Sobras de um amor …

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         Marcio chegou ao restaurante que costumavam frequentar quando a situação estava maluca na redação e o deadline havia sido antecipado, ou seja, tudo era para ontem. Ao invés de ir ao American Bar, foi direto à mesa de costume, isto é, aquela que fica bem escondida, porém dá para ver todo o salão, quem entra e quem sai do estabelecimento, inclusive se fosse preciso, já entrevistar a pessoa ali mesmo. Pensando nisso, sentou e pediu uma cerveja. A bebida chegou e, enquanto engolia o líquido, esperando que ele empurrasse goela abaixo a raiva que estava sentido daquela mulher que lhe humilhou na frente do diretor por conta de uma reportagem que tentava emplacar.

Entre uma reflexão e outra raiva, a garrafa foi devorada e nada de aplacar a sua ira. Mas já estava sentindo mais aliviado a ponto de recordar uma matéria produzida ali mesmo aquele restaurante quando ficou a manhã toda tentando falar com um bacana da cidade por conta dum crime envolvendo gente da elite, mas o fulano dizia para Márcio ligar depois, ou que no momento estava ocupado. A lembrança lhe chegou fresquinha, inclusive quando o repórter o viu entrando no estabelecimento, ficou, inicialmente, sem saber se ia ou não até ele. De qualquer forma, não podia deixar passar a oportunidade. Tirou do bolso o gravador e já sentando à mesa sem ser convidado foi tratando de fazer a pergunta com o equipamento ligado. Não deu outro. O “doutor” que era seu amigo, não teve outra alternativa, pois sabia que iria escrever a matéria com a opinião dele ou não e, caso ele se recusasse a falar, o ato estaria no corpo da matéria, o que poderia significar que concordava com a ação do autor daquele crime hediondo.

         Entre um devaneio e outro copo enchia e esvaziava com a mesma velocidade, Márcio escutou quando o seu editor falou com voz firme: ““Por que não vai fazer matéria sobre esse vírus que está comendo a vida humana na Terra e deixe de lado a existência individual de um sujeito que não tem mais controle sobre si mesmo?”

“- O quê?”, perguntou o repórter ao seu chefe.

Ele o olhou rindo, explicando que quem havia dito aquilo foi a senhora que estava na sala do diretor quando eu entrei e levei a maior comida de rabo que alguém podia levar. Foi como dar o cu e pedir desculpas por estar de costas. Só porque estava tentando fazer matéria com um bêbado que parecia mendigo, mas que tudo indicava tinha família, dinheiro, mas optara pela vida desregrada e movida a uísque.

– Foi isso mesmo que a dona Angélica disse quando entrei na sala do João Marcelo. Ela estava furiosa, soltando fogo pelas ventas como uma besta-fera. Eu tentei conversar, argumentar, mas que nada! A mulher estava possuída e queria a todo custo a sua cabeça. E o João estava propenso a fazer, mas consegui convencê-lo a mudar de opinião, afinal você é um ótimo jornalista e mereceria uma segunda chance, mesmo sofrendo alguma espécie de bloqueio. Por isso, você está de folga o resto da tarde de hoje.

– Obrigado Roberto, mas uma tarde é pouco para eu esquecer os insultos que aquela dondoca histérica me dirigiu. Fiquei com vontade de quebrar a cara daquela coruja menstruada. Deve estar naqueles dias ou a procura de um macho para enrabá-la, mas como ninguém quis comer aquele cu burguês, resolveu me atazanar. Tudo bem, deixa pra lá! Vou aproveitar a folga e ficar em casa sem pensar em nada, nem se vou continuar a fazer essa porra de matéria. Quer saber, aquele bêbado do caralho que se foda!

Após virar o resto de cerveja que havia dentro do copo, Marcio convidou Roberto para fazerem seus pratos, pois estava com muita fome e não queria continuar bebendo de barriga vazia. Antes de se dirigem para os compartimentos com comida, pediu outra cerveja ao garçom. Ao retornarem à mesa, a garrafa e outro copo já estavam lá.

-Mas afinal, o que aconteceu, meu amigo para aquela mulher estar tão exaltada assim?

– Parece-me que é em relação àquela matéria especial de ontem que eu pretendia publicar em capítulos. De qualquer forma, ela tem algum vínculo com aquele sujeito que vive alucinado e que eu vinha tentando entrevistar, mas não dizia coisa com coisa. Ele só enchia a cara e eu estava embarcando na dele, porém, sempre que eu estava para arrancar o motivo de tanta bebedeira e o fato dele estar sempre com as mesmas roupas, inclusive um dia ele apareceu com as mesmas vestes, só que do avesso, o cara fugia com uma desculpa e pegava uma garrafa de uísque da mesma marca e sumiu na noite.

– E daí? Isso era motivo pra aquela mulher fazer o que fez na redação?

– Numa dessas noites eu o segui para tentar ver onde ele morava, mas fui surpreendido com ele brigando com uma mulher que, parece ser aquela que estava lá na redação. Mas o mais doido de tudo Roberto, foi a matéria ter sido publicada ontem e nem bem havia acabado de acordar e aquela doida estava na porta do meu prédio, cuspindo fogo pelas ventas e toda mandona. Atendi-a para saber o que queria, mas me ofendeu e disse que era para eu parar com as reportagens, porém, me disse que se chamava Tarsila e hoje ela aparece com outro nome.

– Mas o que você disse a ela ontem.

– Ora! Nada! Exceto que a mandei tomar no cu pela petulância de exigir que eu parasse de escrever coisas sobre aquele bêbado do caralho que há muito vinha me enrolando, dizendo coisas desconexas que não tinham nada a ver com o foco das entrevistas. E o pior é que embarquei na onda dele e comecei a beber. Para acompanhá-lo, misturava cerveja com conhaque.

– Então pega leve hoje e vê se aproveita a folga da tarde. Depois do almoço vá para casa e faça outras coisas, leia, durma, assista televisão ou aqueles filmes água com açúcar que passa todas as tardes. Faça qualquer coisa, mas desligue-se desta matéria. Não é um pedido: é uma ordem do chefe e do amigo.

Terminaram o almoço e Roberto disse ao jornalista que não podia ficar mais, precisava voltar para o jornal. Teria que cobrir o amigo que conseguiu se livrar do trabalho até o final daquele dia. “Vê se não fica enchendo a cara e volta pra casa direitinho e descanse”.

– Está bem, Roberto! Vou terminar essa aqui e vou embora.

– Pode deixar que eu pago a conta. Tchau!

Enquanto terminava de tomar a cerveja que havia pedido há poucos instantes, Márcio, mais calmo, ficou pensando nos traços daquela que havia o feito passar a maior vergonha de sua vida, ameaçado seu emprego e a amizade que tinha com o diretor da empresa em que trabalhava. “Qual a altura dela? Deve ter pra mais de 1,75! Não é possível! Tô enganado! Ela teve ter no máximo 1,72! Mas o que importa o tamanho. Ela quase me fodeu! 1.70 ou mais de pura arrogância”, pensou o jornalista.     “Melhor me afastar de gente assim”, disse numa espécie de sussurro para si mesmo, mas olhou dos lados para ver se ninguém o tinha escutado.

Engoliu o restante da cerveja, chamando o garçom, pedindo a ele que lhe trouxesse outras seis cervejas em lata, mas que embrulhasse para viagem. Ia tomá-las em casa. O atendente voltou com o pedido e anotou os valores na comanda e o entregou. Quando chegou ao caixa para pagar, o caixa lhe disse que o Roberto havia dito que não era para cobrar que depois passaria lá para pagar.         

Márcio fez aquela cara de quem não estava entendendo nada, mas já que não precisava pagar, sobraria mais dinheiro em seu bolso. Quem sabe não daria umas voltas pela noite para refrescar a cabeça e pensar em outra matéria ou até mesmo em dar um direcionamento àquelas informações que já possuía. Mas quais? Percebeu que não tinha nada de concreto, apenas um amontoado de devaneios que, ao publicar parte deles, tinha provocado a ira de certas pessoas que não conhecia direito.

Pensativo, se dirigindo à sua casa, concluiu que, se tinha provocado alguém, isso significa que havia coisa ali, portanto, deveria continuar na investigação da matéria. Nem que fosse preciso usar pseudônimo e até mandar para outros jornais, inclusive para aqueles da capital. Só que mudaria a tônica e o formato dos textos. Quem sabe em forma de crônicas, ou até mesmo como os folhetins do século XIX.

Com outros mil pensamentos dentro da cabeça, Márcio chegou em casa. Subiu. Entrou no apartamento. Olhou para o relógio e viu que eram uma e meia da tarde. Dava tempo para tomar banho e enquanto fazia isso, decidiria o que faria da tarde livre.

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