Reflexões natalinas

Gilberto Barbosa dos Santos

 

Mais uma vez, mesmo que arrasada pela pandemia que grassa o mundo em 2020, a humanidade chega novamente a um natalício. O que dizer? O que pensar sobre isso? Como será possível planejar, minimamente, um futuro para uma sociedade alicerçada no egoísmo, na transformação fantasmagórica do outro em mercadoria, seja ela de que espécie? Como podem observar, meus caros leitores, nesta reflexão natalina, meu escopo é tão somente buscar uma compreensão das ações dos seres humanos que, em muitos casos, podem ser classificadas como reações e não propriamente um comportamento em que pode congregar mais pessoas ao invés de exclui-las, tornando o mundo sereno para todas as espécies. Claro que há, neste que vos dirige a palavra nesta véspera natalina, uma objetividade que não se escuda no desejo de sentenciar quem quer que seja, contudo, é preciso salientar que o aniversariante de logo mais nunca disse, na condição de poeta maior, filósofo ou líder religioso – como muitos preferem o adjetivá-lo -, que os humanos deveriam se separar em fronteiras, fabricar carimbos e desenvolver toda forma de segregação, preconceito, principalmente no que diz respeito às suas reflexões sobre o homem aqui no mundo.

Mas vá lá, como tudo o que possa ser dito hoje, amanhã e claro no ontem e esteja grafado em papel ou nas consciências quase que humanas, pode ser passivo de múltiplas interpretações, principalmente no que diz respeito às hermenêuticas, porém, existem alguns preceitos que me parecem basilares para se pensar a própria conduta enquanto ser social e sociável. A primeira que me vem à memória, e de chofre, é o seguinte olhar: o indivíduo individualizado chega ao orbe já portando a chaga do preconceito, seja ele em que esfera for? Dito de outra forma: o homem tem dentro de si a célula que faz com que desenvolva qualquer espécie de etnocentrismo? Rapidamente, sem precisar de qualquer exercício biológico, matemático, antropológico, pode se responder rapidamente: não! Inclusive, o próprio ente que personifica o cristianismo afirmou, em vários momentos de sua estada na Terra, que haveria a necessidade de congraçamento entre todos, independentemente de qual credo cada um lhe aprouvesse. Essa é a ideia personificada na Santa Ceia e sua partilha. Recordo aqui inclusive um dos seus olhares, segundo o qual, o sujeito deveria ser portador de uma paz interna a qual deveria ser compartilhada com seus semelhantes, por exemplo, durante as comensalidades, como a que muitos estarão realizando nas próximas horas.

Interessante notar que muitos dizem, contudo, poucos são aqueles que conseguem, mesmo que por minutos, horas apenas, encontrar a tão sonhada paz interior! Se o momento é para refletirmos sobre esse período tenebroso pelo qual passa a humanidade, então fico com outra interpelação: por que é tão complicado entender que o momento não é para questionar a Ciência e os cientistas, mas de seguir suas orientações? É evidente que 2020 foi, praticamente todo ele a partir do auspício do covid-19, todavia, agora que poderia estar-se ficando livre desta pandemia, mas a situação ganha outras nuanças com o aumento da contaminação e do número de óbitos. Como frear esse morticínio nas próximas semanas quando 2020 já tiver deixado a nossa existência e todos nós, ocidentais, estivermos num novo ano? A resposta é uma só: prevenção! Eis o primeiro e mais importante passo! Ações que deveriam ter sido seguidas à risca desde o seu princípio, entretanto, a humanidade, em sua grande maioria, perdeu tempo com discussões escatológicas, principalmente advindas de líderes políticos populistas com desejos atrozes de se tornarem autocratas. No bojo do palavrório havia apenas o desejo de se manterem no poder, mesmo que fosse preciso ceifar as vidas de milhares de pessoas. O resultado é o que a sociedade assiste no seu presente

Quando se observa a história recente da humanidade – sim, recente se for levado em conta o tempo de constituição do próprio Planeta -, mais especificamente na época chamada Medieval, portanto, Idade das Trevas, a governança planetária, mais especificamente no âmbito ocidental era dada por intermédio do medo inculcado às pessoas por preceitos que já eram ultrapassados na época, se o meu caro leitor computar o que os gregos já faziam no campo do pensamento, inclusive através dos chamados Pré-socráticos. E o que dizer do conhecimento armazenado pelos Orientais e os povos instalados no Oriente Médio, como por exemplo, os egípcios? Mas por que será que o conhecimento, a ciência sempre foram vilipendias pelos chamados donos do poder, seja no ontem ou agora no presente? Creio que o mundo científico, principalmente aquele pautado pelo âmbito da razão, sempre incomodará aqueles que querem se manter no poder a partir da alienação dos sujeitos que não possuem conhecimento, ou como preferirem, meus caros leitores, o famoso esclarecimento, a “luz” que iluminará sempre as consciências que foram mantidas nas trevas da ignorância. Daí o período do medievo ser adjetivado como época trevosa, pois ao homem comum não era dado o hábito de conhecer e, a partir deste, questionar certas verdades vociferadas do alto do trono em forma de migalhas, conforme Machado de Assis (1839-1908) fez constar no capítulo IV Ideia Fixa, do seu romance Memórias póstumas de Brás Cubas.

De qualquer forma, deixando o pretérito da espécie humana na Terra e retornando para o presente, em que o homem foi presenteado por uma pandemia que parece não ter fim, é preciso que se diga, conforme os cientistas indicam, que de tempos em tempos, a sociedade é varrida por vírus letais, como os responsáveis pela Peste Negra e a Gripe Espanhola, para ficar apenas nesses dois exemplos. E o que se aprendeu analisando esses acontecimentos? Que o homem se acha acima de tudo e de todos e que poderá eliminar, com toscas verborragias, tragédias como a que grassa o Planeta neste momento em que, este que vos escreve, está recluso, buscando se proteger deste vírus, estendendo as ações aos demais sujeitos sociais com os quais convive. Embora, na condição individual, eu redija as linhas com as quais se formam essa tentativa de reflexão natalina, minha preocupação extrapola a individualidade em si, pois não sou uma ilha, conforme diz aquele poema Para quem os sinos dobram, confeccionado durante a pandemia adjetivada como Peste negra. Se, de fato, não somos uma singular ilha, por que é tão difícil se colocar no lugar do outro, principalmente agora que a sociedade passa por um momento tão complexo e delicado em que milhares de famílias foram vítimas do covid-19 e não terão o que comemorar neste Natal?

Claro que cada indivíduo pensa o seu mundo e o dos demais seres humanos a partir dos valores que recebeu em casa junto aos seus familiares, principalmente nos momentos de comensalidades, quando se partilha não apenas o pão e o vinho – para ficarmos nessa passagem crística -, mas sobretudo, valores éticos e morais. Em que o exemplo vale mais do que o dito, contudo, não posso deixar de enfatizar aqui como palavras finais desta quase reflexão: não adianta falar em revolução, querer um mundo melhor, se apenas deseja que o outro faça isso primeiro. O correto, assim como dizia Immanuel Kant (1724-1804), é agir de tal forma que a sua prática possa ser universalizada. Fico por aqui desejando uma excelente festa de aniversário crístico aos meus leitores.

 

Gilberto Barbosa dos Santos, Sociólogo político, editor do site www.criticapontual.com.br, autor do livro O sentido da República em Esaú e Jacó, de Machado de Assis; professor no ensino médio em Penápolis; pesquisador do Grupo de Pensamento Conservador – UNESP – Araraquara e membro do Conselho Editorial e Científico da revista LEVS (Laboratório de Estudos da Violência e Segurança) – UNESP – Marília; escreve às quintas-feiras neste espaço: e-mail:   gilcriticapontual@gmail.com, d.gilberto20@yahoo.com,   www.criticapontual.com.br.

 

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