Reforma política? Onde e quando?

Gilberto Barbosa dos Santos

 

Um dia desses em que o cidadão se torna um errante e perambula pelas ruas da cidade, a exemplo do cronista que busca fatos corriqueiros do cotidiano de seus leitores para transformá-los em matéria-prima de seus escritos – sempre lembrando que neste ofício nada do que aconteceu um dia é perdido para a história de determinadas paragens -, este que vos escreve conversou serenamente com um transeunte sobre o cenário político nacional e, para variar, a temática foi à qualidade da nossa classe política. Sem querer ser chato, mas já sendo, disparei-lhe a seguinte pergunta: “o que fazer para mudar tal situação de descalabro que começa em Brasília e termina no mais singelo município do orbe brasileiro?” Pois bem! Este me respondeu: “uma reforma política que comece pela raiz!” De chofre lhe devolvi a exclamação com outra pergunta: “quem iniciará esta revolução? Seria o alto escalão da governança brasileira?”.

Pela expressão que fez, percebi que meu interlocutor ficou atônito, pois se as transformações tão almejadas devessem partir do alto do trono, cujos integrantes estão acostumados, para não dizer dependentes, com a política do beija-mão imortalizada durante o reinado de D. Pedro II (1840-1889), a coisa então ficaria do mesmo jeito, ou até pior, pois os nossos representantes encastelados nos mais diversos palácios espalhados pelas cidades brasileiras, cujo poder inebriador encanta aquele que se deixa levar pelas ondas sonoras emitidas pela sereia homérica – como naquela propaganda que era veiculada no antigo Cine Joaquim aqui em Penápolis, cujo locutor sempre dizia “Cine São Joaquim, o palácio encantado da cidade!” – não se ocupam efetivamente em mudar as coisas. Mas deixando a sétima arte para outra reflexão e mantendo o foco no presente, ou seja, aquele em que a política desencanta o indivíduo que dela deveria participar, já que tudo é decidido pela classe de representantes da coletividade, é preciso observar que o legislador escolhido pelo povo, legisla mais em causa própria do que em prol da sociedade.

Se isso é fato e tendo a crer que sim, mesmo porque os fatos dizem tudo – e, mesmo que determinados sujeitos quase que políticos defendam categorias específicas de políticos populistas -, portanto, contra os quais não se tem argumentos escudados nos ideologismos e nas paixonites partidárias, me parece ser salutar compartilhar com os leitores de meus textos e aforismas um pouco da conversa mantida com o interlocutor que me ouvia naquela determinada ocasião, cuja data não se faz necessário aqui externar e nem o local, mesmo porque o conteúdo é mais significativo do ponto de vista político do que coisas comezinhas do cotidiano. Feitas as devidas ressalvas, lhe disse que as mudanças começam sempre do sopé da montanha e nunca do alto, pois o cume só pode ser escorado por uma base sólida e, se esta não tiver princípios básicos do ponto de vista moral e ético, não tem como o cume ser diferente, ou seja, se as raízes forem podres, os troncos seguirão os seus fundamentos e, se derem frutos, esses estarão carcomidos pelos desejos atrozes daqueles que tremulam no alto do trono, como já apontava o escritor Machado de Assis nas Memórias póstumas de Brás Cubas. Desta forma, é preciso conscientizar quem defende políticos envolvidos com atos delituosos que sangraram os cofres públicos, minguando as esperanças dos estudantes e ai a merenda pode ser um significativo exemplo seguido do filme Tudo por uma esmeralda.

Continuando o diálogo com o interlocutor não ausente, lhe apontei que as alterações no mundo da política começam aqui no município, onde o ente político reside e seus representantes se transformam em cabos eleitorais de deputados estaduais e federais, bem como dos senadores, e postulantes aos cargos nos executivos estaduais e federal. Ou seja, escolhendo aqui, estará sinalizando o que deseja ver edificado no alto da montanha, onde o governo propõe políticas públicas para melhorar a condição dos cidadãos. Portanto, se há desvios em Brasília e nas sedes dos governos estaduais, a culpa sempre recairá, em última instância, no eleitor, desavisado, que escolhe seus representantes se baseando em diversos fatores, entre eles, a capacidade do postulante, conforme dizia Maquiavel em seu clássico da teoria política O príncipe, distribuir benesses aos desavisados, mesmo porque, ao dar com uma mão, cobrará com a outra durante o processo eleitoral e olha que, num passado não muito distante um líder político esbravejou ter ajudado a população durante três décadas e que naquele momento, o eleitor tinha que auxiliá-lo e deu no que deu – mas ai é outra questão, por ora fiquemos com as mudanças tão almejadas pelo cidadão comum e tão protelada pela classe política.

Desta forma, é preciso ter claro que se o eleitorado – a quem o poder pertence de fato – não consegue mudar as coisas aqui onde reside e a qualidade de seus representantes, quiçá um trio de abnegados na Câmara fizeram aquilo que o povo deles se esperava, o que dizer do âmbito estadual e federal? Nesse último plano, as pérolas são significativas, pois o Ministério Público Federal encaminhou ao Congresso Nacional uma série de apontamentos que gostaria de ver implantados na seara política brasileira, isto é, na legislação eleitoral. As solicitações contaram com dois milhões de signatários, cifra que deve ser considerada – mesmo sendo maior a quantidade de cidadãos descontentes com o quadro dantesco que é pintado pelos deputados e senadores na esfera federal seguido por uma Corte Suprema que gera desconfiança na plebe.

Os signatários querem criminalização em atos que configurem enriquecimento ilícito de agente público – ou seja, dos integrantes da casta de burocratas atrelados umbilicalmente e de forma simbiótica com a uma herança aristocrata brasileira instalada aqui no período oitocentista. Desejam ver os bens e os valores surrupiados dos cofres públicos voltando às origens com muito mais rapidez e a prisão preventiva dos algozes do futuro da Nação. Querem que os crimes de corrupção sejam tipificados como hediondos com pena fixada entre 12 e 25 anos de reclusão. Almejam transformar em crime o famigerado esquema de caixa 2 e os partidos políticos sentenciados. Enfim, alterações que, se forem estabelecidas, podem mudar a cara do sistema político e representativo brasileiro. Mas ai se esbarra naquilo que externei acima e em outros textos: na categoria em que tais medidas recairão, ou seja, nos representantes do povo que gostam de se locupletar com o dinheiro alheio engrossando a classe de plutocratas que, de maneira simbiótica por meio duma dança letal para os cofres públicos, surripiam o amanhã das crianças e dos adolescentes de hoje.

Encerrando o diálogo mantido com meu interlocutor, lhe disse que acredito nas mudanças e sempre lutarei por elas, mas que é preciso ter uma visão mais racional sobre a sociedade e participar efetivamente da vida política municipal, estadual e federal. Se no âmbito estadual e federal, a presença é, vamos dizer assim, mais distante, no plano local, não é já que é possível estar presente aqui e cobrando os representantes, mas nunca se esquecendo do posicionamento dos que estão encastelados no Executivo e Legislativo e o legado que estão deixando, principalmente no que diz respeito ao trato com a coisa pública e, neste sentido, o Ministério Público e o Tribunal de Contas do Estado de São Paulo estão apontando. O resto é verborragia eleitoreira para conquistar o voto dos mais desavisados.

 

Gilberto Barbosa dos Santos, sociólogo, professor no ensino superior e médio em Penápolis. Pesquisador do Grupo Pensamento Conservador – UNESP e membro do Conselho Editorial e Científico da revista LEVS-UNESP. Escreve às quintas-feiras neste espaço: www.criticapontual.com.br. E-mail: gilbertobarsantos@bol.com.br, gilcriticapontual@gmail.com, e social@criticapontual.com.br.

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