Sobras de um amor … parte II

26

 

Angélica deixou Márcio em sua torre-apartamento, ligando em seguida para Eleanora, contando tudo o que aconteceu. “- Vem para cá, resolveremos isso de uma por todas”, disse Eleanora.

Ao chegar na mansão, a filha mostra as fotos para a mãe dizendo que o repórter explicou serem montagens. A matriarca conversa com a arquiteta, pedindo que voltasse ao trabalho, deixando o resto com ela. “- Descobrirei toda a verdade. E não fala com Márcio em hipótese alguma antes de eu te ligar”.

Assim que a empresária volta ao trabalho, Elanora chama dois seguranças que eram de confiança do marido. Mostra-lhes as fotos, explicando que quer saber tudo sobre Márcia, querendo-a na mansão antes do final da tarde. “- Não deixe que ela veja seus rostos, portanto sejam discretos. Assim que chegarem aqui, coloquem ela na sala de som. Vou ter uma conversa com essa moça e saber quais são as reais intenções dela”, disse a matriarca.

No final do dia, ela foi chamada na área destinada à segurança. Quando chegou, recebeu um envelope com as informações pedidas sobre Márcia, inclusive quem orquestrou toda aquela sujeira. O idealizador era um deles, isto é, dos seguranças.

A ex-noiva de Márcio estava sentada em uma cadeira com as mãos amarradas e com o rosto coberto. O capuz foi tirado e logo ela escutou uma voz que parecia ser de mulher, mas também podia ser de homem. De qualquer forma, indicava que estava sendo modificada tecnicamente.

– Quem está articulando essa palhaçada contra Angélica e Márcio? Você arruinou a vida de sua família por mero capricho. Tentou destruir o rapaz, o usando como mercadoria para provocar seus pais. Sempre mimada, utilizando sua beleza para prejudicar outras pessoas. Mas tudo acaba aqui! Agora nos diga para quem é e porque trabalha em conluio com essa pessoa para lesar terceiros com princípios éticos e valores morais desconhecidos por vocês?

Márcia ficou em silêncio. Não falou nada e, por conta disso, voltou a ter o capuz lhe cobrindo o rosto, enquanto a cadeira girava, em seguida se movimento para frente e para trás. Assim que o móvel parou, o capuz foi retirado e a voz voltou a lhe dizer: “-Não temos pressa alguma. Ficaremos aqui o tempo que você quiser”. As luzes se apagaram e quando voltaram a ser acesas junto ao pé da cadeira havia uma mala com muito dinheiro. “- É todo seu se nos der o nome que desejamos. Junto com as notas há uma passagem para fora do estado. Nos diga quem é e poderá ir embora”.

A ex-noiva do jornalista olhou para dentro da bolsa, vendo tanto dinheiro, pensou, pensou e entregou o comparsa. Ao dizer o nome explicou: “- Ele não quer ver o negão comendo a loura com os olhos cor de esmeralda. Me disse que como não poderia tê-la, também não ficaria com um preto como Márcio, jornalista de fundo de redação. Estou precisando de dinheiro para me manter, então faço qualquer coisa, se precisar até vendo drogas. Ganhei um bom dinheiro e com esse agora, me dou por feliz. Ficarei um bom tempo sem precisar pensar em nada”, respondeu Márcia.

A voz que falava das sombras, ordenou que a mulher fosse levada embora, mas antes foi lhe dado um último recado: “- Esqueça essa conversa que tivemos. Ela nunca existiu. Passar bem!”. Uma hora depois, os seguranças estavam de volta, recebendo novo comando vindo da penumbra do cômodo. “- Vocês sabem o que fazer. Traga-me o traidor. Para esse o castigo será um pouco mais severo”.

Assim que o articulador das falsificações e mentiras contra Márcio, entrou na sala sonora, já sabia o que lhe aguardava. “- Então você quer foder com Márcio, não querendo que ele construa sua felicidade e faça Angélica feliz? Por que, ao invés de tentar prejudicá-lo, você não tentou aprender alguma coisa boa com ele, como respeito ao seu semelhante? Parece-me que o repórter entende muito dessas coisas. Quero que o senhor saiba que faremos tudo para que o casal se encontre no amor. E quanto a ti, pode procurá-lo na presunção do seu espelho, quem sabe ela não te esclareça. Podem levá-lo e trabalhem para que entre vocês não tenha nenhuma espécie dessa estirpe, se não o destino de todos será o mesmo dele.

“- Com quem estou falando”, perguntou o segurança.

– Com a sua consciência que te afogará no poço da própria vaidade.

Ao terminar de falar, a voz que vinha de um espaço escuro do quarto, ordenou que o rapaz fosse levado ao seu espelho. Ao ouvir isso, o homem sabia qual seria o seu destino. Ele só ouviu um dos seguranças lhe dizer: “- Procure um novo patrão no fundo do poço. Se encontrá-lo, volte e nos diga como ele é!”

Próximo da meia-noite, a polícia bateu à porta da casa de Rodolfo e foi atendida por Márcia. Havia um mandado de busca e apreensão. Os policiais encontraram cocaína, maconha, haxixe e muita anfetamina e anabolizantes em quantidade suficiente para que Márcia e Rodolfo passassem os próximos 30 anos na cadeia. Não que o segurança fosse cumprir alguma sentença a partir do local em que onde estava. A ex-noiva de Márcio, com a mala de dinheiro e drogas em abundância em casa, teria que explicar muita coisa. Ela passou o resto da noite na carceragem da Delegacia e em seguida conduzida a um presídio de Segurança Máxima onde aguardaria a sua sentença.

Enquanto as armadilhas idealizadas pela dupla formada por inimigos do repórter eram desfeitas, Angélica passou a tarde toda com aquela história na cabeça, tentando entender como tudo aquilo foi orquestrado. “Márcio só caiu nessa armadilha, porque anda totalmente desligado pelas ruas da cidade”, pensou a arquiteta. Resolveu ligar para o amado.

– Oi amor! Como se sente?

– Prisioneiro na torre da Rainha diaba, como Amadeu sempre me falava. Agora eu sei como você gosta de encarcerar os homens da sua vida.

Do outro lado da linha, Angélica dá risadas e o repórter já responde: “- Como queria estar aí para ver esse encantador sorriso junto desses olhos esverdeados que tanto me devoram”.

– Pode parar com essa conversa mole. Ou o senhorito pensa que eu engoli aquela história de roupas e almoço com Fernanda? Eu sei bem o que ela falou sobre você, mas se desconfia que eu te amo é bem capaz de mudar de ideia a seu respeito, dando em cima do meu homem.

– Olha só. Eu disse a Fê que podíamos nos encontrar um dia desses. E ela me falou que isso era impossível, pois você é bem capaz de quebrá-la ao meio.

Ao dizer isso, Márcio caiu na gargalhada, enquanto do outro lado da linha a arquiteta estava completamente transtornada. “- Seu filho de uma puta, então a história das fotos era só para me enganar. O que é seu está guardado. Você não sai vivo hoje deste apartamento”, quando terminou de falar, desligou o telefone, sem esperar Márcio dizer algo.

A empresária deixou a sala como se tivesse dois metros de altura. Avisou a secretária que tinha que resolver uns assuntos fora do escritório e que não voltaria mais aquele dia. Entrou no carro, o colocando em movimento, não conseguindo nem respirar direito. Tinha ficado cega de ciúmes. Passou pela loja, entrou e encontrando Fernanda, a chamou para conversar. “- Oi, o que a senhora deseja? As roupas não ficaram bem em Márcio?”.

Pela cara de Angélica, Fernanda percebeu que tinha algo de errado e não era com as roupas. “- Você almoçou ontem com Márcio! Não adianta negar, eu estou sabendo. Quero te dizer uma coisa”

– Ah! Sei que a senhora é patroa dele, mas que eu saiba, o Marzinho não tem dono e é uma pessoa agradável que pode muito bem fazer qualquer mulher feliz.

– Que história é essa de vocês saírem para bater papo?

Fernanda olhou para a arquiteta com vontade de rir, mas ficou séria. “-Faça uma coisa para nós: torne aquele homem feliz. Ele é merecedor e se o seu amor por ele for do tamanho do seu ciúme, sei que o meu amigo estará sempre rindo e com a felicidade estampada no lindo sorriso que tem. Mas por favor, não coloque uma coleira nele. Com certeza, Márcio não vai aceitar. E eu não vou deixar de ser amigo dele por conta do amor que a senhora sente por ele. Avise-o que quero participar do casamento de vocês. Posso voltar para o meu trabalho?”.

– Só mais uma coisa: é verdade que ele falou de saírem juntos e você lhe disse que era impossível, pois eu seria capaz de parti-la em dois?

– Tanto é verdade que a senhora está aqui querendo me arrebentar inteira, só porque almoçamos juntos como nos velhos tempos. Ame-o com ternura, com devoção, com paixão, mas não tire os amigos e nem a vida dele. Ele não serve para ser executivo na sua empresa ou em qualquer outra. Se aceitar vai viver como um pássaro engaiolado. Agora se me der licença, preciso ganhar a vida, olha os fregueses chegando.

A arquiteta saiu da loja, entrando no carro e desabando. Fernanda, com toda a simplicidade dela, lhe deu uma aula de como amar Márcio, sem precisar lhe colocar coleira. Todos sabiam que ele sempre seria assim. “Por que não confiar nele?”, pensou Angélica, colocando o carro em movimento.

Antes de conversar com Fernanda, estava pensando em enforcá-lo sob a acusação de traição, mas agora queria agarrá-lo, beijá-lo até a boca perder toda umidade. “Por que esse homem me desiquilibra? Eu estou casada com Rosângela e nunca pensei que fosse ficar desbaratinada por alguém como estou por Márcio. Meu deus do céu, eu preciso saber o que está acontecendo comigo, se não vou enlouquecer”, pensou a irmã de Amadeu.

Entrou no apartamento por volta das 16h, surpreendendo Márcio deitado no sofá, parecia que dormia porque tinha sobre o rosto um livro aberto. Ela se aproximou em silêncio, vendo se tratar de uma obra que chegou a ver nas mãos de Rosângela, mas depois desapareceu. A música ambiente era uma série de jazz. Não sabia que o jornalista apreciava aquele tipo de melodia para ler.

Ao se sentar no sofá, começou a chorar. O som despertou Márcio que levantou rapidamente e, olhando para ela, perguntou o que havia acontecido.

– Márcio, acho que fiz a maior burrada da minha vida. Pior do que ter casado com Rosângela.

– Se você me falar o que foi, eu posso tentar te ajudar. Até porque desligou na minha cara, me deixou falando sozinho. Detesto isso. Prefiro que me xingue, mas nunca bata o telefone quando eu tenho algo a dizer.

– Está bem! Falamos disso mais tarde. Agora sei que depois que te contar, me odiará. Assim que desliguei o telefone, porque estava com raiva da história que me contou da Fernanda, a chamando para sair, fui à loja em que ela para mandá-la ficar longe de você. Ela me deu a maior lição de moral. Me disse para te amar com ternura, com devoção, com paixão, mas não colocar uma coleira em ti, te afastando dos amigos.

Márcio olhou para Angélica e caiu na gargalhada. “- Por que está rindo assim, debochando dos meus sentimentos e de minhas ações?”

– Estou rindo por que você mordeu a chumbada. No nosso almoço, ela puxou a minha orelha, falando que a patroa me amava e que eu não devia deixa-la ir embora. Que precisava ser feliz com ela. Apesar de apresentar ser uma pessoa muito ciumenta. “Ela não tirava os olhos de você. Por ser apenas patroa, te vigiou muito”, palavras dela.

– E agora o que eu faço? Estou completamente perdida!

– Siga as recomendações dela. Eu tentarei. Farei tudo o que for possível para que a madame ciumenta seja feliz. Não preciso esconder nada dela. Até porque se agisse desta forma, não teria me encontrado lá no Pontal e ameaçado ficar nua em pleno terminal rodoviário, caso eu não voltasse com ela. Antes de adormecer, tentava ler esse livro que achei na gaveta do guarda-roupa do quarto de hóspedes, mas um certa esmeraldina não me deixou concentrar na leitura. Um olhar que, embora o céu seja azul, e ele esverdeado, é capaz de me tirar da terra. Não há promessas nele, mas apenas a simples realidade, coisa que sempre procurei e nunca havia encontrado antes.

Angélica se sentou ao lado do repórter, lhe perguntando o que estava acontecendo com ela.

– Não está acontecendo nada. Você está apenas amando e sendo amada, mas isso pode estar lhe dando insegurança. E há dentro de ti um verdadeiro inferno, semelhante ao de Dante*. De um lado, a Angélica que quer alimentar esse amor mais do que tudo e, do outro, a arquiteta mandona que não aceita regras, que gosta que seja tudo do jeito dela, mas observa que isso não é possível. Para viver esse sentimento, o primeiro amor por assim dizer, terá que abrir mão de muita coisa, mas está lutando para não ceder um milímetro se quer.

– Você me ajuda a decidir?

– Não! Porque eu serei o maior beneficiário na sua decisão. Você quem tem que decidir. Foi me buscar no banco da praça quando eu me achei um saco de merda, chorava copiosamente porque tua mãe me bateu, não porque eu sou negro, mas por ser covarde e não deixar que o amor que eu lhe sinto seja maior do que tudo nesse mundo. Entendi que Eleanora não quer que a filha viva um relacionamento a três, tendo no meio, um fantasma, como foi o casamento dela.

– E o que eu faço então?

– Faça sempre o simples e saberá o caminho a escolher. Eu disse a sua, antes daquele jantar, que aceitarei qualquer decisão sua. Chorando naquele banco de praça, observei que se eu não eliminar o passado de dentro do meu coração, não conseguirei ser o homem que você quer que eu seja e não tem nada a ver com sexo, mas sim com sexualidade, com carinho, paixão e isso só é possível com compreensão.

Angélica ficou pensando no que Márcio acabou de falar, enquanto o repórter acrescentava. “- Aquelas fotos forjadas por Márcia e por Rodolfo tiveram um papel significativo, juntamente com as minhas lágrimas que se misturavam com as águas da chuva, na construção do meu futuro. O choro e aqueles pingos, finalmente levaram aquele passado embora. A minha ex-noiva e o segurança tramaram contra nós dois por mera vingança. Ele por não aceitar que você me ama, enquanto ele continuaria a ser o simples segurança cumpridor de ordens.  Márcia por querer dinheiro: arruinou a família com aquele vexame que foi pior para os parentes dela. Eu só fiquei sendo o noivo corneado e ela a promíscua.

A arquiteta foi para o colo do repórter, enquanto ele dizia: “-Sei que estou pronto para atravessar o oceano com você e por você. Sei que tu tens duas situações para equacionar aí dentro de ti: uma é lutar com essa violência que ainda está latente dentro de ti por conta dos estupros que foi submetida pelo seu pai. A outra é encerrar o seu casamento com Rosângela e definir sua própria sexualidade. Se você entender que não funcionaremos como homem e mulher, embora não seja o que eu quero, me afastarei para que a amizade se fortaleça.

 

– Mas eu já sei o que quero! Quero você hoje, amanhã, depois, depois e mais depois.

– Amor! Uma coisa é desejar, outra é consolidar essa querência. Como eu disse a sua mãe e repito: atravessarei o oceano contigo, mas enquanto isso, você equaciona esse vulcão aí dentro de ti. Primeiro: eu não vou a lugar nenhum sem o teu amor. Não desejo o seu dinheiro, não quero ser executivo em suas empresas, não acalento morar aqui contigo enquanto não definirmos o que somos: namoridos, amigos que trepam, esposas, amantes ou simplesmente amigos. Para cada uma dessas modalidades, é preciso estabelecermos regras, inclusive para que nenhum de nós atravesse o espaço do outro. O que você fez agora a tarde, deixou bem claro à Fê o quanto você me ama, com ela lhe dizendo para ter cuidado com esse amor, para não nos tornarmos infelizes na busca pela sua realização.

– Márcio, eu não sei nem o que dizer, estou tão envergonhada. Não tenho mais coragem de voltar àquela loja.

– Eu só compro lá! Preciso de roupas, a Fê conhece minhas medidas e eu gasto o meu dinheiro e ela ganha a comissão. Fernanda é de boa. Entendeu tudo e quanto me encontrar, é capaz de me perguntar onde está a coleira.

– O que eu faço amor?

– Não faça nada! Agora vai lá, tome um banho. Seu dia foi pauleira. Eu vou tomar um uísque aqui, colocar uma música que me estimule a encontrar a esmeralda perdida dentro dos seus olhos. Depois podemos sair para jantar. O que acha?

– Ótimo amor. Não saia daí. Eu já volto.

– Vou para onde? Só se for para os seus braços embaixo do chuveiro.

Ao dizer isso caiu na gargalhada. Voltando a atenção para o livro, mas achou melhor deixar a leitura para outro momento. James Baldwin** que entendesse o que o levou a perder o interesse pelo conteúdo da obra. Trocou a música, encheu novamente o copo com uísque, se deixando conduzir pela melodia e pela letra que dizia “… se o mundo inteiro pudesse me ouvir…”. Terminada a canção, Márcio parecia estar em outro lugar, mas de onde estava contemplava aquele final de tarde. O sol parecia conversar com a sua alma, lhe dizendo que todo aquele espetáculo era para o seu coração que estava aprendendo a amar. “Amar não é prender, pelo contrário, é soltar, é o simples viver. Obrigado natureza por ter levado o passado embora e lavado meu espírito, o deixando pronto para amar um ser encantador quanto essa dona esmeraldina”, Márcio pensou em voz alta, achando que estava sozinho na sala.

“- Obrigado meu amor, por me ensinar a te amar”, disse Angélica que escutou tudo o que ele falou crendo estar só.

– Não sabia que estava aqui. Achei que ainda estava no banho. Creio que deixei os meus pensamentos serem sonorizdos. Isso não é legal. Então esquece se por ventura escutou alguma coisa.

O repórter notou que a arquiteta estava só de roupas intimas e com aquela cara e olhos brilhantes. “- Depois que o Sol acabar de conversar com você, será que pode me ajudar a escolher uma roupa para esse jantar ao qual eu fui convidada?”

– É para já!

– Eu e meu guarda-roupa podemos esperar esse seu eterno colóquio com o astro-rei quando este se despede do dia, indo iluminar o Oriente.

Ao dizer isso, Angélica vai até o repórter, beija-lhe a face, informando que o espera no quarto. O quase namorido da arquiteta fica mais um tempo ali, e vai ao encontro de sua amada. “-Pronto! Estou aqui patroa!”

– Vai você e essa patroa tomarem no cu. O que você acha dessa calça aqui? E dessa blusa.

– Você não tem nenhum vestido?

Angélica ficou surpresa pela pergunta do amigo. “-Tenho sim, mas não sei se vai gostar dos que tenho. Acho-os cheio de rococó”.

– Mostre-me e deixe que eu decida o que minha adorável arquiteta colocará para sair comigo hoje, a primeira de outras tantas noites que teremos pela frente.

Ela lhe mostrou um em que a parte de cima, uma estampa azul cobria a região dos seios, deixando à mostra pequena parte dos seios. A parte de baixo ficava entre o joelho e parte de cima da coxa. Márcio olhou e pediu para ela experimentar. “- Esse está ótimo, mas precisa mudar duas coisas: a calcinha está marcando. Então coloque uma que esteja colada ao corpo, sem deixar que vá delinear em demasia o contorno dessa bunda gostosa. E no andar de cima, um sutiã que esconda sutilmente parte dos seus seios. Ninguém precisa ver o que sabem o que o sutiã guarda. Isso é tudo meu e eu não quero dividir com ninguém. Agora coloque uma roupa mais leve e venha aqui comigo na sala. Ainda temos tempo e devemos definir o lugar em que vamos.

O repórter se dirigiu à sala, ficou sentado, no mesmo lugar de sempre, como se fosse cadeira cativa, sem direcionar o pensamento. Sem querer doutrinar a mente. “Márcia realmente é de baixo nível. Não tem amor a nada e a ninguém. Apenas em seus interesses. Pode ser bela, mas o chorume de sua alma afasta coisas boas em sua vida. O universo devolve tudo aquilo que cultivamos. Uma pena que se deixou prestar a esse papel. Tentar me seduzir para que outro atinja seus objetivos. Pobreza de caráter dos dois”.

Angélica apareceu com o mesmo camisão daquela manhã, se sentando ao lado de Márcio, encostando a cabeça em seu peito. “- Amor! Pega leve com o uísque. Tenho medo que você se torne um alcóolatra. Esse não é a terceira dose que está tomando desde que cheguei?”

Sem dizer nada, o repórter colocou o copo em cima da mesa, dizendo; “-Melhor parar. Do jeito que você está falando, é capaz de eu ficar completamente embriagado e estragar o nosso jantar”, exclamou voltando a se sentar, notando que a arquiteta estava sem nada por baixo.

– Ué! Onde está sua roupa íntima?

– Ora no guarda-roupa. Só vou vesti-la quando for sair com você. Agora quis te provocar um pouquinho. Mas se quiser, eu posso ir lá e colocar alguma. Acho que eu deva ter alguma coisa que minha mãe deixou na última vez que esteve aqui.

Ao dizer isso, Angélica caiu na gargalhada, juntamente com Márcio que sabia que a parada ia ser dura. Por mais desejoso que estivesse para tê-la, precisaria ter paciência. Um erro durante essa transição, poderia significar uma tragédia para o relacionamento.

– Amor! É sério aquela história de você não aceitar ser executivo em minhas empresas?

– Sim! Não quero trabalhar com você. O grupo pertence a sua família, mas se aparecer lá como um diretor disso ou daquilo, penso que será desconfortável tanto para mim quanto para os colaboradores. Se realmente o cargo existe, sugiro que você nomeie alguém de fora. Eu não posso, porque te amo e quero outra coisa para mim. Como por exemplo, voltar a trabalhar no jornal.

– Se fizer isso, eu compro o jornal, te demito e encerro as atividades da empresa.

– Cruzes! Está parecendo seu pai!

– Não quero te ver mais trabalhando lá! Vamos pensar em alguma coisa que possa te ocupar o dia inteiro e mantê-lo longe das confusões e das mulheres, bem como de ficar andando pelas ruas completamente desligado. Armaram para você, justamente por que você anda feito um lunático pelas praças e avenidas desta cidade. Eu vi isso naquela rodoviária. Impressionante: se desliga do mundo.

– Se você não fizer objeção, gostaria de sugerir alguém para o cargo, como uma espécie de presente a ele. Mas eu posso lhe garantir que é competente, mas ficaria sob a minha responsabilidade o seu desempenho.

– Não é nenhuma mulher né? Você não está pensando na “FÊ”? Se for, pode tirar o cavalo da chuva. Quero ela distante de você. Só aceito a amizade e olha lá, fazendo muito esforço. Você acredita que ela teve a petulância de se convidar para o nosso casamento.

– É bem típico dela! Por isso que eu nunca conseguiria me relacionar com ela como homem e mulher.

– Vamos mudar de assunto. Esse tema me tira do sério. Quem é a pessoa que você tem em mente?

– O Roberto. Acho que ele está com o prazo de validade esgotado naquele jornal. Está precisando de ares novos e gostaria de ajudá-lo nessa transição.

– Vamos pensar nisso. Deixe eu tomar pé de tudo na organização e depois falamos sobre isso.

Ao se terminar de dizer isso, Angélica se levantou, deu um tapa de leve no joelho de Márcio dizendo que ia se arrumar, enquanto ele toma banho, se arrumando também para uma noite mágica do casal.

Quando Angélica estava pronta. Lógico que Márcio havia terminado bem antes que ela. Coisas dos homens, diriam as mulheres. O repórter fitou a de cima para baixo e falou: “-Desse jeito, terei que te olhar mexendo toda a musculatura do rosto e do pescoço. Amor! Você está linda”.

– Se eu pegar essa cabeça se movimentando para qualquer lado que não seja onde eu esteja, pode ter certeza que sua última roupa será um féretro e ainda com o pescoço quebrado. Vamos. Estou ansiosa para essa noite.  Onde você quer ir?

– Estou pensando em um lugar que não seja nessa cidade. Vamos para o munícipio vizinho. Lá tem um restaurante especializado em peixes e também um bom vinho. E estou louco para entrar nesses lugares de mãos dadas com o meu amor.

Angélica vibrou com a escolha do repórter. Percorreram a distância em cerca de uma hora. Lá chegando, quando Márcio e Angélica colocaram os pés dentro do estabelecimento, só viram o flash vindo da direção onde havia um fotógrafo.  O jornalista ficou possesso, querendo ir lá e falar para o profissional apagar a foto. Angélica colocou a mãe nele e disse para serenar, antes de deixarem o restaurante tudo ficaria resolvido.

Sentaram-se. O garçom chegou e o casal pediu uma garrafa de vinho branco. Quando o atendente ia sair, a arquiteta pediu para ele chamar o fotógrafo. Assim que o rapaz se sentou, Angélica pediu um cartão dele. Ao ler o seu nome e toda a informação, lhe disse: “- Apague todas essas fotos ou quebrarei essa porcaria de câmera. Quem autorizou o senhor a tira fotos minhas e do meu marido?

– Tudo bem! Peço desculpas.

– Dê-me essa câmera, por favor.

Assim que o fotógrafo, todo envergonhado entregou o equipamento a ela, a arquiteta o repassou a Márcio perguntando se conhecia. “-Sim conheço. Inclusive já usei uma semelhante a esta”

– Apague tudo o que tem nela.

– Mas dona aí tem outros trabalhos meus.

– Azar o seu. Quem mandou ficar tirando fotos sem autorização.

O repórter, mexeu, mexeu e entregou a câmera ao rapaz que escutou mais uma espinafrada de Angélica: “- Podíamos quebrar esse seu equipamento, senhor Renato. Dê-se por satisfeito por só apagarmos as fotos. Ah! Esquece que nos viu aqui e que tivemos essa conversa”.

Renato voltou ao seu lugar a ponto de ter um colapso. Mas entendeu que tirou fotos sem pedir autorização, mas estava pensando em ganhar uma grana com o casal inter-racial. Já que nunca os tinha visto ali.

Márcio e Angélica cearam, beberam e riram muito. Passado uma hora que estavam ali, o repórter se levantou para ir ao banheiro. Quanto estava lavando as mãos para sair, o fotógrafo se aproximou e o agradeceu. “- Eu vi que o senhor só apagou as fotos que eu fiz de vocês. Se deletasse tudo, eu teria um enorme prejuízo”.

O jornalista olhou para ele e disse: “-Aprenda uma coisa, meu amigo. Nem todo mundo gosta de se exibir, sair em colunas sociais e ficar se expondo nas redes sociais. Entenda que muitos querem privacidade. Eu vim jantar com a minha esposa e não me exibir para o mundo. Passar bem! Ah se sair alguma coisa sobre essas imagens, eu não queria estar na sua pele meu amigo!

A noite foi memorável. Angélica parecia estar nas nuvens. Márcio sabia ser uma companhia encantadora. Falava de tudo um pouco, contava piadas, fazia caretas, brincava, a chamava de amor, olhava sério para ela. Imitava-a em situações cômicas. Chegou a se levantar para imitá-la na rodoviária. Ela ficou vermelha. Depois foi a vez de Angélica fazer o mesmo com ele, inclusive fazendo o gesto que fez, indo ao banheiro logo em seguida. A noite para os dois até ali tinha sido uma espécie comida com o tempero no ponto.

– Você já conhecia esse lugar, Márcio?

– Sim. Viemos aqui uma vez. Eu, Roberto e a que esposa dele hoje a Danisa. Eles queriam comemorar o noivado, mas não desejavam que isso acontecesse em nossa cidade. Não queriam fotos e sem comentários de colunistas sociais e outros fofoqueiros.

– Achei que tivesse vindo aqui com outra mulher, por exemplo, a FÊ!

– Você pegou no pé da pobre da Fernanda, hein.

– Pelo jeito que ela falou de você, se eu bobear, ela te tira de mim.

– Amor! Você só vai me perder para uma pessoa: para você mesma se não relaxar. Agora vamos embora que esta tarde. Não quero que dirija além da velocidade. Amanhã voltarei ao meu apartamento, mesmo sabendo que você terá uma chave.

Depois de uma noite excelente para os dois. Em que não houve discussão, nem palavras erradas ou com sentidos trocadas, o casal se sentia leve, sereno. A arquiteta se jogou no sofá chamando Márcio para si, lhe agradecendo a noite. “-Amor se eu soubesse que estar com você seria tão bom assim, não teria brigado tanto contigo. Guardaria toda as minhas energias para te amar”.

O repórter, se sentando ao lado da Angélica, se concentrou em beijá-la para agradecê-la por não ter o deixado naquele banco todo ensopado, desesperado num beco sem saída. “- Agora eu só pediria ao Senhor dos tempos toda a eternidade para te amar. Acho que ainda seria pouco. Obrigado por me ensinar a amar um ser tão belo que consegue transformar espinhos em esplendorosas flores”.

Ficaram ali se olhando, abraçados, sentindo a emoção um do outro, sem querer mais do que cada um merecia naquele relacionamento. O coração de Márcio acelerava e desacelerava. Respirava fundo numa sinergia com os batimentos do coração da amada. Nessa toada, o casal adormeceu. Angélica acordou com uma vontade de ir ao banheiro e percebeu que as horas já iam alta. “-Márcio! Vamos para cama meu amor! Amanhã temos um dia cheio. Não quero chegar tarde no escritório”. O repórter, meu sonolento, saiu meio trôpego em direção ao quarto de hóspedes, mas foi contido pela empresária. “- Nada disso. Te quero em minha cama. É por aqui”. Depois de se higienizarem e Angélica ajustar o relógio para acordá-los junto com os primeiros raios de sol matinal, voltaram a mergulhar no silêncio da casa e no som do amor, emitido pelos corações apaixonados.

Os jornais do dia seguinte estamparam a seguinte manchete: Loura fatal é presa com grande quantidade de drogas, entorpecentes e uma mala de dinheiro”. Antes mesmo de Angélica ver os jornais, seu telefone tocou:

– Alô! Mãe? Que bom ouvi-la. Ainda estou um caco por conta de ontem.

– Venha almoçar comigo hoje aqui na mansão. Traga o Márcio. Quero ter uma conversa franca com ele. E quanto a você, arrume outro segurança. Ou melhor, deixe que eu contrate. Suas escolhas não me agradaram muito.

– Obrigado mãe.

– Ah! Você e ele tirem a tarde de folga e vamos almoçar à beira da piscina. Não se esqueça do computador do Amadeu. Está me deixando quase doida com a história das cartas que escreve para Tarsila.

 

*Dante Alighieri (1265-1321): poeta florentino, aturo de A Divina Comédia.

** James Baldwin (1924-1987): romancista e crítico literário estadunidense.

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