Sobras de um amor … parte II

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Findou a festa de casamento de Márcio e Angélica, todos os convidados já tinham encontrado o caminho de casa e a empresária havia feito as devidas recomendações aos diretores em relação a Roberto e acertado tudo com Fernanda. Era hora dos irmãos do jornalista também se arrumarem para voltar aos seus cotidianos.

Esdras tinha desaparecido. Estava com Débora e acertado de voltar com Judith no final de semana seguinte. Rogério, Leônidas e sua esposa retornariam na segunda-feira. Eleanora estava radiante com o fato de se tornar avó e falava a todo momento com Amadeu e Tarsila.

– Tudo bem dona Eleanora. Voltamos sim. Nos dê uma semana e estaremos aí. Mas olha! Não vamos ficar na mansão. O Amadeu falou do apartamento em que ele morava, então vamos para lá até podermos alugar uma casa. Não quero que o nosso filho cresça dentro de uma caixa de sapatos.

Angélica e Márcio esperaram a matriarca terminar a conversa para se despedirem. O relógio se aproximava das 20 horas e os dois estavam muito cansados, além de não ficarem a sós desde a manhã do sábado. “- Quero meu marido só para o meu prazer esta noite”, disse a arquiteta abraçada ao esposo.

– Pai! A que horas pretendem partir amanhã?

– Ainda não sei filho. Sua mãe quer que almocemos com você e aí pegamos a estrada. Sua mulher vai ficar envolvida o dia todo nas empresas, então seremos só nós.

– Quem disse isso, senhor Rogério. Não deixo esse homem sozinho com vocês de jeito nenhum. Já basta que me tiraram ele no sábado. Eu almoço com vocês. Está decidido!

Todos riram e Rogério só ressaltou: “-Está vendo filho. Foi deixar sua mãe passar muito tempo com a sua esposa, agora aguenta. Duas mandonas em sua vida.

– Mando mesmo e ensinei tudo a minha nora. Ela quem comanda. Eu conheço esses seus olhares que parece que nunca viram, mas quando pensamos, vocês já nos desnudaram as mulheres sem colocar a mão. Angélica está corretíssima. De agora em diante, onde o Marzinho for, ela tem que estar. Se não couber a esposa, ele também não tem espaço.

Márcio respirou fundo porque sabia que não ia ter jeito mesmo. Resolveram almoçar todos juntos e nesse momento Esdras chegou. “- Onde está minha secretária”, perguntou Angélica. “- Ali fora querendo se despedir de você”, informa o cunhado a arquiteta.

“- Mande ela entrar e quero saber onde os dois estiveram”, disse Judith já sabendo das armações do filho.

Quando Débora entrou, a sogra de Angélica já vai perguntando: “- Onde você levou meu filho? Estou de olho em vocês dois”. Débora ficou encabulada, mas serenou quando todos riram. “- Dona Angélica pode ficar tranquila. Estarei cedo no escritório. Sei que não deveria falar nada, mas aquela sócia da senhora, cuja amiga foi colocada para fora da festa, disse que a humilhação que fez a amiga passar não vai ficar assim, não. Estou com medo de perder o meu emprego, pois quando os patrões brigam acabam sobrando para nós empregados”.

– Eu sei porque ela disse isso, mas faça o seguinte: amanhã cedo, venha para cá e ajude o pessoal a preparar o almoço. Eu e o Mazinho viremos almoçar e talvez tenhamos coisas melhores para você. Ela ficou assim porque a amiga não gosta de preto e aí a situação muda tudo. Se ela é amiga de racista, talvez pense como ela, sendo assim ficará difícil a nossa convivência.

– Obrigada dona Angélica.

Márcio perguntou pelo irmão de Débora. “- Aquele só falava na Fernanda. É Fê para cá, é Fê para lá. Não sei o que ela tem. Nunca vi meu irmão caidaço por uma mulher como está pela sua amiga, senhor Márcio.  Bom, me deixem ir. Até amanhã. Boa noite”.

Assim que Débora saiu, Angélica aproveitou a deixa e também arrastou seu marido para o apartamento. Estava desconfiado que na despedida de solteiro de Márcio teve putaria. Todos se despediram e o casal entra no carro. Assim que deixaram a mansão, a arquiteta quis saber tudo da noite anterior. O esposo foi taxativo: “- Vamos fazer uma coisa: vc me conta como foi na mansão com a mulherada e eu te conto como foi no apartamento com os homes. Combinado”, pergunta o editor.

Angélica achou melhor não começar nada. Se o marido soubesse que teve homens desfilando de sunga de banho servindo a mulherada a coisa ia ser complicada. “- Está bem, amor! Se fosse para eu saber o que rolou ontem eu estaria lá e você na mansão”.

Ficaram em silêncio boa parte do caminho. Enquanto a esposa prestava atenção nas ruas e sinalizações, o carona viajava. Percorreu os 90 dias em poucos minutos e nesse trajeto, estava sempre acompanhado pela alma de sua agora esposa. Achou estranho, pois sentia como se já a conhecesse de algum lugar, mas mesmo puxando pela memória não se lembrava com exatidão.

“- Posso saber no que meu marido lindo está pensando”, pergunta Angélica tirando-o de suas reflexões.

– Em ti e nisso tudo que aconteceu nos últimos 90 dias. Parece que vivi uma vida contigo nesse período. Você em meu prédio, toda raivosa, linda, bela, poderosa, imponente, exigente queria mandar o Sol esfriar. Seu irmão completamente no mundo da Lua e eu tentando me achar nesse universo material complicado. Sabia que não havia lugar onde eu gostaria de estar. Eu me lembro de cada acontecimento, cada detalhe, roupa que estava usando desde aquele domingo de manhã.

“- E com quantas mulheres isso já aconteceu contigo”, quer saber Angélica.

– Nenhuma. Eu só me recordava das dores e da traição de Márcia. Não me recordo da professora universitária com quem tive um rolo. Eu tenho aqui marcado profundamente os registros desses 90 dias.

“- Isso é bom ou ruim, em seu ponto de vista”, pergunta a esposa.

– Bom! Acho que esse anel aqui pode dizer tudo. O seu vestido em tons laranjas com detalhes em verde esmeralda pode falar. Além da sua sinergia com a minha mãe, meu pai, meus irmãos. Sua mãe e o pedido de perdão dela. Tudo isso me deixa numa leveza, que não é ilusória, pois sei que tudo pode entornar no seu primeiro ataque de ciúme.

– Só meu? Ou achas que eu me esqueci do murro que deu no rosto do médico. Quando mandou eu trocar a blusa. Você não percebeu que eu vi como ficou hoje quando eu conversava com os diretores de minhas empresas? Teu ciúme é pior do que o meu, porque é silencioso e exato.

– O nome disso é paixão, amor e nada de posse. Se eu te falar que não tenho ciúme, mentiria, mas tento controlá-lo na medida do possível. O médico foi um caso à parte. Ele tentava me humilhar para chamar a sua atenção e aí teve o que merecia: um direto de direito no olho esquerdo para quando piscasse soubesse que não deveria enfiar o nariz naquilo que não lhe pertence, ainda mais se for a coisa mais importante da minha: a dona do meu coração.

– Marzinho. Também o amo muito e enquanto me preparava para colocar essa aliança no dedo, pensei a minha vida toda, desde as violências praticadas pelo meu pai, passando pelo meu casamento com Rosângela; te conhecendo no seu prédio quando cheguei lá achando que ia te esmagar feito uma formiguinha, mas voltei para casa sabendo que o mundo não girava do jeito que eu queria e que havia alguém que não estava nem aí para quem eu era, me mandando as favas. O homem que me desnudou sem me colocar a mão. Me atingiu a alma sem dar uma palavra. Esse homem a partir de hoje é todo meu. Não vou dividi-lo com ninguém mais.

– A nossa jornada é longa amor.

– Mas se estiver comigo, tenho certeza que de não será tão árdua assim.

– Estaremos sempre juntos porque eu te adoro, minha deliciosa maluquinha.

Chegaram ao prédio. Deixaram o carro no estacionamento. Ao descerem do automóvel, Angélica pega a mão do marido e antes de entrarem no elevador, o chama para si, o abraçando ternamente. Ficam nessa posição por alguns segundos e depois sobem para o apartamento. Ao entrarem no imóvel, Márcio se joga no sofá, fechando os olhos e lembrando da primeira vez que esteve ali e viu, a agora esposa, só de camisão, sem nada por baixo.

Ela se deita em seu colo e os dois, feito dois adolescentes ficam olhando as alianças em seus dedos. “-Amor! Tem certeza de que fez a coisa certa”, pergunta a empresária. O esposo olhando sério para ela apenas diz: “- Fiz a escolha errada. Eu deveria ter te pedido em casamento naquele momento em que me afrontou na frente do meu prédio”.

O editor encosta as costas no sofá e ficava passando a mão na cabeça de Angélica. “- Tenho certeza absoluta de que hoje eu comecei uma nova etapa de minha vida e terei sua presença constante nela. Espero que tenha certeza de que eu seja a pessoa para estar contigo até o fim da eternidade”.

– Acho que alguém que faz eu atravessar o estado atrás dele. Viagem comigo até a Europa, mesmo sabendo que poderia ser tudo diferente, para eu desfazer um compromisso anterior que durava cinco anos, pode muito bem atravessar o resto da existência do meu lado.

Quando o cansaço começa a bater, os dois decidem relaxar na banheira. Na segunda-feira e no transcorrer da semana seria tudo muito corrido e Angélica pretendia comprar a parte de Maria Helena na agência e colocar Débora como estagiária. Ela já vinha realizando algumas fases dos seus projetos. Assim que terminasse a faculdade, com certeza, teria um papel mais atuante no escritório de arquitetura. A esposa de Márcio não abandonaria em nada o trabalho, mas desejaria passar mais tempo com o marido ou dividindo seu tempo, de modo que pudessem estar juntos todos os dias: café da manhã, almoço e jantar.

Permaneceram perto de uma hora na banheira, entre cochilos e beijos e abraços. Angélica bem que tentou ficar mais animada, mas a cabeça pedia uma coisa e o corpo queria urgentemente descanso. “- Amor! Desejaria muito terminar a nossa primeira noite de casados fazendo amor, como quando eu e Rosângela fomos morar juntas, mas o meu corpo só quer dormir. Desculpe-me. Sei que não estarei inteira contigo”.

Márcio, depois de um longo silêncio, lhe disse: “- Espero que sua ex não fique entre nós. Posso até passar um ano sem transar contigo, mas não vou aceitar que um segundo se quer que ela fique entre nós. Se hoje falamos sim para as nossas almas, penso que isso é o que importa. Agora pode ir lá. Faça a vontade de seu corpo e durma”.

Ao dizer isso, o jornalista sai da banheira, coloca o roupão e se desloca até a sala, deixando a esposa dentro da banheira. Enquanto olhava as estrelas e o céu carregado, indicando que a segunda-feira seria chuvosa, a esposa chorava silenciosamente deitada na cama. Queria entender por que trouxe o nome da antropóloga para o meio deles. Se Márcio fizesse a mesma coisa, com certeza, ela teria reagido da maneira semelhante.

Se vestiu e foi ter com o marido. O encontrou no mesmo lugar de sempre, fazendo as mesmas coisas: olhando as estrelas e os raios que riscavam os céus naquela noite dominical. Abraçou-o por trás e perguntou o que aquelas faíscas tinham que tanto o encantava. “- É vida! É energia e prova de que a natureza, mais do que nós, acredita ainda na humanidade. Eu gosto de contemplá-los em busca de respostas, muitas vezes de perguntas não feitas”.

– Uma dessas respostas é por qual motivo, parece que estou deixando Rosângela ficar entre nós. Perdoe-me por esse lapso.

– O problema, como eu disse para a sua mãe, não é perdoar da boca para fora ou o inverso. O que me aborrece é não saber o quanto dela ainda está aí dentro de ti. Por que se tiver que se esforçar para não falar dela, é sinal de que ainda há muito dela dentro de ti e, neste sentido, eu que te peço desculpas, pois me sinto inseguro.

Ao responder isso, Márcio voltou para o seu silêncio enquanto contemplava os raios que continuavam a iluminar os céus naquela noite em que a semana se iniciava. Angélica fez menção de ir embora, mas ele a puxou para perto do seu peito. “- Meu amor, se não me ajudar, não sei como possamos fazer esse casamento dar certo. Eu sei que errei. Se você falasse de uma dessas mulheres que já teve um caso, como a professora de psicologia, ficaria imensamente chateada”, declara a empresária.

Márcio se sentou no sofá e puxou a esposa para si. “- Márcio. Não sei o que me deu, talvez vontade de comprar com o que eu tinha e com o que tenho agora contigo. Tenho paz, harmonia, mas escorreguei em nossa primeira noite de casado. Uma situação que eu tanto busquei, briguei e agora chutei o balde”.

– Angélica. Eu disse que te esperaria o tempo que fosse necessário e não estava mentido. Então vamos deixar que os sons de nossos corações nos digam o que fazer agora a noite. O chope esquentou e apagou a churrasqueira, espalhando cinza para todos os lados.

Quando ele sentiu os batimentos cardíacos da empresária, pede a ela que se acalme. “- Como posso em acalmar, homem de deus! Queria tanto fazer amor contigo hoje e joguei tudo fora”, desabafa Angélica em forma de desespero. Márcio responde em tom harmonizador: “- Mas quem disse que estragou alguma coisa? Você não está aqui comigo? Então é só me dizer a verdade, mas não é que quero escutar, mas a que seu coração precisa ouvir”.

– Sinceramente não gosto quando faz isso. Parece que não confia no que venho dizendo, no que fiz todos esses dias. Não vou responder nada. Estou farta. Tchau.  Durma aí com suas certezas e arrogâncias.

A empresária se levantou e vai para o quarto, fechando a porta por dentro. “Começamos bem”, pensou o jornalista ao se levantar e ficar olhando novamente para as estrelas, como quem busca uma resposta do alto para a sua situação. “Uma coisa era se casar com toda aquela pompa, festa para muita gente, fotografias e outros rapapés, outra era manter o casamento que começa com briga e birra na primeira noite”.

Sabia que não podia ficar ciscando perto de bebida alcóolica, mas estava precisando duma dose naquela noite que era para ser maravilhosa, mas caminhava para ser uma locomotiva desgovernada e não podia falar com ninguém, exceto com a própria alma. Encheu o copo com uísque, tirou a aliança por achar que não tinha sentido nenhum ficar onde estava. Compreendeu que Rosângela parecia ter morada cativa dentro de Angélica.

Bebeu uma dose, duas, três. Quando estava no meio da quarta doze, apagou, mais por conta do cansaço do que realmente pela quantidade de bebida que tinha ingerido. Acordou com os gritos de Angélica que em prantos, achava que ele tivesse morrido, pois estava gelado e ao ver a aliança em cima da mesa, acreditou que o marido tivesse cometido suicídio.

Ao abrir os olhos, viu Angélica de joelho ao seu lado em prantos e implorando para que não fosse verdade que seu Marzinho tinha dado fim à vida por conta das inconstâncias dela. “- O que aconteceu? Porque está assim desse jeito”, lhe pergunta o jornalista.

– Sai do quarto e me deparei contigo largado nesse sofá e o copo de uísque no chão, a garrafa em cima da mesa e sua aliança ao lado. E você completamente gelado. Me desesperei. Estava para ligar para a minha mãe. Ainda bem que não passou de um susto e tu sabe que não pode beber. Por que fez isso?

Márcio sentou-se no sofá e sentiu tudo rodando e voltou a se deitar e a cabeça lhe doía muito. “- O que deu em ti? Quer se matar? Quer me matar? Sua mãe, seu pai e seus irmãos? Desse jeito não me tranquiliza, me deixa amedrontada. Eu sei que só faço merda. Ao invés de melhorar a situação, acabo complicando mais, mas isso não significa que o senhor vai sair por aí bebendo tudo e mais um pouco para se matar, levando quem te ama junto.

O jornalista levantou e quando se dirigia ao quarto de hospedes foi barrado pela esposa. “- Onde pensa que vai”, pergunta Angélica. “- Se podes bem ver, eu tirei a aliança e só volto a colocar quando me der a resposta do que te perguntei. Se eu sou chato, então não tem porque continuar casada com um chato que durante o banho na noite de núpcias escuta a esposa falar o nome da ex-mulher dela. Não vejo sentido algum em continuar isso. Casar pode ter sido relativamente fácil, mas manter o casamento tendo um fantasma entre nós, acho que é muito para a minha cabeça e coração. Não desejo te dividir com ninguém. Sou egoísta sim. Te quero só para mim. Se isso não é possível, o melhor a fazer é ficarmos cada um no seu canto. Eu suporto mais uma rejeição”, desabafa o marido.

Angélica, com o coração em prantos e os olhos cheios de lágrimas, pede a ele para escutá-la e que seja pela última vez. Ele concorda e se senta para ouvi-la. “- Você é um homem inteligente e entenderá o que te direi. Se não compreender eu te coloco no carro e levo à mansão e amanhã tu vais embora debaixo da saia de tua mãe. Eu conheci Rosângela há sete anos e convivi com ela nesse apartamento por cinco anos. Você querendo ou não, nós tivemos uma vida juntas com bons e maus momentos e num desses tu apareceu. Por mais que eu te ame, não é possível jogar todo esse tempo em baixo do tapete, achando que nunca existiu. Você mesmo ficou aí cinco anos tentando esquecer a Márcia. Tenho certeza de que até ela te aprontar com as fotos montadas, ainda sentia algo por ela”.

O jornalista ficou só escutando. “- Há 90 dias que minha vida virou de cabeça para baixo e eu achei que o que sinto por ti, mais o casamento, poderia colocá-lo no eixo novamente, contudo, na primeira noite juntos disse que a cabeça desejava uma coisa e o corpo outro e fiz uma comparação quando eu fui viver com Rosângela há cinco anos e você, MEU MARIDO, já quis dar show. Então acho mesmo que tens que ir embora e se enfiar debaixo da saia de sua mãe e viver sempre com medo do mundo. Agora é contigo. Estou te esperando em nossa cama e com essa aliança no dedo. Não quero dormir com um moleque do meu lado, mas um homem que é compreensível, amável, mesmo sabendo que sua esposa é meio maluca, inclusive morre de amores por ele.

Angélica se levantou e deu um beijo no rosto dele. “- Quando quiser se matar, capriche mais. Não sou perfeita, mas estou imensamente disposta a fazer esse casamento dar certo. Não estou afim de brincar de casinha com o senhor, meu marido.

Ao entrar no quarto, a chuva começava a desabar lá fora. O jornalista ficou em pé, a cabeça meio zonza pelos uísques que bebeu e observou a chuva que caia lá fora. Olhou para o relógio e viu que passava das três da madrugada. Ao fazer as devidas concatenações, Márcio entendeu que sua esposa tinha razão. Era tudo muito novo para ela e, ao invés dele ajudá-la, parecia uma criança que quer tudo do seu jeito naquela hora. Onde estava o amor que ele dizia sentir por ela?

Foi até a cozinha, fez um chá para ajudar na digestão do álcool, como sempre fazia quando estava com ressaca. Colocou a aliança no dedo novamente e esperou a bebida esfriar, ficando de cabeça baixa sobre a mesa, pensando no quanto tinha sido ignorante com Angélica e mais estupido ainda em beber, sabendo que não pode mais. E se entra em coma novamente. Olha a confusão que ia arrumar para a esposa.

Sentiu quando alguém lhe tocou. Era a esposa. “- Vem amor. Vamos fazer esse casamento dar certo em nome do amor que sentimos um pelo outro. Desculpe-me se peguei pesado contigo. É que não consigo me ver com outro alguém que não seja você”.

Ele olha para a esposa com os olhos em lágrimas. “- Desculpe-me por estragar a nossa noite de núpcias com os meus ciúmes”, fala o jornalista soltando o ar dos pulmões. Ingeriu a bebida e saiu abraçado com Angélica em direção ao quarto. Em seguida entrou no chuveiro. “- Vou tirar os últimos resquícios de minha ignorância para poder te amar como você merece”.

Quando estava entrando debaixo do chuveiro, a empresária o abraça por trás dizendo que não ia deixá-lo sozinho. Ficaram uns 20 minutos se olhando, se abraçando. Ao saírem, se enxugaram e se deitaram. Cada um desligando o seu celular. Márcio foi o primeiro a acordar, já despertando a esposa com um beijo. Ela desperta, retribuindo o beijo pede para continuarem a dormir. “- Só mais um pouco. Não tenho pique para trabalhar agora de manhã. Só quero ficar aqui contigo. Não me force fazer o contrário”.

“- Está bem amor. Fiquemos mais um tempo aqui. Além do que a chuva não dá trégua”, diz o jornalista. A esposa lhe puxa pela mão para ver a aliança estava ali onde a mãe dela havia colocado no domingo. “- Amor não faça mais o que fez ontem à noite. Eu quase morri do coração. Pensei que ia ter um treco de tanto medo que você pudesse ter falecido.”

– Eu prometo…

“Não prometa, faça! Só isso e me ame, sempre me ame”, pede a empresária.

Mergulharam no silêncio da casa e o barulho da tempestade que desabava sobre a cidade. Acordaram por volta das 10 horas. Quando Angélica fez um movimento com a perna sentiu o membro ereto de Márcio. Olhou e sem dizer nada começou a massageá-lo. Com esse movimento, o jornalista ficou totalmente desperto e correspondeu ao que a esposa fazia, lhe devolvendo a massagem em sua vagina a incendiando completamente. Márcio senta na beirada da cama e puxa a empresária para seu colo, penetrando-a lentamente, enquanto ela se contorcia de prazer, mordiscando as orelhas do marido e, entre lágrimas e declarações de amor, ambos atingiram o orgasmo. Márcio se deitou e a empresária ainda ficou por cima, sentido o membro dele dentro dela. Quando ele imaginou que ela sairia, Angélica retomou o movimento, fazendo com que Márcio arregalasse os olhos diante do apetite da esposa que só lhe dizia: “- Quero mais, sempre mais, senhor meu marido”.

Depois que atingiram o clímax juntos, ficaram uma meia hora sentindo um ao outro e perto das onze e meia ligaram os respectivos celulares e foram tomar banho para o almoço de despedida do pai e dos irmãos de Márcio. À tarde tinham compromissos. Ela nas empresas dela e o marido com as enunciações de Amadeu. Queria lançá-lo antes que o filho dele e Tarsila nascesse.

Quando deixaram o banheiro e foram conferir os respectivos aparelhos, perceberam que haviam uma enxurrada de mensagens, inclusive de Maria Helena indignada por que sua amiga foi convidada a se retirar do casamento dela com aquele macaco e a família asquerosa dele. Na mensagem, a sócia disse que estava saindo da sociedade porque não podia conviver com gente que se misturava com preto além da relação de patrão e empregado. Tolerava as intimidades de Débora porque era secretária dela.

Ao olhar para o jornalista em busca de uma resposta, ouviu apenas: “-Ignore-a. Como foi ela quem disse que vai deixar a sociedade, compre a parte dela e se conseguir um valor baixo, dê um percentual para Débora como presente de formatura. Você não precisa se rebaixar ou tentar ser mais do que essas pessoas que pensam ser melhores por conta da tonalidade da pele ou o saldo da conta bancária”.

Terminando de dizer isso, Márcio a abraçou e quando falaria algo, a esposa o impediu. “- Se for sobre ontem não digamos nada um para o outro, mas nos prometemos internamente a se esforçar ao máximo para o nosso casamento funcionar. E sabe por quê? Porque te amo muito e só te solicito paciência. E que eu tenha contigo também”.

Finalmente chegaram à mansão para o almoço. Beatriz estava lá grudada em Esdras, Fernanda, Roberto, Danisa e Ricardo. “- Eu tive a impressão que já os vi antes. Só não sei onde”, disse Márcio brincando com todos. Eleanora olhou para a filha e percebeu que havia algo de errado. “- Antes de iniciarmos a nossa reunião, se me permitem conversar umas coisinhas aqui com a minha filha”.

Com a anuência de todos, a anfitriã levou a filha para o escritório, enquanto Judith e Rogério olhavam para Márcio. Pelo jeito dos rostos dos seus pais, sabia que não sairiam dali sem ter uma conversa com ele. A mãe o chamou de lado dizendo que seu pai queria lhe falar umas coisas sobre a família.

Porém, enquanto o pai permanecia calado, Judith já abriu logo a caixa de ferramentas. “- O que está acontecendo moleque? Tua mulher chegou com cara de pão embolorado e tu com essa pinta de roupa amassada. Vem dizer que não foi tudo bem na primeira noite como esposos?”.

Quando Rogério ia falar alguma coisa, foi barrado: “- Cala a boca homem, deixa o menino se explicar. Está vendo porque não dá para eu ir embora contigo. A festa foi uma maravilha, mas sinto que meu Marzinho ainda não está pleno com a galega dele”.

– É mãe! A verdade é uma só: eu e Angélica precisamos crescer como pessoas para que o amor possa fluir normalmente. Desejo que ela tire uma pessoa de dentro dela num piscar de olhos e esqueci que isso não é fácil, por uma série de fatores. Não basta uma aliança e palavras bonitas, é preciso muito mais do que isso: confiança.

– Meu filho. Sei que não te preparei como devia para esse mundão. Fiquei muito tempo ocupado só pensando em dinheiro e somente agora convivendo contigo nesses três dias é que observei o quanto fui ausente em sua formação. Mas o que posso te dizer é a partir de uma pergunta: você tem certeza de que a ama? Preste bem atenção. Vocês se conhecem já três meses. Ela viveu com outra pessoa por sete anos. Uma matemática rápida te mostrará que ela tem mais tempo vivenciado com a outra do que contigo. Na ficção tudo é muito belo, mas na prática a coisa é diferente.

– Pai! A briga começou porque ela disse que estaria muito cansada para consumar nosso casamento, por assim dizer. Eu não pensava nisso, todavia, ela fez comparação com a nossa noite de casado com a primeira noite dela com a ex-esposa. O sangue ferveu e acabei olhando para dentro de quatro doses de uísque e apaguei no sofá.

Judith não pensou duas vezes e falou entre os dentes: “- Não criei um homem para que na primeira dificuldade que tem com a esposa, se afogue na bebida”. Márcio disse que entendia a observação dela, mas tinha ficado sem chão. “-E aí como terminou tudo”, pergunta Rogério.

– Conversamos bastante e nos prometemos segurar a onda. Do contrário, estaremos distantes um do outro quando o desejo é de estar perto.

“- Posso voltar tranquilo filho? Tem certeza de que não nos quer por perto nessa semana de transição”, lhe pergunta o pai. “- Não pai! Vocês precisam seguir a vida de vocês e se Angélica é a pessoa com quem quero passar o meu futuro inteiro, então terei que saber lidar com tudo isso, do contrário, seria eternamente um infeliz repetindo sempre “e se”.

– Está bem Marzinho. Ficarei aqui só mais essa semana, justamente porque seu irmão se encantou com a secretária de sua esposa e preciso ver onde isso vai dar. Não quero filho meu brincando com o coração de filha dos outros. E tenho certeza de que você e sua galega ficarão em paz.

Pai e mãe abraçaram o filho e se dirigiram para a sala, onde os outros convidados os esperavam. Enquanto isso no escritório da família, Eleanora tinha uma conversa semelhante com a filha. “-Mãe. O Márcio é muito ciumento. Não pode nem ouvir falar no nome de Rosângela. Ele fica todo ouriçado e ontem a noite eu disse que estava cansada e provavelmente não conseguiríamos transar, como uma forma simbólica de sacramentar o nosso casamento e acabei fazendo uma comparação com minha primeira noite junto com Rosângela. Ele saiu da banheira cuspindo marimbondos”.

– E você esperava o quê? Que ele falasse tudo bem amor! Você diz que não vão transar por que estava cansada, mas fala da primeira noite com a sua ex. Você teve sorte de seu marido não explodir mais. Se fosse ele em seu lugar que fizesse essa comparação. O que tu farias? Se te conheço bem, o rosto dele sentira o peso de sua mão e depois o expulsaria de casa.

– Dona Eleanora. Eu sei que chutei o balde. Aí ele ficou na sala e tomou meia garrafa de uísque e apagou no sofá. Ficou gelado, achei que tivesse morto. Entrei em pânico. Ele tinha tirado a aliança do dedo e a deixado perto do livro de bebida. Achei que tivesse cometido suicídio. Que horror. Mas ele tinha apagado de cansaço.

Eleanora escutava tudo em silêncio. “- Ele me disse que se eu tiver que me esforçar para não falar de Rosângela é porque ainda a trago aqui dentro e sendo assim não podemos continuar juntos. Ele não quer ter um fantasma entre nós. O que eu faço mãe?

– De fantasmas eu entendo e o compreendo. Quase acabei com a sua vida e a do seu irmão por conta do fantasma da Lourdes. Filha! Eu não sei ao certo o que te dizer, mas separe bem tudo. Quando estiver com ele, se concentre nisso, nesse amor que sente por ele. Quando estiver no trabalho, sua atenção tem que estar lá. Lembre-se tu tens um patrimônio para administrar. Quando estiver em seu escritório de arquitetura, fique lá. Não misture os andares de sua vida. Se não fizer isso, perderá tudo o que tem, principalmente Márcio.

Quando Angélica deixava o escritório com a mãe, o marido estava próximo da porta esperando-a. Ele só a abraçou, sem dizer nada um para o outro, pois sabiam o que precisavam fazer para seguir em frente, além duma lua de mel para realizarem. Todos foram para a mesa e o almoço transcorreu dentro do que todos esperavam. Angélica, nova patroa de Roberto e Fernanda, ditou a senha, depois da sobremesa e das conversas serenas, caminharam cada um para o seu universo.

“- Esdras, será que pode liberar a minha secretária? Temos trabalho a fazer. Ela vem comigo agora”, solicita Angélica. Débora deu um beijo no cunhado da patroa e saíram. Entraram no carro e foram para a agência, enquanto Roberto levava Danisa para casa e voltaria para as empresas. “- Fernanda, você vem comigo. Conheço bem esse Ricardo. Para te convencer a enforcar a tarde do primeiro dia de trabalho, é muito ligeiro”.

Márcio se despediu do pai, agradecendo o presente dado a partir da sua presença ali e ter aceito o seu pedido de perdão. Leônidas e a esposa que não quis se envolver naquilo tudo também se despediu. “Marzinho! Parabéns! Tua mulher é linda, contudo um osso duro de roer”, disse Mariana, esposa de Léo. “- Eu sei, meu irmão sempre me dizia que estava apaixonado por uma mulher que era um colosso, mas tinha um gênio do cão. Mas tenho certeza de que ele não te troca por ninguém. Ou você pensa que eu não sei dos olhares para ti”.

Judith completa. “Os olhares desses homens de minha família são mortíferos, aprisionadores de nossos corações, não é Mariana”, pergunta a matriarca para sua nora que voltaria para o seu mundo com o Leônidas, filho mais velho da matriarca.

Ricardo que estava despedindo para ir embora ofereceu uma carona para o jornalista e aproveitou o trajeto para falar do projeto da editora. No caminho, o editor se lembrou que não havia como entrar em casa. A esposa não tinha habilitado para que ele ingressasse no apartamento. Entre incomodá-la no trabalho e ir ao apartamento em que Roberto havia morado e era seu, ficou com a segunda opção.

Ricardo tinha um tempinho, então subiu com ele e ficaram lá conversando e o assunto foi Fernanda. “- Márcio, me desculpe pela pergunta que vou te fazer, mas é importante para mim. Seja sincero, qualquer que seja o conteúdo da resposta”.

– Pode fazer.

– “Você e Fernanda, nunca transaram? Nunca tiveram nada? Ela me falou que você já dormiu na casa com ela”, interpela o designer.

– Por que está me perguntando isso, Ricardo? Está com ciúmes da Fê comigo?

Quando Ricardo confirmou, acrescentando que já tiveram uma briga por conta disso e ela havia lhe informado ter transando com alguns namorados e ficantes, mas nunca com Márcio, o editor caiu na gargalhada.

– Por que está rindo?

– Fê está experimentando o que condenava em minha esposa. Mas fique tranquilo. Eu amo aquela maluquinha. É uma pessoa extraordinária, mas não a tenho registrada aqui no meu coração como mulher. Provavelmente você conseguiu atravessar as trincheiras que ela sempre colocou para amar alguém. Cuide bem dela. Do contrário, se entenderá comigo e com o Roberto. Amamos aquela doida.

– Obrigado Márcio. Eu não me preocupo com os anteriores, porque não sei quem são, mas fiquei encabulado contigo, muito próximo, ela o tem em grande conta. É o amigo dela. É alguém que lhe conhece a alma e ela só te chama de meu Marzinho.

– Então a deixe te apresentar a alma e saberá o que significa alguém atravessar o estado para te trazer de volta.

“- Por quê”, pergunta Ricardo.

“- É uma longa história que qualquer dia eu e minha esposa te contaremos”, responde o amigo de Fernanda.

–  Obrigado Márcio. Preciso ir, tenho trabalho.

“- Gostou do apartamento”, questiona Márcio.

– Sim. Funcional.

– Quem sabe, se conseguir dobrar aquele gênio da Fê, vocês não vêm morar aqui.

Ricardo e o editor se despediram e quando ele estava só no apartamento, lembrando da primeira vez que Angélica este ali, o celular toca. “- Alô! Oi amor! Tudo bem por aí”, pergunta Márcio para a sua esposa.

– Onde o meu esposo amado está?

– Onde tudo começou. No meu apartamento. Vem para cá. Enforque o resto da tarde. Está todo mundo ajustado. Divida comigo o começo de nossa história.

Angélica pensou e disse: “- Daqui a pouco estarei aí paixão”.

A empresária demorou quase uma hora para aparecer e nesse tempo, Márcio colocou uma música que as primeiras estrofes diziam: “Cheguei a tempo de te ver acordar/eu vim correndo à frente do sol/Abri a porta e antes de entrar/revi a vida inteira/pensei em tudo o que é possível falar/que sirva apenas para nós dois*”. Angélica entra no exato momento em que os primeiros acordes invadiram o apartamento. Estava vestida do mesmo jeito quando entrou pela primeira vez naquele apartamento. Márcio de onde estava, caminhou lentamente em direção a ela, repetindo a olhada daquele dia. Só deu tempo de a empresária dizer: “- Esse olhar me mata de tanto tesão. Te amo meu neguinho lindo”, fala entre suspiros e olhares gaseados.

Ela se joga nos braços dele dizendo: “-Vamos começar de onde paramos aquela manhã meu amor”. Empurra o marido para o sofá e lentamente se desnuda, olhando e dizendo para Márcio: “- Você me deixou sem roupas com essa velocidade”.

Quando o marido começa a ver partes das roupas íntimas de Angélica, compreendeu quem era a mulher dos seus sonhos e pesadelos. A empresária ficou só com as roupas intimas, perguntou ao esposo se, naquele dia, ela estava usando aquele lingerie. Márcio apenas confirmou com a cabeça, enquanto sua esposa subiu sobre ele que permanece sentado no sofá. A empresária mordisca suas orelhas sussurrando bem baixinho: “- Venha tirá-lo meu amor. Vamos nos fundir num só ser através da fusão de nossos amores. Te amo meu Marzinho, eu Marzão, meu tesão, minha paixão”.

Enquanto o editor lentamente soltava as presilhas do sutiã de sua amada, ela fazia o mesmo com sua camisa. Naquela tarde, Márcio e Angélica tornaram-se um só ser como era o desejo dos dois desde o dia em que ela esteve, pela primeira em seu apartamento, toda cheia de si. Enquanto o casal se forjava numa única alma, no teto do apartamento o mosquito dizia à aranha. “ – Eu venci a partida. Mas se a senhora prometer não me devorar, ofereço o empate, pois sabemos que haverá mais Rainhas Brancas com seis Reis Pretos, Rainhas Pretas com Reis Brancos para ojeriza dos racistas deste pais, instalados em suas Torres recheadas de ouro, mas sem nenhum quantum de felicidades que estes dois terão a partir de agora”.

A aranha responde: “- Pode ser o fim, mas também o começo de algo. Tudo depende de quem olha e faz as suas escolhas. Eu fiz as minhas. Meu caro mosquito, será que me aceitas como sua esposa enquanto a eternidade durar”, interpela a aracnídeo ao inseto aprisionado em sua teia.

 

*Parte da letra da música Quem sabe isso quer dizer a amor, do compositor Milton Nascimento

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