Retrovisor

Gilberto Barbosa dos Santos

 

Mesmo percorrendo as primeiras pegadas do ano novo, me parece ser significativo uma olhadela no retrovisor. Quem tem automóvel sabe muito bem o que isso significa: uma espiadinha no que já passou, ou para ver quem se aproxima, ou até mesmo dar uma ré para não abalroar o veículo que está estacionado logo atrás. Até ai tudo bem, todos os cidadãos costumam fazer reflexão quanto ao seu pretérito, inclusive objetivando eliminar do presente e do futuro os equívocos de outrora. Mas, a tarefa fica mais complexa quando o passado teima em se fazer presente. Quando se estaciona nesse ponto da avaliação, acredito que vale a observação feita pelo filósofo Luiz Felipe Pondé em seu artigo Os idiotas do sucesso que estampa a edição da última segunda-feira de um jornal de circulação nacional. Em determinado momento de sua enunciação, o professor da USP afirma ser os seres humanos mais facilmente fiéis a quem odeiam do quem a quem amam.

Mas o que tem a ver a narrativa de Pondé com o mundo, de modo geral, com o Brasil – que patina num atoleiro só e se enumerar a quantidade de questões que dão conta desse processo a lista seria interminável -, com o estado de São Paulo e propriamente a Terra de Maria Chica? Talvez seja essa a interpelação que os leitores de meus enredos semanais publicados aqui nesse espaço, devem estar se fazendo no momento. Se for esse o conteúdo da interrogação – espero que seja -, me parece que posso começar observando o retrovisor político de Penápolis, mesmo porque ainda arde a fogueira das vaidades no reino das águas claras – para pensar em Monteiro Lobato, significativo literato brasileiro. O estopim desse mal-estar, que não é o civilizacional – para chamar o pai da psicanálise Sigmund Freud e o recém-falecido pensador Zygmunt Balman e sua modernidade líquida – pode-se dizer se deu na sessão que definiu a presidência da Câmara e toda a mesa diretora do legislativo local para o biênio 2017/2018. E de quebra quem ocupará o cargo de chefe do Executivo nos próximos meses, pois, diante do recurso impetrado pelo ex-prefeito contra a decisão soberana do plenário do TSE que lhe cassou o registro de sua candidatura, independentemente dos votos que recebeu no último pleito, já que a letra fria da lei não foi atropelada pelos integrantes do egrégio tribunal e sim cumprida.

Mas e ai, como é que fica a pendenga, ou não fica? E o resultado da peleja eleitoral dá-se por encerrado até que seja marcada nova eleição municipal? Claro que as consequências são sentidas pelos dois lados do cabo-de-guerra, com uma das vertentes – a derrotada – acusando a outra – a vitoriosa – de traidora ou Judas Iscariotes, justamente porque a vencedora foi alçada à condição de prefeito interina. Desde então muito sem tem falado sobre Nicolau Maquiavel (Nicolò di Bernardo dei Machiavelli – 1469/1527) e o seu O príncipe como obra fundamental para se entender o trebelhar político antes da votação. É interessante observar que o atual prefeito saiu das entranhas do grupo que almejava granjear os dois poderes: a presidência do Legislativo e de quebra tornar-se, até que o TRE anuncie a nova disputa, o novo alcaide. Outro postulante aos postos havia costurado isso e aquilo, mas como diz certo locutor esportivo, na hora do vamos ver, não teve votos suficientes para atingir o escopo da equipe política.

Até ai todos os cidadãos politizados ou não da Terra de Maria Chica são cônscios, contudo, já que Maquiavel e sua obra, ao que me parece, junto com os fatos e suas devidas consequências, estão no olho do furacão, entendo ser significativo, mesmo que de forma sintética e dentro dos limites que este espaço me permite, fazer um breve comentário sobre o clássico do pensador florentino que atravessou séculos, contudo, permanece atualíssimo quando a questão diz respeito ao comportamento político do indivíduo que está se enveredando pelas estradas que levam ao poder. Posto isto, é preciso apontar que esta minha enunciação, destina-se àqueles que transformaram o mundo da política em profissão, mas, sobretudo aos que desejam compreender esse universo que, às vezes, parece ser tão complexo, cheio de artimanhas para quem está envolvido e os que estão foram não desejam se envolver por diversos fatores, cujas consequências todos já sabem: diante da ausência de cidadania, os espertalhões deitam e rolam com o descaso do povo que lhes delega poder sem compreender direito o que isso significa.

Diante do exposto acima, me enveredo sinteticamente pelo livro do filósofo quinhentista, mais especificamente o capítulo XVIII – Como os príncipes devem guardar a fé da palavra dada. A seção é pequena, contendo três parágrafos apenas, contudo de significativo valor para quem objetiva entender os meandros da política e seus acordos. Segundo Maquiavel, “[…] um príncipe prudente não pode nem deve manter a palavra dada quando isso lhe é nocivo e quando aquilo que a determinou não mais exista”. O trecho citado pode ser divido em duas partes: a primeira diz respeito ao aspecto maléfico e prejudicial como está evidenciado no excerto e não me parece ser o caso que recheia as linhas que se seguem, uma após a outra.

A segunda diz respeito aos fatos e o correr da existência e, como externava determinado filósofo pré-socrático, o homem não se banha no mesmo rio duas vezes, pois ambos não são os mesmos já que o ontem ficou no retrovisor e o amanhã ainda é um porvir e o hoje é consequência do outrora dado. Sendo assim, o acordado durante o processo eleitoral já não existe mais, pois as condições do pacto firmado entre as partes mudaram, portanto, seguindo as observações de Nicolau Maquiavel, o príncipe-político está desobrigado a manter aquilo que existia antes do pleito e que desapareceu após a eleição e as questões eram outras. Desta forma, ponto para o vitorioso e pronto e que se aguardem as próximas eleições enquanto o trebelhar político continue a funcionar sem animosidades – coisa difícil em tempos de dupla derrota de uns e conquistas de outro.

 

Gilberto Barbosa dos Santos, sociólogo, professor no ensino superior e médio em Penápolis. Pesquisador do Grupo Pensamento Conservador – UNESP e membro do Conselho Editorial e Científico da revista LEVS-UNESP. Escreve às quintas-feiras neste espaço: www.criticapontual.com.br. E-mail: gilbertobarsantos@bol.com.br, gilcriticapontual@gmail.com, e social@criticapontual.com.br.

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *