Sobras de um amor … parte II

27

 

Assim que Angélica desligou o telefone, a secretária colocou os jornais sobre a sua mesa e a primeira coisa que leu foi a manchete do jornal tratando da operação da noite anterior em que Márcia foi presa, acusada de tráfico internacional de drogas. A foto dela saindo algemada da casa de Rodolfo fez a arquiteta ligar todos os pontos e compreendeu porque a mãe havia convidado ela e Márcio para almoçarem à beira da piscina.

– Dona Angélica, eu sei que a vida da senhora é fechada e discretíssima. Eu tento levar uma vida assim também, mas acho que essa moça ai da foto andou rondando aqui o prédio. Eu a vi nas redondezas e não foi uma vez só não, mas várias. Um dia eu cheguei do almoço e a surpreendi fazendo perguntas sobre a senhora e um tal de Márcio, aquele repórter de um dos jornais da cidade.

– E quando foi isso, Regina?

– Quando a senhora ficou fora. Passou uns três dias viajando para tratar de assuntos ligados à empresa de seus familiares.

– Ela perguntou isso para quem? Para o vigia?

– Não. Para o office-boy e ele respondeu que não sabia de nada. A única coisa que fazia aqui era cumprir ordens e jamais perguntar sobre coisas que não eram da conta dele. Eu só escutei ela o chamando de capacho igual ao Márcio. Fiquei sem entender, mas imaginei ser coisa sem importância. Mas agora eu a vejo nessa foto saindo algemada desta residência. Será que era a casa do homem que eu vi com ela umas duas vezes circulando por aqui.

– Regina, se eu te mostrar a foto de uma pessoa, você é capaz de me dizer se era esse homem ou não?

– Sim senhora, mas por quê?

– Quero entender umas coisinhas, só isso!

Angélica abriu um painel no seu computador de mesa que estava conectado com a central de segurança da casa de sua mãe, apresentando a Regina a imagem de Rodolfo. “- Era esse mesmo, dona Angélica. O estranho é que eu passei outro dia defronte ao Bar da Net e eu o vi lá dentro vestido de garçom. Fiquei boiando, mas como ninguém falou comigo, esqueci a história.

– Regina! Você continuará esquecendo essa história para o resto de sua vida, isso se quiser continuar trabalhando aqui comigo. Também essa nossa conversa não existiu. Está me entendendo bem? Agora pode ir e há muito trabalho na agência hoje. No período da tarde eu não volto para o trabalho. Tenho uns assuntos para resolver relacionadas à minha família.

A arquiteta tinha deixado Márcio no apartamento dele, lhe dando uma bronca. “- Se for sair, vê se fica ligado neguinho. Não anda como se estivesse nas nuvens. Agora eu entendo porque detesta aparecer, holofotes. Do jeito que caminha flanando pelas ruas, é capaz do ladrão lhe tirar a cueca sem precisar arriar a sua calça. Fique atento ao telefone. Se eu te ligar, atenda o mais rápido que puder”.

– Está bem patroa. Se o telefone chamar eu atendo como o ligeirinho.

– Eu já te mandei se foder hoje? Se eu não! Então vai agora.

Se beijaram e Angélica seguiu seu caminho. Márcio subiu para o seu apartamento. Como já tinha tomado café com a arquiteta, se deixou ficar por ali, tentando pensar o que fazer. Queria conversar com Roberto, mas como não tinha nada para oferecer a ele, achou melhor não criar expectativas no amigo.

Acessou o site do jornal para ler as matérias do dia, quando se deparou com a manchete e a foto de Márcia saindo algemada de uma casa. Ele conhecia aquela residência, mas a memória não indicava de quem era. Sabia que estivera ali há algum tempo, logo quando chegou a cidade.

Percorreu a matéria todinha, não entendendo como a sua ex-noiva se envolveu com tráfico internacional de drogas e aquela mala cheia de dinheiro. “Será que ela e o Rodolfo estavam usando o Bar da Net para traficar, enquanto ele tomava conta do Amadeu? Não pode ser! A família de Angélica teria feito a interceptação e o meliante estaria na rua. A não ser que tudo tenha sido forjado”. Enquanto terminava o raciocínio, o telefone tocou várias vezes até a ligação cair. Quando foi atender, observou que o número chamado era da arquiteta. “Melhor nem retornar. Se eu fizer isso, dará ocupado porque sei que me ligará novamente, podendo achar que estou falando com outra mulher”, pensou o jornalista.

Nem bem terminou a frase na mente, o aparelho indicou nova chamada.

– Alô!

– Por que não atendeu da primeira vez que te liguei? Está com alguém no apartamento ou andando à toa pelas ruas da cidade?

– Nem uma coisa nem outra. Não estou com nenhuma mulher e nem andado a esmo pelas praças e avenidas desta cidade.

– Eu não perguntei se era mulher.

– Mas eu me antecipei, pois sei que acabarua me interrogando. Diga o que a minha patroa, que se passa por minha namorada, esposa, meu amor, minha vida, quer? Você mal acabou de me deixar aqui em casa.

– Não sei se acessou ou sabe das notícias que foram manchetes nos jornais de hoje, mas naquele em que você escrevia, tem uma foto da sua ex-noiva saindo algemada duma casa.

– Eu acabei de ler a matéria no site do jornal. E achei muito estranho tudo isso. Aquela casa não me é estranha. Eu sei que estive nela umas vezes, logo quando cheguei a cidade. Eu participei de umas reuniões muito chatas. O Roberto me levava para interagir com alguns moradores. Mas, como era um porre, acabei não indo mais.

– Pois é! Aquela casa é onde Rodolfo mora.

– Ah sim! Então foi de lá que eu o conhecia, antes de saber que ele era segurança de sua família.

“- Você sabia dessa conexão de Márcia com o tráfico internacional de drogas e o envolvimento de Rodolfo?”, pergunta a arquiteta.

– Eu não sabia de nada! Há muito tempo eu tinha me afastado das matérias policiais. Cuidada de outra parte, mais voltada para o lado da cultura e da produção de matérias frias. Estava sem inspiração. Mas o assunto me deixou encabulado, pois a coisa aconteceu justamente um dia depois dela me procurar e participar daquela ridícula montagem das fotos.

– Estranho mesmo! Bom! De qualquer forma, estamos livres de Rodolfo e Márcia.

– Rodolfo, por quê? Não tem nada falando dele na matéria. O que sabe sobre isso, sua Rainha diaba e não quer me contar.

– Eu não tenho nada para te falar, mas é só fazer a conexão. Se Márcia foi encontrada com drogas na casa do Rodolfo, ele é, no mínimo, cúmplice dela e isso dará justa causa. A não ser que ele tenha fugido, deixando ela arcar com a bronca sozinha. Mas de qualquer forma, estamos livres dos dois. Olha só, minha mãe nos convidou para almoçar com ela hoje à beira da piscina, nos querendo lá a tarde toda. Então, meu amor, nem pensar em sair de casa. Eu passo aí pra te pegar meio-dia. Não se esqueça que eu tenho a chave da porta. Eu que te surpreenda fazendo aquilo que não devia.

– Piscina? Eu nem tenho roupa de banho. Nem pensar. Não vou. Avise para a sua mãe que eu declinei do convite.

– Mas eu aceitei e pronto. Ah! Aproveite vai à loja da Fernanda e compre uns dez shorts de banho e experimente na frente dela. Quem sabe ela não faz um boquete em você. As amigas gostam de satisfazer os amigos quando eles estão a perigo.

– Caralho Angélica, quantas vezes eu vou ter que falar que eu e a Fê somos apenas bons amigos.

– Amigos que transam, você quer dizer! Ah quer saber. Tenha um bom dia. Chega. Vou trabalhar e pronto.

A arquiteta desligou novamente do jeito que ele odeia. Fazia de propósito por saber que Márcio não iria ligar de volta. “Juro que eu quero entender a cabeça dessa mulher. Mas está difícil. Porém, com jeitinho eu dobro essa ciumeira dela”, tendo esse raciocínio em tela, Márcio resolveu passar a manhã lendo. Sabia que ao meio-dia, Angélica abriria aquela porta e, aí dele se não estivesse pronto para ao almoço de família à beira da piscina.

Resolveu retomar a leitura de um romance do realismo francês para não esquecer o que havia aprendido na língua que legou à humanidade o escritor prefiro do repórter: Honoré de Balzac. Apanhou o romance As ilusões perdidas e passou a percorrer a história de Luciano de Rubempré Chardon, que havia conhecido nos tempos de faculdade.  Quando os ponteiros do relógio marcavam perto das onze horas, alguém apertou a campanhia. Márcio viu pelo olho mágico que era alguém uniformizado, então perguntou quem era. A pessoa do outro lado da porta respondeu ser da lavanderia. “Ué! Eu não pedi nada. Nem deixei roupas para lavar”, pensou o morador.

Na dúvida, o jornalista abriu e o homem lhe entregou uma mala cheia de roupas, informando apenas que era uma entrega de dona Angélica para o seu Márcio. Ele agradeceu, deu uma gorjeta ao entregador, indo abrir a mala. Haviam um monte de roupas e shorts de banho e um bilhete. “Roupas com amor para meu homem. Te amo! Angélica”. Ele não conseguiu conter o sorriso.

Em seguida o telefone chamou. Ao atender já sabia quem era. “- Não coloque nada. Estão todas limpinhas. Quando eu chegar, escolheremos a que usará hoje à tarde na casa de mamãe. Beijos. Te amo”. Não deu tempo dele falar nada.

Faltando pouco para o meio-dia, Angélica entra no apartamento de Márcio que está sentado lendo o seu livro. “- Oi amor! Está pronto para almoçarmos com a minha mãe?”.

– Claro que não! A madame me manda essa mala de roupas, vinda da lavanderia. Eu nem sei de onde vieram e diz que é para esperá-la para que eu experimente. A propósito, de onde mandou vir essas peças? Já estão lavadas?

– A sua amiguinha Fê me deu uma mão. Não é por nada não, mas eu acho que ela sonha em dar para você. Não é possível. Ela fez tudo com a maior boa vontade e depois o pessoal da lavanderia passou na loja, pegou para lavar e agora está tudo aqui. Vamos ver.

Angélica foi abrindo a mala e tirando as roupas. “- Essas roupas estão muito parecidas com a sua amiguinha. Não gostei de nenhuma”.

– Você não gostou de nenhuma porque foi a Fernanda quem escolheu ou porque nenhum está com a sua cara?

– Não vou discutir contigo. Coloque esse maiô aqui para eu ver como é que fica. Se não está muito apertado, mostrando em demasia a sua caixa de ferramentas.

O repórter, para não contrariar a arquiteta, experimentou pacientemente um maiô após o outro. O desfile só foi interrompido quando Eleanora ligou para a filha cobrando a presença dos dois no almoço que só aguardava a chegada da dupla para ser servido.

Márcio pegou dois maiôs, colocou uma bolsa e já ficou pronto. Colocando um tênis, uma bermuda e uma camiseta. “- Não gostei nada disso! Que roupa horrível. Onde arrumou isso? Ah já sei! A Fê te ajudou a escolher. Foi-se a Márcia ficou a Fê, de feiura para me atormentar. Vamos embora, depois quero ter uma conversa com o senhorito sobre isso.

Márcio bem que tentava tomar as rédeas, mas Angélica parecia irascível quando as coisas que não estavam sob seu domínio. “Meu deus do céu. O que farei para controlar ou amenizar esse gênio do cão que essa Rainha diaba tem”, pensou o repórter enquanto entrava no automóvel. “- No que você está pensando? Quer dividir comigo ou vai deitar no colo da amiguinha vendedora e confidenciar seus mais íntimos segredos com ela. Vai me contar o que anda matutando aí dentro dessa cabeça”, vociferou Angélica.

– Olha! Espero que esse almoço seja sereno. Porque do jeito que você está, não sei se chegaremos inteiro ao final do dia.

– É! Eu sei! Você quer um motivo para brigar comigo e sair para jantar com aquela sonsa da sua amiga vendedora.

“- Caralho!”, berrou Márcio. “-Você quer calar essa boca e parar de ver coisas onde não existem. Daqui a pouco ficarei de saco cheio desse seu ciúme desenfreado. Nem bem começamos nada; não oficializamos nada e você já quer controlar a minha vida. Quer saber de uma coisa. Pare essa porra de carro. Eu não vou mais. Chega!”

A arquiteta parou o carro e Márcio desceu, voltando rapidamente ao seu apartamento que estava distante duas quadras. Angélica ficou sem ação e não tinha com quem conversar. Não podia levar esse problema para a sua mãe. Ela já tinha dado uma dura no Márcio que, se levasse outra, com certeza daria um jeito de não a vê-la mais.

O telefone toca. Sua mãe cobrando a presença dos dois. “-Vem logo, o Amadeu está impaciente aqui, dizendo que quer apresentar ao Márcio a série de cartas ao amigo”, explicou Eleanora.

Angélica bem que tentou, mas desatou a chorar. “- O que foi minha filha. Márcio te mandou embora. Ele tem outra?”

– Não mãe. Sou eu quem não estou sabendo levar essa onda de namoro, amor, de pensar em passar o resto da existência com ele. É como se minha vida estivesse fugindo de meu controle. Só de pensar em vê-lo conversando com outras mulheres, fico sem chão, e começo a fazer cena. Ele acabou de sair do carro e voltar para o apartamento porque me deu ataque de ciúme por conta daquela amiga dele da loja onde ele comprava suas roupas. Ela me passou um Raio-X dele, inclusive dizendo que está torcendo para eu fazê-lo feliz. Márcio é muito reservado, fazendo com que eu fique imaginando que está me escondendo coisas.

– Filha. Se continuar assim, esse namoro oficioso não dura até o final do dia. Por que ele mentiria para você? Qual é o seu medo? Vocês já treparam e você acha que ele não gostou?

– Não transamos ainda mãe! Eu estou bloqueada. Ele prometeu me ajudar, mas será que até eu conseguir destravar tudo, não vai dormir com outra e depois justificar que era necessidade que os homens têm. Se isso acontecer, o que farei?.

– Bom! As chances de fazer isso são enormes, por vários fatores, mas acho que o principal é se perder o encanto por ti. Ai filha, não tem lingerie que dê jeito. Se isso acontecer, pode derrubar o Rei do amor no tabuleiro e seguir em frente. Agora, você estava certa ou errada? Se estiver certa venha para cá e deixe ele no mundo irascível, porém se a errada foi você, volte e arrume. Se não fizer isso, outra pessoa o fará. Se o ama, como o seu ciúme está indicando, então vá e o arraste para cá.

– Obrigado mãe. Dê-me um tempinho para eu ajeitar as coisas aqui e já chegamos.

– Dê um tempinho para esse homem se ajustar a você, Keka! Você não deixa ele serenar-se, sentir saudades de você. Aposto que ele dormiu em seu apartamento. Tomou café da manhã contigo. Depois não deu nem duas horas, ligastes dizendo isso e aquilo. Foi ao apartamento e armou toda aquela confusão por conta do ciúme. Olha. Acho que ele pode até te esperar no caso do sexo, mas penso que se não lhe der folga, pode escapar pelos vãos das mãos.

– A amiga dele, por conta de quem eu briguei com ele, me disse para amá-lo, mas não lhe colocar uma coleira. Acho que sem perceber, estou tentando fazer isso, ao agir assim.

– Converse com meu futuro genro e venha para cá. Resolveremos isso com muita calma. Entendo que peguei pesado outro dia, mas também sei que é compreensível e me entenderá.

– Está bem mãe! Me aguarde então.

Angélica se deu um tempo. Tentando encontrar uma forma de contornar a situação sem que sofresse uma nova rejeição de Márcio que, se agisse dessa forma, teria toda a razão. Assim que tomou a decisão, voltou ao apartamento. Entrou e não achou o jornalista, mas escutou um barulho vindo do quarto. Ao chegar na porta, se deparou com Márcio debruçado tentando controlar as lágrimas e falando sozinho.

“- Eu não sei o que essa mulher que comigo. Transforma minha vida num inferno, fica com ciúmes de tudo e de todas. Já falei mil vezes que eu não tenho nada com ninguém. Conheço poucas pessoas, entre elas a Fernanda. Uma ótima pessoa e essa tonta, ao invés de ver nela uma amiga, enxerga só concorrência. Chega”, pensou um pouco alto demais o repórter, socando o travesseiro e fungando, passando silenciosamente a informação que havia chorado.

Angélica fez um movimento e Márcio percebeu que tinha companhia. Virou-se e percebeu que a arquiteta estava ali e pode ter escutado tudo o que ele disse. “- Não precisa colocar um basta em nada não, meu querido. Eu preciso aprender a te amar sem te sufocar. Eu não sei mais o que fazer! Sinto que estou te perdendo por não entender direito esse sentimento que me pegou de surpresa. Eu sei que sem liberdade, não existe amor que perdure”.

Ao término de sua fala, Angélica se sentou onde Márcio havia posto a cabeça, colocando-a em seu colo, perguntando-lhe: “- O que posso fazer, meu amor, para não lhe tirar o oxigênio e te deixar vir tranquilamente ter comigo?” Ao perguntar isso, a arquiteta começa a desabar e o choro vem com muita rapidez. Ela acaba se deitando ao lado do repórter, iniciando um festival de choro, até que Márcio se levanta e diz a ela.

– Amor! Só tem um jeito para não nos afogarmos na fonte do nosso amor. Você precisa deixar as coisas acontecerem naturalmente. Deve confiar nesse sentimento que me nutres. Então, hoje depois de passarmos a tarde na casa de sua mãe, eu venho para cá e você para o seu apartamento. Eu preciso pensar, tenho que recomeçar a minha vida. Eu nem sei ao certo onde foi que ela parou. Faço minhas coisas aqui e você as suas lá e marcamos um dia para almoçarmos, outra para passearmos como ontem à noite. Acho será tranquilo se fizermos isso.

– E se não conseguir? O que faço sem você por perto?

– Você só saberá se tentar. Ninguém morre na véspera. Precisamos pelo menos começar para salvar algo que ainda nem começamos direito, contudo, temos a noção do que devemos arrumar antes de iniciarmos algo. E você também poderá fazer suas reflexões, descobrindo se tudo o que diz sentir não é fogo de palha.

Angélica grita com Márcio: “- Como pode ser fogo de palha, se eu atravessei o estado para te encontrar? Tá maluco?”. Ao ouvir os berros da arquiteta, o jornalista afirmou detestar que gritem com ele. “- Estou apenas propondo uma coisa que entendo ser necessário para não perdemos a linha. Agora se você não concorda, me desculpe, te amo muito, mas não vou pular do precipício contigo”.

Ficaram os dois em silêncio e Márcio sentenciou: “-Se não for assim, pode sair, ou melhor, eu saio e te deixo a chave. Não vou a lugar nenhum. Ficarei na cidade. Não vou fugir, porque não existe esconderijo no mundo que me afaste do que eu sinto por ti”.

Quando caminhava para a porta, Márcio afirmou com convicção. “-Passamos mais tempos discutindo por conta dos seus chiliques de ciúmes do que realmente organizando o nosso futuro. Eu não posso dar um passo que você me liga. Não posso manter amizade com uma mulher que, nos seus arroubos, diz que eu deveria ficar com ela. Vou embora por te amar muito, mas se for assim, não dá para seguirmos em frente. Tchau!”

Quando Márcio estava chegando à porta para ir embora, Angélica salta à sua frente e diz que aceita o jeito que ele propôs. “- Se não der certo, tentamos do meu jeito”. O repórter fita-a e calmamente diz: “- Do seu jeito é que não dará certo mesmo. Estamos aqui, eu e você, amarrado um no outro tentando comer duas moitas de capim, sem perceber que se cada um puxar para um lado, os dois morrem de fome e enforcados um no outro. O que nos alimenta, minha cara, é o nosso amor, mas se não formos prudentes, poderá nos matar também”.

– Você está certo! Preciso deixar de ser infantil, entendendo que se não for adulta, jamais conseguirei ser feliz contigo ou com quem quer que seja. Vamos para a casa de minha mãe e começamos a fazer do seu jeito. Prometo, pelo menos tentar, não atravessar o samba do nosso amor.

– Vamos dona Angélica, a Rainha diaba do castelo eletrônico. Te amo muito moça ciumenta.

Márcio pegou a bolsa com sua roupa de banho e desceram, entraram no carro e se dirijam a mansão. No caminho, o telefone toca e Angélica pede a Márcio que atenda: “- Alô! Dona Eleanora!”

– É você Márcio?

– Sim!

– Finalmente. Estão chegando ou ainda estão discutindo a relação? A comida vai esfriar e a água da piscina vai esquentar enquanto os dois ficam batendo boca por conta de banalidades! Fale para a minha filha que se ela deixar você escapar, vai ter que se entender comigo. Beijos, espero vocês.

Assim que o telefone foi desligado, ambos se olharam e deram risadas. A gargalhada foi motivada pela fala de Eleanora e pelo fato de que o casal descobriu que será preciso maturidade dos dois para fazer aquela relação dar certo. Não era dinheiro ou falta dele, cor da pele ou etnia que estava atrapalhando, mas o medo de serem felizes. Tanto Márcio quanto Angélica nunca sentiram a felicidade de ter alguém do e ao lado, então era natural ele tentar se fechar e ela partir para briga usando o ciúme como escudo.

Finalmente chegaram à mansão. Quando Amadeu viu o repórter já foi falando tudo de atropelo. “- Meu caro jornalista, minha rainha preta vai gostar do que compus para ela. Uma ode capaz de nos levar de foguete até a Lua, onde vamos morar por uns tempos, até que a Terra volte a ter condições de receber seres humanos que praticam o amor como ele é em sua essência”, falou o irmão da arquiteta.

– Amadeu, e como é que o amor deveria ser?

– Você sabe! Talvez não tenha palavras humanas ou sons que dê conta do que os seus olhos apresentam e seu coração sente quando está do lado daquela Rainha Diaba. Creio que apesar de tudo, ela deve te deixar em paz como Tarsila fazia comigo. Não tinha dia, noite, frio, chuva, sol, tudo era uma espécie de primavera e as abelhas tinham como função nunca deixar que essa beleza desaparecesse. Elas ferroam quando não a deixamos concluir o que vieram fazer aqui na Terra. Tornar o planeta belo assim como é o sentido do amor. Infelizmente, o homem transformou esse belíssimo verso num devir e fica sempre tentando achar que ele está ali virando a esquina, mas não olham para eu e a Tarsila, não enxergam você e minha irmã.

– Você sentiu isso ou escreveu?

– Márcio só se pode escrever aquilo que tu tens n’alma e transporta diariamente no coração. Infelizmente uns carregam tijolos, outros ferrões, existem aquele que só transportam pólvora acesa com ódio, há aqueles que repletos de brasas e espinhos, loucos para se livrarem desses sentimentos, saindo por aí querendo vir todos em completa desgraça e ruina para não enxergarem a própria destruição.

Enquanto Amadeu monopolizava Márcio, Eleanora pegou Angélica pela mão e chamou-a para uma conversa. “- Filha o que está acontecendo? Esse homem tem muita paciência para aturar seus ataques agudos de ciúmes. Daqui a pouco ele te manda passear e haverá mais de mil mulheres prontinha para pegá-lo”.

– Mãe! Se eu não tiver maturidade, vou perdê-lo e não será para ninguém, exceto para mim mesma! Ele me deu um ultimato, dizendo que preciso me acalmar, lhe dar espaço. Márcio falou que não consegue pensar em nada relacionado ao seu futuro. Ah dona Eleanora! O que faço? Estou ficando doida. Se eu perder esse homem eu não sei como será o meu dia seguinte.

– Keka! Não entendo muito dessas coisas, pois sempre tentei tirar a Lourdes do coração do seu pai. Hoje eu percebo o quanto fui egoísta e não prestei atenção no amor que ele me tinha, lá do jeito dele. Quem você tem que tirar do coração dele, para você entrar? E ele, qual o entulho que tem que remover para morar aí dentro desse coração assustado com o primeiro amor?

Angélica ficou pensando, pensando, enquanto Eleanora pegava as fotos e a reportagem do jornal para lhe dizer: “- Todos os empecilhos, ou aqueles que tentaram atrapalhar vocês dois, foram removidos. Olha aí. Márcio não liga a mínima para o dinheiro que você tem e acho interessante se recusar a trabalhar nas empresas contigo. Se aceitasse seria matar o relacionamento”.

– Dona Eleanora o que a senhora tem a ver com isso tudo?

– Nada! Vamos dizer que eu dei uma ajudazinha aos meus amigos policiais e entendi que era hora de trocar o seu segurança. Não gosto de gente que fica bisbilhotando a vida alheia, além de não sabe perder. Quando Márcio me disse que, caso você opte por ficar com Rosângela, ele sairá do seu caminho, achei que é uma pessoa que sabe se colocar no seu lugar, sem precisar ficar se rebaixando. Agora vai lá e coloque o biquíni que compramos. Surpreenda-o e vamos curtir essa tarde maravilhosa. Ame-o sem sufocá-lo. Tenho certeza de que Márcio não vai a lugar algum sem esses seus olhos para iluminar o caminho dele.

A matriarca decidiu que o cardápio seria a partir do que Márcio gostava: churrasco! Enquanto levava a filha para trocar de roupas, Eleanora pegou as fotos e o jornal, jogando dentro da churrasqueira, enquanto um cupim era preparado. Márcio conversava animadamente com Amadeu, nem deu pela ausência da arquiteta.

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