, explicou Márcio.
As duas senhoras o envolveu fraternalmente, se despedindo pois não queriam ficar ali o paparicando. “- Eu e Eleanora vamos fazer umas compras para o jantar aqui hoje contigo e sua esposa e depois ela quer se encontrar com o seu general. Lá pelas cinco estaremos de volta. Vê se fica bem, hein filhão”, disse Judith.
– Obrigado mãe e Eleanora pela compreensão, pois o que mais desejo nesse momento é fazer a minha esposa feliz e sei que o único jeito é estando com ela e não desaparecendo no mundo quando o que desejo é estar junto dela. Amigo não empresta guarda-chuva, mas fica na chuva com o parceiro.
– Eu sei disso querido Márcio. Você ajudou meu Amadeu a sair daquele mundo porque ficou e vivenciou com ele parte daquelas alucinações que tinha por conta do desaparecimento de Tarsila. Compreendo que o casamento dos dois não é perfeito, porque aquela negona é dura na queda, mas o ama incondicionalmente e isso é o mais importante.
As duas deixaram o apartamento, enquanto Márcio foi para o espaço que tinha montado para trabalhar com Amadeu. O editor ficou lendo alguns romances que lhe foram enviados e sem perceber as horas avançaram. Levantou-se para ir pegar água, quando a mente se voltou para a esposa. Sem pensar duas vezes, ligou para Angélica que levou um susto ao ouvir a voz do marido.
– O que foi Marzinho? Está tudo bem contigo?
– Só liguei para te dizer que te amo e que estou com saudades de ti e do seu amor. Desejo-te um ótimo dia. Beijos, minha paixão.
Quando o editor desligaria, a esposa, respirando fundo e quase chorando disse que o amava também e que ficou surpresa com a ligação dele. “- Achei que estava me ligando para dizer que iria a um advogado para tratar de nossa separação”.
– Vamos cuidar juntos do nosso amor. Eu e tu temos que fazer de tudo para dar certo. Todos os nossos amigos estão ajustados com seus respectivos pares, então agora é a nossa vez. Meu coração te espera no final do dia.
– Obrigado Marzinho. Você não sabe como acaba de tornar minha sexta-feira mais florida. Beijos meu amor.
Assim que desligou o telefone, tanto Roberto quanto Leônidas, perceberam a mudança facial da empresária. Foi o diretor quem lhe perguntou sobre a ligação: “- É de alguém que conhecemos, Angélica”.
“- Por que está me perguntando isso, meu caro”, respondeu com outra inquirição a esposa de Márcio.
– É que antes dessa ligação, tu estavas com a face meio carrancuda, parecendo preocupada com alguma coisa e agora está como se um vento forte dissipasse tudo o que te apoquentava.
– Nem preciso dizer de quem foi a ligação.
Os três deram risadas, pois sabiam que Marzinho significava na vida daquela mulher que controlava um conglomerado de empresas com uma maestria fantástica, mas perdia toda a compostura quando o assunto era o seu marido, ciúmes e a possibilidade dele se separar dela.
Continuaram a conversação sobre a aquisição do terreno e quando o proprietário chegou ao cartório para fechar a negociação, o assunto mudou de foco e nem parecia que a presidente das Organizações Oliveira havia dado um pontapé no marido por conta da ciumeira que sentia dele.
O acordo foi fechado em 70% do pagamento a vista e os outros 30% em duas parcelas. Um ótimo negócio para todos, inclusive colocando uma corda mais apertada no pescoço de Esdras, pois sua futura esposa é quem faria o projeto da nova loja, incluindo salas que seriam alugadas e o dinheiro iria direto para a reserva do filho que Leônidas e Mariana estavam esperando.
Assim que concluíram a situação toda, o trio foi almoçar no mesmo restaurante que Roberto e Márcio costumava frequentar e às Fernanda aparecia por lá. Durante a refeição, Leônidas explicou ao diretor de comunicação e sócio deles no empreendimento que precisariam fazer um aporte em mercadorias, mas que conversaria com o pai no sábado quando este chegaria à cidade para buscar a esposa.
– De quanto estamos falando Léo?
– Angélica! Você já comprou o terreno para construirmos uma nova loja que deverá ficar pronta dentro de um ano. Não queremos acelerar nada, pois é preciso perceber a pegada de Esdras.
– Tudo bem, mas você têm caixa para fazer isso? Veja bem, não vão atrasar pagamento dos funcionários das outras lojas ou colocá-las em situação complicada para dar pernas para essa loja aqui. Eu e o Marzinho podemos fazer um empréstimo para a empresa, a exemplo do terreno. Ai não precisarão pagar juros exorbitantes que os bancos cobram.
Foi Roberto quem disse: “- Por mim, acho que seria interessante, até porque quem sabe não conseguimos atrair Mazinho para o nosso lado”.
– Esquece o meu marido. Márcio não tem perfil para isso. Deixe-o lá com a editora. É o sonho dele e agora tem a Tarsila de sócia. Os dois vão viajar no mundo dos livros e nessa nova loja instalaremos uma livraria da Jardim da Leitura.
– Amanhã Rogério estará aqui e aí fechamos tudo, mas veja bem Angélica, não vai tirar nada das reservas suas e de Márcio para empatar aqui, pois podemos conseguir esses valores juntos aos bancos.
O trio terminou o almoço e Leônidas optou por voltar à mansão e tirar a tarde para ficar com a esposa que havia mudado consideravelmente de opinião sobre o irmão depois de conversas com Angélica e também de ver como a cunhada ficava desiquilibrada só de pensar em perder o marido para outra mulher.
– Roberto! Vá para casa curtir a gravidez da esposa. Eu passarei na agência e ver como Débora está se saindo. E depois estou pensando em voltar para casa. Minha sogra e minha mãe vão jantar lá hoje e levarão o general.
Roberto agradeceu a folga que a patroa lhe deu e perguntou se poderia estendê-la a Fernanda. Afinal, nem a presidente e nem o vice estariam lá. Pediria-lhe para transferir as ligações para o telefone particular dela.
– Está certo! O que ela ficaria fazendo lá a tarde toda? Quem sabe ela vai atrás do noivo ou sei lá, ficará com você e Danisa?
– Eu acho que não! Deve ir lá para a casa do Ricardo fazer-lhe uma surpresa. Está toda prosa com a sogra. É Adélia para cá, Adélia para lá. Acho que encontrou a mãe que sempre quis. Pobre do Ricardo que perdeu a mãe para a futura esposa.
– Bom! Pelo menos ela dará um tempo para o meu marido.
Ricardo olhou para a patroa e caiu na gargalhada. “- Por que você está rindo, meu caro”, perguntou Angélica.
– É que você nunca aceitará o relacionamento dos dois.
– Danisa não se incomoda porque Fernanda não é grudada contigo e não fica “meu Roberto” para cá, “meu Roberto” para lá. Deixa a Fê ficar assim contigo e tenho certeza que em questões de segundos a mão de sua mulher estará acertando o rosto de sua amiga. Por isso não quero ela com muitas intimidades com meu marido. Vocês são amigos, eu respeito isso, mas quero que ela entenda que a partir de agora tem limites. Ela já encontrou um cara para cuidar e ser paparicado por ela.
– Agora eu entendo porque o Marzinho é louco por ti.
“- E por que só agora você descobriu isso, sendo tão amigo dele”, indagou Angélica.
– Ele vivia me dizendo que quando está contigo, o mundo para, não existe nada lá fora que ele tem interesse. Vivia dizendo que aqui fora tem muito ruído e que ao seu lado, não há barulho algum. Se ele ficar um dia sem tê-la do lado dele, acho que será como se mil toneladas de dinamites explodissem tudo de uma vez só dentro do coração e da cabeça dele.
“- Como você se sente quando está com Danisa”, perguntou a amiga.
– Ela me tira da tomada. A gente se fecha dentro do nosso universo e ninguém entra. É como se o mundo deixasse de ser tão complicado assim. Ela me ajuda a tornar tudo simples, não perfeito, mas algo que se no dia seguinte amanhecer chovendo, será uma beleza, se não, será ótimo do mesmo jeito. Se estiver frio, coloco agasalhos, mas o amor dela me aquecerá o dia todo.
Angélica prestou bastante atenção no que Roberto dizia e deu cordas para que falasse de Fernanda. “- Ela se sente da mesma forma com o Ricardo. Só que o bundão ainda não percebeu isso. Fica de marcação com o Marzinho, achando que a Fê pode trocá-lo pelo amigo. Se o noivo dela fosse como o Márcio, ele nunca teria se quer ter dado um beijo na Fernanda. Mas acho que está aprendendo, já que a noiva arrumou um jeito de quebrar as pernas do ciúme dele. Se aproximou da sogra”.
Ao ouvir essas explicações do diretor e amigo, a empresária compreendeu mais um pouco daquela fala do esposo na noite de quarta-feira. Ela que não havia percebido o quanto o marido a amava e desejava aquela paz que Roberto tinha com Danisa e Fernanda estava construindo com Ricardo. Sendo assim, não tinha mulher ou homem que atrapalhasse o relacionamento deles.
Angélica entra no carro completamente diferente de quando começou a conversar com o diretor. Saiu e seguiu rapidamente para seu escritório de arquitetura para saber como estavam as obras da editora. Desejava levar Márcio para conhecer tudo na segunda-feira e já pensar nos moveis e livros que fariam parte do ambiente. Computadores, móveis, estofados e tapetes e lógico que Tarsila estaria junto, pois na cabeça de Angélica a decoração ficaria a cargo das duas e de Débora.
Quando a arquiteta chegou em sua empresa, se deparou com Débora conversando com seu irmão Ricardo. Pela cara que a sócia e funcionária estava, percebeu que o assunto deveria ser o seu marido. “- Que caras são essas? Estão falando do meu esposo? Se for, meu querido Ricardo, pode ficar sereno, ele não é uma ameaça ao seu amor pela Fernanda e sim o seu ciúme e disso eu sei bem como é, mas a faça feliz e jamais terá a sombra de Ricardo e Márcio te assombrando”, explicou Angélica, entrando em sua sala.
O casal de irmãos vai junto e pede para conversar com a empresária. Foi Ricardo quem disse: “- Preciso dar um passo a mais e te confesso Angélica, que não sei como fazer”.
– Comece por ser o homem que ela espera que tu sejas. A propósito, em breve ela deverá se mudar para o apartamento, pois na semana que vem o Márcio e Tarsila transferirá a sede da editora para outro imóvel e o trabalho ficou tudo por conta da sua irmã que é uma ótima profissional. Por isso, acho que tu deverias fazer isso, pois sei que meu marido tem significativos trabalhos para ti”, expôs a arquiteta.
– Ela me perguntou se eu já havia adquirido ou procurado um terreno para construirmos a nossa casa. Me disse também que se eu não aceitar morar com ela no imóvel que seu marido emprestou a ela, o problema será meu.
– Então corra! Procure esse imóvel e no que eu puder ajudar, o farei, mas mediante trabalho. Além dos serviços que irás prestar ao meu marido, acho que dá para organizar algumas coisas aqui, inclusive na loja que o seu futuro cunhado gerenciará. Observe como os pais de Esdras atuaram para que a sua irmã pudesse viver o amor que deseja com o namorado. Ele sabe que se não tiver uma vida para oferecer a ela, esquece. E acho que você também precisa ter isso em mente se quiser continuar com Fernanda. E posso te afiançar: tu não a perderás para o Marzinho, mas para ti mesmo, pois sua noiva não fica entre eu e meu esposo.
Ricardo ficou olhando para a empresária, pois, sem perceber ela lhe disse o que precisava ouvir. Não havia ninguém entre ele e Fernanda, exceto o próprio ciúme. “- Meu amigo, quase perdi o meu marido para o meu ciúme. Não conseguia enxergar o que vou te dizer agora: Márcio, Roberto e sua noiva querem coisas simples, sem precisar enfeitar muito. Detestam aparecer. Querem ficar no mundo deles, sem serem molestados. Então seja e ofereça simplicidade para a tua noiva. Ela só quer viver o amor sem ser espalhafatosa”, explicou a arquiteta.
“- Por que você está dizendo isso Angélica”, perguntou Ricardo
– Porque tua noiva é minha secretária e amiga do meu marido antes deu entra na vida dele, assim como antes de Danisa começar a namorar com Roberto e eles não deixarão de ser amigos por insegurança minha, sua ou da esposa do meu diretor. Ela foi a primeira a compreender isso e não vive por aí dizendo para as pessoas que se casou com um diretor de minhas empresas. Márcio não quer nada desse mundo, dinheiro, posição social, mas apenas me amar do jeito dele, isto é, de forma bem simples com uma rotina nada complexa e sem holofotes.
Ricardo ficou ouvindo o que a empresária lhe dizia: “- Quando conheci Márcio ele era um repórter de fundo de redação, Roberto editor dum jornal que logo depois faliu e Fernanda era vendedora numa loja. Os três eram felizes daquele jeito e querem continuar assim. Então, não tente exibir Fernanda como um troféu, pois será o primeiro passo para perdê-la. Provavelmente agora ela deve estar lá na sua casa conversando sem segredos com a sogra, a senhora sua mãe. Dei folga a ela porque o diretor pediu e ela passaria a tarde com a sua mãe. Então vê se não faz merda e a ame do jeito que ela é”, sentenciou Angélica. “- Agora vá trabalhar e providenciar as coisas para serem felizes. Sua irmã fará o projeto da casa em que você e Fernanda irão morar e, enquanto ela não fica pronta, more no apartamento do Marzinho para investirem mais onde viverão esse amor. Tenho certeza que irá morar lá depois será sua irmã com o Esdras”.
– Obrigado Angélica. Parece uma porrada, mas sei que é um alerta. Desejo muito ser feliz com a Fernanda. Me deu um norte na vida. Antes achava que a minha existência era trabalho e balada, mas agora percebo que temos uma outra vida para ser construída.
Assim que o irmão de sua secretária deixou a sala acompanhado de Débora, Angélica ficou pensando no esposo e no quanto poderia ter sido feliz bem antes se tivesse compreendido esse jeitão dele. Assim que a funcionária, que também era sua sócia, entrou, ela inquiriu sobre os projetos em andamento, sendo informada que na segunda-feira poderiam conferir as obras da sede da editora. “- Agora quero focar nas obras da loja que o Esdras será gerente. É verdade que você e o Marzinho serão sócios no empreendimento e farão um aporte financeiro para que comecem com os estoques elevados para fazerem promoções”, perguntou a amiga.
– Sim! Mas, o Marzinho não sabe tudo certinho. Ele é muito chato e vai dizer que não tem interesse no setor, contudo, sei que pensará diferente quando souber que dentro do supermercado terá uma livraria Jardim da Leitura e que os alugueis das outras lojas serão direcionados a uma reserva para a filha de Leônidas e Mariana.
– Acho isso belo Angélica. Mas você quererá esse dinheiro um dia.
– Claro! Dinheiro não dá em árvore, mas sempre o quererei de volta não para acumular, mas para compartilhar mais ainda. Temos uma fundação sendo gestada. A ideia é usá-la como trabalho social para minimizar os sofrimentos daqueles que não tiveram as mesmas sortes que nós, mas podem mudar o futuro se tiverem uma chance.
– Ângela veio aqui e eu mostrei o pré-projeto que elaboramos. Ela adorou e já pagou pelo trabalho antes mesmo de começar, mas deixou o dobro, pois entendeu que provocou dissabores entre ti e o Marzinho, entendendo que o dinheiro poderia ser uma forma de reparação. O que eu faço com o dinheiro que veio a mais?
– Deixe em nossa conta investimentos até segunda-feira. Conversarei com Roberto e vamos direcionar o valor para a fundação. O que acha Débora?
– Acho que não tem destino melhor, Angélica. Que tal nós duas trabalharmos no projeto urbanístico dessa instituição? Você já tem a área?
– Já e achei interessante isso.
Ao dizer isso, Angélica olhou para o relógio, dizendo para Débora: “- Querida! Vou para casa! Estou com saudades do meu marido. Logo mais à noite sua sogra e minha mãe vão jantar lá em casa e vai ser aquela sabatina por conta do pontapé que dei nele na noite de terça-feira. Aproveite e vá para casa também e saia para se divertir um pouco. Provavelmente teremos mais dois dias de comilança na mansão. Teu sogro chega amanhã”.
– Vou mesmo. Sei como vai ser isso tudo. Na semana que vem começo a trabalhar no projeto da nova loja e com esse aporte todo, tem grandes chances de fazer sucesso e, ao mesmo, tempo fazer o Esdras se tornar de fato um adulto.
As duas deixaram o escritório abraçadas, entraram no automóvel de Angélica que levaria a sócia até a casa dela. No caminho conversaram muito e o assunto não foi o trabalho, dinheiro, riqueza, mas sim o amor e de como Débora estava se sentido no relacionamento com o irmão de Marzinho. “- Angélica, os quatro são iguais. Embora cada um com a sua peculiaridade, sabem olhar em silêncio. Tenho que ficar atenta, porque se ele olhar para alguma mulher do jeito que me observar, tenho certeza de que terei problemas”, explicou a secretária.
– É bom saber disso. Pelo menos não sou a única a sofrer com essas olhadelas e piscadelas. Eles são muito discretos e pode ter certeza que por mais atenta que estejamos, sempre deixaremos alguma coisa escapar e não adianta perguntar para Rogério ou para qualquer um deles. Na conversa que o Marzinho teve com o pai, este avisou que era para tomar cuidado. Judith o flagrou olhando para uma dona assim e Rogério disse que teve uma noite de cão.
Entre um assunto e outro, o automóvel estacionou defronte à casa de Débora. As duas viram quando Fernanda e Adélia saem abraçadas de dentro do imóvel, confirmando aquilo que Angélica tinha dito para Ricardo. Fê faria da sogra a sua segunda mãe, ou melhor, a que nunca teve, como Mariana adotou Judith. Mais uma situação para que a empresária entendesse o que Márcio vinha lhe dizendo a respeito da amiga.
Fernanda fez questão de ir falar com a empresária para saber como andavam as coisas. “- Obrigada amiga por me ensinar a amar o meu marido do jeito que ele é. Acho que estava complicando tudo por não enxergar o obvio. Um homem que se veste de forma simples e até cafona e com sapatos que há séculos pedem graxa, jamais mudaria seu jeito de ser para caber no meu mundo. Temos que criar um mundo só nosso, como tu estás fazendo com Ricardo. Você não briga, mas apenas apresenta como é tão simples ficar contigo. Tenho certeza de que ele adorará saber que passou a tarde com a mãe dele”.
– Já ligou aqui e queria vir para cá, mas Adélia lhe disse que se viesse antes do término do trabalho iria capá-lo. Então, ele deve ficar lá até o fim e depois quando chegar aqui eu terei ido embora. Quero me arrumar para ele para uma noite nossa: vamos sair eu, ele, Débora e Esdras. E não quero Marzinho, você, Roberto e Danisa se misturando conosco. Vocês já se casaram agora queremos curtir nossos namorados.
“- Estou feliz por ti, querida. Bom! Deixe-me ir. Estou com saudades do meu Marzinho e não ‘seu’”, disse Angélica rindo com Fernanda. “- Preciso daquele homem mais do que tudo agora. Será que consigo recuperar o tempo que desperdicei com minhas ciumeiras tolas”, perguntou a empresária.
– Não pense no ontem, pois ele é a ferramenta que te impulsiona a ser feliz a partir de agora. Cuide do meu Marzinho como gostaria que ele cuidasse de ti e eu sei do que aquele coração é capaz. Não só eu, como Roberto e Danisa.
Angélica se despediu de todos, pensando no que Fernanda havia lhe dito. Chegou em casa perto das quatro e meia e, ao entrar no apartamento, viu tudo em silêncio. Achou até que o marido tivesse saído, mas ao estar na sala, se surpreendeu com Márcio sentado no mesmo lugar de sempre, porém, dormindo e o computador do lado.
A esposa ficou em silêncio o observando, tentando achar aquela pessoa que todos diziam existir naquele corpo. Entendeu que ele não era mimado, mas tinha feito suas escolhas como os outros dois amigos e cada um, a seu modo, seguia em frente, sem atravessar o caminho do outro. Era como se os três estivessem dentro de um vagão de trem e individualmente se atentavam à paisagem que lhe achasse melhor e, de tempos em tempos, se sentavam juntos no mesmo banco para falar do que enxergaram e como aquilo os impactou.
Lentamente, ela chegou perto do esposo, pegou o computador, pois ele poderia se assustar e derrubar o equipamento. Ao observar na tela da máquina, viu um texto que estava apenas no começo, cujo título era O vate iluminado. Não queria ler, mas a curiosidade foi maior. O primeiro parágrafo começava dizendo que um raio havia invadido o apartamento do narrador, deixando tudo claro dentro do imóvel, mas o morador ainda não tinha percebido a luz, já que estava na escuridão do ressentimento e do consumo de álcool. Angélica se recordou daquela madrugada em que o chutou e ele foi a pé para o apartamento, agravando a lesão que sofreu com o pontapé que recebeu da esposa.
Pensou em parar, mas percebeu que o texto dizia respeito a alguma coisa que o marido carregava na alma. “Vendo que o morador ainda permanecia adormecido em sua sonolência de mágoas, o raio resolveu se materializar, chamando-o pelo celular. Ao atender, a luz em formato de ser corpóreo, exigiu que ele fosse ao térreo do prédio de seu apartamento para falar-lhe. Ainda meio sonolento, desceu rapidamente, sendo nocauteado pelo raio que dali para diante passou a animar toda a sua existência. Ora aparecia em voltagem de 110 e em outros momentos de 220v. Naquela manhã dominical, meu caro leitor, foi em 220 quase torrando o condômino”.
“Foram preciso muitos curtos-circuitos e aparelhos torrados, inclusive roupas, sapatos, e por fim, uma perna quebrada ou quase isso para que o terráqueo percebesse o quanto esse raio ilumina diariamente sua vida. É uma eletrificação que faz com que todas as estrelas do orbe fiquem iluminadas. Mas o melhor de tudo, meus caros leitores, é quando o astro-rei resolve pintar o céu dum laranja que, antes o deixava entristecido sem saber o motivo, mas depois que o raio chegou para ficar, o mesmo laranja faz a alma do humanoide, ao mesmo tempo regozijar de alegria, também temer pelo desaparecimento dessa energia, desse clarão e o mesmo laranja o levar de volta à escuridão dantes provada por miríades de amarguras”.
“Se o ser em si tivesse o dom da profecia, a primeira vez que viu essa luz se materializar diante dele numa tarde dominical num determinado bar, teria ali mesmo implorado para ela se casar consigo. Mas não é assim que o amor acontece. Ele não é como a chuva que, antes de cair nos apresenta um céu escuro e rajado de relâmpagos. Esse sentimento cantado em prosa e verso prepara o terreno e os corações dos futuros nubentes, contudo, meus caros leitores, se a terra onde o amor deverá ser semeado estiver dura, o arado terá muito trabalho. Acho que foi isso que aconteceu. Mesmo sabendo que essa iluminação que tem cores de esmeralda teria um papel importante na existência taciturna desse personagem que enobrece as linhas que se seguem, foi necessário perceber que o seu arado não tinha laminas apropriadas para revolver a terra, retirando dela todas as impurezas, como o ódio, o ressentimento, a mágoa e o desejo de vingança”.
“Mas não é que o universo o presenteou com um vate que o zoava diariamente como quem sabia que o humanoide desejava por encontrar a sua outra metade, como aquela apontada por Platão no Banquete. E ela não estava longe, apenas o amigo do trovador não conseguia ver de maneira correta, mas no primeiro dia em que ela se projetou diante dos seus olhos, não conseguiu mais parar de pensar nela, querendo descobrir tudo e mais um pouco. O solidário ser em si andava, corria, acelerava, mas não saia do lugar, até que o raio o acertou numa certa manhã dominical o despertando do sono letárgico semelhante aqueles que não nos ceifa a vida, mas não nos deixa vivo por inteiro”.
Angélica queria continuar, mas não foi possível por dois motivos: começou a chorar e o marido acordou com o som que vinha dos lados da esposa. “- Amor! O que está fazendo com o meu computador? O que está fazendo em casa? Aconteceu alguma coisa”, perguntou insistentemente o editor.
– Aconteceu sim, minha paixão. Aconteceu isso aqui, oh! Quer me explicar essa maravilha que comecei a ler?
– Um conto que estou iniciando a escrita, pensando em lançar futuramente um concurso de contos da editora. Eu publicaria com pseudônimo, mas não participaria do concurso. Seria apenas como forma de publicidade. Os dez melhores seriam publicados, mas a cada edição, sempre haveria um extra, como se fosse brinde para que os contistas não entrassem em competição e se vangloriasse.
– Esse aqui você não vai publicar em lugar nenhum. É meu! É a nossa história. É como o meu Marzinho me vê de dentro para fora e não como eu achava que ele me enxergava. Que texto belo, meu deus do céu. Mas sei que não posso te pedir isso, pois é de sua autoria, embora o conteúdo diz respeito a esse raio que não caiu só em sua vida, mas na minha também.
– Eu ainda não terminei, mas já que começou a ler, esperarei que termine.
Com os olhos bem esmeraldinos, Angélica deixa a máquina no sofá e chama o esposo para continuarem a dormir mais um pouco. Ela queria e precisava do calor do corpo dele, das temperaturas da alma e da luz que emanavam do espírito do esposo para o amor do casal.
– Está bem amor. Ainda temos um tempinho antes de nossas mães chegarem. Mas também tanto faz, Eleanora sabe como entrar aqui, sem que franqueamos seu ingresso.
– Você quer que eu desabilite?
– Não tem essa necessidade, pois ela nunca invadiria a nossa intimidade. Tenho certeza que jamais entraria em nosso quarto estando nós dois lá dentro. Seria de uma arbitrariedade enorme.
– Está certo amor. Você quer tomar um banho antes ou não?
– Acho que será muito bom. Estou com saudades do meu amor que fugiu de manhã com medo do mundo, como se fosse uma adolescente assustada com as verdades que o coração vinha lhe dizendo.
– Então vamos. Te ajudo a se banhar, depois eu vou e dormiremos juntos. Mas não vamos colocar despertador, pois sei que seremos acordados pelas nossas mães.
Concluído os preparativos e de banho tomado, o casal se deixa ficar na cama, esperando o sono chegar e em silêncio no qual cada um dos nubentes escutava os batimentos cardíacos e a respiração do outro e, lentamente o sono foi chegando, levando o casal para as estrelas. Sonharam muito, inclusive no universo de Márcio, esteve com um grande espinho espetando sua mão e assim que o sangue espalhou pela palma, a mancha se transformou num coração.
Ao acordar, percebia a sensação da dor do espinho e a mão parecia estar molhada. Olhou para a esposa que dormia serenamente e para o relógio, notando que tinha se desligado por cerca de meia hora, mas resolveu voltar a dormir ou pelo menos permanecer observando a esposa, contudo, rapidamente esta procurou o seu corpo para se aninhar ao marido.
Novamente o casal mergulha no sono e no silêncio do apartamento, tendo apenas a energia dos corpos e a luz que emanavam de suas almas como testemunha daquele final de tarde em que tudo parecia ter parado, inclusive a própria Terra que negociava com o Sol mais uma volta em torno dele, sem precisar alterar o calendário dos terráqueos.
Quando Márcio e Angélica despertaram já era noite, pois os ponteiros do relógio se aproximavam das 19h. Eles só acordaram porque havia conversas dentro do apartamento, mas não eram vozes de mulheres e sim de dois homens: Alexandre e Rogério, cuja chegada estava prevista para o sábado pela manhã, mas antecipou sua viagem por estar com saudades de Judith e também por saber detalhes da compra do terreno feito com aporte da esposa de Márcio.
Foi Angélica quem saiu vestida num roupão para saber o que estava acontecendo e foi surpreendida pela mãe que explicou que havia franqueada a entrada de todos, pois tinham que preparar o jantar. “- E o Márcio como está filha”, perguntou Eleanora.
– Estamos bem mãe. Só nos dê um minutinho que já estamos indo. Tenho que ajudá-lo a se arrumar. Serve uma bebida para o seu general e outra para meu sogro.
Depois de dez minutos, o casal apareceu com Márcio sendo auxiliado pela esposa que já foi alvejada pelo sogro. “- O que fez com meu filho”, perguntou Rogério com cara de troça.
– Ciúmes, meu caro sogro. Perdi a cabeça por achar que seu filho dava trela para umas vagabundas, mas depois entendi que estava completamente equivocada. Ele podia pedir a separação e teria toda a razão em fazer isso, mas não o fez, indicando que levou um pontapé por me amar em demasia, enquanto eu só enxergava meu amor por ele e não percebia direito o quanto me queria junto dele entre as estrelas de forma simples. Novamente os amigos me mostraram o quanto estava sendo egoísta, mas estamos juntos e não quero mais sentir culpada, pois desejo empregar minhas energias fazendo o seu filho feliz.
Rogério olhou para o filho enquanto este se sentava no sofá, recebendo das mãos da mãe um copo de uísque. “- Se a cacetada que tua mulher te deu não te matou, não é uma dose de uísque que vai te levar para o buraco, meu filho”, lhe disse Judith querendo rir.
Angélica foi se juntar à mãe e a sogra na cozinha. Sabia que levaria um puxão de orelha da sogra. Na sala, Rogério tirou o sarro no filho, pois sabia que se estava com ela era em virtude do amor que lhe tinha e sabia da qualidade deste, pois era semelhante ao que sentia por Judith. “- Como foi isso, Marzinho? Eu te falei para ficar ligeiro que ela tem sangue quente e pavio curto e que tu sofrerias nas mãos dela. O ciúme é maior do que as muralhas da China”.
– Pai, se o senhor me respeitar, não gostaria mais de falar nisso. É um lance meu e dela. Antes do ocorrido, tive uma conversa com a Tarsila que me abriu os olhos para coisas que eu não tinha notado, por achar normal, quando não era, justamente porque sou casado e amo essa mulher. Naquele mesmo dia a noite, estávamos eu, Leônidas e Roberto conversando sobre os novos projetos e Alice apareceu, mas antes quatro mulheres estavam jogando charme para nós e a Alice que as conhecia juntou às mesas e em pouco tempo Angélica apareceu e as consequências quem sentiu foi minha perna.
– Me diga uma coisa Márcio, perguntou o general já emendando a pergunta: “- Você a ama ou ainda está em dúvida”.
– Alexandre, a única vez que duvidei do que sinto por Angélica, foi quando tentei me esconder no Pontal, mas ela me achou e voltamos brigando boa parte do percurso até que se declarou dizendo o que sentia em relação à minha pessoa.
– Então não a deixou por que a ama?
– Por vários fatores: o primeiro é o amor que eu lhe tenho. Então jamais poderia reagir, pois as consequências recairiam sobre nós dois. Depois, tenho certeza de que não conseguiria caminhar e se eu arrumasse outra pessoa, ela não me deixaria em paz e provavelmente eu ficaria em péssimo estado se ela se arranjasse com outra pessoa. Então achei prudente nos fecharmos para salvar o nosso amor e é o que estamos tentando fazer e creio que conseguiremos alcançar nosso objetivo.
– Está certo Marzinho. Se vocês dois chegaram a essa conclusão, não seremos eu ou sua mãe que colocaremos o bedelho naquilo que não fomos chamados, mas sei que Judith vai ter uma conversa com ela.
Os três brindaram com os respectivos copos na sala, enquanto na cozinha a sogra rindo e abraçada a nora explicou-lhe que não precisa ter fugido daquele jeito pela manhã. Eles poderiam ter mantido a farsa combinada, mas ela optou por contar-lhe a verdade e isso que é o melhor de tudo. “- Meu filho precisou ter a perna quase quebrada para entender que agora vocês são casados e que tem que mudar o comportamento. Não pode deixar essas sirigaitas ficarem ciscando entre vocês dois”, explicou Judith.
Ela olha para a nora é completa: “- Você já vinha indicando a ele que estava no seu limite e ele tentando contemporizar, mas precisou lhe mostrar como a coisa funciona. Ele é seu marido e tu não vai aceitar assanhamento dele com outras putas. Se quiser, então que vá ficar com elas”.
– Você não está chateada comigo? Eu dei uma porretada no seu filho por ciúmes.
– Minha filha, fiquei muito mais chateada por você ter saído sem deixar que conversássemos com calma. Sei que não fez isso de coração, mas estava cega de ciúmes e o meu Marzinho poderia ter evitado tudo, sem precisar ser indelicado e tudo por conta daquela louca de Alice.
– Ele sempre quer contemporizar tudo, como se tentasse não macular ninguém, mas estava me machucando muito Judith. Sei que não fazia por maldade e nem para aparecer ou mandar recado, mas não tenho sangue de baratas. Peço-te mil desculpas por ter atravessado tanto assim. Sei que não farei mais isso. Não estou prometendo a ti, a minha mãe e nem a ele, mas à minha pessoa mesmo. Desde que aconteceu isso, tenho me penitenciado, punido por não ter acreditado nele.
– Agora já passou! Cuide dele. Não vamos mais nos meter. Nem eu e nem sua mãe que agora tem o general dela para cuidar e olha que ele parece meu filho mais velho. Eita homem teimoso, cheio dos tremeliques.
Eleanora que assistia a conversa tomando uma lata de cerveja, caiu na gargalhada e depois explicou à filha que não ia tomar partido, pois tinha uma grande parcela de culpa na insegurança dela. “- Márcio está penando um bocado contigo justamente porque eu e seu pai ficamos mais preocupados com posições sociais, querendo arrumar casamentos para ti e o seu irmão, sem ouvirmos o que vocês dois queriam. Amadeu encontrou Tarsila que é osso duro de roer, mas o ama incondicionalmente e já falou que se ele ficar de conversinha com outras mulheres, pode se preparar: ele e a mulher vão parar no cemitério e o filho deles nascerá atrás das grades”.
– Obrigado mãe e sou grato pela sua compreensão, Judith. Teremos o final de semana para conversarmos bastante. Você e Rogério voltam quando? Domingo ou amanhã?
– Domingo menina. Fiquei muito tempo longe de casa. Amanhã vamos ver tudo como ficou as coisas e ele está feliz por terem comprado o terreno onde construirão o novo prédio para o supermercado e por tu ter feito uns aportes financeiros para que não fiquem refém dos bancos até que a nova loja seja inaugurada.
Assim que terminou de explicar, as três mulheres começaram a preparar o jantar enquanto os três homens dialogavam na sala sobre tudo e nada, mas sobretudo o casamento de Angélica e Márcio.