Sobras de um amor … parte II

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-Keka! Não dormirei aqui no seu apartamento. Só vim pegar as minhas coisas. Me mudarei para o apartamento de Tarsila.

– Espere aí mocinho! Não é assim que se resolve. Márcio, leve o Amadeu contigo. Preciso conversar aqui com a nossa amiga. Pode ser Tarsila?

“- Estava muito bom para ser verdade”, se lamenta o poeta.

– Amadeu! Deixe sua irmã conversar com ela. Depois te garanto que ficará tudo certo entre vocês.

Os dois entram no quarto e Angélica leva Tarsila para a cozinha e antes mesmo de se acomodarem, a arquiteta já vai logo mostrando a caixa de ferramentas.

– Eu e sua irmã terminamos!

– Isso não é problema meu e sim de vocês duas!

– Mas você frequentava meu apartamento e colhia as informações e as revendia para Rodolfo. Estou sabendo de tudo e mais um pouco, mas isso não tem nada a ver com a conversa que vou ter com você.

– Se for para me passar sermão disso e daquilo, eu me vou.

– Deixa de ser criançola, menina! Agora me escute. Eu amo meu irmão. Não quero vê-lo sofrendo. Deu um trabalhão para trazê-lo de volta. Minha família foi totalmente culpada nisso. Meu pai, minha mãe, inclusive eu que não sabia como me reaproximar dele. Ele desapareceu por conta duma ofensa desferida pela sua irmã. Mas isso também não vem ao caso agora.

– Então o que queres saber?

– Tenho quase certeza de que meu irmão não volta ao Brasil se você não estiver naquele voo.

– Mas se for para ficar com o seu irmão, que eu amo muito, lá junto dos seus não dará certo. Eu não engoli a história das bananas. O Márcio pode aceitar ser seu capacho, mas eu não.

– O que você sabe do Márcio? Não sabe nada, exceto o que aquele bocó do Rodolfo te contava. Ele estava te usando para me atingir, me extorquir, ou você acha que eu não sabia? Mas não via problema algum, pois queria apenas resgatar o meu irmão, até saber que ele é vidrado em você.

– Você me desculpe, mas não vejo como essa conversa seguir em frente.

– O que você faz para viver aqui na Alemanha? Sua irmã está morando com outra e pelo orgulho dela, garanto que não te dá um centavo e se isso acontece, com certeza o seu dinheiro é contado.

– Como sou formada em Letras, dou aulas de Língua Portuguesa e o que ganho é suficiente.

– Mas para você e o Amadeu?

– Pode deixar que se ele quiser ficar aqui, eu ajudo ele a se virar.

– Aguarde um pouco, vou chamar o Márcio, acho que ele tem uma proposta de trabalho para ti.

– Se for no Brasil, dispenso e ele é um bosta de um jornalista fracassado. O que teria para me oferecer?

– Acho melhor aguardar, antes de sentenciar sobre aquilo que não sabes o que é.

Assim que Angélica apareceu com Márcio, este foi direto ao assunto: “-Estou montando uma editora lá no Brasil e inicialmente vamos publicar todas as cartas, textos e poemas que o Amadeu escreveu para ti e outros que rascunhou. Eu achei todo o material. Vou editá-lo e publicá-lo no Brasil e os direitos autorais, mandarei para ele aqui. Quero que você traduza os textos para o Alemão. A minha intenção é abrir um braço da nossa editora aqui na Alemanha e te contratar para comprar direitos autorais de escritores alemães que você achar que são bons e valerá uma publicação em português, claro que a tradução ficará sob a sua responsabilidade.

Tarsila fica completamente surpresa com o que escuta da boca do jornalista. “-Basta você falar que aceite. E nos próximos dois dias vamos trabalhar na concretização disso”, explica Márcio.

– E se eu não aceitar?

“- Levarei meu irmão de volta para o Brasil. Não posso deixá-lo aqui vivendo sem saber ao certo como se sustentará. Se você e o amor que sentes por ele quiser vir junto conosco”, informa Angélica.

– Você sempre…

– Eu não quero nada e não estou interferindo na vida de vocês dois. O Márcio montou a editora, prometendo ao Amadeu publicar todas os textos dele e está te oferecendo um trabalho naquilo que você é formada. Agora se não quiser aceitar por birra de minha mãe ou porque meu relacionamento com a sua irmã entrou água, creio que isso evidencia o quanto você é imatura.

– Não se trata disso. É..

– É o quê?

– Vocês dois me pegaram de surpresa. Eu não esperava isso. Achei que teríamos uma guerra.

– Tarsila, guerras são movidas por reações, ódios, orgulhos e arrogâncias e eu, até onde sei, não tenho disposição alguma para travar batalhas com quem quer que seja, muito menos com o amor do meu amigo Amadeu. Estou aqui na Alemanha porque ele insistiu que eu viesse. Não tenho nenhum interesse nessa peleja entre você e os familiares dele.

– Tudo bem! Eu aceito.

– Ótimo! Amanhã quero saber o valor do aluguel do seu apartamento.

– Para que deseja saber?

– É o meu presente de casamento para o Amadeu. A editora, em forma de adiantamento pela publicação dos textos dele, bancará o aluguel de vocês. Ele tem um grande potencial poético.

Enquanto Márcio termina de falar, Amadeu aparece na porta da cozinha e pergunta: “-Afinal Keka, eu posso ou não ir com ela passar a noite no apartamento com a Tarsila. Temos uma noite para terminar”.

– Pode ir sim. Aliás, vamos levar vocês dois.

Quando Angélica ia até o quarto abraçado com o irmão, Tarsila diz a Márcio: “- Se tiver um dedo dessa galega no meio, eu rodo a baiana”.

– Por que não se ocupa em viver o amor que sente pelo Amadeu. Esquece a irmã dele. Ele é o mais importante nisso tudo e vocês poderão trabalhar e viver essa paixão que foi freada por cinco anos e agora pare de fricote e faça aquele homem feliz. Só isso. Não precisa reinventar a roda. Você trabalha na minha editora.

Todos foram levar o casal até o apartamento de Tarsila. Deixando a dupla de amados, não sem ouvir as recomendações de Angélica e Márcio que disseram aparecer por lá no dia seguinte para fechar todas as questões alusivas ao trabalho da futura tradutora na editora de que o jornalista finalizaria assim que chegasse ao Brasil. Também iriam ao banco abrir uma conta para o poeta movimentar a partir dos recursos das publicações.

Quem conhecia a família de Amadeu e o jeito da irmã dele, como Tarsila, sabia que o dinheiro não viria da editora e que o trabalho oferecido por Márcio era, na verdade, uma forma de todos manterem os olhares sobre ela. O jornalista fez isso, não para agradar a arquiteta, mas porque realmente adorava o poeta e não queria vê-lo novamente daquele jeito que o encontrara no bar conversando com copos e jogando xadrez num tabuleiro imaginário.

Márcio chamou Amadeu de um lado e perguntou a ele como seria a noite de núpcias. Obteve como resposta a seguinte assertiva: “-Meu caro repórter, adoro você e mais ainda minha irmã, mas eu já te perguntei como foi a sua trepada com ela? Se eu não fiz isso, então não te dou o direito de fazer o mesmo comigo. Se ocupe do prazer que minha irmã merece e deixe que o de Tarsila eu garanto. Mas que cara atrevido! Estou certo meu amigo”, lhe pergunta o poeta.

– Certíssimo meu caro. E a propósito eu e sua irmã devemos voltar ao Brasil, no máximo em três dias.

– Se quiserem ir embora agora, podem ir. Obrigado por ter me devolvido o paraíso, as estrelas, o sol, a vida. Preciso preparar o trono para a minha Rainha Preta se sentar e desfrutar do poder que tem sobre esse Rei Branco aqui que é doido de amores por ela.

– Vai lá. Sabes onde me achar.

– Claro que sei! Na Torre da Rainha Diaba abraçado e adorado por aquela aranha. Te amo meu amigo!

Deixaram o casal no novo apartamento e voltaram para o de Angélica. Márcio no banco da frente aproveitando para testar o seu alemão, mas foi surpreendido quando falou em português com Angélica e o motorista lhe perguntou também na mesma língua onde os dois iriam ficar. “- Bom saber que tem brasileiro por aqui”.

– Tem alguns de nós espalhados pela Alemanha, meu senhor.

Chegaram ao destino, com Márcio agradecendo o transporte e pedindo um cartão ao motorista. Gostaria de usar os serviços dele enquanto estivesse em Berlim. Recebeu e foi informado que estaria à disposição dele e da esposa.

Já dentro do apartamento, foi o editor quem puxou o assunto. “- A partir de agora, não existe nada mais entre meu coração e o seu. Ou tem”, perguntou a Angélica que respondeu: “- Tem várias coisas, amor. E quero saber se está disposto a seguir comigo. Há vários empecilhos, inclusive no campo sexual. Tenho um gênio difícil, preciso abandonar esse meu lado mandão. São mais de 30 anos ouvindo sim. O primeiro não foi num domingo de manhã que chovia horrores”.

– Keka! Ambos temos muitas coisas para ser removidas. Entulhos dum passado que não se remove apenas com a nossa vontade individual. É preciso que alguém nos carregue no colo em alguns momentos da travessia, como você fez comigo naquele banco de praça. Perto dos seus, os meus são pequenos e se deixar, te ajudo a removê-los, um por um.

– Amor. Amadeu encontrou a sua Tarsila. Ele é doido por ela e sei que o sentimento é recíproco. Eu sinto um certo medo dela em dar o passo seguinte. Mas creio que logo estarão ambientados um ao outro. Meu temor é Rosângela começar a fazer ingerência na vida deles e Amadeu ser abandonando aqui na Alemanha.

– Angélica. Apesar deu até hoje, ter visto em Rosângela uma adversária e em alguns momentos uma pessoa de baixo caráter, não acredito que vá fazer isso. E te digo mais. Sou capaz de apostar que dentro de pouco tempo virá até nós pedir para publicar seus materiais, inclusive lá no Brasil.

– E o que você diria, se isso acontecesse?

– Se o material tiver mercado: publicamos sim. Até porque até lá já seremos esposos e felizes e seu relacionamento com ela será somente algo do passado.

– E um grande erro!

– Já lhe disse que não foi um erro, pois na época você achava que estava acertando, seja lá por quais motivos forem.

– Está certo amor. O que mais importa é daqui para a frente e o passado ficou lá e só voltará se dermos abertura a ele. Mas tem uns pretéritos complicados.

– Esses vamos resolver juntos e sem pressa. Agora não tem mais nada que possa impedir a nossa felicidade.

– Tem sim. Há Fernanda, ou melhor, a FÊ! Esse seu olhar que costuma acontecer sem mexer um músculo do rosto e que eu sei muito bem o que acontece com quem é atraído por ele. Tem o meu ciúme.

– Ah! Chamei Fernanda para ser minha secretária particular na editora.

– É melhor que não seja verdade, porque se for, tu já morres aqui e ela assim que eu chegar ao Brasil.

– Deixa de ser boba. Quem vai me ajudar nos trabalhos da editora será o Roberto. Ele foi demitido do jornal, mas ainda não tinha dito nada para Danisa. Eu pedi a ele para falar que estava de férias.

– Você sabe porque ele foi parar em seu apartamento?

– Me disse que o dono da casa queria reformá-la para deixar um parente morando lá.  Achei estranho, mas o problema não é meu. Só o ajudei com o apartamento, já que não conseguia dormir lá mesmo. Uma certa patroa fazia um escândalo danado porque queria porque queria que eu dormisse com ela.

– Assim que voltarmos ao Brasil, terei que vistoriar as obras, pois o proprietário da casa pediu para a minha empresa de arquitetura arrumar a casa. Agora você sabe quem vai morar lá depois?

– Não faço a menor ideia, principalmente por não saber quem é o dono.

– Amor. Eu tento não controlar tudo, mas preciso fazer alguma coisa. A sua editora começará com duas propriedades: o seu apartamento e a casa em que Roberto morava.

“- Como é que é”, perguntou surpreso o jornalista.

Angélica chegou mais perto dele, dizendo que havia comprado a casa e presenteá-la ao amigo por tê-lo salvo da morte, mas queria que ele o desse ao amigo. “- A Fernanda me disse que, no momento em que encontrasse sua alma, saberia o presente que deveria lhe dar. Como amas seu amigo, achei que esse seria um importante presente a ele. Está tudo documentado, a casa é dele. Só que ainda não sabe. Eu fiz o projeto de reforma incluindo o quarto para o bebê.

– Tudo bem. Quando chegarmos no Brasil, eu digo isso a ele.

– Deixe terminar tudo. Depois colocamos o casal num carro e vedamos os olhos deles e os colocamos dentro da casa e entregamos a chave. Tenho certeza disso.

-Está certo amor. Agora vamos tomar um banho. Que tal passearmos para comemorar o nosso primeiro beijo como namoridos?

– Sinceramente amor. Não estou afim de sair. Prefiro ficar em casa contigo. Quero te beijar, te morder, te chupar inteirinho. Quero pela primeira vez desde que te conheci, me desligar do mundo lá fora e me conectar somente a você. Acho que merecemos uma noite só nossa. Talvez possa não ser completa como desejas, mas penso que pode ser da maneira como nossas almas aguardam há tempos.

– Você está falando de sexo? Se for, ele não é tudo. É excelente ingrediente, mas penso que o melhor está sem seus olhos e o que eles me enviam: uma mensagem direto de sua alma. Teremos que nos descobrirmos sexualmente um para o outro.

Márcio se aproximou de Angélica, coloca-a em seu colo, beijando ternamente, dizendo em seguida. “- Temos muito mais a dar um para o outro além do sexo. Agora vai lá tomar um banho, jogando fora os últimos resquícios de um passado que não precisa mais estar entre nós a partir de agora. Depois eu vou e em seguida veremos o que podemos comer”.

– Está bem amor. Estou mesmo com fome. Comi muito mal depois da conversa com Rosângela.

– Eu almocei um restaurante brasileiro que podemos pedir o jantar. A moça do caixa me deu o telefone para eu ligar.

– Como é que é? Nem bem completou 24 horas na Alemanha e já arrumou uma mulher para ficar paquerando e de conversa fiada. Homens não prestam mesmo. Peça comida para você sozinho. Aliás jante lá e depois peça a xereca da garçonete como sobremesa. Vai se foder Márcio, realmente não posso confiar em você e nem ninguém.

– Quer parar com essa baboseira toda. Quer voltar aqui?

Angélica entrou no banheiro, batendo a porta. Márcio entrou no seu quarto e fechou por dentro e se jogou na cama e entre um pensamento e outro adormeceu não sabe por quanto tempo, mas acordou com um berreiro e vozes na porta. “-Abra seu filho da puta ou vou arrombar essa porta. Eu já sei. Está fazendo sexual virtual com aquela puta do restaurante”.

Márcio abre a porta e já recebe um tapa na cara desferido por Angélica. “-O que é isso? Porque essa violência? O que foi que fiz desta vez”, pergunta o jornalista. Angélica nem prestou atenção no que ele perguntava, e já foi empurrando o quase namorado, marido, noivo que, desequilibrado caiu sobre a cama. Ela subiu em cima dele e continua a estapeá-lo. Ele segura firme nas mãos dela e berra: “- Quer parar com isso, sua doida! O que está pensando que eu sou? Seu capacho?”

Angélica olha para Márcio e se deixa cai ao lado dele em prantos. “- Amor! O que está acontecendo contigo? Porra! Estou tão feliz que finalmente poderei me tornar seu noivo. De saber que poderei presentear o meu amigo com uma casa e aí tu vens com essa paranoia de mulher, ciúme e sexo. Sinceramente não dá para entender”, disse Márcio saindo do quarto e indo ao banheiro.

Enquanto tomava banho, ficou pensando na arquiteta e de como ficava quando ele falava de outra mulher. Ela já imagina mil trepadas e que ele está dando em cima, cantando ou sendo cantado, dando trela para essa mulherada. Não podia voltar atrás. “Tenho mesmo que saber levá-la, mas como fazer isso”, se pergunta o jornalista.

Quando ele deixa o banheiro, Angélica está de pé na porta e o agarra, dizendo que vai melhorar, se equilibrará, mas Márcio não deve deixá-la. “- Porra Angélica! Quando vai entender que eu fiz essa viagem contigo porque te amo. Eu não se você sabe, mas quero ficar contigo enquanto a eternidade durar. Não desejo que seja diferente, mas apenas que aprenda a se controlar. Eu também tenho ciúmes de você e, ao contrário da nova parceira de Rosângela, não fui contigo ao seu encontro com ela, justamente por conta dos meus ciúmes e estava com medo dos infernos das duas se reconciliarem. Agora sossegue. Vou encomendar comida lá porque tem pratos que se parecem muito com os brasileiros.

O repórter ligou pedindo dois pratos e refrigerantes, informando que pagaria no cartão de crédito internacional. “- Amor não sei o que dizer. Já te disse, tenho um medo terrível de ficar sem você”, choraminga Angélica.

– Eu já lhe disse. Não estou contigo por conta de sexo ou da sua beleza externa, mas sim pela sublimidade que deixa transparecer em coisas simples que, às vezes, faz virar um dramalhão. Até parece que vou colocar em risco o nosso futuro por conta de uma cantada. Se tu não se tranquilizar, não conseguirá saborear o que estamos vivenciando: eu e você, do jeito que imaginamos como seria. Estava até pensando em passar num ourives amanhã para fazer as nossas alianças, mas é melhor não. Esperemos quando estivermos no Brasil.

A refeição chegou e a arquiteta fez questão de preparar a mesa numa tentativa de se redimir da ciumeira que parecia não dar trégua. Márcio olha tudo aquilo e começa a gargalhar, deixando a amada mais encabulada do que já estava. O jornalista deposita sobre a mesa os pratos e a chama com um movimento de mão. Beija-lhe a testa. “- Seu irmão já se encontrou com a mulher que ele enxergava no fundo do copo naquelas noites loucas do bar. Será que a minha Rainha diaba deixa eu encontrá-la?”

– Claro que deixo meu amor. Só não sei se terá muita paciência comigo.

– Eis o desafio! Eu quem decido o tamanho da paciência para te fazer feliz. Só quero que pare de provocar tempestades onde não existem motivos. Só tem uma pessoa que pode me tirar de você: VOCÊ MESMA! Até parece que eu atravessei o mundo para me engraçar com uma alemã e deixar de lado uma senhorita que percorreu um estado, ameaçando ficar pelada numa rodoviária, caso eu não voltasse com ela. Até hoje fico pensando naquela cena. Meu deus do céu quanto amor há naquele movimento. Quanta paixão! Haviam muitas estrelas iluminando os nossos corações e guiando as almas até aqui. E você crê que eu vou te perder para esse seu ciúme bobo. Penso que o nosso amor é maior do que ele. Bom. Agora, se não quiser continuar nessa jornada me tendo ao e do seu lado, diz agora ou vá comigo até a última estrela que brilha no firmamento.

Chorando, a arquiteta diz ao jornalista. “- Parece doido. Você surgiu em minha vida não faz 90 dias e provoca esse enorme terremoto dentro de minha pessoa. Não consigo ficar em paz com tanto amor que eu recebo de ti, mas eu sei que vou conseguir”.

– Querida! Como tenho lhe dito, meus fantasmas eram insignificantes perto dos seus, mas, juntos, vamos eliminando um por um até não existir mais nenhum para te atormentar. Nem que para isso levaremos a vida toda. Como tu mesma disse, não são passados ainda 90 dias e nossas existências viraram de cabeça para baixo e agora começamos a colocá-las no eixo novamente. Porém, sabemos que o tempo terreno é diferente daquele vivenciado pelas almas, então, aqui pode ser 60 dias, mas onde realmente a coisa flui sem as peias da matéria, já pode ter passados 100 anos e estamos juntos desde aquela manhã dominical.

Depois de dizer isso a arquiteta, Márcio a convida para comer. “- Não é como no Brasil, mas acho que dá para dar uma enganada no estômago. Te amo dona mocinha e não tem nada que impeça esse sentimento continuar fluindo por ti”.

Angélica se mantém em silêncio, enquanto fazem a refeição. Terminado o jantar, o casal fica um tempo considerável na janela do apartamento, olhando a noite berlinense. Do nada, a empresária pergunta ao futuro editor onde gostaria de celebrar o casamento. Ele olha para ela e responde sorrindo: “- Na Lua, como dizia o seu irmão. Lá ninguém nos incomodaria”. Fica sério e diz: “- Desde que estejas comigo, não tenho preferência, mas bem que podia ser naquela cidade em que você me encontrou”.

– Bobo! Estando contigo, também pode ser em qualquer lugar.

– Por mim, pode até ser naquela fazenda onde passamos o final de semana antes de vir para cá. Mas só eu e você uma semana, sem celular, sem Eleanora e dona Judith. Sem Tarsila, sem Amadeu, enfim, sem o mundo externo.

– Achei que quereria conhecer a Europa ou a América, a Ásia.

– Isso pode ser depois, quando tudo estiver bem consolidado entre nós ou mesmo fazermos isso junto de Amadeu e Tarsila. Desejo um lugar tranquilo em que possamos acordar com o barulho da vida a pulsar através da natureza e lá me pareceu um local ideal e não vamos gastar nada.

– Não sabia que meu futuro marido era pão-duro!

– Dinheiro não dá em árvores e se só gastarmos, um dia ele acaba. O que vocês têm é de vocês. Quero construir o nosso patrimônio: meu e seu. Eu não tenho nada, vou começar do zero com a editora e com o dinheiro da indenização que nunca reclamei. Desejo que ela seja independente das suas empresas.

– Trabalharemos juntos nesse seu projeto, meu amor. Estou pensando em reduzir o tempo no escritório de arquitetura ou até vender a minha parte na sociedade, mas fico com um pouco de medo, pois gosto muito do que faço lá.

– Depois então a gente analisa isso. Agora venha aqui. Estou com saudades de seus beijos.

– Márcio! É sério. Quero deixar o escritório e passar mais tempo te ajudando a organizar a sua editora.

– Nem pensar. Quem vai fazer isso é o Roberto. Já conversei com ele. Já me recusei a trabalhar nas suas empresas para não misturar nossa vida com o mundo do trabalho.

– Claro! Se fosse a Fê, com certeza, você aceitaria, mas como sou eu, nada feito. Quer me esconder o quê?

– Tudo. Inclusive isso que a Fernanda será minha secretária para assuntos aleatórios. Porque tanta implicância com ela? Você acha realmente que ela aceitaria trabalhar comigo? Claro que não!

– Olha só! Sou cismada com ela por te conhecer mais do que eu!

– Mas é claro que ela me conhece. Somos amigos há cinco anos. Mas sabe o suficiente de minha pessoa para não me vir nunca como homem, como seu provável marido.

– Tem uma velha ideia que mesmo que você coloque uma raposa banguela no galinheiro, ela de repente pode querer comer as galinhas. No nosso caso, o meu homem.

Márcio deu uma estrondosa gargalhada e disse a ela. “- Faça o seguinte: Fernanda está guardando uma grana para voltar a estudar. Acho que o curso dela tem a ver com a sua área, mas no campo da engenharia. Chame-a para trabalhar contigo e custei o curso dela e peça descontos em seu Imposto de Renda”.

– Deus me livre. Não quero ela perto de mim nem fodendo. Já chega ter que aturá-la como sua amiga. Esse sacrifício eu topo fazer, mas do que isso não dá. Pode parar aí. Não quero o senhor com conversinha com ela pelos cantos da loja.

– Realmente tu és uma rainha diaba, mandona. Vou te mostrar os livros que comprei hoje e de repetente eu possa até começar um processo de traduzi-los para o português.

– Podemos deixar isso para amanhã? Estou com sono e quero dormir, se não se importar.

– Tudo bem. Vamos. Você num quarto e eu em outro. Enquanto você se higieniza ficarei aqui lendo um desses livros.

Angélica não gostou muito da ideia dele, mas se lembrou do que ouviu do pensamento dele quando reclamou em voz baixa que ela só queria fazer os desejos dela e os dele ficaria para depois.

Ao sair do banheiro, foi até a sala, se despedindo do jornalista, dizendo que o esperava no quarto. “- Se você pensar em dormir no outro, vou te buscar nem que seja na porrada! Quero o senhorito na cama comigo, depois que terminar aí a sua leitura”.

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