Sobras de um amor … parte II

35

 

Márcio resolveu tudo o que tinha para solucionar. Voltou para casa, deu uma ajeitada no apartamento na tentativa de apagar os vestígios deixados por Angélica, fechou o seu guarda-roupas com as vestimentas da arquiteta. Deixou o imóvel para ir à redação, mas antes passou na loja de Fernanda, conversaram um pouco. Ele aproveitou e comprou umas roupas para o amigo. A Fê quem escolheu. Conhecia bem o amigo-editor que sempre comprava ali com ela. Márcio explicou o que acontecia com o seu chefe. Ela disse: “- Meus dois amigos são péssimos com as mulheres. Não observam esta que está com vocês e ficam procurando fora o que poderiam ter com esse corpo aqui”. Ambos caíram na gargalhada.

– Deus me livre ficar o Roberto. Ele é tão doido quanto tu. Acho que é por isso que são como irmãos. A Danisa esteve aqui. Está desesperada para falar com ele. Sabe que pegou pesado ontem, mas o nosso amigo não lhe atende.

– Se depender de minha pessoa, o meu chefe não falará com ela tão cedo!

– Ela pirou porque acha que está grávida e não sabe como será o futuro com Roberto trabalhando naquele jornal e sem esperança de melhoras.

– É! Mas ela o chamou de fracassado. Indicando que somente o dinheiro importa. Imagina então se ele aparece com um puta emprego. O que ela diria? Não acho que devam fazer as pazes por conta desse suposto trabalho. Precisam se reconciliar se descobrirem que se amam. Do contrário, poderão ter tudo o que quiserem, mas nunca paz e harmonia. Podem ficar como Midas e o ouro enferrujar no momento seguinte.

– Sabe por que eu nunca treparia com contigo Márcio?

– Por quê?

– Porque, ao invés de me comer, tu ficarias recitando poemas para os meus seios, para as minhas nádegas. Era capaz de compor uma ode para a minha xereca. No fim, eu perderia a vontade. Somente aquela doida da empresária para te aguentar. Amo você, mas não na condição de homem que não é de se jogar fora, mas quero algo com mais pegada.

O repórter só meneou a cabeça e começou a rir. Já passavam das cinco e ele combinara com Roberto de pegá-lo na redação. “- Fê! Deixe-me ir. Combinei com o Roberto na redação. Vou levá-lo ao meu apartamento. Dormirá lá por uns tempos até essa coisa com a Danisa se resolver. E por favor, se ela perguntar dele, você não sabe de nada.

– Está bem! Cuida lá do barbado chorão, filhinho da mamãe. E tua loira, como está?

– Do mesmo jeito! Tchau.

Quando Márcio chegou à redação, Roberto já o esperava. Passaram num supermercado onde o editor comprou comidas rápidas e o jornalista pegou um monte de legumes e outros ingredientes. “- Vou fazer uma sopa”.

– Pensei que ia dividir essa gororoba comigo?

– Meu caro amigo! Não dormirei contigo no apartamento. Deixarei você ficar lá para pensar na vida e como vai equacionar esse lance com tua mulher. Não arrefece não, hein. Fiquei sabendo que ela está subindo pelas paredes. Procurou a Fê para saber notícias suas. A Danisa falou que não consegue conversar contigo, mas compreendeu que pegou pesado contigo.

– Eu sei! Escute essa mensagem!

“- Seu filho de uma puta. Por que não quer falar comigo? Se não quiser tudo bem, mas quero que saiba que estou grávida mesma e se tu não assumir o que é teu. Vai mofar na cadeia”

– Parabéns meu amigo. Então eu e a Fê seremos os padrinhos.

– O que eu faço agora?

– Dê-se um tempo! Não procure ela hoje e nem amanhã. Depois de amanhã telefone e marque num lugar neutro e discutam sobretudo o relacionamento. Essa criança não pode vir ao mundo num ambiente conturbado. Ela precisará de carinho e para isso os pais devem estar ajustados, antes de mais nada, cada um consigo mesmo e depois com o outro.

Chegaram ao apartamento e Márcio deixou Roberto à vontade. Só evitou que ele ficasse na sala de cuecas. Angélica é doida e poderia chegar de sopetão. Ele esperava que ela avisasse antes, mas sabia que a arquiteta era de veneta. E dito e feito. Ela apareceu sem avisar.

Angélica abre a porta do apartamento, gritando por Márcio e o chamando de amor, e se depara com Roberto lá. Fica sem saber o que falar e o repórter que vem em seu socorro. Roberto está boquiaberto com o que escuta e depois enxerga.

Márcio dando um beijo em Angélica. “- Ainda não é nada oficial, portanto, bico calado. É tudo oficioso. Depois que voltarmos da Alemanha, oficializaremos o nosso noivado.

Roberto se precipita em direção ao amigo, lhe abraçando. “- Finalmente desde que nos conhecemos que te vejo feliz meu amigo. Dona Angélica, faça esse homem feliz. Ele precisa muito. Mas não o mude. Se ele for diferente, com certeza não será meu amigo. Ele é o prego da nossa amizade”, afirmou o chefe de Márcio.

Angélica conversa rapidinho com Roberto e chama Márcio para irem. “-Depois eu volto para fecharmos as coisas da editora”. Mas antes de sair, o repórter se lembrou de recolher as compras que tinha feito para o jantar daquela noite no apartamento da arquiteta. Assim que pegou as sacolas, escutou a tradicional interpelação: “- Para que tudo isso, amor?”, interpela a empresária.

– Nosso jantar. Quero preparar algo especial para ti.

Ao ouvir isso, Roberto se encaminhou para a cozinha para deixar os dois conversarem sozinhos. Quando chegava no cômodo, escutou quando o casal se despediu, o deixando lá com seus pensamentos. “- Agora fodeu! Ser pai nessa conjuntura em que que o país está? Minha vida estagnou. Não dá para continuar e mesmo que eu não volte com Danisa, ser pai é para sempre”, pensou o hóspede de Márcio enquanto começava a preparar a comida.

Assim que ficou pronta, colocou tudo no prato e escutou a chegada de uma mensagem no celular. Antes de olhar já sabia de quem se tratava. Foi ouvir só para saber o que a mulher queria dizer. “- Eu sei que você deve estar escondido dentro do cu do Márcio. Dois covardes, medrosos e fracassados. Eu vou te encontrar. Partir essa sua cara e depois quebrar inteirinho aquele seu amigo carolão”. Tinha mais coisas, mas desligou.

Lavou a louça e percebeu que nova mensagem tinha sido enviada. Como amava a esposa, foi ouvir as lamurias dela: “- Amor. Eu seu que perdi a cabeça ontem, mas não me deixe sozinha nesse momento tão importante para nós. É a chegada de nosso primeiro filho”.

Ao desligar, ficou pensando se ele estivesse perdido a cabeça, onde todos estariam àquele momento. “Ela vai esperar. Agora quem quer esfriar a cabeça, sou eu”.

Sentou-se no sofá, colocou um disco de jazz e o telefone tocou novamente. Não era o número de Danisa, mas sim o de Fernanda. “- Alô Fê! O que manda? Tudo bem contigo? Viu o nosso amigo Márcio? Parece que encontrou a sua tampa”.

– Estou sabendo meu amigo, mas daqui a pouco quem vai ficar sem tampa é você. Tua mulher está aqui me azucrinando. Vem conversar com ela. Eu tenho uma foda agendada e se não vir tirar a tampa da sua privada daqui o meu lance não vai rolar e eu quero muito girar no ventilador. Então, caralho. Você tem meia-hora para vir, se não vou dizer onde tu está e ai o barraco vai ser maior.

– Está bem Fê. Daqui a pouco eu chego. Mas não adianta vir com conversa mole de que isso e aquilo. Preciso do meu tempo. Não é de hoje que ela vem me ofendendo e depois diz que foi por conta da raiva.

– Não é problema meu. Nunca me casei por conta disso. Vocês arrumam suas confusões e eu que tenho que aturar. Já chega aquela maluca que o Márcio arrumou. A doida jogou chope na minha cara e na dele. Eita mulher ciumenta do inferno. Coitado do negão. Se não fizer as coisas do jeito dela, estará fodido. Eu não duvido se ele já não está usando a calcinha dela. Merda de homem marica. Vocês dois, nenhum me serve. Se eu quisesse carolas, tinha virado freira.

– Está bem, querida, já sabemos dessa sua história de achar que eu e o Márcio somos dois pés no saco. Quando será esse seu encontro?

– Nem vem! Minha casa não é centro de reconciliação. Chega aqui pega essa doida e vai de preferência para o sanatório com ela.

– Estou chegando querida.

Roberto desligou o telefone e ficou pensando. Não podia levá-la ali para o apartamento do Márcio. “Vai que ele e essa doida que ele arrumou brigam e tem que voltar para cá. Se chegar aqui e pegar a Danisa, será aquela coisa de doido. É capaz de mandar ela tomar no cu”, pensou o editor, enquanto passava os olhos pelo apartamento para ver se estava tudo em ordem.

Enquanto Rodolfo percebia que talvez não voltasse àquele apartamento, o repórter conversava amorosamente com Angélica enquanto se dirigiam ao apartamento dela. “- Amor! O que você está pensando em fazer para jantarmos? Meu corpo ainda não se livrou totalmente do porre de ontem à noite. Que horror! Estávamos parecendo meu irmão”.

– Farei uma sopa para ti. Vais tomá-la com vinho e se estiver certo, expectorará tudo. Transpirará bastante e depois uma boa massagem na banheira te deixará renovada.

– Você quem vai fazer a massagem?

– Sim! Serviço completo.

– Ela começa na banheira e terminará na cama. Eu te garanto a qualidade do trabalho. Se não gostar, eu devolvo o dinheiro para a cliente.

– Só quero ver mesmo! Não acredito que você saiba fazer massagem. Deve ser mais um engodo seu para fisgar a mulherada. Neguinho tu deve ser daqueles que come quieto. Não fala, não diz, só satisfaz a freguesa. Se fores garoto de programa, acabarei com o seu instrumento de trabalho.

Os dois caíram na gargalhada. Chegaram ao prédio onde Angélica residia. Enquanto Márcio preparava a sopa, a arquiteta conversou com a mãe e com Amadeu, explicando que no dia seguinte, Márcio acharia os textos dele para serem publicados em livro, na editora que o repórter esta organizando. “- Keka! Você está brincando. Ele vai fazer isso mesmo?”

– Fará sim, meu irmão. Quando ele não cumpriu com o que falou? Fique tranquilo. Está tudo certo para irmos à Alemanha. Ele já está com o passaporte e o visto para embarcarmos. Providenciarei as passagens. Na semana que vem você encontrará a sua amada Tarsila.

Desligou o telefone e em seguida mandou a mensagem de texto para Rosângela. “Na próxima semana estarei ai na Alemanha e vamos resolver a nossa situação. Saudades de ti e do seu amor. Angélica”.

A mensagem chegou ao destinatário e voltou com outra contendo a mesma foto e um texto direto e reto. “Não estou tão certa dessas saudades, mas de qualquer forma, lhe aguardo. Rosângela”. A arquiteta leu e respondeu pedindo para ela levar a irmã. “Amadeu quer vê-la. Ele vai comigo. Quer acertar os ponteiros com a Tarsila. E vê se não interfere. Angélica”. Recebeu outra mensagem: “Tudo bem. Eu não interfiro na vida dela. Ao contrário de certas pessoas, eu não costumo controlar nada e nem ninguém. Me informe horário do voo e o dia. Tchau.”

Ao terminar esse pequeno diálogo, a arquiteta percebeu que Márcio estava por perto e quis saber o que ela tanto digitava. Ela lhe contou toda a conversa e disse que agiu assim, porque pretendia descobrir algumas coisas. “- Minha mãe disse que ela saiu daqui de caso pensando. Já tinha alguém a esperando lá. E justamente a viagem aconteceu quando você entrou em nossas vidas”.

O repórter se sentou e foi sincero com ela. “- Não quero me meter na sua vida e nem em seu relacionamento com a sua ainda esposa. Só não quero fazer papel de palhaço. Então, apesar do que você me diz, sei que quando a vê-la pode mudar completamente o que está pensando e até mesmo sentindo. Então para que não se sinta pressionada de alguma forma, eu não vou a esse encontro. Se precisar irei em outro voo, caso ela vá te esperar no aeroporto”.

– Amor! Pelas mensagens dela, tenho certeza de que não fará isso. Mas se for preciso, não informo nada. Chegamos, vamos ao meu apartamento e marco o encontro com ela para depois. E não vou te enganar. Essa recaída pode sim acontecer, afinal são cinco anos juntas e mais dois de namoro. Por isso entendo todo o seu cuidado em não tornar nada público.

– Está bem! Vou terminar o nosso jantar.

Márcio foi para a cozinha e Angélica ao quarto colocar uma roupa mais leve. O celular do jornalista toca e ao ver de onde partia a chamada, percebeu que era Roberto. “- Alô! Alguma coisa ai no apartamento?”, perguntou o repórter. “- Não meu amigo! Estou indo à casa da Fê. Danisa está lá fazendo uma confusão dos diabos. Sinceramente não sei o que pensar e o que dizer”.

– Roberto, faça aquilo que você diria para eu fazer se estivesse em seu lugar. Não sou juiz, sou teu amigo. Posso não concordar com as suas atitudes, mas quero que saiba que o meu ombro estará sempre aqui. Me avise se for voltar para a casa. Todo leão fica mansinho quando descobre que a leoa está grávida do primeiro filho do casal. E não se esqueça: eu e a Fê seremos padrinhos.

Angélica só escutou o fim da conversa e foi o suficiente para o caldo virar tudo. “- Porra! Vai lá! Come essa Fê! Vai com ela para puta que te pariu, seu filho de uma puta”, gritou Angélica, voltando apressada para o quarto e o trancando por dentro.

Márcio ficou ali com aquela cara de quem não entendeu nada do que a arquiteta disse. Ficou em silêncio. Terminou a sopa, a deixando de forma que não perdesse calor. Pegou um copo encheu de uísque e foi até a sala. Colocou uma música e ficou ali pensando em tudo. Escolheu uma canção francesa que gosta e deixou a mente vagar. Entendeu que ainda era muito cedo para comemorar ou se sentir seguro com aquela mulher que, do nada, explodia.

“Vai se reencontrar com a esposa e não nega que poderá ficar balançada. E se a professora não quiser a separação? E seu não passei de um fogo de palha dela ou alguém que só serviu para confirmar o amor que ela tem por Rosângela”, pensou o jornalista enquanto virava o líquido do copo todo de uma vez na boca e o encheu novamente.

Ficou ali em pé olhando a noite daquela cidade que parecia ser a solução para tudo, mas ao mesmo tempo começava a engoli-lo. Não podia voltar para o apartamento, pois Roberto poderia retornar com Danisa por ser ali um lugar neutro. Também se voltasse, seriam dois a encher o imóvel com seus problemas. “Não tem saída. O amor é esse trem desgovernado mesmo. Num momento parece que vai ficar tudo bem, no instante seguinte, feito nuvem, tudo se modifica. Acho que não tenho perfil para isso não”.

Como quem quer expulsar um sentimento que lhe corrói o coração, Márcio virou novamente o conteúdo do copo. Repetiu a dose pelo menos mais umas quatro vezes. Ao perceber que a noite começava a devorá-lo. Foi ao banheiro do quarto de hóspedes tomou banho, colocou roupão ficou sentado bebendo outra dose enquanto pensava na fala do Amadeu: “- A Rainha diaba vai te prender na Torre e não haverá Rapunzel que dê jeito”.

“Meu deus do céu. Por que não consigo me desembaraçar disso tudo? Quanto parece que vai haver um sol radioso, essa mulher dos infernos muda tudo. Do nada, enlouquece. Se fecha no quarto feito adolescente mimada que não quer falar com ninguém porque foi contrariada”.

Parou de beber para não ficar de fogo novamente. Na noite passada tomaram um porre daqueles. Outro, o fígado não suportaria. Tentou mudar o foco do pensamento, se concentrar na editora. O cérebro pediu uma reação, mas o coração determinava coisa diferente e tudo exigia prudência. Não deveria ir atrás dela, porque não cometeu nenhum equívoco.

Vezes sentado no sofá, outras em pé, o repórter continuo a beber em silêncio, sem revolta. Bebia para sentir o vazio que advinha da alma que lhe interpelava sobre limites, paciência e até quanto o amor por aquela mulher era capaz de suportar. “Não é possível. Ela não consegue se manter estável por 48 horas. Será que quando vivia com Rosângela era assim? Ou a professora era dominadora, não dava margem para ela ter essas instabilidades? Já não sei mais nada. Deve ser foda gostar de mulher e de homem ao mesmo tempo. Acho que dá um nó no cérebro”, indagava Márcio para consigo mesmo.

Olhava para a noite e via como os carros iam diminuindo em quantidade e em velocidade. Apagou a luz. Optou pelo escuro para tentar segurar as lágrimas que batiam nas portas dos olhos. Segundo os poetas, se os olhos são os espelhos da alma, os seus ameaçavam transbordar. “A segunda noite que vai para o espaço. Acho que não vai haver uma terceira e se eu voltar da Alemanha com uma mão não frente e outra atrás e aquilo que era oficioso já ocupará seu espaço no ataúde”, pensou sentando pois sentia o efeito da bebida.

Entre uma dose e outra, o repórter apagou, com o robe meio aberto querendo mostrar mais do que devia. O copo vazio caiu de sua mão e a garrafa completamente esvaziada ficou em cima da mesa, enquanto o corpo totalmente desprotegido tentava segurar um pouco de amor próprio que parecia se evaporar como o álcool das duas garrafas de uísque que bebeu desgostosamente, porém, em silêncio ouvindo apenas a voz que vinha d’alma. Durante o seu delírio entendeu porque a ausência de Tarsila deixou Amadeu fora do ar durante muito tempo. Ele não bebia para esquecê-las, mas pelo contrário, para ver se a encontrava, a tocando em suas viagens alcóolicas.

Quando Angélica deixou o quarto o relógio indicava que as horas se aproximavam das três horas. Deparou-se com Márcio completamente embriagado dormindo no sofá e a sopa que fez com tanto carinho para ela, havia esfriado em cima do fogão. Quando caminhava em direção a uma poltrona instalada perto da que o repórter estava, chutou o copo, vendo duas garrafas de uísque vazias em cima da mesa de centro. Lembrou-se que na noite anterior, estragara tudo, vomitando na roupa que ele havia acabado de presenteá-la. E agora acabou com uma noite que o jornalista havia preparado com tanta paixão. Havia programado lhe aplicar uma massagem.

Sentou-se e começou a chorar baixinho, mas na medida em que as lágrimas vinham o som aumentava até que o repórter acordou, vendo a cena. Resolveu ficar em silêncio, até porque a cabeça rodava e começava a latejar. Resultado das duas garrafas que bebeu sem comer nada. Era melhor ficar quieto. Não mover um músculo se quer. A arquiteta se quisesse que lhe dirigisse a palavra. Já tinha a resposta pronta.

Angélica fez menção de se levantar de onde estava, mas ele fez um movimento com a mão para ficar onde estava. Quando ela finalmente falou recebeu uma resposta dura e firme. “- Márcio! Eu não sei o que fazer e o que te dizer”, diz a empresário.

– Mas eu sei o que te dizer, mesmo não sabendo mais como agir. Vá para Alemanha, se acerte com Rosângela. Afinal vocês estão juntas a sete anos. Eu só sou um cara que você conheceu não faz nem dois meses. Mesmo que tenha bagunçado toda a minha vida, ainda dá tempo deu arrumá-la. Não fique mais em meu caminho. Talvez eu tenha sido só um cara que você conheceu em meio à crise do seu casamento e que achou que amava. Eu fui tolo suficiente para embarcar nessa história de contos de fadas que obviamente não existe. Você é egoísta. Só pensa em você e acha que sente amor pela minha pessoa por que eu não me deixei levar por essa sua maneira de viver: agregando pessoas ao seu legado financeiro.

Angélica escutava em silêncio, enquanto Márcio continuava sem cessar suas observações. “- Talvez você e Rosângela tenha dado certo justamente por conta disso. Você compra e ela se vende. Mas eu não! Não estou numa prateleira de supermercado que uma dondoca histérica pega, leva para casa e se não gostar, descarta na lata do lixo e sai em busca de outra. Eu vou vestir minhas roupas e gostaria que você abrisse a porta para eu sair desta casa e de sua vida de uma vez por todas. Não sou perfeito, mas estou me rebaixando de mais. Tenha certeza de uma coisa: vou seguir em frente, mas te amando sempre. Derrubaria a muralha da China para te fazer feliz, mas é preciso que você também queira. Do jeito que está não dá. Adeus!”

Entrou no quarto de hóspedes colocou a sua roupa e quando ia saindo a espera de Angélica destravar a porta, lhe disse: “- A sopa está em cima do fogão. Não a tome fria. Esquente para sentir melhor o sabor. Ah! A massagem! Quando chegar na Alemanha, peça para Rosângela fazer. Só me resta dizer: poderia ter sido muito legal, mas a magia sempre se desfaz e tudo volta a ser como dantes. Você aí e eu aqui, cada um numa margem do rio da vida”.

Márcio entrou no elevador. Quando chegou no térreo a porta estava destravada. Olhou para o relógio eram quatro e meia. “Acho que ainda encontro Roberto em casa”. Andou lentamente, sem pressa, até porque sabia para onde ir e quando chegar. Percebeu que era hora da partida e das despedidas. Só que não tinha rodoviária e nem estação ferroviária, apenas uma longa avenida pela frente e um porre para ser curado quando chegasse em casa.

Cambaleando, parando, andando, parando, encostando nas árvores e postes, uma hora depois estava chegando em seu prédio, cabisbaixo, sem olhar para os lados, não percebeu que a porta de um carro abriu, o assustando. Quando viu quem era, tentou se afastar, mas foi puxado pelo braço. “- Vamos subir e conversaremos lá dentro”!

– Não dá. Roberto está aí e eu não tem a chave.

– Ele não está. Eu já entrei lá, achando que você estava lá. Não tem ninguém.

– O que você quer. Já dissemos tudo um para o outro. Me deixa em paz. Preciso organizar minha vida, mas longe de você.

– Não diga isso, Márcio. Por favor, vamos subir. Eu não aguento mais essa situação. Preciso por um basta nisso. Está me matando e você também. Olha só você bebeu duas garrafas de uísque!

Márcio fez menção de tentar se livrar de Angélica, mas pisou em falso e só não foi ao chão porque foi amparado pela arquiteta. Entraram no elevador e rapidamente chegaram ao apartamento do repórter. Ele se sentou no sofá e ficou ali com a cabeça em outro lugar, outros tempos, querendo que tudo parasse de girar.

– Márcio. Vou fazer um café para nós dois e depois quero apenas que você me escute. Tudo bem?

O repórter movimentando a cabeça, concordou com a empresária. Cinco minutos depois ela voltou com duas xicaras grandes cheia de café até a boca. “-Tome está sem açúcar. Vai te ajudar a melhorar essa ressaca”.

– Deixe me ver por onde começar.

– Comece saindo por aquela porta e não voltando mais. Eu já fiz de tudo, mas não dá mais.

– Quer calar a boca e me escutar.

– Você não acha que te escutar foi o que mais fiz nessas últimas semanas e eu estou aqui sabendo que você voara para Alemanha, se reconciliará com Rosângela e seu serei somente um cara que apareceu num momento de crise conjugal.

A empresária deu-lhe um tapa na cara.

– Porra! Você só sabe conversar me batendo na cara? Está achando que sou seu saco de pancadas? Quer me estrangular a alma, mas como não pode pegá-la solta a porrada na representação física dela.

– Desculpe-me Márcio. Quando estou perto de você e vejo que podes ficar longe eu não consigo me controlar.

– Já imaginou se eu fosse descontrolado também?

– Eu sei que você é o prego no concreto que procura harmonizar tudo. Olha o que você fez pelo seu amigo. Tenho muito medo de te fazer infeliz. Pavor de não conseguir me destravar.

– Não precisa destravar nada. É só voltar para os braços de Rosângela que estará tudo certo. Eu seguirei meu caminho como falei para dona Eleanora. Não foi ficar parado atrapalhando a relação de vocês duas.

– Não é nada disso, seu porra!

– Não grite para não acordar os vizinhos e nem as paredes. Já imaginou se as paredes se revoltarem contra ti.

– Quer parar de viajar e focar aqui no que estou te dizendo.

– Diga rápido que tem um elevador subindo.

Assim que terminou de falar, o jornalista correu para o banheiro e encheu o vaso do que estava repleto o seu estômago: álcool. Começou a suar frio e tremer. Abriu o chuveiro, tirou a roupa e ficou embaixo um tempão.

– Diga lá o que você ia falar.

– Nuca te vi passando tão mal assim.

– É minha alma que está se degringolando.

– Eu tinha muita coisa para te falar, mas acho que não dá.

– Ué! Então por que veio aqui?

– Para dizer que te amo, seu idiota.

– Me ama, mas manda mensagem para Rosângela indicando que podem reatar. Depois porque escuta uma conversa entre eu e o Roberto que vai ser pai e eu me ofereci para ser padrinho do filho dele, juntamente com a Fernanda que os juntou numa noite. Sai toda irritada. Se fecha no quarto com um bico enorme, como se fosse uma criança que quer ser o centro das atenções.

Quando o repórter ia saindo do banheiro foi parado pela arquiteta. “- O que acha que eu sou? Um brinquedo seu? Eu cansei dessas suas manias de achar que tudo tem que ser do jeito”, disse o repórter tentando se desvencilhar dela. Ela tentou segurá-lo enquanto deu. Ele saiu nu pela casa, andando de um lado para o outro e depois indo em direção a xicara de café e bebendo tudo de uma vez.

Voltou para o chuveiro, pois estava se sentido péssimo. Tudo rodava e o estomago estava em frangalhos. Quando entrou debaixo d’água encontrou a boca de Angélica que, nua o beijava com sofreguidão. Beijava, mordia, esmurrava, chorava, passava a mão por toda a extensão do corpo, segurança o seu sexo e dizia que ele sabia o que era necessário. Ficaram naquela luta por um bom tempo, enquanto a arquiteta berrava, chorava e dizia: “-Você é meu e filha da puta nenhuma vai tirá-lo de mim”, dizia isso entro choro e soluços, mas continuava a esmurra-lo.

Até que Márcio a pegou pelos braços e a levou para cama e quando começou a esfregar o seu pênis na genitália dela, Angélica começou a gritar e pedir para ele parar. “- Pare seu filho de uma puta, seu velho tarado!” Márcio parou e caiu do lado e adormeceu com lágrimas nos olhos. Aquilo era torturante demais para um homem. Tudo tinha limites. Ele já havia passado do dele fazia tempo.

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *