Saúde democrática

Gilberto Barbosa dos Santos

 

Quando a questão diz respeito ao universo político e democrático, será que o Brasil está saudável? Lembro-me certa vez que um radialista, para fazer média com seus ouvintes, chegou a afirmar que os intelectuais brasileiros não entendiam do que o povo gostava! Naquele momento pensei que talvez ele, com a sua vociferação desenfreada, soubesse de alguma coisa, contudo, limitei-me a escrever um texto que foi publicado aqui nas páginas deste jornal. O conteúdo basicamente versava sobre o trabalho dum cientista social que é o de compreender como o homem pensa e age em sociedade. Lógico que a palavra homem aqui é empregada não como que se refere ao individuo individualizado, mas aos sujeitos sociais que se enquadram nessa designação advinda do latim homo, portanto, espécie.

Dentro dessa perspectiva, compreendo a manifestação humana a partir de seu fazer histórico. Neste sentido, é possível usar três referenciais metodológicos como ferramenta de análise. Se me detiver nos chamados clássicos das ciências sociais, ou seja, Emile Durkheim (1858-1917); Karl Marx (1818-1883) e Max Weber (1864-1920), eu terei três formas de observação e resultados diferentes sobre o mesmo tema. Por exemplo, tanto para Durkheim como Marx, a Revolução Industrial é um marco importante na história da humanidade, portanto, ao modificar a realidade social na Europa naquele período, as profundas transformações propalaram consequências até o presente. Quando se percorre as páginas escritas por Karl Marx no século XIX e sem o verniz da idolatria ou da truculência panfletária, como se observou nos momentos finais da corrida presidencial, é possível compreender que as transformações ocorridas na Europa Setecentista a partir de Manchester [Inglaterra] modificaram completamente as relações entre os homens, provocando desocupação maciça dos campos, proporcionando o funcionamento de oficinas e teares nas áreas urbanas, objetivando atender demanda por mercadorias que, ao serem adquiridas, passam a ter dois valores que lhes são intrínsecos: valor de uso e valor de troca.

Nessa chave interpretativa, é possível observar que com o advento da Revolução Industrial, a mercadoria tem papel central na vida das pessoas, inclusive transformando seres humanos em meros objetos de troca e venda no mercado da mão de obra que deverá custar cada vez menos e produzir muito mais do que lhe foi paga pelos donos dos meios de produção. Hoje com as mudanças no mundo do trabalho ocorridas pelos processos tecnológicos, a situação não mudou tanto quanto se pensava, pois há desemprego em massa, a exemplo do que aconteceu na Europa pós-revolução industrial e em diversos momentos do capitalismo em sua fase globalizante. Esses desempregados acabaram engordando aquilo que Marx chama de exército industrial de reserva que será empregado em momento oportuno para ser despedido no momento seguinte, evidenciando que, assim como há os descartes de mercadorias inservíveis, existe também o desmantelamento da condição humana através de sua empregabilidade.

Sendo assim, para se pensar sobre a saúde democrática dum povo, me parece que Karl Marx é importante, principalmente quando este analisa as diversas formas como os donos dos meios de produção se mantêm no poder e aqui no Brasil isso não é diferente, até porque, não existe o tal de partido puro, intocável quando a temática diz respeito à corrução.  É interessante acrescentar aqui um quantum do pensador inglês Francis Bacon [Visconde de Alban] (1541-1626); Para ele, a sociedade é governada pelos idolatras: os ídolos das tribos; os ídolos da caverna; ídolos do fórum e ídolos do teatro. Em seu livro Ideologia e contraideologia, o professor emérito da USP (Universidade de São Paulo), Alfredo Bosi, diz que “os ídolos, embora aninhados na mente dos homens, só se entendem se os indivíduos que neles crerem forem observados na trama social ou, para dizê-lo com palavras modernas, no interior de suas respectivas culturas” (2010, p. 19).

Feita essa paradinha no sistema dialético criado por Karl Marx a partir dos fundamentos dados pelo pensador alemão Georg Wilhelm Friedrich Hegel (1770-1831), passo, em linhas gerais, ao sistema durkheiminiano de análise da sociedade. Num primeiro momento, é preciso apontar que para o criador da Sociologia enquanto disciplina acadêmica, o fato social, isto é, o agir do homem, é compreendido como coisas e externo ao indivíduo, sendo lhe imposto de forma coercitiva. Essa peculiaridade pode ser encontrada em determinados momentos da sociedade, como por exemplo, a família, a religião, para ficarmos apenas nesses dois campos do saber e do viver humano. A partir dessa exteriorização dos fatos, é possível entender que a Revolução Industrial tem papel vital no universo coberto pelas análises de Emile Durkheim, como por exemplo, a passagem das sociedades tradicionais para as industriais, cujas transferências de uma para outra é chamada pelo pensador francês de anomia. Emile Durkheim entende que as tradicionais são aquelas regidas pelos fortes traços de alianças fundamentados pela família, pelo meio em que se vive, no qual as pessoas mantêm-se da mesma forma como seus ancestrais.

Nesta chave, a Revolução Industrial faz rompe os laços de solidariedade definidos pelo francês como sendo mecânica, pois é herdado pelos integrantes do circulo familiar dentro duma determinada comunidade. Por exemplo, uma quermesse numa localidade rural conta com a participação de todos os moradores daquela localidade, bem como tomando assento em determinados postos chaves da estrutura criada para promover tal evento. Com o fim da chamada solidariedade mecânica, surge à orgânica, aquela em que o sujeito pertence por conta de uma organicidade objetivadora de algo alheio aos seus participantes, como por exemplo, na linha de montagem duma determina fábrica. Essa anomia, de acordo com Emile Durkheim, faz com que as pessoas precisem se posicionar novamente dentro dum outro contexto social e histórico. Portanto, para se pensar as transformações que acontecem no atual contexto global, o pensador francês tem importante contribuição a dar inclusive quando a temática é o suicídio.

Em terceiro ponto temos Max Weber, mas que deixarei para outro momento. Para este, creio que seja possível usar, em linhas gerais os diagnósticos feitos pelos pensadores alemães e franceses para se compreender o corpo político brasileiro e aviar uma receita para que o cidadão comum deixe de acreditar no canto da sereia e em líderes que garantem trazer a estabilidade de volta e por fim à corrupção apenas com decretos presidenciais, prefeitáveis e governamentais.

 

Gilberto Barbosa dos Santos, Sociólogo político, editor do site www.criticapontual.com.br, autor do livro O sentido da República em Esaú e Jacó, de Machado de Assis; professor do ensino superior e médio em Penápolis; pesquisador do Grupo de Pensamento Conservador – UNESP – Araraquara e membro do Conselho Editorial e Científico da revista LEVS (Laboratório de Estudos da Violência e Segurança) – UNESP – Marília; escreve às quintas-feiras neste espaço: e-mail: gildassociais@bol.com.br; gilcriticapontual@gmail.com. www.criticapontual.com.br.

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