Sobras de um amor…

23

 

Como aconteceu nos dias anteriores, Márcio acordou com uma ressaca daquelas. Antes de sair do sofá onde tinha desabado na noite anterior, olhou em seu entorno e percebeu a origem da dor de cabeça que o acometia. Ao ver que estava todo lambuzado com o próprio vômito, tentou se colocar de pé, mas cabeça pesava uma tonelada. Para sair daquele estado abjeto tinha que fazer um esforço enorme. Não podia ficar ali feito um porco enchiqueirado.

“Força Márcio! Você consegue!”, pensou querendo buscar forças onde não haviam. Com muito sufoco, se colocou de pé e novo jato de vômito surgiu numa enorme velocidade, sem que pudesse evitar. Desta vez veio junto um líquido amarelado, a pele ficou toda arrepiada e a cabeça recebia duas marteladas: uma de cada lado das têmporas.

Novamente, o jornalista olhou para a garrafa em cima em meio a uma saraivada de vômito e sentiu o enjoo novamente e antes mesmo que regurgitasse de novo naquele local que já estava horrível e cheirando a comida azeda, se deslocou rapidamente para o banheiro e quase não deu tempo. Ajoelhou-se diante do vaso, como se este fosse um trono para depositar todas as suas angustias da noite anterior e, entre uma golfada e outra, seu cérebro registrava a promessa muito conhecida por aqueles que gostam de passar dos limites quando o assunto é bebida alcóolica: “prometo que não beberei mais!”

Depois de muitas regurgitadas, conseguiu se levantar e foi ao box, tirou a roupa e ligou o chuveiro. Um jato de água fria caiu sobre o corpo, trazendo-lhe certo conforto, mas ainda sentia a cabeça pesada. Mentalizava haver a necessidade de reagir para começar a trabalhar, processar as informações da noite anterior e, num estalo, se lembrou da cena que viu, na qual um homem discutia acidamente com uma mulher.

“Lógico! Como fui tão burro! Aquele cara que brigava com a mulher era Amadeu e ela deve ser aquela senhora que eu vi lá no boteco! Idiota! Idiota, dez vezes idiota!”, exclamou mentalmente o ressacado repórter. “Mas vou tirar essa história a limpo. Agora eu tenho mais argumentos para chegar até ele e arrancar mais coisas sobre a tal mulher misteriosa”.

Terminado o banho e a ressaca dizendo a todo momento que estava ali, Márcio deu uma geral na sala, prometendo limpá-la descentemente quando retornasse no final do dia. Quando se abaixou para limpar uns respingos perto de onde esteve dormindo, sentiu um peso infernal na cabeça. “Antes de chegar na redação, terei que passar na farmácia e dar um jeito nessa maldita ressaca!”, pensou o jornalista.

Fez todo o percurso de casa até a farmácia torcendo para não ter outro revés e vomitasse em plena via pública. Esse trajeto parecia ter um quilômetro quando a distância que tinha a percorrer não passava de três quarteirões. Tomou o medicamente e se dirigiu ao jornal. Ao chegar ao trabalho, a secretária informou que tinha um envelope lhe endereçado.

Joana lhe passou o objeto contendo apenas o seu nome e nada de identificação do remetente. Sentou diante de seu computador, ligou o equipamento e enquanto este executava todas aquelas funções para que pudesse ser utilizado, inclusive a senha de acesso do usuário, Márcio abriu o envelope e viu que se tratava de um texto impresso, obviamente para que o autor não fosse identificado pela grafia.

 “Senhor Márcio! Peço-lhe que pare com a investigação que vem fazendo sobre Amadeu, querendo com isso escrever uma história dominical para o seu jornal. Ela não trará nenhum benefício para ele. Pelo contrário, desde que o senhor vem o perseguindo, conversando, perguntando querendo entrar num universo que não lhe apetece, ele tem se recusado a tomar algumas medidas importantes para a sua recuperação psíquica”.

 “Também sabemos que, não bastasse o senhor ficar importunando diariamente Amadeu, deu para tentar encontrar coisas onde não se tem nada para procurar. Então a recomendação que lhe faço é: esqueça essa matéria e busque outras coisas para encantar e alienar os leitores dominicais do seu jornal. Se continuar com essa imbecilidade, teremos que tomar medidas mais drásticas e as consequências recairão sobre o senhor e é justamente o que não queremos: prejudicar ninguém!”

“Acredito que o senhor saberá compreender e colocará imediatamente um fim nessa estapafúrdia reportagem”.

 “Sem mais para o momento!”

Assim que terminou de ler a carta, Márcio correu até a secretária para saber quem foi que havia deixado o envelope.

-Não sei, senhor Márcio! Quando eu cheguei está manhã já estava em minha mesa direcionada ao senhor. Até achei que seria coisa importante, pois hoje temos uma série de ferramentas que dispensam esse tipo de procedimento na comunicação.

– Obrigado Joana, verificarei quem recebeu esse envelope e se sabe quem o entregou aqui na redação!

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